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Full text of "Cartas do P. Antonio Vieyra da Companhia de Jesu : tomo primeiro[-segundo]. ."

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CARTAS 


D  O 


P.  ANTÓNIO  VIEYRA 
da  Companhia  de  JESU 

TOMO   PRIMEIRO. 

OFFERECIDO 

AO  eminentíssimo  senhor 

NUNO  DA  CUNHA 

E   ATTAYDE 

Preshytero  Cardeal  da  Santa  Igreja  de  Roma 

do  Título  de  Santa  Anaflafia  ,   do  Confelho 

de  Efiado  ,  Guerra  ,  e  Defpacho  de  Sua 

Magefiade  ,     Inquifidor    Geral   nejle$ 

Remos  y  e  Senhorios  de  PortugaL 


LISBOA  OCCIDENTAL, 

Na  OíEcina  da  Congregação  do  Oratório. 


M.DCC.XXXV, 

Cem  todas  as  Ucmças  ncceffarlaSé 


H 


y    f 


eminentíssimo  senhor. 


■■■■ 


AO  he  trihfdto  j  he  refli-^ 
tuíçao  o  livro  qne  offe^ 
reco  a  V,  Emmencia  ,  pots  a  fua  generofa  curio^ 
ftdadefez  a  mais  numero/a  collecçaõ  das  Cartas  do 
Grande  Padre  António  Vieya  ,  e  com  o  feo  pa^ 
trocmto  fe  refolvèraõ  muitos  dos  cfue  com  dlfculpa^ 
i:ely  mas  cruel  avareza  ,  guardavao  taõpreclofos 
orlgmaes ,  a  fiallos  de  quem  os  havia  de  Impri-* 
mlr ,  Jèm  o  perigo  de  os  vulgarizar.  Deve  ame^ 
morla  do  Author  a  V,  Eminência  o  mayor  bene^ 
fido  ,  pois  nefias  Cartas  brilhao  mais  a  fuadou^ 
trina  moral  ^politica ,  erudita ,  e  dlfcreta ,  o  zelo 

*  ii  dã 


ãa  Religião ,  a  fidelidade  àfua  Pátria ,  a  fcien^ 
aa^  e  a  elegância  em  que  floreceo ,  e  que  V. 
EmmenciatanPõama ^ e patrocina.  Também de'^ 
voaF.  Eminência  mais  o  favor  de  me  permittir 
que  enconcorrejfe ,  para  que  fe  puhUcaJfe  Obra 
taó  excellente ,  dando-nos  a  efperança  de  que  com 
a  fua  protecção  fayao  à  luz  outros  efirit os  do 
Grande  Padre  António  Fieya  ,  e  entre  elles  o 
dezejado  lwrodeC\z\\sVxo^h.ttzxxím,  que  efie 
Author preferia  ^  naô  menos'que  a  todas  as  outras 
obras  fuás.  Na  Corte  de  Roma ,  e  nas principaes 
de  Europa  ,  em  que  F,  Eminência  tad  dignamen- 
te app  are  ce  o ,  achou  F,  Eminência,  que  ainda 
depmdequafi  meyo  feculo  permaneciao  oseccos 
defle  mftgne  Orador :  mas  pouco  importava  ,  que 
elleme  mflmjfe  ioda  a  fua  eloquência ,  fe  a  rara 
rnodeflta  de  F,  Eminência  me  nao  interpuzejfe 
inviolável  filencio  ,  para  que  o  que  he  Dedicató- 
ria ,  nao  continuaffe  Panegyrico  ,•  e  efie  he  o  um- 
€0  facrificío ,  que  faço  com  violenaa  aos  preceitos 
de  F,  Eminência,  que  athe  nefla parte  hey  de  fe^ 
^uirporaffeao,  e  por  obrigação,  Deos guarde  a 
F,  Emmencia  muitos  annos, 

Bejo  as  mãos  de  V.  Eminência 

Seo  amigo,  e  mayor  cativo 


Conde  de  Ericeyra.^ 


PRO. 


PROLOGO. 


SAHEM  emfím  à  luz  as  promettidas  e 
desejadas  Cartas  do  Grande  Padre 
António  Vieyra,  quefielrríente  fe  co- 
piarão dos  feos  originaes.  Efta  he  fó  a  Apolo- 
gia de  que  neceffitaÕ  ,  porque  o  nome  delle 
infigne  Author  o  affegura  da  injufta  íiippoíi- 
çaÕ  5  de  que  haja  críticos  tao  atrevidos  ,  que 
poíTaÔ  cenfurallas.  A  efte  primeiro  volume 
haõ  defeguir-fe  outros  à proporção,  que  íe 
forem  juntando  outras  Cartas  ,  havendo  jà 
baftantes  para  formar  fegundo ,  e  terceiro  to- 
íno.  NaÕ  íe  duvida ,  que  com  os  illuftres  ex- 
emplos do  Eminentiflimo  Senhor  Cardeal  da 
Cunha  ,  do  Duque  do  Cadaval  D.  Nuno 
Alvares  Pereira  ,  e  de  outros  ,  que  generofa- 
Biente  enriquecerão  o  mundo  literário  com 
-    -  eftes 


éR-es  preciofos  thefouros ;  continuem  a  par- 
ticipar ao  Conde  da  Ericeira ,  que  principiou 
|i  fazer  efta  collecçaõ  ,  ou  ao  Padre  António 
jdosReysdaGongregaçaõ  do  Oratório,  que 
à^?^^^^^^_'  ^^9  J^^  ^s  Cartas,  mas  todas  as 
mais  obras  deííe  incomparável  Author ,  por- 
que todas  haõ  deimprimir-fe,  dando  a  glo- 
ria a  quem  vencer  a  difculpavel  avareza  com 
que  as  occultava,  e  ainda  fera  mayor  efta  glo- 
ria aos  que  iiluftrarem  a  memoria  de  íeos  pa- 
rentes ,  e  amigos ,  moftrando  que  tiveraõ  a 
fortuna  de  huma  ta5  eftimavel   correfpon- 
dencia. Para  facilitar  efta  empreza  fe  publica- 
rá no  fim  defta  coUecçao  hum  Catalogo  de 
todas  as  obras  de  que  ha  noticia  ,  ainda  que 
fej  ao  fragmentos  defteinfigne  Author  ,  pois 
naõ  merecem  mayor  eftimaçaõ  os  que.íejun- 
taÕ  dos  Efcritores  antigos  ,  naõ  cedendo  o 
Padre  António  Vieyra  a  Marco  Tullio  na  elo- 
quência das  oraçoens ,  e  excedendo-o  na  no- 
breza dos  aflumptos.  O  mefmo  fe  verá  agora 
nas^cartas,  pois  nem  asEpiftolas  familiares 
de  Cicero  faõ  mais  próprias ,  nem  as  que  ef- 
creveoaPomponio  Attico  faõ  mais  elegan- 
tes. Eftes  foraõ  òs  motivos  para  fe  imprimi- 
rem as  que  parecem  mais  naturaes ,  e  menos 


ftre  j  que  também  ha  vicio  e  abtifô  èm  naS 
proporcionar  o  eftilo  com  o  aííumpto  :  e  qtie 
tem  igual  perigo  a  elevação  ,  que  o  abati- 
mento j  e  por  iíío  he  o  eftilo  chamado  médio 
6  que  ha  de  feguir-íe  nas  cartas  ,  imagens  vi-^ 
vas  da  locução ,  em  que  fe  communicaó  natu- 
ralmente os  penfamentos ,  e  em  que  perma- 
nece mais  que  em  outro  género  de  efcritos , 
vivo  o  retrato  de  quem  as  efcreve.  Muito  pu- 
dera nefte  lugar  difcorrer-fe  dos  Authoresy 
que  com  pouca  felicidade  efcrevèraÕ  os  pre- 
ceitos da Artedeefcrever  cartas,  e  dos  que 
com.  mayor  acerto  dèraõ  os  exemplos  ,•  e  mo- 
ftrar ,  que  ex  cep  tas  as  fagradas ,  que  a  fé  rejp- 
peita  em  S.  Paulo,  e  nos  outros  Authores  Ca- 
nc  nicos  ,  e  as  que  venera  em  S.  Bafilio ,  e  em 
outros  Santos  Padres  antigos,  que  efcolhè- 
raõ  o  eftilo  epiftolar  para  publicar  as  verda- 
des Catholicas ,  faõ  as  cartas  do  Padre  Anto* 
nio  Vieyra  as  melhores  entre  asquefecon-^ 
fervaõ  dosEfcritores  mais  eruditos,  porque 
na  facilidade  as  na5  excedem  ,  como  já  íè 
ponderou,  as  familiares  de  Cícero,  nem  as 
que  efcreveo  a  Attico ,  e  a  Quinto :  nem  na 
difcriçaõ,  e  viveza  merece  Plinio  mayor  ef- 
timaçaõ,  fendo  eftes  dous  Efcritores  os  me- 
lhores exemplares  de  efcrever  cartas  ,  que- 
^   "  deixou 


^deixou  a  Antiguidade ,  pois  as  de  Séneca  fa5 
fóFilofoficas,  eas  deSimaco  ,  e  Caffiodoro 
defeculo  bárbaro.  Outras  Gregas,  e  Latinas 
felem  efpalhadas  em  diverfos  Autfiores  ,  que 
como  naõ  faõ  de  hum  fó ,  naõ  podem  entrar 
ao  exame.  Depois  que  a  íingoa  Latina  fe  ref- 
taurou,  florecèraò  Policiano,  Sadoleto ,  e  ou- 
tros muitos  no  eftilo  de  efcrever  cartas.  Nas 
lingoas  vulgares  tem  todas  asNaçoens  EC- 
critores ,  mas  na5  em  grande  numero  ,  defte 
eftilo.  Tudo  difcorre  doutamente  Manoel  de 
Faria  e  Souza  no  Prologo  e  Comento  das  pou- 
cas Cartas,  queexiftem  do  Grande  Luis  de 
Camoens  ,  e  que  brevemente    haõ  de  ira- 
primir-fe  com  os  Comentos  ,  que  fâltâ5  ao 
•nefmo  Poeta.  No  noíTo  idioma  fó  D.  Fran- 
cifco  Manoel  divulgou  Cartas ,  de  que  algu- 
mas faõ  eftimaveis  j  naÕ  tratando  das  eípiri- 
tuaes  do  Grande  Padre  Frey  António    das 
Chagas  ,  nem  das  manufcritas  de   grandes 
Miniftros,  e  homens  doutos,  muito  dignas 
de  publicar-fe*  Nas  lingoas  vulgares  pudera 
aqui  referir  ,  e  comparar  os  mais  celebres  Ef« 
critores  de  Cartas ,  fe  foíTe  neceíTario  pane-» 
gyrico,  ou  apologia,  parallelo,  ou  compe- 
tência entre  o  Padre  António  Vieyra,  e, ou- 
tros Efcritores.  Naõ  fegídenàraõ  eftas  car- 
" "  ""^  " ^  "^  '  taç 


■I 


tâspela ordem  rigorofaj  e  Chronologka,  em 
que  foraõ  efcritas  ,  como  ,  naõ  fem  utilida- 
de, fevè  em  alguma  edição  de  Cicero  ,  por- 
que ainda  qne  os  fucceíTos  davida  defte  Au- 
thor  fe  percebem  melhor  nefta  forma ,  como 
ella  vay  obfervada  em  cada  liuma  das  corref- 
pondencias ,  que,  feguindo  o  eftilo  commum, 
vaõ  feparadas  ,  fe  percebem  melhor ,  fem  in- 
terromperfe  os  motivos ,  e  os  fucceíTos.  Tam- 
bém as  naõ  dividi  por  matérias ,  por  naÕ  alte- 
rar a  referida  fuppofíçaõ  •  e  porque  a  varieda- 
de hemais  agradável  pelas  razoens  folidas, 
queda  onoíToAuthor  na  primeira  parte  dos 
feos  Sermoens ,  quando  no  Prologo  fe  juftifi- 
ca  de  os  naõ  repartir  pelas  matérias ,  nem  pe- 
la ordem  dos  tempos ,  e  feftas  do  anno.  Daõ 
efperanças  alguns  curiofos  de  qtie,  de  mais  de 
quatro  centas  cartas  que  jà  eftaõ  juntas,fe  da- 
rá noticia  de  mais  demil,que  anciofamente  fe 
dezejaõ  3  e  também  fe  efpera  accrefcentar 
Sermoens,  Difcurfos  politicos,  Poéfías ,  e  ou- 
tras Obras  de  que  jà  temos  baftanteríumero 
para  continuarem  em  muitos  volumes  eftas 
admiráveis  producções. Poucas  faõ  as  cartas, 
que  fe  naõ  publicarão ,  e  menos  os  periodós , 
que  fe  omittiraõ  ;  o  que  fó  fe  fez ,  quando  os 
fegredos  que  continhaõ  naõ  prefcrevèraõ 


iU 


com 


com  o  lapíb  do  tempo.  &c.  A  Vida  do  Grau-, 
de  Padre  António  Vieyra  eftà  efcrevendo  o 
ReverendiíTimo  Padre  André  de  Barros  da 
Companhia  de  JESUS  ,  e  da  Academia  Real. 
A  ííia  Fama  pofthuma  com  a  Relação  das  Ex- 
équias ,  que  com  grande  pompa  fez  celebrar 
çm  S.  Roque  a  efte  Varaõ^ififigne  o  Conde  da 
Ericeira  em  17  deDezfembr))  de  1697.  com 
as  Poeíias  em  diverfas  lingbas  ,  domasEm^ 
prefas ,  e  Emblemas ,  e  corri  o  exCellente  Ser- 
ixiaõ ,  que  já  corre  impreíTo ,  queíez  naquelle 
nobiliílimo  Ado  o  Reverendiíliiíoo  Padre  D. 
Manoel  Caetano  de  Souza  Clérigo.  Regular , 
faraÕ  completa  a  ferie  das  obras  mais  eftima- 
das  do  mundo,  traduzidas  em  muitos  idio- 
ixias  ,  e  dos  íeos  Elogios ,  que  também  haò  de 
imprimir-fe  com  tudo  quanto  poíTa  contri- 
buir á  gloria  do  Padre  António  Vieyra  ,  que 
na  virtude ,  nas  letras ,  na  politica ,  na  fideli- 
dade à  fua  Pátria ,  na  moderação  da  profpera 
fortuna ,  na  conftancia  na  adverfa  ,  e  em  ou- 
tras relevantes  circunftancias ,  ou  igualou  , 
ou  excedeo  os  homens  mais  celebres  de  todos 
os  fcculos ,  acreditando  a  Lisboa  liia  Pátria , 
ca  Portugal,  de  quem  foy  o  adorno  maisii- 
luftre. 


LI- 


n^^^v 


LICENÇAS 

D 

do  Santo  OlEcio. 


iir«i 


O  LIVRO  que  V.  Eminência  foy  fer-* 
vido  mandarme  rever ,  tem  por  ti- 
tulo :  Cartas  do  Padre  António  P^t* 
e^a ,  e  efte  fobrcfcritó  bafta  para  recommen* 
daçaõ  das  mefmas  Cartas.  Os  preceitos  da  ar- 
te Oratória  faõ  diíFerentes  dos  que  fe  devem 
©bfervar  nas  Cartas^  mas  como  o  juizo  do  Pa?- 
dre  António  Vieyra  os  podia  dar  em  toda  a 
matéria ,  naõ  faõ  menos  excellentes ,  no  íco 
género ,  as  íuas  Cartas  do  que  as  luas  Ora- 
ções Evangélicas.  Omodo  de  dizer  he  diverlb, 
como  pedia  adiíFerença  dosefcritos  ,•  mas  o 
padre  António  Vieyra  em  huns  e  outros, 
igual  ,  e  fempre  o  mefmo  :  Princepe ,  como 
Tullio,  dos  Oradorcs,e Meftre,  também  co* 


WíiZ 


mo 


mo  ellè"'^  ^ò  èílilò  epiltdlár.  Fublíqttetti-íe 
ipois  eftas  Cartas  para  lervirem  de  exemplar  à 
'buíras ;  e  com  efta  utilidade  teremos  também 
ò  gofto  dever  nellas  eftampado  hum  vivo  e 
fiel  retrato  do  Padre  António  Vieyra.  Muito 
tempo  ha ,  que  o  pincel  e  o  bõril  nos  dèraõ  a 
íiiaeifigie,  mas  naõ  pôde  a  arte  reprefentar- 
nos  nella  as  perfeiçoens  da  alma,  que  he  o 
que  Marcial  também  dezejava  no  retrato  de 
outro  António : 

Ars  utmam  mores ,  ammumque  effingere 
•■.poJfet\ 

Pulchrior  in  terris  nulla  tahella  foref. 
O  corpo  (diíTe  o  mefmo  Padre  António 
Vieyra  no  Sermão   de  feo  Patriarca    San- 
to Ignacio  ]  retratafe  com  o  pincel ,  a  alma 
com  a  penna.   Aonde  fe  retratou  ellc  me-^ 
lhor,do  que  nas  fuás  Cartas? Todos  os  efcritos 
faÕ  retratos  de  feos  Authores  ,•  mas  nenhuma 
deitas  pinturas  tem  tanta  alma, ou  reprefenta 
a  alma  taõ  fielmente  ,  como  as  cartas :  Ammt 
Tumetr.  fiú  ftmulachrum  ojí/tfqm  ^  tmagmem ,  epijlolam 
^èi,%Z'cH-foy^^^'  Eét  efl qmdem >ex  alia  omnt  oraúone  vt^ 
ttone.     dere  ac  nofiere  mores  firiptoris^  ex  nulla  tamen 
éequè  atque  ex  epíjiola ,  dizia  Demétrio  Phàla- 
reo,  peritiíTimoneftaartc.  Os  outros  retratos 
teraõ  melhor  colorido ,  mas  o  das  cartas  heo 

mais 


Mart.   l 
IO.   Epl 
grãmat, 
32.  de 
Imagine 
M.   4n 
Unii. 


mais  natural,  porque  neHas  tem  menos  lu- 
^gar  o  artificio.  Aííimli€,  e  aflim  omoftrarâ 
efte  livro.  Nelle  vera  o  Leytor  naõ  fó  diver- 
fas  cartas  do  Padre  António  Vieyra ,  mas  ao 
-Padre  António  Vieyra  por  diverfos  modos 
retratado  nas  fuás  Cartas.  Em  humas  lhe  pa- 
recerá, que  oeftávendo  inftruir  nos  myfte- 
rios  da  Fé  aos  índios  mais  incultos  do  Mara- 
nhão ^  em  outras  conferir  naHaya,  emPa- 
riz  5  em  Roma  com  os  Miniftros  mais  in- 
ftruidos  y  os  myftcrios  mais  occultos  das  Mif- 
^íbens  Politicas  em  que  fervio  a  Pátria.  E  lan- 
hando por  todas  os  olhos  reconhecerá  o  ger 
nio  fublime  ,  o  engenho  agudo  ,  o  juizo 
prudente  ,  o  difcurío  fecundo  ,  a  politica 
.Chriftãa  ,  a  urbanidadc  difcreta,  a  graça 
junta  com  a  gravidade ,  o  defprefo  do  mun- 
do com  o  refpeito  aos  Princepes ,  o  cuidad® 
da  confervaçaõ  do  Reyno  com  o  da  faKaçaÕ 
própria ,  a  paciência ,  a  conftancia ,  a  Reli- 
gião 5  e  com  eftas  as  demais  prendas  e  virtu- 
des de  que  foy  dotado  ,  para  fer  ,  e  porque  o 
era  hum  taõ  grande  homem.  Defta  forte  fç 
retratou  o  Padre  António  Vieyra  nas  luas 
Cartas^  e  fe  alguém  fe  admirar  de  o  ver  nel- 
las  pouco  favorecido  da  fortuna  5  niflo  meft 
mo  pôde.  conhecer ,  que  he  verda.deirA  o  re- 


tratoj 


trato ;  e  que  a  mcfma  fortuna  advcrfa  com  íu* 
pcriorimpulíb  lhe  moeu  as  tintas,  econcor- 
reo  com  as  íbmbras  para  realçar  a  pintura,  c 
a  fazer  mais  dignada  eternidade.  Defta  goza 
jà  no  Ceo  aOriginal ,  e  digna  he  de  fe  perpe- 
tuar pela  eftampa  a  copia  que  delia  nos  ficou 
neftas  Cartas ,  nas  quaes  fe  confervará  junta- 
mente a  memoria  das  peíToas  aquém  foraõ 
efcritas ,  e  que  nellas  eítaõ  também  retrata- 
das. No  decoro  das  expreíToens  moftrou  o 
Padre  António  Vieyra  a  foberania  das  Pcf- 
foas  Reaes ,  c  na  nobreza  de  eftilo  a  de  ou'- 
trás  Pefloas  iiluftres  com  quem  fali ava.  To« 
das  nos reprefentou  com  primorofo  acerto, 
todas  com  o  feo  próprio  e  devido  caraóter  j 
porque  era  fingular  o  tento  com  que  o  feo 
pincel  efcreria ,  ou  a  íua  penna  retratava.  EA 
crcvendo  de  Roma  ao  SereniíSmo  Princepe 
D.  Theodofio ,  dâ  o  Padre  António  Vieyra 
principio  â  carta  cõ  eftas  p^hvrzsiMeo  Prin* 
cepe  yC  meo  Senhor  da  minha  alma  ^  mas  ainda 
que  efte  modo  de  fallar  pareça  arguir  mais 
confiança  do  que  refpeito ,  c  por  efta  caufa  fc 
naô  ufe  no  tratamento  dos  Princepes,  naS 
deyxa  de  ter  exemplo  femelhante;  e  quando 
efte  faitaíTe ,  o  Padre  António  Vieyra  o  podia 
fazer  com  a  fiia  auth^ridade*  Na  Epiftola  que 

ferve 


fefvc  de  Prologo  à  íúa  Hiftoría  Natural ,  cha- 
ma Plinio ,  feo ,  cEmperador  jucundiífimo  a 
Vefpafiano  a  quem  a  efcrevia :  e  fe  aíTim  fal- 
lava  hum  homem  taõ  douto,  e  taÕ  advertido 
a  humEmperador  proveólo  em  anno§  c  cm 
triunfos ,  porque  naõ  ufaria  o  Padre  António 
Vieyra  de  termos  femelhantes,  fallando  com 
hum  Princepe  queeftava  na  flor  da  idade,  e 
que  era  melhor  Tito  [filho  de  melhor  Vef- 
pafiano ]  e  melhor  que  ellc ,  delicias  de  feos 
vaííal los  ?  No  corpo  da  Carta  diz  também  o 
Padre  António  Vieyra  ao  Princepe  D.  Theo- 
dofio,  que  lhe  manda  naqudle  papel  alua 
alma  toda^  e  bem  omoftra  a  mefina  carta , 
porque  toda  he  alma.  Nella  lhe  infpira  os  di- 
â:arnes  e  meyos  mais  opportunos  para  fe  fa- 
zer temido ,  c  amado  :  temido  dos  inimig  os , 
amado  dos  Portuguezes.  Nella  o  anima  com 
asrazoens  mais  fortes  e  mais  vivas  a  fahir  a 
campo  naõ  fó  para  defender ,  mas  para  exce- 
der com  o  valor  os  limites  do  Reyno  ,  dila- 
tando-o  dentro  do  domínio  dos  feos  aggref- 
fores.  Nella  finalmente  lhe  oíFerece  com  a  al- 
ma unidas  todas  fiias  potencias  para  lhe  aíTif- 
tirem  ,  como  auxiliares  na  guerra.  Ifto  he 
(  ainda  que  fiimmariamente,e  mal  referido)  o 
que  diz  àquelle  Grande  Princepe  o  Padre 

An- 


António  Víeyrâ;  e  eíles  os  que  chama  atre^. 
virnentos  do  feo  amor,  e  de  que  lhe  pede  per- 
dão depois  de  concluir  a  carta  :  mas  feme- 
Ihantes  atrevimentos  naõ  fó  faõ  próprios  do 
amor^  fenaõ  dehum  entendimento  taÕ  va-^: 
lente,  como  prudente ,  o  qual  naõ  eílà  atado 
a  os  preceitos  communs ,  e  fabe  fahir  delles , 
fem  fahir  de  fi,  quando  o  pede  a  occafiaÕ.  De-; 
fta  carta  pois,,  e  de  todas  as  mais  defte  livro 
feguramente  poílo  dizer ,  que  faõ  dignas  do 
Padre  António  Vicyra  que  as  efcreveo  ,  dig- 
nas de  V.  Eminência  a  quem  fe  dedicaõ  ,  e 
por  todos  os  titulos  dignas  de  íe  eftamparem. 
Efte  he  o  meo  parecer:  V.  Eminência  manda* 
rà  o  que  for  mais  acertado.  Lisboa  Occiden-* 
tal ,  e  Congregação  do  Oratório  em  24  de 
May©  de  1734. 


João  CoL 


EMÍ- 


aNDAME  V.  Eminência  ver  efte 
livro  intitulado  :  Cartas  do  Padre 
António  Vteyra  ,  gloriofo  timbre 
daNaçaóPortugueza,  Meftre  Univerfal  de 
todos  os  Declamadores  Evangélicos  ,  ventu- 
rofoAlumno  dafempre  efclarecida  Compa- 
nhia de  JESUS  :  e  que  interpondo  o  meo  juí- 
zo ,  diga  o  meo  parecer  fobre  a  eftampa  defte 
livro  j  mas  que  parecer  fera  o  meo  ,  lendo  no 
principio  defte  livro  o  nome  defeoAuthor! 
Foy  o  Padre  António  Vieyra  taõ  celebrado 
pelo  fmgular  dafua  eloquência ,  taÕ  conheci- 
do pelos  remontados  voos  da  fua  penna  ,  ta5 
applaudido  pelos  nobiliííimos  partos  da  fua 
fabedoria  ,  que  para  formar  juizo  defte  livro , 
baftava  ler  nefte  livro  aquelle  nome. 

Difcorrendo  o  Abulenfe  ,  fobre  qual  íeria 
o  motivo  5  que  obrigou  a  David  a  efcrever 
muita  parte  do  primeiro  livro  dos  Reys  com 
o  nome  de  Samuel ,  chegou  a  dizer  ,  que  todo 
o  motivo  fora  ,  porque  tiveíTe  mayor  autori- 
dade aquelle  livro.  Era  Samuel  hum  homem 
de  taõ  agigantados  créditos ,  que  baftava  o 


iV 


ko 


feo  nome  pára  callfícar  âcjuclíe  livro.  Quem 
ler  iiefte  livro  o  nome  do  Padre  António  Vi- 
eyra ,  naõ  tem  mais  que  ler  :  Nam  fatis  Au-^ 
thoris  dkere nsmen erat.  Nas  Cartas,  que  neíle 
livro  fe  lem  efcritas  ,  quem  naõ  hade  achar  a 
alma  do  feo  Author  copiada  neftas  Cartas? 

Quem  dirá,  que  acabou  a  vida  o  Padre 
António  Vieyra  lendo  nefte  livro  eftas  Car- 
tas? Quem  dirá,  que  morreo  o  Padre  António 
Vieyra  ,  fe  attender  á  eloquência  com  que 
nos  falia  cada  dia  ?  Quem  vendo  divulgar  ca- 
da dia  novos  efcritos  feos ,  naõ  hade  crer, 
que  conferva  a  vida  o  Padre  António  Vieyra, 
ou  entre  os  concurfos  da  Corte  pregando,  ou 
em  o  retiro  do  feo  cubiculo  efcrevendo  ?  Eu 
o  contemplara  aífim  ,  quando  vejo  nelle  toda 
a  fua  alma ,  todo  o  feo  ardor ,  e  todo  o  feo  ef- 
pirito. 

Que  mal  o  imaginaÕ  aífim ,  os  que  fiaõ  a 
fua  memoria  dos  bronzes,  e  das  eftatuas.  A 
eftatua  mais  perfeita  fe  compõem  de.fermo- 
fa  boca ,  mas  naõ  falia  ,♦  de  prodigiofas  maõs , 
mas  naõ  obra :  por  grande  que  feja  o  artificio 
e  primor ,  fera  taõ  inútil ,  como  aquelles  fin- 
gidos fimulacios  da  Gentilidade.  Hum  livro 
fim,  quehe  eftatua  viva.  Falia  ,  ainda  que 
naõ  tem  boca ,  porque  enfina ,  defengana ,  e 

avi^ 


âvíza.  Obra ,  amdâ ,  que  naõ  tem  maos ;  por- 
que os  mefmos  eíFeitos  faz  em  noíTos  cora- 
çoens  ,  e  entendimentos  ,  que  o  feo  Author 
pudera  fazer ,  eftando  vivo. 

Quando  confidero  entre  os  celebrados 
delirios  da  Gentilidade  taõ  empenhado  a 
Prometheo  em  animar  huma  eftatua:  quando 
taõ  empenhado  o  vejo  em  roubar,  para  lhe 
communicar  alentos ,  huma ,  ainda  que  bre- 
ve, faifca  daquella  divina  chama,  reconhe-* 
ço,  que  caminhava  errada  a  fua  fantaíia ,  ea 
fua  idèa.  Sc  o  que  trabalhou  como  pincel  a 
fua  deftreza,  tivera  fido  emprego  da  ma  pen- 
na,  naõ  Ihecuftára  tanta diíEculdade  o  ani- 
malla:  fe  fe  valera  do  papel,  como  fe  valeo  do 
mármore  ,  e  do  bronze ,  eternidades  vivera  a 
fua  eftatua.  ' 

Non  mortar  ,  fed  vtvam  ,  dizia  David  a 
Deos.  Senhor ,  eu  naÕ  heide  morrer ,  viver 
fempre ,  iíTo  fim.  Parece  temeridade  ,  e  he 
difcriçaõ  j  parece  rebeldia  à  ley  impofta  s 
todos  os  humanos  j  e  naõ  foy  (  diz  Eutfiimio  ) 
fenaõ  huma  rcfignada  antevifaõ  de  fuás  im- 
munidades.  Addit  Euthymius  (  refere  Lori- 
no )  Davidem  fe  immortakm  affirmare  ,  quia 
fua  cantka  canentur  perpetuo ,  Êf  dlorum  com-* 
pofítio  nullo  umquam  tempore  defickt» 

Naõ 


-  Na5  fe  temia,  Dâvid  de  morrer ,  como  to* 
dos :  mas  conhecia,  que  ainda  depois  de  mor-< 
rer ,  havia  permanecer  entre  os  homens  vi- 
vo. Soube  muito  David  ,  trabalhou  muito,, 
efcreveo  muito.  Sabia ,  que  aquella  ta5  elo- 
quente ,  taõ  fentenciofa  ,  e  taõ  admirável 
compofiçaõ  dos  feos  Pfalmos  havia  perfe-? 
verar  em  todo  e  tempo  viva  em  a  commua 
aceitação  de  todos.  Pois  (diz  David)  naõ  he 
ifto  morrer  •  he  fim  gozar  os  foros  de  immor- 
tal.  Non  mortar ,  fed  vivam.  Será  morrer ,  em 
quanto  a  fepararfe  a  alma  de  hum  corpo ,  em 
cjue  preza  vive :  mas  naõ  he  morrer ,  porque 
fe  conferva  viva  em  o  mundo ,  em  tantos  cor- 
pos de  livros ,  quantos  fe  admiraõ  efcritos. 

ConfeíTo.que  morreo  o  Padre  António  Vi- 
eyra  •  mas  fe  o  outro  fe  contentava  com  dei- 
xar hum  íeftemunho  de  haver  vivido  em  o 
mundo:  Galenus  mthí  denemt  diu  viver e  z 
reknquamakqmd^  quod me  tefletur  vixt(fe .  Plin. 
epiíl.  2.  que  poderey  eu  dizer  de  quem  nos 
deixou  tantos,  e  taõ  authorifados  teftemu- 
iihos.  Eftes  dizem  ,  que  o  Padre  António  Vi- 
eyra  pagou  o  tributo  de  mortal  ^  mas  que  ain- 
d^  >vive  ,  e  eternamente  vivirà  em  noíío 
aíi?or  5  e,f  m  a  nofíaeftimaçaõ  -.jAvhque  fem^\ 
per ,  atqtfç-eúam,  laúus  m  memoria hQmmum ,  ^ 
õí;M  fer- 


firmone  verfabiíur  ^  poflquam  aí?  ocu^ts  recejfit, 
Plin.  Lib.  2.  epift.  i.  E  fe  affim  vive  na  noíTa 
eftimaçaÕ  pelos feos efcritos^  ávida  na  noí- 
.  laeftimaçaõ  lhe  continua  quem  com  tanto 
aííe£to  fe  empenha  em  expor  aos  noíTos 
olhos  os  feos  efcritos^  Neftes  naõ  tem  ,  nem 
pôde  ter  lugar  a  menor  ceníura ,  porque  fen- 
do V.  Eminência  o  feo  Mecenas ,  naõ  podem 
deixar  defer  conformes  ánoífa  Santa  Fe ,  e 
bons  coftumes  5  e  aífim  digniílimos  de  fe  da- 
rem à  eftampa.Efte  be  o  meo  parecer. V. Emi- 
nência mandará  o  que  for  fervido.  S.  Domin* 
gos  de  Lisboa  aos  20  de  Julho  de  1734» 


Fre^  Manoel  Coelho 


•     1;  il... '.  •  •  =■ 


'-    .  \ 


.f  £f^i  t>p  oaipgii  ,s]3í 


Vifta 


íílas  as  ínfonnaçoens ,  pôde-fe  impri- 
mir o  primeiro  tomo  das  Cartas  do  P. 
António  Vieyra ,  e  depois  de  impreíTo ,  tor- 
nara para  fe  conferir ,  e  dar  licença  que  corra 
fem  a  qual  naõ  correrá.  Lisboa  Occidental 
23.  de  Julho  de  1734. 

Akncaflre,        Teixeira 

Silva»       Cahedo, 


DO  ORDINÁRIO. 


Ode-fe  imprimir  o  primeiro  tomo  das 
Cartas  do  Padre  António  Vieyra ,  e  de- 
pois de  impreíTo  tornará  para  fe  conferir  e 
dar  licença  que  corra,  Lisboa  Occidental  %6 
deAgoitode  1734, 

^      Goíwea^ 


DO 


DOPA 


SENHOR. 


ANDAME  V.  Mageílade  ,  qne 
vendo  efte  livro  ,  o  primeiro  tomo 
das  Cartas  do  Padre  António  Vi- 
eyra ,  enterponha  o  meo  parecer.  O  preceito 
de  V.  Mageílade  faz  precifa  a  obediência , 
mas  o  refpeito,  e  o  nome  do  Author  a  faz  im- 
praticável: Quem  hade  fazer  juizo  das  Car- 
tas de  hum  homem  ,  que  encheu  o  mundo  to- 
do de  âdmiraçoens ,  fendo  as  mefmas  admi- 
raçoens  curta  esfera  â  íua  grandeza  ?  De  hum 
a  outro  mundo  o  levou  o  deílino^,  muitos  fe- 
riaõ  os  motivos ,  em  que  difcorriaõ  os  juizos ; 
mas  o  certo  he  ,  que  a  natureza  ,  fempre  pro- 
vida, quiz  moílrar^  que  hum  fó  mundo  era 
pequeno  theatro  para  a  reprefentaçaÕ  de 
hum  homem  taÕ  grande.  Em  Roma  ,  cabeça 
do  mundo,  ©cabeça  toda  ^  appareceo  o  Pa- 
dre 


J 


áre  António  Vieyfâ  ,  e  admirada  de  tao  pro- 
fundo,  e  elegante  juizo,  conheceo  ,  que  a 
verdade  do  que  via,  era  muito  mayor ,  que 
agrande  opiniaÕ ,  que  foava  naquella  Cúria 
pelos  clarins  da  fama.  O  mefmo  Pay  daCõ- 
panhiá ,  è  grande  Pay ,  o  Padre  Paulo  Oliva , 
mandou  imprimir  ,  com  o  íèo  ,  o  Sermão  do 
Padre  António  Vieyra  na  beatificação   do 
Santo Eílânislao ,  nzõík envergonhando ,  de 
que  efte  Filho  pareceíTe  mayor  que  o  Pay  ,• 
mas  que  muito ,  fe  çfta  Águia  Evangélica  tile 
a4í  mefmo  fe  excedia?  Eu  conheci  em  Madrid 
ao  R everendiSi mo  Padre  Meílre  Frey  Felip- 
péHortis  deMendoça  Definidor  Geral  dos 
Jvicrcenarios  calçados,  homem  igualmente 
douto  ,  e  virtuofo  ,  que  naÕ  lia  os  Sermoens 
do  Padre  António  Vieyra,fenaô  proílrado  de 
joelhos  ,  dizendome  ,  que  naquella  reverente 
attcnçaÕ  moftrava  os  elogios,  que  na5  fa-» 
biaõ  explicar  as  vozes.  O  mundo  fem  contra- 
dição lhe  deo  a  coroa  de  Princepe  dos  Orado- 
res ,  e  ainda  que  muitos  quizeraÕ  feguirlhe  os 
paíTos^athè  agora  nenhú  lhe  chegou  ao  thro- 
no  :  trabalhão  com  fadiga  ,  mas  direy  ( como 
dizia  o  mefmo  Padre  para  outro  intento)  que 
como  remaÕ  contra  maré  ,  he  mais  a  agoa , 
queíliaô,  que  a  que  vencem.  E  fefubiotao. 

glorio- 


gloriaftilfiefiiç  a^  Principado  dos  Prègatía* 
sm i^tnh^Q  à  luz  m  ftia^  Çarta^ ,  atbè  ag<3^| 
eaeubertas  oaainbiciofa  ci^í^iofidade  do^fa»* 
bíQs  j  para  que  naõ  haja  Império  d^  €m<ii'^ 
çaõ  ,  de  que  efte  Grande  Padre  uaõ  feja  Mo-» 
narca,  Muitos  efcrevéraõ  livros  de  Cartas  ^^ 
todos  bem ,  e  melhor  que  todos  o  Padfe  Att^ 
tonjo  Vieyra ,  para  íèr  em  tudo  Meftre ;  d-* 
gumhouvç,  queimprimipeftilo  de  efçrevçç 
cartas  I  mas  naõ  pôde  haver  eílilò  certo ,  de- 
vendo nas  cartas  medirfe  a  diíFcrença  pela 
peíToe  j  que  efçreve ,  a  quem,  como,  e  de  que; 
nas  do  Padre  António  Vieyra  fe  achara  efte 
eftilo  bem  regulado  pelas  diíFerenças  ponde- 
radas. Delias  tem  o  publico  ,  e  o  particular  , 
que  aprender  ;  e  nefta  geral  utilidade,  efp 
qup  naõ  f6  feat tende  ao  paíTado ,  mas  coqi 
gr^fides  documentos  ,  que  podem  fervir  pára 
o  futuro ,  n aõ  h a  p  ^e nía ,  mas  con ve ni-en ci^ 
grande ,  para  oferviço  deV.  Mageftad^.  Ç 
ainda  que  em  quem  as  offerece  ^  e  a  qa^m,|ç 
dedicaõ ,  tem  eftas  Cartas  grandes  defenfo- 
res  ,  dtpms4^^  largp  ,  ^l^m  confiderado  ex- 
ame ,  he  jufto  também ,  que  corraõ  naõ  fó 
com  licença  ,  mas  com  a  protecção  de  V. 
Mageftâde  ,•  que  eu  dezejára  também  enca- 
minhada 2i  Ohx^  Ao  Clavis Pr ophetarum  ^  fin- 

*  V  guiar 


galar  cfifvelo  do  Padre'  ÀntoníòVieyra  /e 
appeteeido  cuidado  de  todo«.  Êiit  tive  à  fortu- 
na de  a  ler  ^  e  aouvir  let  muitas  vezes  ,  e  ain- 
da que  em  partes  imperfeita ,  nao  deve  fnf- 
pénderíe  a  íua  piiblicaçao  ,  que  eíla  he  a  ma- 
yor  gloria  do  Padre  António  Vieyrâ,  nao  ha- 
ver quern  pofla  ííippriraqueUas  faltas.  V^ 
Mageftade  mandara  o  que  for  fervido.  Lisboa 
Occidental  9.  de  Settémbro  de  1754. 


Z).  Alexandre  Ferreira. 


'li; 


Ue  TépofFa  iiriprJmif  víftas  as  liceií* 
çás  do  Santo  OíEcio  e  Ordinário ,  e 
defpòis  de  impreflo  tornará  a  efta  Me- 
fa  jpára  fe  conferir  e  tayxar  e  dar  licença  para 
correr  fem  a  qual  naõ  correrá.  Lisboa  Occi- 
dental 9.  de  Settembro  de  1734. 

Pereira^       Teixeira^ 


VIfto  eftar  cotifórme  com  o  Origi- 
nal ,   pôde  correr.  Lisboa  Occiden- 
tal 9.  de  Agofto  de  173 í* 


Alencafire.       Teixeira.       Cale  do  ^ 
Soares,        Ahreu» 


VIfto    eftar  conforme  com  o  Origi- 
nal, pôde  correr.   Lisboa  Occiden- 
tal 9.  de  Agofto  de  173  J* 


Goíwea* 


Q 


Ue  poíTa  correr  ^  e  tayxaõ  em  mil 
e  duzentos  reis.  Lisboa  Occidental 
9.  de  Agofto  de  173  J.. 


feixeír^l        Bojukhol 


■íí^aO  o  moo  Danoinu^   'IèÍi'^  oilTT  '^ 


^íilfi^íiTi-i  ""i  .'íiX^^ViliV 


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fCilVi^^^gk,  ♦fi'v;y/.Vo^ 


CARTA  I. 

A  certo  Miniftro  da  Corte 
de  Lisboa. 


Oi>   '^.Sí'l   i 


ESTE  mefmo  navio  tenho  es- 
crito a  SuaMageftade,  ea  V. 
M.  largamente  da  Corte  de 
Londres  j  agora  o  faço  deite 
porto  de  Dbuvres ,  onde  eílou 
para  me  partir  daqui  a  huma  hora  pa- 
ra o  de  Cales  ,_  fem  embargo  de  eílar  a- 
quella  Cidade, impedida  de  jpefte  ^  porque 
tenho  o  perigo  da^ dilação  por  mayor  de 
todos  ,•  e  naõ  vou  por  Bolonha  como  ti- 
nha determinado  ,  porque  ha  noticias  cer- 
tas que  andaõ  na  barra  fragatas  de  Often- 
de  ,  que  he  o  Dunquerque  d' agora :  e  paf- 
T^om:  /.  A        '  fando 


ir'*'i"' 


2  CARTAS 

fando ,  como  faço ,  no  paquebote ,  que  he  o 
barco  do  Correyo  ordinário  ,   vou  fegurò 
de  coflarios ,  por  fer  livre.  Para  em  Cales 
me  naõ  impedirem  a  fahida  ,  nem  nas  ou- 
tras Cidades  athè  Paris  me  negarem  a  en- 
trada por  hir  de  lugar  infe^o ,  levo  paffa- 
porte  e  recomendação  do  Embaixador  de 
França  que  eftá  nefte  Reino,  o  qual  tam- 
bém me  remetteo  osmaíTos  das  embaixadas 
debaixo  dos  feos ,  que  foy  a  mayor  feguran- 
ça  com  que  fe  podiaõ  enviar  ,•  e  a  tudo  o 
mais  do  lerviço  de  Sua  Mageftâde  fe  ofFe- 
receo  com  boa  vontade.   Medindo   as  jor- 
liadas ,  efpero  eftar  em  Paris  dia  de  S.  Frán- 
cifco,  Deos  nos  ajude  e  guarde  a  V.  M. 
muitos  annos  ,  como  dezejo.  Douvres  30, 
de  Setembro  de  1647. 


António    Vieyra. 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA. 

CARTA   II. 


5 


--.■£.  ir 


Ao  mefmo  Minijlro. 

NA5  quero  deixar  de  dar  novas  1111-? 
nhãs  a  V.M,  porque  fey  que  V.M.  a$ 
eftimarâ ,  fendo  melhores  do  que  a 
falta  delias  ,  e  a  tardança  da  minha  viagem 
haverão  lá  pronofticado.  Cá  fe  cuydou  que 
éramos  tomados  ,  ou  perdidos  ,  e  para  tur 
do  houve  occafiaó   ,   porque  lidamos  com 
inimigos  ,  com  tempeftades  ,   com  outros 
infinitos  géneros  de  trabalhos  ,  e  perigos, 
de  todos  os  quaes  foy  Deos  lêrvido  livrar- 
me  ,  ;e  trazer-me  ao  cabo  de    jp.    dias   á 
Paris  ,   onde  fico  ao  ferviço  de  V.  M.  de 
faude  ,  que  naõ  he  pouco  ,  havendo  pade- 
cido tanto  ,  é  naõ  lem  efperanças   de  que 
os  nég<3!CJos  a  que  Sua  Mageftade   ío^  fer- 
vido mandar-me,  tenhaõ  o  fim  queV.  M. 
e  eu  lhe  dezejamos.   Segundo   o  eftado  em 
que  V.   M.   tinha  pofto   aquelle  negocio  , 
entendia  eu  que  neftes  últimos  navios  vief- 
fem  novas  de  eftar  já  publicado.   Sô  me 

A  ij  peza- 


4     ^AM^fmmymnrm^fs  m  oo.: 

pezarâ  ,    que  fe  contra  elle  fe  levantarão 
algumal  diíEculdaJes  ,  haj ao  prevalecido  os 
authores   defte  mal  entendido  zelo  contra 
os  que  o  tçm  mais  j^erdadeiro.  Quanto  mais 
ando  pelo  munda  I  mais  n\e  confirmo  nef- 
ta  verdade  :  e  fe  os  que  eftaõ  neíTe  Reyno 
tiveraõ  íahidò  delle  ;   tíambem   íahíriaõ  da 
eegUeira:iem  que  vivem  neftá>,<  %  ém  loiitris 
materia?S4  ^Bafte  ò;  exemplo  do  Mkrquès  .de 
Niza^  íe 'O  do  íeo  F.  Franciíco  de  Macedo^ 
os  quaés  ,  tendo  fido  de  taó  contraria  opi- 
maõí*^i^quc  iium  deO;  Gonfelhos  y  e  o  outro 
ejfcr^veolllíros- contra  ^Ifá  ,  depois  qíid  tí-» 
t^õ-*^ >mundo  /tfo- ihe  àbriraõ  os  dlho^'  áé 
maneira ,  «q^e-ambos  fe  iem  retratado  ,•  e  Ò 
Marquês  antes  <'de'€U>  vir^ti^ha^cícrido  á  -S? 
Magèftade   pedindb  j com.  granule-  aperto  õ 
nieímo.  de  ^ue  Nos í tratamos  yé-fe-  preza 
muito  de  fer  efte  o  feo  voto.   Os  proveytos 
que  da  execução  defte  negocio  /e  efperaõ  , 
íaõ  infaliiveis^  e  áífim -.o  prometem  todos  o's 
Pòrtuguezes  deftas  pàitôs . ,  que  falko  com 
menos    receyo   nas  acçoens   do  que  os  que 
lá  vivem.    Todos    eftaõ  muito  íentidos  de 
ElRey  de  Caftella  pola  deftrui^aõ  ;  que 'íe 
tem  feito 'nas  índias  ,    e  porque  de  p'ré^' 
*  zente 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.         j 

zente  tomou  todas  as  confignaçoens  a  to- 
dos os  Affentiftas  Portuguezes  [exceptuan-r 
do  nomeadamente  os  Genovezes  ]  de  que 
receberão  igual  perda  e  efcandalov  Agora 
he  o  tempo  de  que  experimentem  favor  em 
féo  Rey  natural,  para  que  tratem  de  o  fer- 
vir  antes  a  elle.  V.  M.  vá  por  diante  com 
efta  empreza  ,  e  diga  a  ElRey  N.  Senhor 
o  que  fente  ,  pois  V.  M.  fabe  ,  que  co- 
nhece Sua  Mageftade  a  verdade  ,  e  intei- 
reza do  zelo  ,  e  juftiça  de  V.  M.  e  quam 
livre, /K^  de  todos  os  outros  refpeitos  mais 
que  o  de  feo  mayor  ferviço  ,  que  por  efta 
via  fe  adiantaria  com  grandiíímas  venta- 
gens  5  e  quando  a  experiência  as  naõ  mof- 
traffe,,  JOu:della  fe  feguiíTe  algum  grave  in- 
conveniente ,  á  concèíTaÕ  defte  privilegio 
naõ  tira  a  Sua  Mageftade  o  poder  para  o 
derogar ,  ou  mudar  quando  for  fervido.  Ao 
P,  Manoel  Monteyro  me  fará  V.  M.  mercê 
de  oíFerecer  por  mim  efta  ,  em  quanto  o 
tempo  me  naõ  dá  lugar,  athè  lhe  efcrever 
particularmente  :  e  k  {ç,  defcuidar  em  fal^ 
lar  a  Sua  Mageftade  fobre  o  negocio  que 
ficou  à  conta  de  S.  Reverendiffima ,  V.  M. 
iho  lembre  ,  e  lho  requeira  por  parte  do 


^  CARTAS 

fcrviço  de  Deos  c  bem  da  Pátria  ,  porque 
fey  quanto  importaráó  íuas  diligencias  pa- 
ra o  levar  ao  cabo ,  polo  grande  conceyto 
que  S.  Mageftáde  tem  de  luas  letras  ,  vir- 
tude ,  e  zelo.  Deos  guarde  a  V.  M.  mui- 
tos annos  como  dezejo^  e  como  o  noffo 
Reyno  ha  mifter.  Paris  2j.  de  Outubro 
de  1(^47, 


Servidor  de  V.  M. 


António  Vieyr^. 


CAR- 


DO  P.  ANTOKIO  VIEYRA.       > 

CARTA  III. 

Ao  mefmo  Minijiro. 

\  Enhor  meo :  eícrevo  efta  jà  de  Olanda, 
e  ainda  <jue  fe  ãugmenta  a  diftancia , 
e  a  aúzeticia ,  poffo  affirmar  com  toda  a 
verdade  a  V.  M.  <jue  naõ  fe  diminuem  , 
antes  crecem  cada  ves  mais  as  íaudades* 
L embrome  dac|uella$  horas  folitarias  deíTa 
Secretaria ,  em  que  o  coração  de  V.  M.  e  o 
meo  ,  como  taÕ  conformes  no  zelo  ,  e  no 
dezejo ,  fe  coftumavaõ  entriftecer  ,  ou  con- 
folar  juntamente  :  c  de  huma  ,  e  outra 
couza  oíFerecem  cada  dia  os  tempos  novas 
cauzas  ,  mas  íèm  aquelle  allivio ,  que  athê 
por  carta  me  falta  na  cinco  mezes. 

Pelo  aíTento  que  tomou  o  Confelho  de 
Bftado  fobre  os  agradecimentos  ,  cfxt  íe 
mandarão  ao  Emoaixador  Francifco  de 
Souza,  julguei  <juânto  lâ  feeftimarâ  acon- 
clufaõ  defta  paz.  Nas  primeiras  cartas  que 
cfcreyi  de  Paris  \  quafi  a  fegurey  pelas  que 
JBC  moftrou  o  Marquês  de  Niza.   Nas  fe* 


%  CAUTAS.;  .    ^ 

giindas  a  comecey  a  duvidar  pelo  que  fuy 
experimentando  ;  e  agora  tenho  por  quaíi 
certo  ,  que  fe  nao  concluirá,  por  mais  que 
digaõ  os  que  vaõ ,  e  efcreva5  os  que  ficaõ, 
ainda  „  que  a  paz  entre  Caftelia  e  Olanda 
fe  publique ,  que  lie  o  termo  que  lhe  aíTig- 
naõ  os  Miniílros  de  França,  e  noíTos.  O 
fucceíTo  da  Bahia,  Senhor,  he  o  que  para 
ícmpre  nos  liade  concertar  ,  ou  defcon- 
certar  com  efta  gente  ,  e  athe  vir  recado 
delle,  poderão  entreternos  com  conferenci- 
as ,  mas  naõ  hao  de  concluir  o  Tratado. 

Sobre  o  modo   da  guerra  que  íe   deve 
fazer,  efcrevo  o  que  me,  ditou  o  zelo,  e  o 
dezejo  de  que  acertemos  em  negocio  taõ 
grande  ,  e  taõ  arrifcado.    V.  M.  rifque ,  e 
emende  o  que  lhe  parecer  menos  acertado, 
mas  peço-lhe  muito,  feja  devoto  que  ven- 
çamos  antes  em  féis  mezes  ,   doque  arris- 
carmos   tudo  em  hum  dia.  Concertemos  a 
Armada  ,   eftorvemos  os  mantimentos  ao.; 
inimigo  ,•  e  eu  feguro  o  CmBando  refiltmtrem. 
Manoel  de  Sequeyra  levahuma  viadeP 
te   papel   ,  e  o  P.  Jofeph    Pautilier  meo 
Com panheyro  outra ,  encomendo-o  muito  a 
V.  M..  e  porque  neftamefma  occafiaõ  te- 
nho 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       > 
ítilío  cançado  a  V.  M.  com  oito  cartas  de 
differentes  matérias  para  Sua  Mageftade  , 
e  algumas  muito  largas,  naõ  quero  dilatar 
mais  efta  ,  e  acabo  com  pedir   a  noíTo  Se- 
nhor muito  bons   principios  de  annos  de 
48.  em  que  Deos  nos  faça  ver  as  felicida- 
des que  as  profecias  nelle  parece  nos  pro- 
mettem.  Haya  30.  de  Dezembro  de  1*^47. 
Depois  de  efcrita  efta  houve  conferen- 
cia hontem   3.   de  Janeyro   na  forma  que 
V.  M.  la  vera.  As  efperanças  da  paz  an- 
tes fe  adiantarão  que  diminuirão  :   muitas 
graças  devemos  a  Deos  que  peleja  ,   e  ne- 
gocea  por  nos.  A  Armada  tem  arribado 
duas  vezes ,  perdeo  jâ  alguns  navios  ,  vay- 
Ihe  morrendo  gente,  e  os  ventos  cada  vez 
mais   contrários  ,   e  tempeftuofos  :    e  jà  fe 
períuadem  alguns  deftes  Fieis  Chriftaõs  e 
feos  predicadores  ,  que  naõ  quer  Deos  que 
vaõ  ao  Brazil  ,♦  com  que  eftaõ  mais  bran- 
dos ,  os  que  furiofamente  queriaõ  a  guerra: 
mas  ainda  pedem  como  quem  a  naõ  teme. 
Agora  era  o  tempo  de  negociar  ,  mas  co- 
mo o  dinheiro   ,   e  os    créditos   efta5  na 
maõ  do  Marques  ,  e  fe  gaftaõ  três  íèma- 
nas  com  hir  e  vir  o  correyo ,  perdem-fe  oc- 
Tom*  L  B  çâfioens 


«o  .,      Ç  A  ;R-'H1^^A  S      ..j 

cafioens  que  ás  vezes  coníiftém  ^m  hum 
momento.  Eu  naõ  approvo,  nem  condeno, 
mas  ou  Sua  Mageftade  naõ  fie  as  embaixar 
4as  de  quem  naõ  fia  o  dinheiro  ,  ou  fie  o 
dinheyrp  de  quem  fia  as  embaixadas. 

O  màyoremais  verdadeiro 
* ';: ;     Servidor  de  V.  M. 


António  Vieyra, 


CARTA 


me  mo 


S^>  .  !:• 


r. 


0. 


lltU: 


Screvo  efta  por  vi^,4e  França  par;?, 
avizar  a  V.   M.   como  fico  arriba^ 

.    <lo^m  Barcelona,   ond^  çheguey 

Sábado  21,  do  corrente,  13.  dias  depois 
de  partir  delTe  porto  :  e  já  eílivera  no  d^ 
Leorne  fegundo    nos  foraõ  favoráveis  os 

tem- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       xi 

tempos  :  mas  a  pezar  de  tudo  nos  meteo 
aqui  o  Capitão  do  navio  ,  que  he  natural 
deíla  terra  ;  onde  fem  duvida  nos  detivera 
muitos  dias  ,  fe  o  Governador  o  naõ  obri- 
gara a  faliir  :  hoje  nos  tornamos  a  embart 
car  ,  quererá  Deos  que  nos  acompanhem 
os  mefmos  ventos  que  ainda  vaõ  continu- 
ando ,  pofto  que  com  receyos  de  fe  muda- 
rem ,  por  eftar mos  v  ei»  -veíper^s  4e,  Ipa,  ifiQr 
va,  ••■■  "  ■  '  ■  ' "^  ^* vfi-íi víHí  -''^^^  ■''"'  ■^'^'  * 
As  novas  que  poíTo  dar  a,  y.  M.  de 
Catali^nha  ,  faõ  :  haver  hum  anno  que  lhe 
falta.  Vizorey  ,•  -eftâ  nomeado  o  Duque;  4e 
Mer^urip:,  e  fobre  naõ  acabar  de  chegar  v 
fe  falia  variamente  :  tem-fe  pela  cauza 
mais  verdadeira  ,  na5  querer  ,   ou  naõ  lhe 

Eoder  dar  hoje  França  o  fem  que  elle  naÕ 
ade  vir  ^  entretanto  governa  a  guerra 
Monfieur:  de  Marcin  Francês  ,  o  politico 
D.  Jofeph  de  Margarit  Catalão  :  e  a  hum 
.e  outro  aífifte  fem  titulo  o  Bifpo  de  Maria 
huma  das  melhores  cabeças  de  França.  A 
^Ue  e  ao  Governador  ouvi  fallar  fobre  as 
couzas  de  Portugal  ,  com  huma  noticia 
;taõ  inteira  de  tiido  ,  e  com  circunftancias 
taõ  particulares  ,  taõ  miúdas  ^  e  taõ  inte- 

B  ij  riores. 


11  C  A  R  TAS. 

riores  ,  que  affirmo  a  V.  M.  fiquey  igual- 
mente efpantado   do   muito  que  fabem  de 
nòs  ,  e  magoado  da  pouca  noticia  que  nòs 
temos  delles ,  e  dos  mais.  O  poder  que  tem 
França  em  Catalunha  riaõ  arriba  de  dous 
mil  cavallos  ,   e  athè  quatorze  mil  infan- 
tes nosprefidios  ,  fuftentando  tudo  há  mais 
de  hum  anno  à  cufta  do  Principado.    A$ 
confequencias  que  daqui  tiraõ  os  Catalães^ 
e  as  que  nòs  podemos  tirar,  deixo  ao  dif- 
trurfo  de  V.  M.  Com  efte  ta5  pequeno  po- 
der fe  atreveo  o  Marques  de  Marcin  a  hir 
efta  femana  intentar  huma  interpreza  fo^ 
bre  Tarragona  5   havia  de  fer  na  noyte  de 
antehontem  ,  e  naõ  fe  fabe  athegora  mais 
que  haverem-íe  ouvido  tiros  pela  madru- 
gada, final  de  que  foraõ  íèn tidos.   Os  dias 
paíTados  fahíraõ  os  Caílelhanos  da  meíma 
Tarragona  fobre  efta  parte  de  Barcelona 
que  fó  difta  onze  legoas ,  com  hum  exerci- 
cito  de  loU.  infantes ,  €3500.  cavallos,  es- 
perando que  com  a  vizinhança  defte  po- 
der haveria  quem  tomáíTe  a  vôs  de  Caftcl- 
la    nefta  Cidade  5    mas  no  mefmo  ponto 
foraõ  lançadas  delia  ^    e  levadas  a  França 
e  á  outras  apartes  ,  todas  as  peíToas  princi- 

pães 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  13 
^acs  de  que  havia  qualquer  fofpeita  ,  po- 
fto  que  a  nenhum  fe  lhe  provou  ,  nem 
averiguou  culpa  j  e  com  efte  defengano  fe 
retirou  outra  vez  para  Tarragona  o  ex- 
ercito Caftelhano ,  defmantelando  fomente 
as  fortificaçoens  de  alguns  lugares  peque- 
nos que  eftaõ  junto  à  marinha  fem  execu- 
tarem hoftilidade  alguma  ,  nem  nas  pef- 
foas  ,  nem  nas  fazendas  ,  porque  o  feo  m- 
tento  era  ganhar  com  bom  tratamento 
os  ânimos  dos  Catalaens ,  e  a  efte  fim  qua- 
fi  todos  os  Cabos  do  exercito  eraõ  naturaes 
de  Catalunha  ,  como  também  o  he  D. 
Joaõ  deQuaray,  a  cuja  ordem  vinha  tudo. 
O  CoUeitor  que  aqui  eftâ  ,  que  he  boa 
peflba  ,  e  dezejofo  de  fer  promovido  para 
^ííe  Reino  ,  me  deo  a  nova  do  Cardeal 
Albernòs  fer  morto  ,•  com  que  teremos 
menos  em  Roma  hum  grande  inimigo.  Ef- 
tava  feo  hofpede  o  Duque  dei  Infantado  , 
jqúe.  naõ  havia  muito  era  chegado  com  feo 
Tio  o  P.  Pedro  Gonçalvez  de  Mendonça. 
Sahio  por  Geral  da  Companhia  o  P.  Fran- 
cifco  Picolomini  Senenfe,  efe  fizeraÕ tam- 
bém todos  os  AlTift entes ,  menos  o  de  Por- 
tugal^ cuja  eleição  fe  fuípendeo  athè  a  che- 
gada 


í4  CA  R  T  A  S 

gada  dos  Padres  Portuguezes  ,  que  ainda 
que  partirão  tarde  ,  parece  que  liiraÕ  a 
tempo  ,•  eu  o  naÕ  tenho  para  íer  mais 
largo.  Guarde  Deos  a  V.  M.  muitos  an- 
nos  como  dezejo.  Barcelona  13.  de  Ja- 
neiro de  1^50, 

António  Vieyra. 


ctr- 


.0 


TA  V. 

Ao  Príncipe  2).  Theodq^oi 
Senhor. 


_y  ÒiJ^i; 


EO  Principeíe  meo  Senhbr  da 
minha  alma.  Pelos  avizos  que 
vaÕ  a  S.  Mageftade  entenderá  Vi 
A.  com  que  coração  efcrevo.efta  ,  e  mui- 
to mais  com  que  raiva;,,  er  com  que  impar 
ciência  ,'"vendome.  prezo  ,  e  ataído;  para 
na5  poder  em  tal  occafiaõ  hirme  deitar 
aos  pês  de  V.  A.  e  acharme  a  feo  lado  em 
todo  o  perigo.  Mas  eu  romperey  ás  cadeas 
quanto  mais  de  prelTa  me  for  poflivel  ,  e 
-^■■''■■'\  par- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA,       i  j 

partir^y  voando  ^  fe  naÒ  a  fazer  compa- 
nhia nos  trabalhos  do  principio  ,  ao  rneno«; 
a  ter  parte  nas  glorias  ,  e  alegria  do  fim  : 
que  eíres  fa5  os  paíTos  por  onde  fe  haÕ  de 
-encaminhar  os  iucceífos  ,  €  felicidades  def- 
te  fatal  anno  ,  ou  feja  a  guerra  fó  em  ter- 
ra 5  ou  fó  no  mar  5  ou  juntamente  em  am- 
bas as  partes  f  porque  o  meo  roteiro  naõ 
elpecifica  o  género  ,  nem  as  particularida- 
des delia  j  empregado  todo  em  referir  , 
admirar  ,  e  celebrar  as  vi<^orias. 

Ah  Senhor  !  que  falta  pôde  fer  que  fa- 
ça a  Y.  A.  nefta  occafiaÒ  efte  fideíiílimo 
criado  ,  e  cjuaõ  poucos  cônfidero  a  V.  A. 
com  a  reíbluçao  ,  e  valor  ,  e  experiência 
que  he  neceffaria  para  faberem  aconfelhar 
^  V.  A.  o  que  mais  lhe  convém  em  taõ 
Sl  pertados  cazos  !  mas  jà  que  na  pre- 
zença  naõ  poíTo  ,  aconfelhe  a  V.  A.  a 
ininha  alma  que  toda  mando  a  V.  A. 
fiefbe  papel  ,  e  com  toda  ella  lhe  digo  ;^ 
que  tanto  que  chegar  efta  nova  ,  V»  A. 
togo  fem  efperar  outro  preceito  ,  fe  ponha 
de  curto  o  mais  bizarro  que  poder  fer^  e  íe 
fayíi  a  cavallo  por  Lisboa ,  fem  mais  appa- 
t^to^  nem  companhia  ,  que  a  que  volunta- 
./  riamente 


Í6  C  A  R  T  A  S 

riamente  feguir  a  V.  A.  moftrando-fe  no 
femblante  muito  alegre  ,  e  muito  defaluf- 
tado  ,  e  chegando  a  ver  ,  e  reconhecer 
com  os  olhos  todas  as  partes  em  que  fe 
trabalhar,  informando-fe  dos  defignios  ,  e 
mandando  ,  e  ordenando  o  que  melhor  a 
V.  A.  parecer  ,  que  fempre  fera  o  mais  a- 
certado  j  mandando  repartir  algum  dinhei- 
ro entre  os  Toldados  ,  e  trabalhadores  ,  e 
fe  V.  A.  por  lua  maÕ  o  fizeíTe  levando  pa- 
ra iíTo  quantidade  de  dobroens  ,  efte  feria 
o  meo  voto  ,  e  qae  V.  A.  fe  humane  co- 
nhecendo os  homens  ,  e  chamando-os  por 
feo  nome  ,  e  fallando  naõ  fó  aos  grandes , 
e  medianos  ,  le  naÕ  ainda  aos  mais  ordi- 
^^arios  ;  porque  defta  maneira  fe  conquifta5 
e  fe  conformaõ  os  coraçoens  dos  vaíTallos 
os  quais  fe  V.  A.  tiver  da  íúa  parte  ,  ne- 
nhum poder  de  fora  fera  baftante  a  entrar 
em  Portugal  ;  fendo  pelo  contrario  muito 
fácil  ainda  qualquer  outra  mayor  empreza 
a  quem  tiveífe  o  dominio  dos  coraçoens. 
S.  Mageftade  tem  nefta  parte  huma  venta- 
gem  muito  conhecida ,  que  he  cftar  de  pof» 
fe  ,  e  poder  dar  ,  quando  Caftella  fó  pôde 
prometer.  Como  há  poucos  Antonios  Vi- 
eiras 


DO  P.  ANTÓNIO  VffiYRA.       17 

eiras  jhâ  também  poucos  que  amem  fó  por 
amar  ,  e  S.  Mageítade  na5  deve  efperar  fi- 
nezas  ,    fenaõ   contentar-fe  muito   de  que 
fe  queiraò  vender  aquelles ,  que  lhe  for  ne- 
ceíTario  comprar.  A  pólvora,  as  balas  ,  os 
canhoens  faõ  comprados   ,   e  bem  fe  vê  o 
Ímpeto  com  que  fervem  ,  e  o  eftrago  que 
fazem  nos  inimigos  :  e  mais  natural  heem 
muitos  homens  o  intereíTe  que  neftes  inf- 
trumentos  a  mefma  natureza.   Os  que  me- 
nos fatisfeitos  eftiverem  de  S.   Mageftade  , 
eífes  chegue  V.  A.  mais  a  fi  ,  que  impor- 
tará pouco  que  no  affedo  fe  divida5  as  von- 
tades com  tanto  que  no  eíFeito   S.  Magef- 
tade e  V.  A.  as  achem  obedientes  e  uni- 
das. Faca-fe  V.  A.  amar  ,  e  nefta  fó  pala- 
vra digo   a  V.  A.  mais  do  que  pudera  em 
largos  difcurfos.   Coníidere  V.   A.  Senhor 
que  efta  he  primeira  acça5  em  que  V.  A. 
hade  adquirir  nome  ou  de  mais  ,   ou  de 
menos  grande  Princepe.  A  idade,  o  enge- 
nho ,  as  obrigaçoens ,  tudo  eftâ  empenhando 
a  V.  A.  a  obrar  conforme  feo  Real  fangue, 
e  moftrar  ao  mundo  que  he  V.  A.  herdei- 
ro  de  feos  famofiflímos    Primogenitores   , 
naõ  fó  no  cetro  ,  mas  muito  mais  no  va~ 
Tom.  L  C  lor. 


i8  C  A  R  T  A  S 

lor.  Toda  Europa  ,  cujos  ouvidos  eftaõ 
cheos  de  louvores  de  V.  A.  eílâ  com  os  o- 
Ihos  neíla  occaíiao  que  he  a  primeira  em 
que  V.  A.  fahe  a  reprezentar  no  theatro 
do  mundo  ,  e  na  qual  o  nome  que  V.  A. 
ganhar  com  as  foas  acçoens  ,  fera  o  por 
que  lerá  avaliado  e  eftimado  para  fempre. 
Naõ  aconfelho  a  V.  A.  temeridades  ,  mas 
tenha  Portugal  e  o  mundo  conceito  de  V. 
A.  que  antes  defpreza  os  perigos  do  que 
os  reconhece.  O  que  tocar  á  fegurança  da 
peíToa  de  V.  A.  deixe  V.  A.  fempre  ao  a- 
mor  e  zelo  dos  feos  vaíTallos  ,  mas  na5  a- 
ceitando  nefta  parte  confelho,  que  de  mui- 
to longe  poíTa  tocar  ao  decoro.  A  vida  ef- 
tâ  fó  na  ma5  de  Deos ,  eefta  he  aoccafiaò 
«m  que  fervem  as  íitofofias  que  tantas 
vezes  ouvi  a  V.  A.  do  defprezo  delia.  Da 
mefma  criação  de  V.  A.  fahio  Achilles  a 
fer  terror  de  Troya  ,  e  fama  de  Grécia :  e 
efta  mefma  defconfiança  [  a  qual  inculco  a 
V.  A.  ]  o  fez  mais  Achilles,  Eyameo  Prin- 
cepe  ,  defpida-fe  V.  A.  dos  livros  ,  que  hc 
chegado  o  tempo  de  enfinar  aos  Portugue- 
zes  ,   e  ao  mundo  o  que  V.   A.  nelles  tem 


cíludado.   Armas 


Guerra,  Vidorias,  pôr 

ban- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       i^ 

bandeiras  inimigas  ^  e  coroas  aos  pês  ,  faõ 
de  hoje  por   diante  as  obrigaçoens  de  V. 
A.  e  eftas  as  minhas  efper ancas.  Oh  como 
as  eílou  já  vendo  naÕ   fó  defempenhadas  , 
mas  gloriofamente  excedidas !   A  graça  do 
Efpirito  Santo  ^  que  he  Efpirito  de  fortaleza, 
affifta  fempre  no   coração   de  V.   A.    cuja 
muito  alta  ,  e  muito  poderofa  peíToa  guar- 
de Deos  como  a  Igreja  ,   e  os  vaííallos  de 
V.  A.  havemos  mifter,  Roma  23.de  Mayo 
de  1(^50. 

Faço  meo  liibftítuto  ao  P.  IgnacioMaf- 
earenhas  ,  a  quem  peço  ouça  V.  A.  com 
grande  confiança  neftas  matérias  ,  porque 
ho  muito  de  feo  valor  ,  refoluçaõ ,  e  confe- 
Iho  ,  que  tenho  bem  experimentado.  Per- 
doe V.  A.  ao  meo  amor  efte  e  os  outros 
atrevimentos  defta  carta. 


António    Vieyra, 


Cíj 


CAR.- 


zo 


CARTAS 


CARTA  VI. 

A  certo  Minijlro. 

E  nao  fora  de  tanto  ferviço  de  Deos, 
naõ  me  atrevera  a  inquietar  a  V.  M. 
a  tal  hora  ,  mas  a  cauza  me  defcul- 
pa,  e  a  grande  piedade  de  V.  M.  me  ani- 
ma. Hoje  feremeteo  aV.  M.  do  Confelho 
Ultramarino  huma  petição   de  replica  do 
Procurador  do  Brazil  e  Padres  Miílionarios 
do  Maranhão ,  a  quem  S.  Mageftade  man- 
da pagar  ametade  da  Ordinária  de  que  lhe 
fez  mercê  nos  dizimos   da  Bahia   5   e  por- 
que correndo  eíle  pagamento  por  maõs  dos 
Miniílros    da  Fazenda  daquelle  Eílado  fica 
muito  incerto  ,  antes  totalmente  he  como 
fenaÕ  fora  ,  como  a  experiência  tem  mof- 
trado  j  e  os  Milionários  no  Maranhão  naõ 
tem  ,   nem  pcklem  ter  outra  couza  de  que 
fe  fuftentem  ,   nem  acudir   ao  culto   Divi- 
no,  e  ás  outras  obrigaçoens  da  converfaÕ, 
para  as   quaes  fao  neceílarios   reígates  ,   e 
outras  couzas  ,   como  na  replica  fe  apon- 
ta. 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       ii 

ta  }  pedem  e  inftaõ  os  Padres  que  o  dito 
pagamento  fe-  lhes  faça  por  maõ  dos  con- 
tratadores ,  ou  rendeiros  dos  dizimos ,  que 
he  o  meyo  que  os  Reys  paffados  tomâraó , 
para  que  os  ditos  pagamentos  foífem  eíFe- 
aivos  ,  affim  ao  Biípo  e  Clero ,  como  aos 
mefmos  Padres  da  Companhia,  por  fe  ex- 
perimentar que  todos  os  outros  apertos 
com  que  as  Provifoens  Reaes  o  mandavaõ, 
naõ  eraõ  baftantes  contra  as  neceíTidades 
da  Fazenda  ,  ou  verdadeiras ,  ou  fuppoftas, 
que  os  Miniílros  allegavaõ  ;  as  quaes  cou- 
zas  no  tempo  prezente ,  por  fer  de  guerras, 
faõ  mais  ordinárias  ,  e  ainda  mais  juftifi- 
cadas  j  com  que  ficara  de  todo  perdendo- 
fe  a  miffaõ  ,  e  o  fruto  que  delia  fe  efpera. 
E  com  a  juftificaçaõ  da  refidencia  a  que 
nos  oíFerecemos  [  que  era  o  ponto  em  que 
reparava  o  Confelho  ]  fica  o  negocio  fem 
inconveniente  algum.  E  aííím  me  diffe  o 
Conde  de  Odemira ,  que  o  havia  de  votar^ 
por  fer  matéria  muito  clara,  e  o  contrario 
contra  o  ferviço  de  S.  Mageftade  ,  e  o  in- 
tento que  fe  pretendia  ;  e  do  mefmo  pare- 
cer fey  que  eftaõ  os  demais  -Confelheiros. 
Com  S.  Mageftade  falley  efta  tarde  fobre 

efta 


M  CARTAS 

ÊÍla  matéria ,  e  porque  elle  fe  parte  fegun- 
da  feira  ,  e  a  quer  deyxar  reíoluta  ,  por- 
que aífim  importa  pola  brevidade  com  que 
o  navio  em  que  ha5  de  hir  os  Padres  fe  a- 
grefta  ^  foy  fervido  de  me  dizer  ,  que  da 
fua  parte  diíTeíTe  a  V.  M.  que  folgaria  que 
eíla  informação  fe  fizeífe  a  tempo  ,  em  que 
com  ella  fe  pudeíTe  confultar  pela  manliaa 
no  Confelho  ,  e  no  mefmo  dia  íubiífe  e  fe 
defpachaífe  :  e  o  mefmo  me  manda  dizer 
ao  Conde  de  Odemira.  Com  efta  vaõ  os 
Alvarás  de  que  confta5  os  exemplos  ,  e  o 
principal  fundamento  da  juftificaçaõ  da 
noíTa  cauza  ,  que  V.  M.  nos  fará  mercê  , 
de  que  naõ  fayaõ  da  fua  maõ  ,  porque  im- 
portaõ.  Tenho  dito ,  e  naõ  recomendo  mais, 
porque  a  cauza  fe  recomenda  por  fi  mef- 
ma  ,  e  porque  fey  que  para  todas  as  dó 
ferviço  de  Deos  eftâ  fempre  muy  prompto  o 
favor  de  V.  M.  que  he  a  pedra  fundamen- 
tal dos  que  fobre  elle  haõ  de  aífentar  feos 
votos.  Alfim  que  a  V.  M.  caberá  a  mayor 
e  principal  parte  do  merecimento  defta 
fanta  obra  :  e  todos  nos  ficaremos  com 
nova  obrigação  de  rogarmos  a  Deos  pela 
vida  e  faude  de  V.  M,  que  o  Senhor  guar- 
de 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       ^r 

de  por  muitos  annos ,  como  havemos  mii- 
ter.  Por  fer  a  hora  que  he  ,  nao  vou  le- 
var efte  papel  ,  mas  eftimarey  y  que  V. 
M.  me  mande  dizer  por  palavra  pelo  por- 
tador quando  o  hirey  bulcar.  Collegio  j. 
de  Julho  de  i6^i\ 

Creado  de  V.  M.^ 
António  Vieyra. 

CARTA  VII. 

jdo  Príncipe. 
Senhor. 

ESTA  efcrevo  a  V.  A.  no  Cabo  Ver- 
de aonde  arribamos  depois  de  trin- 
ta dias  de  viagem,  obrigados  de  tem- 
peftades  ,  coflarios ,  e  outros  trabalhos  ,  e 
infortúnios  que  nella  fe  padecèra5.  Eu ,  Se- 
nhor ^naõ  fey  fe  os  padeci,  porque defde a 

hora 


24  CARTAS 

hora  em  que  o  Navio  defamarrou  deíTe 
Rio  5  naÔ  eílive  mais  em  mim  ,  nem  o  ef- 
tou  ainda ,  attonito  do  cazo  e  da  fatalidade 
da  minha  partida ,  e  de  naõ  faber  como  S. 
Mageftade  e  V.  A.  a  receberiaõ ,  pois  nâ5 
he  poílivel  feremlhe  prezentes  todas  as  cir- 
cunftancias  delia  :  taes  que  na5  fuy  eu  o 
que  me  embarquey  ,  fena5  ellas  as  que  me  ' 
levarão.  V.  A.  vio  muito  bem  a  prompti- 
daõ  e  vontade  com  que  me  rendi  à  de  S. 
Mageftade  o  dia  que  em  prezença  de  V. 
A.  me  fez  mercê  fignificar  queria  que  ago- 
ra ficaíTe  :  mas  como  entaò  fe  aflentou  que 
procedeíTe  eu  em  fuppofiçaõ  de  que  havia 
de  vir ,  em  quanto  S.  Mageftade  de  publi- 
co me  naõ  mandava  revogar  a  licença  pa- 
ra Íatisfaça5  dos  Padres ,  filo  eu  aíTim ,  pro- 
cedendo em  tudo  ,  como  quem  fe  embar- 
cava. Na  vefpora  da  partida  fuy  avizar  a 
S.  Mageftade  e  a  V.  A.  da  brevidade  com 
que  fe  apreíTava  ,  e  que  naquelle  dia  decia 
a  caravella  para  Belém  ,  e  S.  Mageftade 
e  V.  A.  me  fizer aò  mercê  dizer  que  logo 
da  tribuna  fe  mandaria  recado  ao  P.  Viei- 
ra ,  e  na  mefma  tribuna  o  torney  a  lem- 
brar  a  S.  Mageftade  :  efperey  todo  aquel- 

le 


DO  P.  ANTÓNIO  VffiYRA.       25 

le  dia  em  caza  por  Pedro  Vieira ,  ou  efcrito 
feo  5  e  naÕ  veyo,  mas  â  noyte  recado  que  nos 
foílemos  embarcar  em  amanhecendo.  Na5 
tive  outro  remédio  mais  que  fazer  o  avizo 
que  fiz  aV.  A.  o  qual  enviey  pelo  primei- 
ro portador  que  pude  haver  ,  ao  Bifpo  do 
Japaõ  ,  aíTim  por  naõ  íer  hora  de  putra  peA 
foa  fallar  com  V.  A.  como  porque  todo  o 
outro  recado  que  foíTe  direito  ao  Paço ,  fe- 
ria muito  fufpeitofo  naquella  occafiaõ  ,  em 
que  todos  os  incrédulos  andavaõ  eíprei- 
tando  minhas  acçoens  ,  e  efperando  ofuc- 
ceíTo.  Sahi  emfim  hindome  detendo  quan- 
to pude ,  como  avizey  a  V.  A.  mas  na  pra- 
ya  foube  ,  que  o  Procurador  do  Brazil  ti- 
nha recebido  hum  efcrito  de  Salvador  Cor- 
ffia-i  no  qual  lhe  dizia  ,  que  elle  failára 
com  S.  Mageftade,  que  eu  naõ  hia  para  o 
Maranhão  :  e  que  o  Sindicante  tinha  or- 
dem demo  notificar  aííím  ,  quando  eufofle 
cmbar carme.  Entendi  entaò  que  S.  Ma- 
geftade  tinha  mudado  de  traça  ,  e  com  ep 
ia  noticia  ,  e  fuppofiçaõ  me  fuy  mais  de- 
fafuftado  para  a  caravella  ,  onde  achey  o 
Sindicante  ,  mas  elle  nao  me  diíTc  couza 
:|lguma.  As  velas  fe  largarão  ,  e  eu  fiquey 
Tom.  L  D  den- 


i6  CARTAS 

dentro  nella  ,  e  fóra  de  mim  ,  como  ain- 
da agora  eftou  ,  e  eftarey  athè  faber  que 
S.  Mageílade  e  V.  A.  tem  conhecido  a 
verdade  e  íinceridade  do  meo  animo  ,  e 
que  em  toda  a  fatalidade  defte  íucceíTo  naõ 
houve  da  minha  parte  acçaõ  ,  nem  ainda 
penfamento  ,  ou  dezejo  contrario  ao  que 
S.  Mageftade  ultimamente  me  tinha  orde- 
nado ,  e  eu  promettido.  Naõ  fey,  Senhor,  que 
diga  nefte  cazo  ,  fena5  ou  que  Deos  na5 
quis  que  eu  tiveííe  merecimento  neftaMif- 
faõ  5  ou  que  fe  conheça  que  toda  ella  he 
obra  fua  ,•  porque  a  primeira  vês  vinha  eu 
contra  vontade  deS.  Mageftade ,  mas  vinha 
por  minha  vontade  ,  e  agora  parti  contra 
a  de  S.  Mageftade ,  e  contra  a  minha ,  por 
mero  cazo  ,  ou  violência ':?  e  íe  nella  hou- 
ve alguma  vontade  ,  foy  fô  'a  de  Deos  ,  a 
qual  verdadeiramente  tenho  conhecido  em 
muitas  occafioens  ,  com  tanta  evidencia  , 
como  fe  o  mefmo  Senhor  ma  revelara.  Sò 
refta  agora  que  eu  naÕ  falte  a  taõ  clara 
vocação  do  Ceo  ,  como  efpero  naõ  faltar 
com  a  divina  graça  fegundo  as  medidas  das 
forças  com  que  Deos  for  fervido  alentar 
minha  fraqueza.  Emfim  ,  Senhor  ,  venceo 

Ki  Deos 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       £7 
Deos.    Para   o   Maranhão   vou  voluntário 
quanto  à  minha  primeira  intenção  ,  e  vio- 
lento cjuanto  á  fegunda  ,-  mas  muy  refignado  ^ 
e  muy  conforme  ,  e  com  grandes  eíperan-^ 
ças  ,  de  que  efte  cazo ,  naÕ  foy  acazo ,  fe- 
naÕ  diípoíiçaõ  altiííima  da  Providencia  Di- 
vina, como  jánefte  Cabo  Verde  tenho  ex- 
perimentado em  taÕ  manifefto  fruto  das  al- 
mas ,  que  quando  na5  chegue  a  confeguir 
outro  ,  fó  por  efte  poíTo  dar  por  bem  em- 
pregada a  MiíTaÕ  ,  e  a  vida.  O  muito  que  nef- 
ta  terra    e  nas  vizinhas  fe  pôde  fazer  em 
bem  das  almas ,  e  a  extrema  neceííidade  em 
que   eftaõ   ,    avizo   em  carta  particular  ao 
Bifpo  do  Japaõ  ,   para  que  o  comunique  a 
V.  A.   eo  modo    com  que   fácil   e  promp- 
tamente  íê  lhe  pôde  acudir.  Na5  encareço 
efte  negocio ,  que  he  o  único  que  hoje  te- 
nho no  mundo  ,    e  o  único  que   o  mundo 
devia  ter ,  porque  conheço  a  piedade  e  ze- 
lo de  V.   A.   a  que  N.   Senhor  hade  fazer 
por  efte  ferviço  ,   na5  fó  o  mayor  Monar- 
ca da  terra  ,   mas   hum   dos  mayores   do 
Ceo.  Eu   naÕ  me   efquecerey  nunca    de  o 
xogar  aíTim  a  Deos  em  meos  facrificios  of- 
ferecendo-os  continuamente  ,   como  hoje 

D  ij  fiz 


1%  .AilYJE  A  R  T  AS 
fiz  os  três,  hum  por  ElRey  que  D eos  guar- 
de ,  outro  pela  Rainha  N.  Senhora  ,  e 
outro  por  V.  A.  e  o  mefmofe  fard  nanof- 
fa  Miíiaõ  tanto  que  chegarmos  a  ella  /  e 
em  tudo  o  que  nella  le  obrar  e  merecer, 
teraõ  S.  Mageftade  e  V.  A.  fempre  a  pri- 
meira parte.  Princepe  e  Senhor  da  minha 
alma,  a  graça  Divina  more  fempre  na  al- 
ma de  V.  A.  e  o  guarde  com  a  vida,  fau- 
de,  e  felicidade  que  a  Igreja  e  os  vaíTallos 
de  V.  A.  havemos  miíler.  Cabo  Verde  zj# 
de  Dezcíiibro  de  i(íj2, 

António  Vieyra. 


CARTA  VIII. 

^0  mefmo  Senhor, 
Senhor. 


<n 


O  Cabo  Verde  dey  conta  a  V.  A. 
da  minha  partida  e  das  circun^ 
ftancias  fataes  delia :  e  porque  na- 
queiie  porto  naÕ  ficava  navio  para  Portu- 
gal, 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       29 

gal  /e  pode  fer  que  eíle  chegue  primeiro^ 
remetto  nelle  a  V.  A.  a  pymeira  via  da- 
quella  carta  ^  efperando  da  grandeza  e  cle- 
mência de  S.  Mageftade  e  V.  A.  que  co- 
nhecido por  taõ  evidentes  demoílraçoens 
fer  efta  a  vontade  Divina  ,  S.  Mageftade  e 
V.  A.  fe  íirvaÕ  de  conformar  com  ella  a 
ordem  que  em  contrario  me  tinhaÕ  dado  , 
pois  naÕ  fuy  eu  o  que  a  defobedeci  ,  fenaõ 
Deos  o  que  por  meyos  taÕ  violentos ,  e  in- 
voluntários impedio  a  execução  delia.  Em* 
fim  Senhor  ,  Deos  quis  que  com  vontade 
ou  fe«m  ella  eu  vieífe  ao  Maranhão  ,  onde 
jà  eftou  reconhecendo  cada  hora  mayores 
effeitos  defta  providencia ,  e  experimentan- 
do nella  clariffimos  indicios  da  minha  pre- 
deftinaçaÕ  ,  e  da  de  muitas  almas  •  e  por 
efte  meyo  difpoem  que  ellas ,  e  eu  nos  fal- 
vemos.  Eu  agora  começo  a  fer  Religioío  , 
e  efpero  na  bondade  Divina  ,  que  confor- 
me os  particulariffimos  auxilios  com  que 
me  vejo  aífiftido  da  íua  poderofa  e  liberal 
maÕ,  acertarey  ao  fer ,  e  verdadeiro  Padre  da 
Companhia  ,  que  no  conceito  de  V.  A,  á? 
inda  he  mais :  e  fem  duvida  fe  experimen- 
ta allim  neftas  partes,  onde  poftoque  haja 

outras 


3©  CARTAS 

outras  Religioens ,  fó  a  efta  parece  que  dea 
Deos  graça  de  aproveitar  aos  próximos.  O 
defamparo  e  neceíTidade  efpiritual  que  aqui 
fe  padece,  he  verdadeiramente  extrema,  por- 
que os  Gentios  e  os  Cliriftaos  todos  vivem 
^  quafi  em  igual  cegueira  por  falta  de  cultu- 
ra e  doutrina  ,   naõ  havendo  quem  cathe- 
quize  ,   nem  adminiftre  facramentos  •   ha- 
vendo porem  quem   cative  ,   e  quem  tira- 
nize ,  e ,  o  que  lie  peor ,  quem  o  approve  , 
com  que  Portuguezes  ,  e  índios  ,  todos  fe 
vao  ao  inferno.  AoBifpodo  JapaÕ  dou  mais 
particular  relação   de  tudo  para  que  o  re- 
prezente  a  V.  A.  de  cuja  grande  piedade  e 
zelo    efpero   nos   mandará  foccorrer   com 
maior  numero  de  Miííionarios  ,  que  he  o  de 
que  fó  temos  neceílidade  ,   e  naõ  podem 
vir  tantos  que  naÕ  fejaÕ  neceíTarios  mais. 
Ah  Senhor  que  fe  perdem  infinitas   almas 
remidas  com  o  fangue  de  Chrifto ,  por  na5 
haver   quem  as  allumie  com   a  luz  da  Fé  , 
havendo  tantas  Religioens  neíTe  Reino  ,   e 
tantas  letras  ociofas!  Acuda  S.  Mageftade , 
Senhor,  e  ainda  V.  A.  a  efte  defemparo  por 
piedade  ,   por   chriftandade  ,   e  por  efcru- 
pulo  de  que   de  todas  eftas  almas  fe  hade 

pe- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       31 

pedir  conta  aos  Reys  de  Portugal  ,  e  a  V. 
A.  como  a  Princepe  do  Brazil.  Naõ  peço 
rendas  ,  nem  fuílentaçaõ  para  os  que  vie- 
rem ,  que  Deos  os  fuftentarà :  o  que  fó  pe- 
ço he  que  venhaõ  ,  e  que  fejaõ  muitos  ,  e 
de  muito  efpirito  j  porque  ainda  que  os  que 
cá  eftamos ,  vamos  fazendo  ,  e  hajamos  de 
fazer  tudo  o  que  podermos  ,  fem  perdoar 
a  trabalho  ,  nem  perigo  ,  Mejfis  qmdem 
multa  y  operartj  autem  pauci :  e  fe  CliriPto  diz  : 
Rõj^ate  ergo  Dominum  meJfis  ,  ut  rmttat  ope- 
rários m  vtneam  fuam  ,  S.  Mageílade  e  V« 
A.  que  eftaò  no  feo  lugar,  faÒ  os  fenhores 
defta  vinha,  a  cujos  Reaes  pês proftrados  o 
pedimos  com  toda  ainftancia.  Ao  Procura- 
dor do  Brazil  efcrevo  trabalhe  por  nos 
mandar  em  todos  os  navios  alguns  fogei- 
tos ,  pedindo-os  aos  Superiores  de  ambas  as 
Provincias  ,  mas  naõ  confio  que  efta  dili- 
gencia feja  efficaz  ,  fe  V.  A.  naõ  interpu- 
zer  íua  Real  authoridade ,  mandando-o  aílim 
aos  mefmps  Superiores  por  huma  ordem 
muy  apertada.  Sejaõ  ,  Senhor ,  eftas  as  prin- 
cipaes  cadeiras  que  V.  A.  reparta :  venhaÕ 
muitos  meftres  da  Fé  a  enfinar  e  reduzir  à 
Chrifto  eftas  gentilidades  :  e  perfuada-fe  V. 
>  A». 


ji  CARTA  S 

A.  mco  Princepe  ,  que  lhe  haode  preftar 
jnais  a  V.  A.  para  a  defenfaÕ  e  eftabilida^ 
de  do  Reyno  os  exércitos  de  almas  que  cá 
íè  reduzirem  ,  que  os  de  foldados  que  lâ  fe 
aliftarem.  Non  falvatur  Rex  per  multam 
vtrtutem ,  Êf  g^gcís  non  falvahtur  m  mulútu- 
dtne  virtutís  fua.  Fallax  equus  ad  falutem :  m 
ahundanúa  aute  vtrtuUsfude  nonfahahttur,  Rcce 
aculi  Domini  fuper  metuentes  eum  ,  et  m  eis  , 
qm  fperant  fuper  mifericordia  ejus.  Pfalm, 
32.    1(5.   A  muito   alta  ,   e  muito  poderofa 

f^eíToa  de  V.  A.  guarde  Deos  como  os  vaf- 
àllos  de  V.  A.  ea  Chriftandade  hâmifter, 
Maranhão  25.  Janeiro  de  1653. 


António    Vieyra. 


CAR.*^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       33 

CARTA   IX. 

A  ElRey  fobre  as  necejjida- 
des  ejpiriíuaes  do  Maranhão. 

Senhor. 

COMO  V.  Mageftade  foy  fervido  en- 
comendarme  ta5  particularmente  a 
converfaõ  da  gentilidade  defte  Ef- 
tado ,  e  a  confervaçaÕ  ,  e  augmento  de  noP 
fa  Santa  Fé  nelle ,  faltaria  eu  muito  a  efta 
obrigação  ,  e  à  da  conciencia,  íenaõ  déíTe 
.conta  a  V.  Mageftade  dos  grandes  defem- 
paros  efpirituaes  ,  que  em  todas  eftas  par- 
tes fe  padecem  ,  apontando  com  toda  a 
brevidade  que  me  for  poíTivel  os  danos  , 
as  cauzas  delles ,  e  os  remédios  com  que  fe 
lhe  pôde  e  deve  acudir. 

Os  moradores  defte  novo  mundo  [  que 

affim  fe  pôde  chamar  ]  ou  faõ  Portuguezes, 

ou  índios  naturaes  da  terra.  Os  índios  huns 

fa5  gentios  que  vivem  nos  fertoens,  infini- 

Tom.  L  E  tos 


■■ 


34  '■•  '-E  AMTA  S 
tos  no  numero  ,  e  divcrfidade  de  lingoas  : 
outros  fao  pela  mayór  parte  Chriftaos 
que  vivem  entre  os  Portuguezes.  Deites  que 
vivem  entre  os  Portuguezes  ,  huns  fa5  li- 
vres j  que  eftaõ  em  íiias  aldeãs :  outros  fao 
parte  livres ,  parte  cativos  que  moraõ  com 
os  mefmos  Portuguezes  ,  e  os  fervem  em 
luas  cazas  ,  e  lavouras  ,  e  fem  os  quaesel- 
les  de  nenhuma  maneira  fe  podem  íiiften- 
tar. 

Os  Portuguezes ,  Senhor ,  vivem  neftas 
partes  em  neceíTidade  efpiritual  pouco  me- 
nos que  extrema  ,  com  grande  falta  de 
doutrina ,  e  de  facramentos ,  havendo  mui- 
tos delles  que  naõ  ouvem  miífa  ,  nem  pre- 
gação em  todo  o  anno  pola  naõ  terem  3 
nem  fabem  os  dias  fantos  para  os  guarda- 
rerrí  ,  nem  os  guardaÕ  ,  ainda  que  os  fai- 
baõ  :  nem  há  quem  a  ilTo  os  obrigue ;  o  qual 
defemparo  he  ainda  mayor  nas  mulheres, 
filhos  ,  e  filhas,  morrendo  naõ  poucas  ve- 
zes huns  e  outros  fem  confiffaÕ. 

A  principal  cauza  diílo  (  deixando  ou- 
tras mais  remotas  )  he  a  falta  de  Curas  é 
Párocos  ^  porque  em  toda  a  Capitania 
do  Maranhão  na-5  há  mais  que  duas  Igre- 

^  jas 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       3  5 

jas  curadas ,  huma  na  terra  jfírme ,  outra  na 
Ilha,  que  he  mais  de  fetelegoas  de  compri- 
do ,  e  outras  tantas  de  largo  ,  e  toda  po-r 
voada  j  com  que  he  impoííivel  acudir  hum 
fó   Sacerdote  a  todos  os  que  o  haõ  mifter, 
principalmente  havendo-fe  de  hir  a  pè  , 
porque  em  todas   eftas  partes  naÕ  ha  nen- 
hum género  de  cavalgadura.  Accrefcenta- 
fe  a  efta  grande  falta  de  Sacerdotes ,  ferem 
pela  mayor  parte  os  que  ha ,  homens  de  pou- 
cas letras  ,  e  menos  zelo  das  almas  -,   por- 
que   ou  vier  ao   para   ca  degradados   ,    ou 
por  naÕ  terem  preftimo  com  que  ganhara 
vida  em  outra  parte  ,  a  vieraõ  bufcar  a  ef- 
tas. Também  pertence  efte  Eftado  no  efpi- 
ritual  ao  Bifpo  do  Brazil  ,   o  qual   refide 
na  Bahia,  que  he  diftancia  de  quinhentas 
legoas  com  os  Olandezes  no  meyo  ,  e  fem 
recurfo  fenaÕ  por  via  do  Reino  ^   com  que 
«ftas  ovelhas  naõ  podem  fer  ouvidas  ,  nem 
vizitadas  ,  e  vivem  verdadeiramente  fem 
paftor. 

O  remédio  defte  graviílimo  dano  he 
o  multiplicarem-fe  as  Igrejas  ,  e  Curas  nos 
lugares  que  parecerem  mais  acc5modados  : 
haver  huma  PeíToa  Ecclefiaftica  de  letras , 


e 


wm 


;  í     c  A  K  r  A  s.^ 

e  zeloj  quefeja  adminiílrador  de  todo  eftê 
Eftado,  ou  tenha  outro  género  de  íuperni- 
tendência  fobre  o  eípiritual  de  todo  elle  , 
eonio  há  no  Rio  do  Janeiro :  ou  ao  menos^ 
que  para  fiiprir  todas  eftas  faltas  fe  mande 
numero  baftante  de  Religiofos  ,  que  tenhaÕ 
por  inftituto  a  falvaça5  das  almas  ,  e  que  fe^ 
ja5  peíToas  obfervantes  do  tal  inftituto  ;  por- 
que o  que  tem  feito  grande  mal  a  efte  Ef- 
tado,  faõ  homens  Religiofos  de  vida  e  dou- 
trina pouco  ajuftada. 

Os  índios  que  vivem  em  caza  dos  Por- 
tuguezes ,  pela  miferia  de  feo  eftado ,  e  pe- 
la natural  rudeza  de  quaíi  todos  >  ainda 
cm  m-uito  mayor  parte  lhes  tocaÕ  todos  os 
defemparos  efpirituaes  acima  referidos.  Mui- 
tos deites  vivem:::e  morrem  pagãos  ,  íem 
feos  fenhores  ,  nem  Párocos  lhes  procu- 
rarem baptifmo  ,  nem  fazerem  efcrupulo 
diíTo.  Os  qne  tem  nome  ,  e  baptifmo  de 
Ghriílãos  ,  muitos  o  receberão  fem  fabe- 
rem  o  que  recebiaò  ,  e  vivem  taõ  gentios 
como  dantes  eraõ ,  fendo  muito  raros ,  ain- 
da dos  mais  ladinos  ,  os  que  fe  defobrigaõ 
pek  Quarefma  ,  eha  Chriftaos  de  feííenta 
annos  de  idade  que  nunca  fe  confeílárao. 

Os 


^tv^^^f^' 


:;>':-í-^-l.^>^3i^::;!v.- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       37 

Os  mais  dellcs  perguntados  quando  fe  con- 
feflaraõ  a  ultima  ves  ,  refpondem  que  com 
o  Padre  Luis  Figueira  ,  o  qual  ha  de- 
zafete  annos  que  falta  deííe  Eftado.  O  mor- 
rerem fem  confiíTaò  he  couza  muy  ordiná- 
ria ,  pricipalmente  os  que  moraõ  fora  da 
Cidade  ,  e  também  he  ordinário  o  abufo 
de  lhes  naõ  darem  a  Comunhão  ,  nem  na 
hora  da  morte. 

As  cauzas  taõ  grandes  defte  dano  ,  e 
perdição  das  almas  ,  fa5  a  mefma  falta  de 
Curas  ,  e  Sacerdotes,  e  principalmente  de 
Religiofos  ,  que  tenhaõ  por  inftituto  eftu- 
dar   e  faber   a  lingoa  ,    porque  fem  ella  a- 

Eroveitaõ  pouco  os  Curas ,  e  fó  os  que  a  fa- 
em  lhes  podem  adminiftrar  os  Sacramen- 
tos como  convém  ,  principalmente  o  do 
Baptifmo,  e  da  Confiffaõ,  que  faõosmais 
necelTarios. 

O  remédio  he  haver  baftante  numero 
dos  fobreditos  Religiofos  que  doutrinem  os 
índios  5  e  baptizem  e  rebaptizem  os  cjue 
eftiverem  mal  baptizados,  e  lhes  admini- 
ftrem  os  demais  Sacramentos,  como  j a  fa- 
zem com  grande  fruto  ,  mas  faõ  poucos 
para  taõ  grande  feara. 


jg  C  AR  TAS 

Eíle  dano  he  commum  a  todos  os  ín- 
dios. Os  que  vivem  emcaza  dos  Portugue- 
zes  tem  demais  os  cativeiros  injuftos  que 
muitos  delles  padecem  ,  de  que  V.  Magefta- 
de  tantas  vezes  ha  fido  informado  ,  e  que 
porventura  he  a  principal  cauza  de  todos 
os  caftigos  que  fe  experimentaõ  em  todas 
noíías  Conquiílas. 

As  cauzas  defte  dano  fe  reduzem  to- 
das à  cubica  ,  principalmente  dos  mayo- 
res  ,  os  quaes  mandão  fazer  entradas  pelos 
fertoens ,  e  das  guerras  injuftas  fem  autho- 
ridade  ,  nem  juftificaçaõ  alguma  •  e  ainda 
que  trazem  alguns  verdeiramente  cativos , 
por  eílarem  em  cordas  para  ferem  comi- 
dos ,  ou  por  ferem  efcravos  em  íiias  terras, 
os  mais  delles  faõ  livres  ,  e  tomados  por 
força  ou  por  engano  ,  e  aílim  os  vendem 
e  fe  fervem  delles  ,  como  verdadeiros  ca- 
tivos. 

O  remédio  queV.  Mageílade ,  Senhor  , 
e  os  Senhores  Reys  anteceíTores  de  V.  Ma- 
geílade procurarão  dar  a  efta  tirania  ,  foy 
mandar  totalmente  ferrar  os  fertoens  ,  e 
prohibir  que  naÕ  houveíTem  refgates  ,  e  de- 
clarar por  livres  a  todos  os  jà  refgatados 

de 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       39 

de  qualquer  modo  que  o  foíTem.  Efte  re- 
tnedio ,  Senhor ,  verdadeiramente  lie  o  mais 
eíFedivo-de  quantos  fe  podem  reprezentar, 
mas  he  diíEcultofiflímo  ,  e  quafi  impoíTivel 
de  praticar,  como  a  experiência  tem  mof- 
trado  em  todos  os  tempos  ,  e  muito  mais 
nos  motins  defte  anno  ,  fundados  todos  em 
ferem  os  índios  o  único  remédio  e  fuftento 
deftes  moradores  ,  que  fem  elles  perece- 
ria5 

O  meyo  que  parece  mais  conveniente  , 
e  praticável  (  como  já  fe  tem  começado  a 
executar  )  he  examinarem-fe  os  cativeiros, 
e  ficarem  livres  os  que  fe  acharem  fer  li- 
vres ,  e  cativos  os  que  fe  acharem  fer  ca* 
tivos . 

Mas  para  que  efte  exame  feja  com  a  in- 
teireza e  juftiça  que  convém  ,  naÕ  bafta 
que  os  Oíficiaes  da  Camera  o  julguem ,  ain- 
da que  feja  com  aíliftencia  do  Sindicante: 
mas  he  neceíTario ,  que  o  mefmo  Sindicante 
approve  os  ditos  exames  ,  e  julgue  todas 
eftas  cauzas  e  proceflos  delias ,  e  nefta  for- 
ma parece  que  fem  nenhum  encargo  de 
conciencia  poderão  ficar  cativos  os  que  fe 
julgarem  por  taes.   E  porque  o  Dezembar- 

gador 


40  CARTAS 

gador  Joaõ  Cabral  de  Barros  he  peííoa  de 
taÕ  boas  letras  ,  e  procede  com  tanta juf- 
tiça  e  inteireza  em  todas  as  matérias ,  pare^ 
ce  que  tudo  o  que  V.  Mageftade  houver 
de  fiar  de  hum  grande  Miniftro  ,  o  pôde 
fiar  delle. 

E  quanto  aos  refgates  para  o  futuro ,  fe 
fe  houverem  de  fazer  entradas  fó  a  eíTe 
fim  y  fera  dar  outra  ves  nos  mefmos  incon- 
venientes. Mas  porque  convém  que  haja  os 
ditos  refgates  ,  ao  menos  por  remir  aquel- 
las  almas  j  o  modo  com  que  fe  podiaÕ  far 
zer  juftificadamente  he  efte.  Que  as  entrar 
das  ao  fertaò  fe  façaõ  fó  afim  de  hir  con- 
verter os  gentios  ,  e  reduzillos  à  íbgeiçaò 
da  Igreja  eda  Coroa  de  V.  Mageftade  (  co- 
mo V.  Mageftade  metem  ordenado)  eque 
fe  neíTas  entradas  fe  acharem  alguns  índios 
em  cordas  ou  legitimamente  efcravos^  que 
eíTes  fe  poíTaõ  comprar  ,  e  refgatar  ,  ap^ 
provandò-o  primeiro  os  Padres  que  forenj 
à  dita  Miífaõ ,  nos  quaes  ,  quando  menos  ^ 
haverá  fempre  hum  Theologo  e  hum  bom 
lingoa ;  e  para  que  iífo  fe  configa  como  con- 
vém 5  que  o  Capitão  que  houver  de  levara 
feo  cargo  adita  entrada,  naõ  feja  fó  eleito 

pela 


m 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  41 
pelo  Capitão  Mor,  ou  Governador,  fenaÕ 
por  elle,  pela  Camera  ,  pelos  Prelados  das 
Religioens  e  Vigário  geral  ,  porque  fe  a 
dita  Capitania  for  data  do  Capitão  Mor  , 
mandara  quem  vá  bufcar  mais  feos  interef- 
fes  que  os  de  Deos  ,  e  do  bem  commum.' 
Os  índios  que  moraò  em  ííias  Aldeãs 
com  titulo  de  livres  ,  faõ  muito  mais  ca- 
tivos ,  que  os  que  moraÕ  nas  cazas  parti- 
culares dos  Portuguezes  ,  fó  com  huma  dif- 
ferença ,  que  cada  três  annos  tem  hum  novo 
Senhor ,  que  he  o  Governador  ,  ou  Capitão 
Mor  que  vem  a  eftas  partes ,  o  qual  íe  fer- 
ve delles  como  de  feos  ,  e  os  trata  como 
alheos  •  em  que  vem  a  eftar  de  muita  peor 
condição  que  os  efcravos  ,  pões  ordinaria- 
mente os  ocupaõ  em  lavouras  de  tabaco  , 
que  he  o  mais  cruel  trabalho  de  quantos 
Há  no  Brazil  ,  mandaô-nos  fervir  violen- 
tamente a  peíToas  j  e  em  ferviços  a  que  naò 
vaõ  fenaõ  forçados  ,  e  morrem  lá  de  puro 
fentimento  :  tifaõ  as  mulheres  cazadas  das 
Aldeãs ,  e  poemnàs  a  fervir  em  cazas  par- 
ticulares com  grandes  deferviços  de  Deos, 
e  queixas  de  feos  maridos ,  que  depois  de  fe- 
melhantes  jornadas  muitas  vezes  fe  apari* 
-    Tom.  l  F  tâõ 


4t  C  A  R  T  AS 

téò  delias,  naõ  lhes  daõ  tempo  para  lavra-* 
rem  e  fazerem  luas  roças,  com  que  elles ,  íuas 
mulheres  e  feos  filhos  padecem  e  perecem  j 
emfim  em  tudo  faõ  tratados  como  efcra-^ 
naõ  tendo  a  liberdade  mais  que  na 


vos 


nome ,  pondolhes  nas  Aldeãs  por  Capitaens 
alguns  Mamelucos  ,  ou  homens  de  feme- 
Ihante  condiça5  ,  que  faõ  os  executores 
deftas  injufticas  •  com  que  os  triftes  índios 
efta5  hoje  quafi  acabados  e  confumidos,  e 
para  naõ  acabarem  de  feconfumir  de  todo, 
eíliveraõ  abaladas  as  Aldeãs  efte  anno  pa- 
ra fe  paliarem  a  outras  terras,  onde  vivef- 
fem  fora  delia  fogeiçaõ  taõ  mal  fofrida  ,  e 
fem  duvida  ofizeraõ,  fe  por  meyo  dehum 
Padre  bom  Lingoa  os  naõ  reduziramos  a  que 
efperaíTem  nova  refoluçaõ  de  V.  Mageílade. 

As  cauzas  defte  dano  bem  fe  vè  ,  que 
naõ  faõ  outras  mais  que  a  cobiça  dos  que 
governaõ  ,  muitos  dos  quaes  coftumaõ  di- 
2er  ,  que  V.  Mageftade  os  manda  cá  para 
que  fe  venhaõ  remediar  ,  e  pagar  de  feos 
íerviços  ,  e  que  elles  naõ  tem  outro  meyo  de 
o  fazer  ,  fenaõ  efte. 

O  remédio  que  ifto  tem  (  e  naõ  há  ou- 
tro )  he  mandar  V.  Mageftade  que  nenhum 


DO  P.  ANTÓNIO  YíEYRA.      43 

Governador,  ou  Capitão  Mor  poíTa  lavrar 
tabaco  ,  nem  outro  algum  género  ,  nem 
por  íi  5  nem  por  interpofta  peííoa  ,  nem 
occupem  ,  nem  repartaÕ  os  índios  fenaõ 
quando  foíTe  para  as  fortiíícaçoens ,  ouou^ 
trás  couzas  do  ferviço  de  V.  Mageftade  , 
nem  ponhaõ  Capitaens  nas  ditas  Aldeãs  »| 
e  que  ellas  fe  governem  fó  pelos  feos  Prin-» 
cipaes  ,  que  faÕ  os  Governadores  de  fuás 
Naçoens  ,  os  quaes  os  repartirão  aos  Por- 
tuguezes  pelo  eftipendio  que  lie  coftume 
voluntariamente  como  livres  ,  e  naÕ  por 
força  :  e  que  no  tocante  ao  efpiritual ,  vifi- 
tem  fuás  Aldeãs,  ou  reíidaõ  nellas ,  poden^ 
do  fer  ,  os  Religiofos ,  o  que  coftumaõ  fazer ; 
que  he  à  forma  a  que  depois  de  muitas  ex- 
periências fe  reduzio  o  governo  das  Aldeãs 
do  Brazil ,  fem  fe  intrometerem  com  os  ín- 
dios ,  nem  os  Vifo-Reys  ,  nem  os  Gover- 
4iadores  ,  mais  que  mandando-os  chamar 
quando  eraõ  neceíTarios  para  o  ferviço  Real, 
4ia  paz  ou  na  guerra  :  e  fó  deíla  maneira 
fe  poderão  confervar  ,  e  augmentar  as  Al- 
deãs ,  e  viver  como  Chriftaos  os  índios 
*dellas. 

Os  índios  do  Sertão  fegundo  as  infor- 
r  ij  mações 


44  C  A  R  T  AS 

iriaçoens  que  há ,  faÕ  muitos  por  todos  eP- 
tes  Rios ,  e  no  Rio  das  Almazonas  innume- 
raveis  :  em  todos  eftes  lie  verdadeiramente 
extrema  a  neceílidade  efpiritual  que  pa- 
decem y  na  qual  neceílidade  obrica  fob  pe- 
na de  peccado  a  charidade  chriílaa  a  que 
lejaõ  promptamente  foccorridos  de  MinilP- 
tros  do  Evangelho  que  lhes  enlinem  o  cami- 
nho da  falvaçaõ  j  e  efta  obrigação  ,  Senhor, 
em  V.  Mageftade  e  nos  Miniftros  de  V, 
Mageílade  a  quem  toca  por  razaõ  de  feo 
Officio,  he  dobrada  obrigação  j  porque  na5 
fó  he  de  charidade  ,  íenaõ  de  juftiça,pelo 
contrato  que  os  Sereniílimos  Reys  anteceí^ 
fores  de  V,  Mageftade  fizer a5  com  os  Sum^ 
mos  Pontifices  ^  e  obrigação  que  tomáraÕ 
fobre  íi  de  mandarem  pregar  a  Fé  a  todas 
as  terras  de  íiias  Conquiftas. 

As  cauzas  de  athegora  fe  ter  feito  ta5 
pouco  fruto  com  eftas  Gentes,  fa5  princi- 
palmente as  tiranias  que  com  elles  temos 
uzado  ,  havendo  Capitão  que  obrigou  aa- 
tar  dez  murroens  acezos  nos  dez  dedos  das 
mãos  de  hum  Principal  de  huma  Aldeã  pa- 
ra que  lhe  deíTe  efcravos  ,  dizendo  que  o 
havia  de  deixar  arder ,  em  quanto  lhos  na5 

déífe. 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       4y 

déíTe,  e  affim  o  fes,  Eíle  e  femelhantes  ter- 
rores tem  feito  o  nome  dos  Portiiguezes  o- 
diofo  nos  Sertoens  ,  e  defautorizado  muito 
a  Fé ,  entendendo  os  Bárbaros  ,  que  he  fó 
em  nôs  pretexto  de  cobiça ,  com  que  mui- 
tos fe  tem  retirado  mais  para  o  interior 
dos  boíques  ,  e  outros  depois  de  vir  ,  fe 
tornaÕ  defenganados  ,  outros  nos  fazem 
guerra ,  e  o  mal  que  podem ,  e  todos  (  que 
he  o  que  mais  íè  deve  fentir )  le  eftaÕ  hin- 
do  a  milhares  ao  inferno. 

O  remédio  confifte  na  execuça5  de  to* 
dos  os  remédios  que  athequi  fe  tem  apon- 
tado j  porque  fe  os  índios  mal  cativos  íe 
puferem  em  liberdade  ,  fe  os  das  Aldeãs 
viverem  como  verdadeiramente  livres  ,  fa- 
zendo íiias  lavouras  ,  e  fcrvindo  fomente 
por  íua  vontade  ,  e  por  feo  eftipendio  ,  e 
fe  as  entradas  que  fe  fizerem  ao  fertaõ  fo- 
rem com  verdadeira  ,  e  naõ  fingida  paz  , 
e  fe  pregar  aos  índios  a  Fé  deJÉSU  Chri- 
fto  ,  fem  mais  intereíTe  que  o  que  elle  ve- 
io bufcar  ao  mundo  ,  que  faò  as  almas  ,  e 
houver  quantidade  de  Religiofos  que  apren- 
daõ  as  lingoas  ,  e  fe  exercitem  nefte  mi- 
jiiílerio  com  verdadeiro  zelo  ,  naò  ha  du- 
i  vida . 


4^  CARTAS 

vida  que  /concorrendo  a  graça  Divina ,  com 
efta  difpofiçaõ  dos  inftrumentos  humanos , 
X)s  índios  íe  reduzirão  facilmente  á  noíTa 
amizade  ,  abraçarão  a  Fé  ,  vivirâõ  como 
Chriftãos  ,  e  com  as  novas  do  bom  trata- 
mento dos  primeiros  ,  trarão  eftes  após  de 
fi  muitos  outros  ,  com  que  alem  do  bem 
efpiritual  feo  ,  e  de  todoS  feos  defcenden- 
tes  ,  terá  também  a  Republica  muitos  índios 
que  a  íirvaõ  ,  e  que  a  defendaõ  ,  como  elles 
foraõ  os  que  em  grande  parte  ajudarão  a 
reftauralla. 

Ifto  he  Senhor  o  que  me  pareceo  repre- 
zentar  aV.  Mageftade  por  íatisfazer  àmi- 
tiha  obrigação  ,  e  por  defcargo  de  minha 
conciencia  ,  encarregando  muito  com  toda 
a  fubmifíaò  que  devo  à  de  V.  Mageftade  o 
remédio  deftes  graviílimos  danos  ,  que  pa^ 
decem  taõ  infinitas  almas ,  de  todas  as  quaes 
Deos  hade  pedir  conta  à  V.  Mageftade  c 
muito  mayor  depois  de  chegarem  ás  Reaes 
mãos  deV.  Mageftade  eftas  noticias  ,  naò 
de  ouvidas  ,  mas  de  viftas  e  experiência  , 
mandadas  por  quem  V-  Mageftade  muito 
bem  conhece  que  nao  veio  bufcar  ao  Ma>^ 
ranhaó  mais   que  o  mayor  ferviço  ,  e  a 

ma?- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       47 

mayor  gloria  de  Deos  ,  e  que  abaixo  del- 
le  nenhuma  couza  procurou  nunca  ,  nem 
amou  tanto  como  o  fervi ço  de  V.  Magef* 
tade. 

lílo  que  tenho  dito  he  o  mefmo  que 
fentem  todos  os  que  com  verdadeiro  zelo 
do  ferviço  de  Deos  e  bem  comum  ,  e  com 
a  larga  experiência  deíle  Eftado  dezejaÕ  o 
augmento  efpiritual  e  temporal  delle :  nem 
poderá  dizer  o  contrario  ,  fenaÕ  quem  fe 
governar  por  razoens  e  intereíTes  particu- 
lares ,  que  faõ  os  que  em  tudo  o  tem  per- 
dido. 

Pelo  que  ,  Rey  e  Senhor  ,  poílrados  aos 
Reaespês  de  V.  Mageftade ,  eeni  nome  de 
todas  as  almas  que  neftas  vaftiíTimas  terras 
de  V.  Mageftade  eftaõ  continuamente  def- 
cendo  ao  inferno  por  falta  de  quem  as  dou- 
trine ,  pedem  ellas  ,  e  pedimos  os  poucos 
Religiofos  que  cà  eftamos  pelo  Sangue  de 
Chrifto  com  que  foraõ  remidas  ,  que  fe  firva 
V.  Mageftade  de  nos  mandar  mais  compa- 
nheiros com  que  continuemos  ,  e  augmen- 
temos  o  começado  :  e  que  quando  naõ  ha- 
ja em  Portugal  (  como  naõ  há  )  todos  os 
que  fao  iieceffarios  ,  poíTaõ  vir  outros  de 

Nações 


48  CARTAS 

Naçoens  fem  fufpeita ,  comofempre  feper-^ 
mitio  ,  para  que  ajuntando  feo  zelo  e  traba- 
lho com  o  noíTo,  poíTamos  todos  juntos  em- 
prender  e  continuar  eíla  grande  Conquifta, 
para  a  qual  as  forças  fos  dos  que  cá  efta- 
mos  faõ  taõ  deíiguaes ,  promettendo  aV. 
Mageftade  em  nomedaquelle  Senhor  ,  que 
dá  e  conferva  os  Reinos  ,  que  eíla  obra  de 
tanta  piedade  e  juíliça  fera  o  mais  folido 
fundamento  fobre  que  Y.  Mageftade  pôde 
eftabelecer  Portugal  ,  por  cuja  conferva- 
çaõ  ,  e  augmento  todos  ofFerecemos  conti- 
nuamente os  noíí^s  facrificios  ,  e  todas  as 
almas  cue  por  noíTo  meyo  fc  falvarem  fa- 
raó no  Ceo  a  Deos  a  mefma  oração.  Mara- 
nhão 20.  de  Mayo  de  1653. 


António    Vieyra. 


CAR- 


-aSiS' 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       49 

CARTA   X. 

A  ElRej. 
Senhor. 

No  fim  da  carta  de  que  V.  Mageftít-* 
de  me  fez  mercê,  me  mandaV.  Ma- 
geftade  diga  meo  parecer  fobre  a 
conveniência  de  haver  neíte  Eftado  ,  ott 
dous  Capitaens  Mores  ,  ou  hum  fó  Gover- 
nador. Eu,  Senhor,  razoens  politicas  nun- 
ca as  foube ,  e  hoje  as  fey  muito  menos  ;  mas 
por  obedecer  direy  tofcamente  o  que  me 
parece.  Digo  que  menos  mal  fera  hum  la- 
drão ,  que  dous  ,  e  que  mais  diíEcultofos  fe- 
raô  de  achar  dous  homens  de  bem  ,  que 
hum.  Sendo  propoftos  a  CataÔ  dous  Ci- 
dadãos Romanos  para  o  provimento  de 
duas  praças  ,  refpondeo  que  ambos  lhe  deiP- 
contentavaÕjhum  porque  nada  tinha  ,  ou- 
tro porque  nada  lhe  bailava.  Taes  faõ  os 
dous  Capitães  Mores  em  que  fe  repartio  eP 
"te  Governo.  N.  de  N.  naõ  tem  nada ,  N.  do 
%m.  L  G  N^ 


Ç0  J\:  C  A  R  T  A  S 
N.  fiaÕ  llie  baila  nada  ,•  e  eu  na5  feyqual 
he  mayor  tentaça5  ,  fe  a  neceíTidade  ,  fe  a 
cobiça.  Tudo  quanto  ha  na  Capitania  do 
Pará ,  tirando  as  terras  ,  naÕ  vai  dez  mil  cru- 
zados ,  como  hje  notório  ,  e  deita  terra  hade 
tirar  N.  do  Isl.  mais  de  cem  mil  cru- 
zados em  três  annos  ,  fegundo  fe  lhe  vaõ 
logrando  bem  as  induftrias.  Tudo  iílo  fahe 
do  fangue  e  do  íiior  dos  triftes  índios,  aos 
quaes  trata  como  taÕ  efcravos  feos  ,  que 
nenhum  tem  liberdade  nem  para  deixar  de 
fervir  a  elle  ,  nem  para  poder  fervir  a  ou- 
trem :  o  que  além  da  injuíliça  que  fe  faz 
aos  índios  ,  he  occaíia5  de  padecerem  mui- 
tas neceíTidades  os  Portuguezes  ,  e  de  pere- 
cerem os  pobres.  Em  huma  Capitania  def- 
tas  confeífey  huma  pobre  mulher  das  que 
vieraÕ  das  ilhas ,  a  qual  me  diíTe  com  muitas 
lagrimas ,  que  de  nove  filhos ,  que  tivera ,  lhe 
morrerão  em  três  mezes  cinco  filhos  de  pu- 
ra fome  e  defemparo  ,  e  confolandoa  eu 
pela  morte  de  tantos  filhos  refpondeo-me; 
Padre ,  naõ  faõ  eífes  os  porque  eu  choro,  fe- 
naÕ  pelos  quatro  que  tenho  vivos  fem  ter 
com  que  os  fiiftentar  ,  epeço  aDeos  todos 
©s  dias  que  mos  leve  também,  Saô  làftimo'- 

fa$ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  51 
jfes  as  miferias  que  pafla  efta  pobre  gente 
das  Ilhas  ,  porque  como  naõ  tem  com  que^_ 
agradecer,  fe  algum  índio  fe  reparte  ,  naô 
Ine  chega  a  elles ,  fenaõ  aos  poderofos  ;  e 
he  efte  hum  defemparo  a  que  V.  Magefta- 
de  por  piedade  devera  mandar  acudir  com 
eíFeito  :  mas  taiíibem  a  ifto  fe  acode  nos 
capítulos  de  hum  papel  que  com  efta  vay. 

Tornando  aos  índios  do  Pará ,  dos  quaes, 
como  dizia ,  íe  ferve  quem  alli  governa,  co- 
mo fe  foraõ  feos  efcravos  ,  e  os  trás  quafi 
todos  OGCupados  em  feos  intereíTes ,  princi- 
palmente no  dos  tabacos  ,•  obrigame  a  cori'^ 
ciência  a  manifeftar  a  V.  Mageftade  os  gran- 
des peccados  ,  que  por  occaíiaÒ  defte  fer- 
viçò  fe  commettem. 

Primeiramente  nenhum  deftes  índios 
Vay  fenaõ  violentado  e  por  força,  e  o  traba- 
lho he  exceflívo  ,  e  em  que  todos  os  an- 
tios  morrem  muitos ,  por  íer  venenofiííimo  o 
Vapor  do  tabaco  ,♦  o  rigor  com  que  faõ  tra- 
tados he  mais  que  de  efcravos  5  os  nomes 
que  lhe  chamaÕ  e  que  elles  muito  fentem, 
feííímos I  o  Comer  he  quafi  nenhum  ;  apa- 
ga ta5  limitada,  que  naõ  fatisfás  a  menor 
parte  do  tempo  ,  nem  dò  trabalho  j  e  co- 
/  G  ij  mo 


ji  C  A  R  TAS  .        t: 

mo  os  tabacos  fe  lavraÕ  fempre  em  terras 
fortes  e  novas  e  muito  diftatites  das  Aldeãs, 
eftaõ  os  índios  auzentes  de  fuás  mulheres  j 
e  orcjinariamente  elles  eellas  em  mao  eftarí 
do ,  e  os  filhos  fem  quem  os  ííiftente ,  por*» 
que  na5  tem  os  pays  tempo  para  fazer  ííias 
roças  ,  com  que  as  Aldeãs  eftaõ  fempre  em 
grandiílima  fome  emiferia.  Também  aílim 
auzentes  e  divididos  nao  podem  osJndios 
ler  doutrinados ,  e  vivem  fem  conhecimento 
da  Fé  j  nem  ouvem MiíTa,  nem  atem  para 
a  ouvir,  nem  feconfeflaõ  pela  Quarefma  ,, 
nem  recebem  nenhum  outro  facramento  , 
ainda  na  morte :  e  aflim  morrem  e  fe  va5  ao 
inferno  íem  haver  quem  tenha  cuidado  de 
feos  corpos,  nem  de  íiias  airnas  /  fendo  jun- 
tamente cauza  eftas  crueldades  sác  que  mui- 
tos índios  já  Chriftãos  íè  áuzentaõ  de  luas 
povoaçoens  ,  e  fe  vaõ  para  a  gentilidade  ,  e 
de  que  os  Gentios  do  lertaõ  íiaõ  queiraõ  vir 
para  nos  ,  temendo-fe  do  trabalho  a  que  os 
obrigaõ ,  a  que  elles  de  nenhum  modo  faõ 
coftumados ,  e  aíTim  íe  vem  a  perder  as  con- 
verfoens  ^  eos  já  convertidos  :  e  osqucgo- 
vernaõ  faÔ  os  primeiros  que  íe  perdem,  e 
os'  fegundos  feraõ  os  que  os  confentem  :  e 

ifto 


DO  P.  ANTONI®  VjIEYKA:      15 

iílo  he  o  que  cá  lefaz  ho^ei?^  jQt^!q]ae.fe  fez 
athegora.         .   ijiy}   ci^p  'lOhLnTyiaxJ   ííííííI 
-i;    AíTim  que  ,  'Senhor  ycoricie-nckre 'mais 
concien cia  he  o  principal  e  unicò  talentQ 
que  fe  hà  de  bufcar  nos  que  vierem  gover- 
nar efte  Eftado.  Se  houveíTe  dous  homens  de 
Gonçiencia,  e  outrps  que  lhe  líiccedeírem;^ 
jia5  haveria  inconvenientes  emeftar  o  Go4 
verno  dividido.  Mas  fe  naÕ  houver  mais  que 
hum  ,  venha  hum  que  governe  tudo ,  e  tra- 
te do  íej?\^iço  de  Deos  ede  V.  Mageftade,e 
fe  naÔ  houver  nenhum ,  como  athegora  par 
reçe  qtie  naÕ  houve  ,  naõ  venha  nenhum  > 
que  melhor  fe  governara  o  Eftado  fem  elle, 
que  com  elle  ;  fe  para  a  juftiça  houver  hum 
letrado  redo  ,  para  o  politico  baft a  a  Ca- 
mera,  e  para  a  guerra  hum  Sargento  Mayor, 
e  eíTe  dos  da  terra  ,  e  naõ  de  Elvas  ,  nem 
de  Flandes  5  porque  efte  Eftado  tendo  tan- 
tas legoas  de  coita  e  de  ilhas   e  de  rios  ar 
bertos  ,  na5  feháde  defender  ,  nem  pode, 
com  fortalezas ,  nem  com  exércitos ,  fena5 
com  aflaltos ,  com  canoas ,  e  principalmen- 
te Gorn  índios ,  e  muitos  índios  ^  e  efta  giieii- 
ra  fó  afabem  fazer  os  moradores  que  çon- 
quiftaraõ  ifto  ,  e  naõ  os  que  vem    dePor- 
i  tugaL 


j4  ^  Afpimí  mw^^^msi  oci 

túgá,  E  bem  le  viõ  por  experiência  ^  que 
hum  Governador  que  veio  de  Portugal  , 
N4  de  N.  perdeo  o  MáranhaÒ',  e  hum  Ca- 
pl^â:o  Môr  AíitonioTeixeyra  que  cáfe  ele^ 
geo  o  r^ftaúroit*^  ê  ifto  íêm  íbcorro  do  Rei-^ 
no.  Aqui  há  homens  de  boa  calidade  que 
podem  governar  com  mais  noticia ,  e  tam- 
beni  côilii  iiíâís  teiíior  :  e  ainda  que  tratem 
do  feó  iiiterêfle  ,  fera  pre  lera  com  muito 
mayor  moderação  ,  e  tudo  o  que  grangea- 
rem  ficara  na  terra  y  com  que  ella  fe  hirâ 
a;tigitíent;ando  *  é  íe  desfrutarem  a  herdade , 
lerá  coíiio  dbnós  ^  e  naõ  como  rendeiros^ 
que  he  o  que  fazem  os  que  vem  de  Portu- 
gal. Mas  huma  vezque  os  índios  efti verem 
iridependentés  dos  Governadores ,  arranc^â- 
âá- tRá  rais  ,  que  hé^^^^peccadò  capital  ê 
original  defteEftado,  cefTaràõ  também  to- 
dos os  outros  que  delle  fe  leguem  ,  e  Deos 
terá  mais  motivo  de  nos  fazer  mercê. 
'  Efte  he ,  Senhor ,  o  fentir  de  quafi  todos, 
mas  o  meo  fentir  ,  e  o  meo  chorar  ,  e  o 
meo  lamentar  ,  he  que  tenho  vindo  a  efte 
Eftado  ,'  e  trazido  a  elle  tantos  Religioíbí 
muito  íêr vos  de  Deos  fó  com  intento  de  o 
fervirmos  mais  e  com  mais  quietação  ,  e 
:^  de 


DO  P.  ANTÓNIO  VÍEYRA.       f  j 

de  naõ  tratarmG;s<de;i0i3;tíra  couza  que  (da 
falvaçaõ  de  noíías  almas  ,  e  das  deita  po- 
bre gente  ,  fem  nos  divertirmos  a  nenhum 
outro  cuidado  ,  cx^mo  athegora  pela  bonda- 
de de  Deos  temos  feito  ye  que  ,  a  pezar  de  tu* 
do  iílo  ,  feja  taÕpoderofo  o  Demónio  nef- 
te  Eftado  ,  e  V.  Mageftade  taõ  mal  fervi- 
do nelle  ,  que  os  que  mais  nos  deverão  fa- 
vorecer e  ajudar  ,  e  ainda  compadecer-fe 
de  noíTos  trabalhos ,  por  naÕ  dizer  ,  edifi- 
car-fe  da  conftancia  e  alegria  com  que  os 
vem  padecer  e  defprezar ,  eííesfejao  os  que 
nos  tem  pofto  no  mayor  traball-io  de  todos, 
perturbando  noíías  MiíToens  ,  impedindo  o 
remédio  e  falvaçaõ  de  tantas  almas  ,  efo*- 
bre  tudo  a  quietação  das  noíTas  ,  principal- 
mente da  minha  que  he  a. mais  fraca, fen- 
dbmc  neceíTario  andar  com  pleitos  ,  e  re^ 
querimentos  ,  e  informaçoens ,  e  ainda  defcer 
ao  particular  de  efcrever  vidas  e  procedimen- 
tos alheos  ,  de  que  fó  Deos  he  verdadeiro 
'JbíZí,  ^  b^;  o  que  eu  naÕ  poíTo  fazer  fem  gran-^ 
de  pena  ,  e  ainda  efcrupulo  ,  pofto  que  tu-^ 
<lo  o  que  digo ,  Senhor ,  he  fem  payxaÕ ,  nem 
ódio  algum  contra  as  peíToas  de  quem  fal- 
lo  ,  e  lomente  porque  Y*.  Mageftade  nao 
i  pôde 


yá         AiíYíC  A  R  TA  S 

Í)ô de  deferir  ao  remédio  que  pedimos  íem 
er  inteiramente  informado  ,  e  efta  infor-* 
maçaÕ  fe  naõ  pode  fazer  fem  nomear  as  peí^ 
foas  que  nos  encontrão  ,  e  as  cauzas  e  in-> 
tereíTesque^aifto  as  movem ,  para  que  fe  ata^ 
Ihem.  'i^n"^(I  o  >? 

Aílim  que ,  Reye  Senhor ,  V.  Mageílade 
mande  coníiderar  fe  he  bem  que  eftes  ín- 
dios firvaõ  a  Deos ,  a  V.  Mageftade ,  a  Re- 
publica ,  aos  pobres  ,  e  a  confervaçaÕ  de 
muitos  outros  índios  :  ou  que ,  defprezados 
todos  eftes  reípeitos ,  firvao  com  tantas  of- 
fenfas  de  Deos  aõs  intereíTes  de  hum  fó  ho- 
mem ,  que  he  o  que  fempre  fizeraõ  e  fa- 
zem. E  porque  a  diftancia  do  lugar  naõ  íb- 
fre  dilaçoens  ,  nem  interlocutórias ,  V.  Ma-^ 
geftade  fe  lírva  de  mandar  tomar  rio  parti- 
cular de  noíTasMifToenshumareíbluçaõ  ul- 
tima ,  com  a  qual  nos  livre  V.  Mageftade 
-por  hum  a  ves  de  requerimentos  e  de  de- 
mandas com  os  Miniftros  de  V.  Magefta- 
de ,•  porque  fe  naõ  eftivermos  totalmente 
izentos  delles ,  nunca  poderemos  coníeguir 
o  fim  para  que  viemos  ,  da  converfaÕ  efal- 
-vaçaÕ  das  almas ,  e  fera  melhor  retirarmo- 
nos  a  tratar  fó  da  quietação  das  noffas. 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRa:       57 

A  muito  Alta  e  muito  poderofa  peíToa 
de  V.  Mageftade  guarde  D eos  como  aChri- 
ftandade  e  os  VaíTallos  de  V*  Mageftade 
havemos  mifter.  Marjanhaõ  4.  de  Abril  de 

António  Vieyra. 


CARTA  XI. 

^  ElRej. 
Senhor. 

ECEBI  a  carta  que  V.  Mageftade 
me  fez  mercê  mandar  efcrever  ,  e 
depois  de  a  venerar  com  todo  o  af-^ 
fedo  que  devo  ,  achou  a  minha  alma  nel- 
la  toda  aconfolaça5  que  V.  Mageftade  por 
fua  piedade  e  grandeza  quis  que  eu  com 
ella  recebeíTe.  Dou  infinitas  graças  a  Deos 
pelo  grande  zelo  da  juftiça  e  faívaçaô  das 
almas  que  tem  pofto  na  de  V.  Mageftade, 
para  que  affim  como  tem  fido  reftauradòr 
da  liberdade  dos  Portuguezes  ,  o  feja  tám- 
-    Tom.  L  H  bem 


C  A  R  T  A^  S 

bem  das  deftes  pobres  Brazis  ,  que  bá  trin- 
ta e  outo*annos  padecem  taò  injuftos  cat- 
tiveiros  e  tiranias  taÕ  indignas  do  nome 
Chriftaõ.  Eu  li  aos  índios  aílim  do  Pará  co- 
mo deite  Maranba5  a  carta  de  V.  Mage- 
ftade  'y  traduzida  na  fua  lingoa  ,  e  com  ella 
ficarão  muy  confolados  ^  e  animados ,  e  fe  a- 
cabaraõ  dedefenganar,que  o  naõ  ferem  athe- 
gora  remediadas  íuas  oppreffoens ,  era  por 
naõ  chegarem  aos  ouvidos  de  V.  Mageíla- 
de  feos  clamores  :  efperaÕ  pelos  efFeitos 
deitas  promeíTas  ,  tendo  por  certo  que  lhe 
na5  ííiccederâ  com  ellas  o  que  athegora  com 
as  demais  ,  pois  as  vem  firmadas  pela  Real 
niaõ  de  V.  Mageftade. 

V.  Mageftade  me  faz  mercê  dizer  >,  quê 
mandou  fe  confirmaíTem  os  delpachos  com 
tudo  o  que  de  cá  apontey  j  inas  temo  que 
aconteça  ao  Maranhão  o  que  nas  enfer- 
midades agudas  ,  que  entre  as  receitas  eos 
remédios  peoré  o  enfermo  de  maneira ,  que 
quando  fe  lhe  vem  a  applicar ,  he  neceíTario 
que  fejaõ  outros  mais  efficazes.  Tudo  nefte 
Eftado  tem  deftruido  a  demaziada  cobiça 
dos  que  governaò  ,  e  ainda  depois  de  taÕ  a? 
cabado  y  na5  acabaõ  de  continuar   os  me 


DO  P.  ANTÓNIO  VíEYRA.  j^ 
yos  de  mais  o  confumir.  O  Maranhão  e  o 
Pará  lie  huma  Rochella  de  Portugal ,  e  liu^ 
ma  Conquifta  por  conquiílar  ,  e  huma  ter- 
ra onde  V.  Mageftade  he  nomeado  ,  mas 
naò  obedecido.  P 

Vim   com  as  ordens  de  V.   Mageftade 
em  que  tanto  me  encarregou  a  confervaçaõ 
deftas  Gentilidades  ,  e  aos  Governadores  e 
Capitaens  Mores  que  me  deíTem  toda  a  a- 
juda  ,   e  favor  que  lhe  pediíTe  para  as  jor- 
nadas que  fe  houveíTem  de  fazer  ao  fertaõ. 
Aprezentey  as  ditas  ordens  ao  Capitão  Mor 
N.  de  N.   e  logo  affentamos  que  a  primeira 
MiíTaó     foíTe  o   defcobrimento  dos   índios 
Ibirajarâs  ,  de  que  há  fama  neftas  partes 
que  faô  defcendentes  de  homens  de  Europa 
que  aqui  viera5  dar  em  hum  naufrágio.  Fef- 
le  efte  ajuftamento  no  primeiro  de  Março 
de   1(^53.    para  fe  executar    em  Junho  do 
mefmo  anno  :   e  fazendo  eu  todas  as  dili- 
gencias,  e  muitas  mais  das  que  me  tocavaò, 
o  Capitão  Mor  me  foy  entretendo  fempre 
com    promeíTas    e    demonftraçoens    exte- 
riores de  prevençoens  athe  partir  o  ulti^mo 
•navio  daquelle  anno,  paraque  eu  já  naÕti*- 
çVeíTe  por  onde  avizar  a  V.  Mageftade.  Par- 

H  ij  tido 


6<3  CARTAS 

tido  o  navio  ,   fuy  âs  Aldeãs  a  fazer  reze-' 
nha  da  gente  e  das  armas  que  tinhaÕ  para 
a  jornada  ,  e  tanto  que  o  Capitão  Mor  me 
teve  também  auzente  ,  fez  numa  junta  a 
què  chamou  as  peíToas  que  elle  quis ,  e  por 
feos  votos  ,  poílo  que  na5  de  todos  ,  fe  àf- 
fentou  ,  que  naÕ  era  tempo  de  liir  ao  dito 
defcobrimento  ,  e  diffo  íe  fez  hum  auto  , 
com  que  ficou  desfeita  a  MiffaÕ.  Eíle^  Se- 
nhor ,  foy  o  pretexto  ,  mas  a  cauza  que  fe 
teve  por  verdadeira,  era  ,  porque  os  índios 
nefte  Maranhão  faÕ  poucos  ,  e  fe  queria  a- 
proveitar  delles  como  aproveita  ,  ou  occu- 
pando-os  em-  couzas  de  feos  intereíTes  ,  ou 
repartindo-os  com  quem  lhos  fabe  agrade- 
cer.  E  prova-fe  claramente  que  nunca  teve 
tenção  de  que  a  jornada  fe  fizeíTe  ,  porque 
havendo  de  fer. dezoito   ou  vinte   Canoas 
as  que  havia  de  ter  prevenidas ,  pedindolhe 
•  eu  huma  ,  tanto  que  fe  desfez  a  MiíTaõ  pa- 
ra hir  ao  Pará ,  cuftoulhe  muito  o  bufcalla 
para  ma  dar:  e  fobre  tudo  no  meímo  tem- 
po em  que  fe  havia  de  difpôr  a  jornada  ^ 
mandou  elle  fazer  duas   grandes  lavouras 
de  tabaco   ,   as  quaes.  era  força  que  fe  co- 
IhclTem  e  benefiçiaíTem  no  mefmo  tempo ^ 
coíi  epe- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       6x. 

e  pelos  mefmos  índios  que  haviaÕ  de  hir  a 
ella  _,  por  naõ  haver  outros.  E  naõ  he  de  crer 
que  hum  homem  que  he  pobre  ,  e  tem  de- 
zejo  de  o  naõ  fer  ,  quizeííe  perder  a  íua  la- 
voura ,  e  plantar  o  que  naÕ  havia  de  colher. 
E  eíles  indicios  eraÕ  taõ  manifeftos  ainda 
antes  de  fe  defcobrir  o  eíFeito  delles  ,  que 
por  vezes  mos  avizáraõ  os  Padres  que  an- 
davaõ  pelas  Aldeãs ,  advertindome  que  me 
naõ  fiaffe  das  promeíías  do  Capitão  Mor  , 
porque  elles  naõ  viaÕ  diípoíiçaÕ  nenhuma 
nos  índios ,  e  os  trazia  o  dito  CapitaÕ  Mor 
occupados  todos  em  couzas  muito  alheas  do 
noflo  penfamento.  Finalmente  o  tempo  em 
que  aMiflaõ  fe  aíTentou ,  era  naõ  fóbaftan- 
te  ,  fenaõ  dobrado  do  que  fe  havia  mifter 
para  a  prevenção  ,  e  difpofiçaõ  delia  , 
quanto  vay  de  Março  a  Junho.  AíTim  que 
fe  faltou  o  tempo  ,  foy  porque  o  naõ  quis 
a  proveitar  quem  tinha  obrigação  diíTo,  e 
rnáis  fazendolhe  eu  continuas  lembranças , 
como  fazia. 

Defenganado  defta  MiíTaõ  ,  ou  engana- 
do nella  ,  partime  para  o  Para  com  os  Pa- 
dres que  tinha  detido  ,  e  tratando  de  paíTar 
-ao  Rio  das  Almazonas  me  oífereceo  o  Ca- 
pitão 


i 


C  A  R  T  A  S 

pitaõ  Mor  dalii  N.  do  N.  outra  MiíTaõ  pa^ 
ra  o  Rio  dos  Tocantins  ,  em  que  fe  dizia  es- 
tarem abaladas  muitas  Aldeãs  de  índios  pa- 
ra fe  decerem.  Aceitey  ,  e  tratey  logo  de 
fe  difpôr  tudo  o  que  nos  era  neceíiario  , 
mas  as  traças  e  enganos  com  que  nefte  ne- 
gocio fe  houve  N.  do  N.  e  as  maquinas 
que  ordio  para  levar  o  effeito  defta  entra- 
da ao  fim  de  feos  intereíTes  ,  he  im^oííivel 
podello  eu  reprezentar  a  V.  Mageílade.  Pri- 
meiramente dizendo  elle  que  os  índios  eraò 
mais  de  dez  ,  ou  doze  mil  ,  tratou  de  oi 
repartir  todos  pelos  moradores  ,  que  era 
hum  modo  corado  de  os  cativar  e  vender , 
fem  mais  differença  que  chamar  á  venda 
repartição ,  eao  preço  agradecimento.  Por 
vezes  me  diíTe  que  os  havia  de  repartir  na 
forma  fobredita ,  oíFerecendome  que  toma- 
ria delles  para  as  noíTas  Aldeãs  do  Mara-'- 
nhaò  e  Pará  todos  os  que  quizeíTe  ,  o  que 
eu  de  nenhuma  maneira  aceitey  :  fó  diíTe 
que  os  índios ,  quando  quizeífem  vir  por.íua 
vontade  ,  fe  haviaõ  de  pôr  em  ílias  Aldeãs 
nos  lugares  que  foíTem  mais  accomodados  â 
íiia  converfaÒ  e  confervaçaõ  ,  porque  ifto 
era  o  que  S.  Mageílade  ordenava,  e  o  con- 
trario 3 


DO  P.  ANTÓNIO  VíEYRA.       á^ 

•trario,  manifefta  violência  einjuftiça:  Pro- 
curey  que  antes  que  os  ditos  índios  defceííem 
do  ferta5  ,  fe  lhe  fizeíTem  mantimentos  , 
para  que  vindo  naõ  morreíTem  á  fome ,  co- 
mo íuccede  ordinariamente  em  femellian- 
tes  cazos,-  masN.  doN.  me  relpondeopor 
vezes  ,  que  morreíTem  muito  embora  ,  que 
melhor  era  morrerem  cá  que  no  fertaõ  , 
porque  morria5  baptizados.  j 

Efta  he  huma  das  cauzas  que  tem  deA 
truido    infinidade    de    índios    neíle    Eíla- 
^o  ,  tirarem-nos  de  fuás  terras  etrazerem- 
nos  ás  noíTas  fem  lhe  terem  prevenidos  os 
mantimentos   de   que   fe   hacklefuílentar  ; 
mas  fazem-no  aíTim  os  que  governaÕ  ,  por- 
que fe  houverem   de  fazer   as  prevençoens 
neceífarias  ,  hade-fe  gaftar  muito  tempo  nel- 
las  ,  e  entre  tanto  paíTaõ-fe  os  feos  três  an- 
nos  ,  e  elles  antes  querem  cincoenta  índios 
que  os  firvaõ  ,  ainda  que  morrão  quinhen- 
tos ,  que  muitos  mil  vivos  e  confervados  , 
de  que  elles  fena5haja5  de  aproveitar.  Em- 
fim  depois  de  grandes  batalhas  vim  a  con- 
feguir  que  os  índios  fe  houveíTem  de  trazer 
para  quatro  Aldeãs  das  antigas  do  Pará  /em- 
que  fe  pudeíTem  menos  incommodamente 
'-'  dou- 


X.  CARTA  S^ 

díutrinar  ,  fendo  que  V.  Mageftade  nas  or- 
tn    Òue  foy  fervido  darme  ,  ordena  que  os 
Sorquedlfcerem  do  fertaõ  feponhaom, 
wàr  que  eu  eleger   e  julgar  por  mais  con- 
veSente  •  mas  nadadifto  me  quer  confen- 
tfr  nem  ^«ardar  N.  do  N.  ,  e  amda  na  a- 
Xm"nL  das  quatro  Mdeas  referidas  fal- 
tou logo  com  a  palavra  "^^^<i^f'^°  E°  ^ 
fem  trizidos  os  Índios  para  outo  Aldeãs    e 
Ss  asque  mais  acommodadas  ficavao  aos 
feos  tabacos   e  outros  mterefles 

Nas  fobreditas   ordens   manda  V.  Ma 

.eftade  que  as  MiíToens  ao  f"tao  ^  «^^  P^^ 
S.ar  ,  ou%or  terra,  as  faça  eu.afop^^^^^^ 

^Ítuím^drcl^^elírc^^^^^^^ 
r  'Sic^s  e^  demais  que  for  neceíTano. 
foas  praticas,  eo  ^g"    f^adeno  Regi- 

Affim  mais  manda  V-  Maglta  „ 

,,ento  dos  Caprtaens  Mo^es    que^l  ^^P^^^^ 
de  cazo   mayor  ,   nennuma  p  ^ 
de  qualquer  eftado  on  conà.<i^o  <incki^ 

rtl  U\r   -O  fertaõ  bufcar  os  Gentios   por 
pofla  hu    ^o  iLiL  _.„„iios     ainda  que 

kenhum  modo  ,  nem  "^l^^°'\  ^e- 

feja  por  fua  vontade  j  e  fero  ^^baigo^^^^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       6^ 

nhor  deitas  duas  ordens  de  V.  Mageftade, 
a  primeira  taõ  particular ,  e  a  fegunda  taô 
apertada  ,  entregou  N.  do  N.  efta  jornada 
do  Rio  dos  Tocantins  a  hum  Gafpar  Car- 
dofo,  ferreiro  aótual  com  tenda  aberta,  fa- 
zendo-o  Gapitaõ  e  Cabo  delia  ,•  a  efte  ho- 
mem   deo   o   regimento    do   que  fe  havia 
de  obrar  ,  ordenandolhe  que  cile  fizeffe  as 
praticas  aos  índios  ,  e  que  os  trouxeíTe  ,  e 
çuzeíTe  nos  lugares  que  lhe  nomeava  ,  em- 
fim  entregando  tudo  à  fua  difpofiçaõ  :  e  fó 
no  cabo  do  regimento  lhe  dizia  que  me  déf- 
fe  conta  do  que  fizeffe.   Repliquey  a  efte 
regimento ,  e  moftrey  a  N.  do  N.  as  ordens  de 
y.  Mageftade,  requerilhe  da  parte  do  fer- 
viço  de  Deos    e  de  V.  Mageftade  que  nos 
naõ  quizeffe  perturbar  as  noffas  Miffoens  , 
nem  intrometter-fe  no  que  V.   Mageftade 
nos  encomendava  aNòs,  e  naò  a  elle ,  an- 
tes a  elle  o  prohibia  •   e  que  fe  era  necef- 
fario  hir  Capitão   e  foldados  para   a  fegur- 
rança  da  jornada  ,    que  foffem   muito  em- 
bora, mas  que  effes  entendeííem  fó  no  que 
tocaffe  à  guerra ,  e  naõ  no  particular  de  pra- 
ticar ,   ou  defcer  os  índios  ,    pois  V.  Ma- 
geftade no4o  encomendava  a  Nos  ,  e  para 
-    Tom.  L  l  iffo 


1 


66  CARTAS 

iíTo  mandava  vir  Padres ,  Lingoas  do  Bra- 
zil  a  tantas  deípezas  fuás  :  e  fobre  tudo  pro- 
hibe  expreíTamente  ,   e  fob   taõ  graves  pe- 
nas ,   que  nenhuma  pelToa   fecular  pudeíTe 
Iiir  bufcar  índios  :   mas  de  nada  diftofez 
cazo  N.  do  N.  dizendo   que  nao  havia  de 
mudar  o  feo  regimento  ,   e  aíTim  o  deo  ao 
dito  Gafpar  Cardozo ,  mandandolhe  que  o 
guardaíTe   inviolavelmente.     Succedeo   iílo 
tudo  no  mefmo   dia  da  partida  5   hindome 
já  embarcar  ,  veyo   ter  comigo  o  Vigário 
Geral  do  Para  N.  de  N.  de  quem  V.  Ma- 
geílade  por  outra  via  terá  largas  informa- 
çoens  ,   intimo  amigo   e  confidente  de  N. 
do  N.   trouxeme   o  dito  Vigário  hum  pa- 
pel ,  em  que  N.  do  N.  ordenava  a  Gafpar 
Cardozo  ,  que  feguiíTe  na  jornada  o  que  eu 
difpuzeíTe  •  mas  aqui  eíleve  o  mayor  enga- 
no de  todos  ,  porque  debaixo  deíla  ordem 
lhe  deo  N.  do  N.  outra  em  contrario ,  em 
que  lhe  mandava  que   a  nao  guardaíTe  ,  e 
fizsíTe  em  tudo  o  que  dizia   no  regimento 
que  lhe  dera  :   e  em  eíFeito   aílim   o  fez  e 
comprio  o  dito  Gafpar  Cardozo. 

Partimos  para  o  Rio  dos  Tocantins ,  eu 
c  outros  três  Religiofcs^  todos  Sacerdotes 

Theo-» 


DG  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      67 

Theologos.  e  práticos  na  lingoa  da  terra  , 
e  dous   delles   infignes   nella.  Navegamos 
pelo  Rio  acima  duzentas  e  cincoenta  le- 
goas  ,  chegamos  ao  lugar  onde  eftavaô  os 
índios  que  liiamos  buícar  :   e  Gaípar  Car- 
dozo  foy  o  que  conforme  o  feo  regimento 
governou  íempre  tudo  ,  e  o  que  em  feo  no- 
me antes    de  chegar  mandava  embaixada 
aos  índios  ,  e  a  quem  elles  fora5  reconhe- 
cer depois  de  chegado  ,   e  o  que  lhes  diííe 
que  os  hia  bufcar  da  parte  de  V.  MagePca- 
de  e  do  Governador ,  e  o  que  lhes  fazia  as 
praticas  por  meyo  de  hum  mulato  que  lhe 
fervia  de  interprete  :  e  no  mefmo  tempo  ef- 
tavamos  Nôs  nas  noffas  barracas ,  mudos  co- 
mo fe  nos  na5  pertencera   aquella  empre- 
za  ,   nem  tivéramos   lingoas  ,   nem  tanta 
aúthoridade  como  o  ferreiro  para  fallar,  nem 
fôramos  aquelles  homens  a  quem  V.  Ma- 
geftade  mandou  vir  ao  Maranhão  com  tan- 
,tos  empenhos  fó  para  efte  fim  ,  nem  Gaf- 
par  Cardozo  foíTe  fecular  a  quem  V.  Ma- 
'geílade  o  prohibe  Ibb  pena  de  cazo  mayor. 
fiz   por  três  vezes   requerimento  ao    dito 
•Gafpar  Cardozo,  fe  naò  introm_etteííe  no  qiie 
lhe  naÕ  tocava ,  e  era  próprio  de  noíTa  pro- 
ftí-v-:L,ri:;,;  1  ij  fiííaõ 


^8  CA  r:  't  Á  S  ''     " 

fiíTaõ  e  o  para  que  V.  Mageftade  nos  man- 
dara ;  moPtreillie  e  li-lhe  diante  dos  Padres 
e  de  outo  ou  dés  foldados  que  levava  con- 
figo  ,  a  ordem  de  V.  Mageftade  e  a  do  Ca- 
pitão Mor  ,  e  refpondeo  publicamente  que 
a  de  V.  Mageftade  naõ  podia  guardar  ,  e 
que  a  do  Capitão  Mor  na5  queria.  Bem  en- 
tenderão todos  que  efte  modo  de  fallar  era 
de  quem  fe  fiava  em  ordem  fecreta  que  ti- 
nha encontrada  ,  e  aífim  mo  declarou  o  meí- 
mo  G  aí  par  Cardozo  por  muitas  vezes  e  a 
diíFerentes  peffoas  ,  como  confta  por  cer- 
tidoens  juradas  ,  nas  quaes  ,  e  em  outras 
que  envio  ^  poderá  V.  Mageftade  mandar  ver 
outras  muitas  circunftancias  defte  cazo^  ffiuy 
notáveis  e  indignas; ''■^"^■^:"'  'csm  ^c:r^l  c^j 
Emfim  ,  Senhor ,  os  piòDíes  índios  nos  ài'^ 
'ziaõ  que  nao  queriaÔ  fazer  outra  couzafe- 
naõ  o  que  os  Padres  quizeflemo,  í^e  mque 
ElKey -'mandava  ,  trazendo  fempre  ElR-ey 
na  boca  :  mas  GafparCardbzo,  e  os  feos^ 
parte  com  promelTas  ,  parte  com  ameaçosi, 
parte  com  lhes  darem  demafiadamente  de 
beber,  e  os  tirarem  de íeojuizo,  parte  com 
lhes  dizerem  que  os  Padres  haviaÕ  de  tirai: 
aos  Principaes  as  muitas  mulheres  quecof- 

tumavaõ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  6^ 
tumavaò  ter,  para  comifto  os  alienarem  de 
Nos  :  com  eftas  e  outras  femelliantes  vio- 
lências e  impiedades  arrancarão  de  fuás 
terras  metade  dos  índios  que  alli  eftavaõ  , 
(  e  feriaõ  por  todos  mil  almas  )  e  os  trouxe- 
raÔ  pelo  rio  abaixo  ,  e  defpois  de  Gafpar 
Cardozo  repartir  alguns  pelos  foldados ,  e 
levar  outros  para  fua  caza  ,  a  màyor  par-r 
tè  de  todos  fe  puzeraõ  na  aldeã  chamada  de 
Morajuba,  fem  embargo  de  na5  haver  nelr 
la  mantimentos  alguns  para  fe  fuílentar  em  , 
juas  herefta  Aldeã  a  que  çftâ  mais  perto  dos 
frincipaes  tabacos  de  N.  do  N.  : 

Efte  fóy  ,  Senhor,  o  fim  defta  mal  lograda 
Miffaõ  ,  na  qual  kk  guardarão  as  ordens  de 
V.  Mageftade  ye  os  Padres  fe  ficarão  com 
os  Indio&iy  fcC-omo  elles  e  Nos  pretendiamos 
«ara  fe  defcerem  defpois  commodamentQi, 
aíTim  deftas  como  de  três  outras  naçoens 
^vizinhas  1  eíperavamos  trazer  em  muy  pou^ 
,co' tempo  à  Fé  de  Chrifto  mais  de  cinco  ou 
-feia  mil  almas  ,  e  com  ellas  muitas  outras 
no  mefmoRio.  Mas  naõ  fó  ficarão  eftas  al- 
^as  fôra  do  grémio  da  Igreja  ,  fenaÕ  que 
também  forao  .os  Padres  conílrangidos  a 
'ildxar  naqueílefertao  rnuitás  de  innocentes 


7Ò  .áiíY3C  AR  T  A  S  ■  ■ 
que  jà  tinhaÕ  baptizado  ,  ficando  em  taÕ 
evidente  rifco  de  naÕ  terem  já  mais  quem 
lhes  enfine  a  Fê  que  receberão ,  e  de  vive- 
rem e  morrerem  como  os  demais  Gentios. 
E  certo ,  Senhor ,  he  dor  grande,  e  que  há 
mifter  muita  graça  do  Ceo  para  fe  íofrer, 
verem  tantos  Religiofos ,  homens  de  bem  , 
que  depois  dê  deixarem  íuas  pátrias  ePro- 
wincízs  y  é  as  commodidades  que  nellas  ti- 
nhaõy  e  tudo  quanto  podiaõ  ter  ,  por  amor 
de  Deos ,  depois  de  paííarem  mares  e  atra- 
veíTarem  ta5  grandes  e  perigoíbs  rios  , 
padecerem  fomes  ,  frios  ,  chuvas  /  enfer- 
midades ,  e  as  inclemências  do  mais  deftem- 
perado  clima  que  tem  o  mundo  :  e  depois 
de  íe  exporem  a  tantos  etaõ  evidentes  pe- 
rigos devida  ,  fó  por  falvar  eílas  pobres 
almas  ,  que  quando  as  tinhaõ  já  quafi  den- 
tro das  redes  de  Chrifto  ,  lhas  houveíTem  de 
tirar  delias  por  huma  violência  ta5  enor* 
me  :  e  que  os  que  fizeraõ  efta  injuria  a  Deosí, 
â  Fè  5  á  Igreja ,  e  a  V.  Mageftade ,  naõ  fo& 
fem  os  bárbaros  das  brenhas  ,  nem  outros 
homens  inimigos  ,  ou  eftranhos  ,  fetlaô  a^- 
quelles  mefmos  de  quem  V.  Mageftade  coii'- 
fia  os  feos  Eftados ,  e  a  quem  V.  Mageftade 

enco- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       71 

encomenda  primeiro  que  tudo  a  converfaõ 
das  almas  ,  e  lhes  encarrega  os  meyos  delia 
íob  pena  de  cazo  mayor !  .  ^  ^  ,  :.;  r  > 
Por  efta  dor  e  por  efta  cauza  foraô  de 
parecer  todos  os  Padres  deíla  Miffaõ  ,  que 
eu  partiíTe  logo  aos  pês  de  V.  Mageílade  a 
reprezentar  eftas  injuftiças  e  violências  , 
e  aclamar  ,  e  bradar  ,  quando  naÕbaftaí- 
íe  ,  e  aííim  eílive  deliberado ;  mas  efte  po- 
bre rebanho  he  tao  pobre  ,  taõ  defempa- 
rado  ,  c  perfeguido  ,  que  nem  por  poucos 
dias  fe  pode  deixar  fem  grande  rifco  :  e  da 
Real  grandeza  ,  juftiça  ,  e  piedade  de  V. 
Mageílade  efperamos  que  bailem  eílas  re- 
gras para  V.  Mageílade  lhes  mandar  de- 
ferir com  taõ  prompto  e  breve  remédio  , 
como  a  matéria  pede  ,  e  como  todos  eíles 
perfeguidos  Religiofos  vaíTallos  de  V.  Ma- 
geílade e  feos  Miílionarios ,  proílrados  aos 
Reaes  pês  de  V.  Mageílade  com  todo  o  aíFe- 
-<3:o  de  noíTas  almas  lhe  pedimos. 
:^  :r)'Pedimos  ,  Senhor  ,  a  V.  Mageílade  o  que 
verdadeiramente  he  couza  indigna  de  pe- 
dirfe  em  hum  Reino  taõ  catholico  como 
Portugal  ,  f  ahum  Rey  taõ  pio  e  taõ 
jiiílo  como  V.  Mageíladejpedimos  que  man- 
'w.  ...  de 


de  Vv  Mageftade  acudir  aos  Miniftros  do 
Evangelho  ,  que  mande  libertar  a  Pregação 
(da  Fe  ,  e  desforçalla  das  violências  que  pa- 
dece', que  mande  franquear  o  caminho  da 
tonveríaÕ  das  almas  ,-  e  polias  no  alvedrio 
natural  em  que  Deos  as  criou  :  e  que  man- 
de V.  Mageftade  tomar  conta  de  todas  as 
^ue  nefta  oecaíiao  fe  púderaÕ  falvar  ,  e  fe 
queriaõ  converter ,  e ificaÕ  perdidas.  E  por- 
que a  experiência  nos  tem  moftrado  quaõ 
pouco  temidas  ,  e  obedecidas  faõ  neftas 
-partes  as  ordens  de  V.  Mageftade  ,  por 
particular  mêrce  lhe  pedimos  ,  que  as  que 
de  novo  for  fervido  mandamos  ,  naõfejao 
com  clauzula  de  que  ,  fazendofe  o  contra- 
rio ,  fe  dê  conta  a  V.  Mageftade  ;  porque  o 
recuríb  eftâ  muy  diftante  ,  e  naô  há  navio 
fenáÕ  de  anno  em  anno :  e  em  hum  anno, 
e  em  hum  mes,  e  em  hum  dia  perdem-fe. 
Senhor ,  muitas  almas.  A  pena  de  cazo  ma- 
yor  grande  he  ,  e  que  devera  fer  muy  te- 
mida e  refpeitada  ,  mas  como  eftas  penas 
fe  ouvem  tantas  vezes  ,  e  nunca  fe  vem  , 
faõ  taÕ  mal  cridas, como  Nos  eftamos  experi- 
mentando. Aílim  que ,  Senhor,  naò  há  líná5 
izentar  V.  Mageftade  as  Mifíbens  de  toda 

a  ia* 


f  i> 


É 


t)0  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       73 

è  intervenção  ,  e  jurifdiçaõ  dos  que  uzao 
tao  mal  da  que  naõ  tem  ,  e  libertar  V. 
Mageftade  os  Miniftros  da  pregação  do  E- 
vangelho  ,  pois  Deos  a  fez  tao  abíbluta  , 
e  tao  livre  ,  que  nao  he  bem  que  athe  a 
falvaçaõ  dos  índios  feja  nefte  Eftado  cati- 
va como  elles. 

A  muito  alta  ,  e  muito  poderofa  Pef- 
íba  de  V.  Mageftade  guarde  Deos  como  a 
Chriftandade  e  os  Vaííallos  de  V.  Mage- 
ftade havemos  mifter.  Maranhão  4.  de  A- 
bril  de  1ÍJ4. 

António  Vieyra. 


CART^  XII. 

A  ElRej. 
Senhor. 

SABE  Deos  ,  que  com  inuito  zelo  de 
feo  fervi ço  ,  dezejo  ,  que  fe  guarde 
jujiiça  a  ejfa  pobre  gentt  ,  para  o 
fue  vos  encommendo  muito  me  advtrtaes  de 
Tom,  l,  lí  ,  tw 


^4 

tudo 


C  A  R  T  AS/ 
ò  que  vos  parecer  neceífarto.  y  :pork 
que  fazeis  ntjfo  muho  ferviço  a  Deos  e  a 
mim,  Eftás  palavras  ,  Senhor  ,  fa5  de  V^ 
Mageftadc  na  caíta  que  foy  fervido  man- 
dar-me  efcrever ,  e  muito  dignas  de  V.  Ma- 
geftade  ,  e  porque  as  injuftiças  que  fe  fa- 
zem a  efta  pobre  ,  e  miferabiliííima  gente 
naõ  cabem  em  nenhum  papel  ,  direy  fo- 
mente nefte  o  modo  com  que  íe  poderâ5 
remediar  ,  depois  de  o  ter  coníiderado  e 
encommendado  a  Deos  ,  e  o  ter  conferido 
com  algumas  peíToas  das  mais  antigas ,  ex- 
perimentadas,  e  bem  intencionadas  defte  E- 
llado  ,  pofto  que  fa5  nelle  poucos  os  que 

f)ôdem  dar  juizo  nefta  matéria  ,  que  fejaò 
ivres  de  íuípeita  e  dignos  de  fè  ,  porque 
todos  Ía5  intereíTados  nos  índios ,, e  vivem, 
c  fe  remedeaõ  das  meímas  injuftiças  ,  que 
V.  MageftadQ  dezeja  remediar. 

O  remédio  pois  ,  Senhor  ,  coníifte  em 
que  fe  mude  ,  q  melhore  a  forma  ,  porque 
athegora  fora5  governados  os  índios  ,  o 
que  fe  poderá  fazer  mandando  V*  Mage-» 
ftade  guardar  os  Capítulos  feguintes. 

I.  Que  os  Governadores  e  Capitaen* 
Mores  naõ  tenhao  jurifdiçaõ  alguma  fobre 

.      os  di^ 


P' 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  rf 
os  ditos  índios  naturaes  da  terra,  aííim  Chri- 
ftâos  como  Gentios  ,  e  nem  para  os  man- 
dar ,  nem  para  os  repartir  ,  nem  para  ou- 
tra alguma  couza  ,  falvo  na  ad:ual  occa- 
íiaÕ  de  guerra ,  a  que  feraõ  obrigados  a  a- 
codir ,  elles  ,  e  as  peffoas  que  os  tiverem  a  feo 
cargo  ,  como  fazem  em  toda  a  parte  ;  e 
para  ferviço  dos  Governadores  fe  lhe  no- 
meará hum  numero  de  índios  convenien- 
te ,  attendcndo  à  calidade  e  authoridade 
do  Cargo,  e  à  quantidade  que  houver  dos 
ditos  índios. 

11.  Que  os  índios  tenhaõ  hum  Procu- 
rador Geral  em  cada  Capitania  ,  o  qual 
Procurador  aflim  mefmo  íeja  independente 
dos  Governadores  ^e  Capitaens  Mores  em 
todas  as  couxas  pertencentes  aos  mefmos 
índios  ,  e  efte  Procurador  feja  huma  das 
peflbas  mais  principaes ,  e  authorizadas ,  e 
conhecida  por  de  melhores  procedimentos , 
ao  qual  elegera  o  povo  no  principio  de  cada 
anno  ,  podendo  confirmar  ao  meímo  ,  ou 
eleger  outro  em  cazo  que  naõ  dê  boa  fa- 
tisfaçaõ  deíeo  officio,-oqual  officio  exerci- 
tara com  a  jurifdiça5  ,  e  nos  cazos  queaó 
diante  fe  apontaõ. 

K  ij  III.  Que 


76  CARTAS 

ni.  Que  os  ditos  índios  eftejao  to^ 
talmente  fujeitos  ,  efejaõ  governados  por 
peíToas  Religiofas ,  na  forma  que  fe  coftuma 
em  todo  o  Eílado  do  Brazil  ,  por  quanto 
depois  de  fe  intentarem  todos  os  meyos  , 
tem  moftrado  a  experiência  que  fegundo  o 
natural  e  a  capacidade  dos  índios  ,  fó  por 
eíle  modo  podem  fer  bem  governados  ,  e 
confervarem-fe  em  fuás  Aldeãs. 

IV.  Que  no  principio  de  cada  anno 
fe  faça  Lifta  de  todos  os  índios  de  ferviço 
que  houver  nas  Aldeãs  de  cada  Capitania, 
e  juntamente  de  todos  os  moradores  delia, 
e  que  conforme  o  numero  dos  ditos  índios/ 
e  dos  ditos  moradores  ,  fe  faça  repartiçaS 
dos  índios  que  houverem  de  fervir  aquelle 
anno  a  cada  hum  ,  havendo  refpeito  á  po^ 
breza  ,  ou  cabedal  do$  ditos  moradores  ,- 
de  maneira  que  a  dita  repartição  fe  faça 
com  toda  a  igualdade  ,  fendo  em  primei- 
ro lugar  providos  os  pobres  ,  para  que  n aã 
percçaõ  ,  e  as  fobreditas  liftas  ,  e  reparti-* 
çaõ  a  faça  o  Prelado  dos  Religiofos  que 
adminiílrar  os  ditos  índios  ,  e  o  Procura* 
dor  Geral  de  cada  Capitania  conforme  líias 
coneiencias ,  fem  na  dita  repartição  fe  poder 

metei: 


li' 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      77 

meter  Governador ,  nem  Camera ,  nem  ou- 
tra  alguma  peflba  de  qualquer  calidadeque 
feja  :  e  em  qualquer  duvida  que  houver  por 
parte  dos  índios  ou  moradores  a  cerca  da 
repartição,  recorrerão  ao  dito  Prelado  ,  e 
Procurador  ,  e  eftaraÕ  pelo  que  elles  refol- 
verem  femappellaçaõ,  nemaggravo,  nem 
forma  alguma  de  juizo. 

V.  Que  ,  por  quanto  as  Aldeãs  eftaò 
notavelmente  diminuidas  ,  os  índios  fe 
unaõ  do  modo  que  parecer  mais  conveni- 
ente y  e  em  que  os  mefmos  índios  fe  con- 
formarem ,  e  fe  reduza5  a  menor  numero 
de  Aldeãs  ,  para  que  fejaÕ  ,  e  poíTaÕ  fer 
melhor  doutrinados  ,  e  que  as  ditas  Al- 
deãs aflim  unidas  fe  ponhaõ  nos  fitios  e  lu- 
gares que  forem  mais  accõmodados ,  aflim 
para  o  ferviço  da  Republica ,  como  para  a 
confcrvaçaò  dos  mefmos  índios. 

VI.  Que  para  que  os  índios  tenhao 
tempo  de  acodir  ás  luas  lavouras  ,  e  fa- 
mílias ,  e  poíTaõ  hir  ás  jornadas  dos  fer- 
toens  que  fe  haõ  de  fazer  para  defcer  ou- 
tros ,  c  os  converter  á  noíTa  Santa  Fè ,  ne- 
nhum índio  poíTa  trabalhar  fora  da  íua  Al- 
deã cada  anno  mais  que  quatro  mezes  , 

os 


G  A  R  T  A  S 

os  quaes  quatro  mezes  naõ  feraõjnntospor 
huma  vez  ,  fenaõ  repartidos  em  duas ,  pa- 
ra que  defta  maneira .  fe  evitem  os  defer- 
viços  de  Deos  que  fe  feguem  de  eftarem 
muito  tempo  auzentes  de  ííias  cazas. 

Vn.     Que  para  que  os  índios  fej ao  pa- 
gos de  feo  trabalho  ,  nenhum  índio  hirá 
íervir   a  morador  algum  ,  nem   ainda  nas 
obras  publicas  do  ferviço  de  S.  Mageftade, 
fem  fe  lhe  depofitar  primeiro  o  feo  paga- 
mento j  o  qual  porem  fe  lhes  naõ  entrega- 
ra fenaõ  trazendo  efcrito  de  que  tem  tra* 
balhadõ  ò  tempo  porque  fe  concertaràõ  ,  e 
para  o  dito  depoíito  dos  pagamentos  have-* 
rà  huma  arca  com  duas  chaves  em  cada 
Aldeã ,  huma  que  terá  o  Religiofo  que  ad*» 
miniílrar  ,    e  outra  o  Principal  da  meímai? 
Aldeã. 

VIÍI.  Qúe  todas  asfemanas  em  todos 
os  quinze  dias  conforme  o  numero  das  Al- 
deãs ,  haverá  huma  feira  dos  índios ,  á  qual 
cada  Aldeã  por  feo  turno  trará  a  vender  to-* 
dos  os  frutos  das  ííias  lavouras ,  e  o  mais  que 
tiverem  ,  o  que  fervirâ  aflim  de  que  as  po- 
voações dos  Portuguezes  tenhaõ  abundância 
de  mantimentos ,  como  de  que  os  índios  le-* 

Tem 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      7^ 

rem  delias  as  couzas  neceíTarias  a  feo  uzo, 
€  fe  animem  com  efte  comercio  a  traba- 
lhar 5  e  para  que  naõ  fe  llies  pofla  fazer 
algum  engano  nos  preços  das  couzas  que 
lhes  forem  dadas  por  comutação  das  ííias  ^ 
prefidirâ  nefta  feira  o  Procurador  dos  ín- 
dios ,  ou  a  peíToa  a  quem  elle  o  cometer, 
eleita  por  elle  ,  e  pelo  Prelado  dos  Reli- 
giofos  ,  que  na  Capitania  tiverem  a  feo 
cargo  os  índios. 

IX  Que  as  entradas  que  fe  fizerem 
a©  fertaÔ ,  as  façaõ  fomente  pefloas  eccleíi- 
aÍLicas  ,  como  V.  Mageftade  tem  ordena- 
do aos  Capitaens  Mores  fob  pena  de  cazo 
mayor  em  feos  Regimentos^  e  que  os  Re- 
ligiofos  ,  que  fizerem  as  ditas  entradas ,  fe- 
jaõ  os  mefmos  que  adminiftrem  os  índios 
em  luas  Aldeãs.  Porque  fendo  da  mefma 
fiibjeiçaõ  e  doutrina  ,  melhor  os  obedece- 
fàõ  ,  crefpeitaràõ  ,  e  hira5  com  ellesmais 
ftguros  de  alguma  rebelliaô  ,  ou  traição. 

X.  Que  pela  cauza  Ibbredita  ,  e  por 
evitar  bandos  entre  os  índios  que  natural- 
mente faõ  varies ,  e  inconftantes ,  e  dezejo- 
íbs  de  novidades  ,  e  para  que  a  doutrina 
que  aprenderem, fej a  a  jnefma  entre  todo^ 
^^^  "   íem 


•o  CARTAS 

fem  diverfidades  de  pareceres  ,  de  que  le 
nAdem  feffuir  craves  inconvenientes ,  ainda 
Se  neftefftafo  ha  differentes  Religioens  , 
TJto  dos  índios  fe  encommende  a  hu- 
:.aT5,aqudla  q-V.Mageftade3ulgar  jue 
o  fará  com  mavor  inteireza  ,  defmterefle 
e  zelo  ,  aíTim  do  ferviço  de  Deos  ,  e  lai 
ILõ  das  almas  ,  como  dobem  Publico 

Xr     Que  nenhuns  índios  fe  defçao  do 
fertaõ  "fem  primeiro  fe  lhe  fazeremTuas  ro- 
ças  ,  e  Aldeãs  ,  onde  poíTao  viver  ,  e  aue 
Sõíeiaô  obrigados  a  entrar  na  pauta  dos 
índios^  do  ferviço,na  forma  acima  dita   fe- 
naõ  depois  deeftarem  muy  defcançados  do 
trabalho  do  caminho  ,  e  doutrmados  ,  c 
S^^efticados,  e  capazes  de Jerm  .pphca- 
dos  ao  dito  fer viço  dos  moradores ,  que  fem 
pre  fe  deve  fazer  fem  nenhuma  violência, 
nem  oppreffaÕ  dos  índios. 

XII  a^e  fe  nas  entradas  ,  que  fe  fi- 
zerem ao  fertaõ  forein  achados  alguns  In- 
dS  de  corda  ,  ou  que  de  alguma  outra 
tneira  feiaõ '  plgados  ?^V^^ 
cativos  ,  eftes  taes  fé  poderão  relgatar  , 
com  condição  ,  que  osRelipof^  comaffi- 
ftencia  do  Cabo  qtte  for  julguem  pumeiro 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       ? t 

os  ditos  cativeiros  por  juftos  e  licitos  ^ 
examinando-os  por  íi  meímos :  e  para  efte 
fim  hiraÕfempre  às  ditas  jornadas  Religio- 
fos  que  fejaò  juntamente  bons  Liíigoas  ,  e 
bons  Theologos  ,  e  quando  menqs  ,  que 
hum  feja  bom  Tlieologo ,  outro  bopi  Lin- 
goa. 

XIII.  Que  em  cázó  que  os  ditos  ref? 
gates  fe  façaÕ  nas  entradas  do  fertaÕ:^:^;! 
repartição  delles  fe  faça  pro  rata  ppr  toi? 
dos  os  moradores  do  Eftado  ,  conforme  p 
numero  dos  Jndios  que  fereígatarem  ,  co- 
meçando jíêmpre  pelos  mais  pobres  ,  para 
que  tenhaõ  quem  os  ajude  :  e  os  reparti- 
dores feraõ  os  mefmos  Procurador  Gerai, 
e  Prelado  da  Religia5,  que,  como  fica  di- 
to ,  haõde  repartir  os  índios  forros  para  ^ 
lerviço. 

XIV.  Que  por  quanto  as  jornadas  ao 
fertâõ  que  fe  fazem  ,  faõ  ordinariamente 
perigofas  por  razaõ  dos  bárbaros  ,  para  fe- 
gurar  os  Religiofos  e  os  índios  que  forem 
nas  ditas  jornadas  ,  haja  companhia  de  fol- 
dados  brancos  ,  a  qual  ou  inteira  ou  di-f 
vidida  lhe  dè  efcol ta  ,  conforme  a  neceffi- 
dade  o  pedir  :  e  que  a  dita  companhia  fe 
-  T^omiL  L  chame 


li  ,A.JVfm'A^  R  T^^A'^^"!  'OCI 
cháitié  dá  propagação  da  Fè  ,  e  para  ellâ 
fera  efcolhido  capitão  e  Toldados  de  ma-* 
yor  chriftandade  e  capacidade  para  o  íer- 
ta5  ,  aos  quaes  V.  Mageftade  honre  coiií 
algum  privilegio  particular  :  e  que  o  dito 
capitão  e  foldados  naò  feja  companhia 
creada  de  novo  ,  fenaõ  huma  das  mefmas 
que  hâV  formada  de  ramo  delias ,  e  que  fó 
éfteja  íujeita  aos  Governadores  ,  e  Capir 
taens  Mores  emoccafiaõ  de  guerra  adual, 
ou  delido  que  commetteffe,  e  no  mais  ef- 
tara  à  dipofiçaò  do  Prelado  máyor  da  Re- 
ligião que  tiver  afeo  cargo  ^sMiíToensdò 
fertaõ  ,  que  também  fera  Miíííonárío'  Geral 
de  todo  o  Eftado  :  e  conforme  o  que  o  di- 
to Miííionario  Geral  diípuzeí,  o  dito  Capi- 
tão ouvirá  ,  ou  mandara  os  foldados  que 
forem  neceíTarios  para  cada  huma  das  Mifr 
foens  com  feos  Cabos  ,  eos  ditos  Cabos  fo- 
mente teraõ  jurifdiçaô  na  difpoliçaõ  dá 
guerra  em  cazo  que  fe  haja  de  fazer  ,  ^ 
qual  fempre  fera  defenfiva  ,  e  de  nenhum 
ma  maneira  fe  intrometerão  a  praticar  aos 
líidios,  nem  por  fi  ,  tiem  por  outrem ,  fob 
l^ena  de  cazo  mayor  ,  como  V-  Mageftade 
tem  ordenado*  ^ 

XV.  Que 


DO  P.  ANTÓNIO  VffiYRA.  8  j 
XV.  Que  as  peças  que  fe  levarem  ao 
fertaõ  para  os  ditos  refgates ,  liiraõ  entre- 
gues ao  dito  Cabo  que  for  nas  ditas  entra- 
das ,  ou  a  alguma  das  ditas  peíToas  bran- 
cas que  forem  na  mefma  tropa  ,  de  quem 
o  povo  mais  as  confiar  ,  o  qual  dará  con- 
ta do  dito  cabedal  à.Camera  ,  ou  a  quen^ 
lhe  fizer  a  dita  entrega.  m^r-be^ííq 

ii  :  XV1.4^^Que  os  índios  que  íè  deícerem?^ 
fe  poraõ  nos  lugares  que  forem  mais  aco- 
modados e  neceíTarios  á  confervacaÕ  ,  e 
augmento  do  Eftado  :  mas  iílo  naÕ  fazen- 
do força  ou  violência  alguma  aos  mef- 
mos  índios  ^  fenaõ  por  vontade  :  e  fe  na 
defcida  dos  ditos  índios  fe  fizerem  algumas 
defpezas  ,  fera5  à  cufta  das  Capitanias  em 
que  os  ditos  índios  fe  puzerem. 

XVII.  Que  para  que  nas  Aldeãs  haja 
muita  gente  deferviço  ,  e  os  índios  fecon- 
íêrvem  em  mayor  fimplicidade  ,  e  fujei- 
çaó,  íe  naõ  multipliquem  nas  Aldeãs  oflBciaes 
de  guerra,  e  fomente  haja,  como  no  Efta- 
do do  Brazil ,  os  Principaes  ,  e  Meirinhos , 
é  hum  Capita5  da  guerra  ,  e  quando  mui- 
to, hum  Sargento  Mor  por  eftar  introduzi- 
do. Mas  porque   feria  grande    defconfola- 

L  ij  çao 


fa5  dos  Ináios ,  que  ao  prefente  tem  os  di- 
tos cargos  5  fe  lhes  foflern  tirados  ,  fe  con- 
íèrvaràõ  nelles  athè  que  fe  extinguaõ  ,  e 
naõ  lè  meterâ5  oiitros   em  feo  lugar. 

XVIII.  Que  a  eleição  dos  ditos  OíS- 
eiaes ,  fe  naõ  faça  pelos  Governadores  ,  nem 
por  Provifoens  fuás  ,  fenaõ  pelos  Princi- 
paesdas  mefmas  Aldeãs,  com  parecer  dos 
Religiofos  que  as  tiverm  a  feo  cargo ,  fem 
Provifaõ  alguma  ,  mais  que  huma  íimples 
nomeação  ,  como  fe  faz  no  Brazil  ,  para 
que  os  pobres  índios  ná5  fejaõ  enganados 
com  femelhantes  papeis  ,  como  athegora 
fora5 ,  nem  fe  lhes  paguem  com  elles  feos 
trabalhos  :  e  fomente  quando  faltaíTe  fuc-* 
ceíTor  ao  Principal  de  toda  a  Aldeã  yloii 
Naça5  ,  e  fe  houveíTe  de  fazer  eleição  em^ 
outro,  no  tal  c azo  propor a5  os  ditos  Pre- 
lados ,  e  Procurador  Geral  dos  índios  a 
peíToa  que  entre  elles  ativer  mais  meteeft 
mento  ,  e  lhes  for  maisibem  aceita  ,e  o 
Governador  ou  Gapitaò  Mor  em  nome 
de  V.  Mageftade  lhe  paíTarà  Provifaõ. 

XIX.  Qne  para  que  os  Religiofos  que 
agora  e  pelo  tempo  em  diante  tiverem,  o 
cargo  dos  ditos  índios ,  naõ  tenhaõ  ocçaT. 

fiaò 


DO  í>.  ANTÓNIO  VIEYRA.       85^ 

fiaõ  de  os  occupár  em  intereíTes  particula- 
res feos  ,  naõ  poíTaõ  os  ditos  Religiofos 
ter  fazenda,  nem  lavoura  de  tabacos,  ca- 
naveaes  ,  nem  engenhos ,  nos  quaes  traba- 
lhem índios  ,  nem  livres  ,  nem  efcravos. 
E  os  índios  que  lhe  forem  neceíTarios  para 
o  ferviço  dos  feos  Conventos  ,  fe  lhes  repar- 
tirão na  forma  fobredita  ,  aíím  a  ellesrj 
como  aos  Religiofos  das  outras  Religioens, 
conforme  a  neceííidade  dos  ditos  Conven- 
tos ,  e  quantidade  que  houver  de  índios. 

Eftes  fa5  ,  Senhor ,  os  meyos,  pelos  quaes 
fendo  governados  os  índios ,  ceífaráõ  de  hu- 
ma  vez  os  inconvenientes  graviíTimos  que 
com  razaÕ  daõ  tanto  cuidado  a  V.  Mage- 
ftade  ;  e  para  prova  do  zelo  e  defmte- 
reífe  com  que  vaõ  apontados  ,  naõ  quero 
mais  juftiiícaçaõ  que  a  dos  mefmos  Capi- 
mlos.  Muitas  couzas  das  que  nelles  fe  pro- 
põem, eftaõ  já  calificadas  ,  ou  com  o  uzo 
do  Eftado  do  Brazil  ,  recebido  depois  de 
larga  experiência  ,  ou  com  Provifoens  e 
Regimentos  de  V.  Mageftade  ,  nos  quaes 
V.  Mageftade  tem  mandado  o  mefmo  que 
acjui  fe  aponta.  Atendeo-fe  nefte  Papel  naõ 
fó  ao  remédio  das  injuftiças,  a  que  V.Ma- 
t^v  geftade 


m  CA  R  TAS  ■ 

gcftâde  quer  acodir  ,  mas  também  ao  fér- 
rico y  confervaçaô  ,  e  augmento  do  Eílado, 
que  todo  confifte  em  ter  índios  que  o  íir- 
va5  ,  os  quaes  athegora  o  naÕ  ferviaõ ,  aiii'» 
da  que  os  tiveíTe.  O  ponto  da  repartição 
dos  ditos  índios  ,  que  he  o  principal  ,  pa- 
rece que  fe  naõ  pôde  fazer  com  mais  jufti- 
ficaçaõ  ,  e  poem-fe  juntamente  nas  mãos 
de  hum  feculár  eleito  pelo  povo,  e  de  hum 
Religiofo  Prelado  ,  para  que  o  Religiofo 
feja  olheiro  do  fecular,  e  o  íecular  do  Re-* 
ligiofo  ,  e  em  hum  eíleja  feguro  o  zelo,  e 
em  outro  a  conveniência.  Na5  he  eíle  o 
eftilo  que  íe  uza  no  Brazil  ,  porque  lâ  to- 
do o  governo  dos  índios  depende  abfolu-» 
tamente  dos  Religioíbs  fem  fe  fazer  lifta 
de  índios  ,  nem  repartição  ,  nem  haver 
procurador  adjunto  ,  nem  outra  alguma 
forma  ,  mais  que  a  verdade  ,  e  eftilo  dos 
meímos  Religiofos,  que  a  experiência  tem 
moftrado  que  bafta  ;  mas  aqui  naÕ  fe  tra* 
ta  fó  do  jufto  ,  fenáõ  também  do  juftifica-» 
do.  Por  efte  modo  ,  Senhor ,  e  fó  por  elle 
poderão  os  índios  jà  Chriftaos  confervarfe 
iem  luas  Aldeãs  ,  e  ferem  doutrinados  nel- 
las :  hávcrd  quem  leve  os  Miífionarios  aos 

fer- 


DO  í>.  ANTÓNIO  VIEYRA-      tf 

íertoens  a  trazer  muitos  outros  a  fé  ,  e 
obediência  deV.  Mageftade:  teraõ  remédio 
os  pobres  que  hoje  perecem  :  ceíTaráõ  a*í 
injurias  ,  e  injuftiças  dos  que  governa5 :  ^e 
finalmente  ficaráÕ  defencarregadas  as  con- 
cien^ias  de  quantos  nellas  tem  parte  ,  que 
faõ  quaíi  todos. 

Efte  he  ,  Senhor  ,  o  meo  parecer  ^  eò 
^ée^i -todos  os  MiíUonarios  que  neftas  par-?^ 
tes  andamos  ,  e  temos  experimentado  ,  e 
padecido  os  inconvenientes  ,  que  do  coíIt 
trario-fe  feguem:  e  tudo  o  que  aqui  fe  aponta, 
e  refere  fer  conforme  ao  que  entendemos  em 
noíTas  conciencias  ,  o  certifico  de  todos, e 
de  mim  o  juro  in  verbo  Sacerdotis.  -s 

Sô  parece  que  faltava  dizer  aqui  ,  que 
Religiofos  ,  ou  que  Religião  hade  fer  a  que 
tenha  a  feo  cargo  os  índios  na  forma  fo- 
bredita  j  mas  neftc  particular  naò  tenho 
cu  ^nempoíTo  ter  voto  ,  porque  fou  Padre 
da  Companhia. Só  digo  que  he  neceíTario  que 
íèja  huma  Religião  de  muy  calificada  e 
fegura  virtude  ,  de  grande  defintereíTe ,  de 
grande  zelo  da  falvaçaõ  das  almas  ,  e  ie^ 
trás  muy  bem  fundadas,  com  que  faiba  o 
que  obra  ,  e  o  que  enfina  j  porque  ps  ca*- 
'^^'  -  zos 


n  C  A  R  T  AS 

zos  que  ca  occorrem  fao  grandes  ,  c  mui* 
tos  delles  novos  ,  e  naõ  tratados  nos  li- 
vros. Emfim  ,  Senhor  ,  a  Religia5  feja  a^ 
quella  que  V.  Mageftade  julgar  por  mais 
idónea  para  ta5  importante  empreza  ,  e 
feja  qualquer  que  for.  Câ  tive  noticia  que 
V.  Mageílade  encarregara  a  converfaõ  de 
Cabo  Verde  e  cofta  de  Guine  aos  Padres 
Capuchinhos  de  Itália ,  e  me  pareceo  elei^ 
çaò  do  Ceo  ,  e  muy  digna  de  V.  Magefta- 
de ,  pelo  grande  conceito  que  tenho  do  ef* 
pirito  e  zelo  daquelles  Religiofos.  E  lem^ 
brado  eftarâ  o  Secretario  Pedro  Vieira  ,  que 
lhe  falley  eu  mefmo  nelles  para  efte  fim 
da  converfaõ  das  almas  ,  e  lhe  diííe  ,  qu© 
tomara  que  no  noífoReyno  fe  trocara  efta 
Religião  por  alguma  outra  ,  ííippofto  naã 
fer  elle  capaz  de  fe  multiplicarem. 

Mas  qualquer  que  feja  à  Religião  a  que 
V.  Mageftade  encomendar  a  converfaõ  def- 
te  Eftado,  fe  ella  c  os  índios  naõ  eftiveremt 
independentes  dos  que  governarem  ,  Vi 
Mageftade  pôde  eftar  muy  certo  que  nun-i 
ca  a  converfaõ  hirâ  pordiante  y  nem  nella 
ferfaraõ  os  empregos -que  a  grandeza  d^ 
Conquifta  promette ,  porque  eftas  terras  naõ 

faõ 


^  DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  8^ 
iko  como  as  da  índia  ,  ou  Japaõ  ,  ondeòs 
Religiofos  va5  de  Gidade  em  Cidade  /mas 
tudo  faÕ  brenhas  lem  caminho ,  cheyas  de 
mil  perigos  ,  e  rios  de  dificultofiílima  na- 
vegação ,  pelos  quaes  os  Miílionarios  na5 
haõde  hir  nadando  ,  fenaõ  em  canoas  ,  e 
eíTas  muitas  ,  e  bem  armadas  ,  por  cauza 
dos  larbaix)^  ,  e  jftas  ^anoasi.,  jè  qs  man- 
timentos para  ell<as.,,  ç  o^  remeiros  ,  e  os 
guias  ,  e  os  prin^cipáes  deffeníbres  tudo  íaõ 
índios  ,  e  tudo  he  dos  índios  ,  e  fe  os  ín- 
dios andarem  divertidos  nos  intereíTes  dos 
Governadores  ,  e  naõ  dependerem  fómen- 
1^  dos  Religiofos  5  nem  elles  os  teraõ  para 
^s  ditas  Miííoens  ,  nem  eftaraõ  doutrina^ 
áos  como  convém  para  ellas  ,  nem  lhes 
obedecerão  ,  nerii  lhe  feraõ  fieis  ,  nem  fe 
fará  nada.  Pelo  contrario  ,  fó  dizerfe  aos 
índios  do  fertaõ  que  naõ  haõ  de  fer  fugei- 
tos  aos  Governadores  bailará  paraque  to- 
4oS)fe  deçao  com  grande  facilidade,  efe 
Tenhaô  fazer  Chriftãos,  porque  fó  a  fama 
e  o  medo  do  trabalho  ,  e  opreíTaõ  em  que 
os  trazem  os  que  governaõ  ,  he  o  que  os 
detém  nos  feos  .matos,  como  cada  dianofe^ 
lo  manda5  dizer  ,  e  hecouza  taõ  notória,^ 
ciThm.  I^  M  CO- 


fo       ,  C  A  R  T^A  S 

como  digría  de  lè  lhe  pôr  remédio, 
tihaõ  64  de  Abril  de  1^54. 


MarâS» 


António  Vieyra. 


C  A  R  T  A  XIII. 


Senhor. 

COM  eíla  remeto  a  V.  Mageftade  a 
relação  do  que  fe  tem  obrado  nâ^ 
execução  da  Ley  de  V.  Mageftáde 
Ibbre  a  liberdade  dos  índios*  Muitos  ficaõ? 
íentenciados  ao  cativeiro  por  prevalecer  o 
numero  dos  votos  mais  que  o  pezo  dasra- 
zoens.  V.  Mageftáde  fendo  fervido, as  poderi 
mandar  pezar  em  balanças  mais  fieis  qur 
as  defte  Eftado  ,  onde  tudo  nadou  fempre 
em  fangue  dos  pobres  índios  ,  e  ainda  foU 
gaÔ  de  fe  afogar  nelle  os  que  dçzejaõ  ti-- 
rar  do  perigo  aos  demais.  Com  tudo  fe 
puzcraõ  em  liberdade  muitos  ^  cuja  juftiça 

.:.  .v.por 


CO  P.  ANTÓNIO  VIEYRÁ.      9% 

por  notória  efcapou  das  unhas  aos  julga- 
aores.  Tudo  o  que  nefte  particular  ,  e  no» 
demais  fe  tem  obrado  a  favor  das  Chriftan- 
dades ,  e  em  obediência  da  Ley ,  e  Regimen- 
to de  V.  Mageftade,  fe  deve  ao  Governa* 
dor  André  Vidal  ,  que  em  recebendo  a$ 
ordens  de  V.  Mageftade  ,  fe  embarcou  logo 
para  efta  Capitania  do  Pará  a  dar  a  execu- 
ção muitas  couzas  que  fem  íua  prezença 
íênaõ  podiaõ  confeguir  fe  o  braço  eccleíi' 
aftico  ajudara  ao  lecukr  ,  tudo  fe  puzera 
facilmente  em  ordem  ,  e  juftiça  ,  mas  co- 
mo as  cabeças  das  Religioens  tem  opiniões 
contrarias  as  que  V.  Mageftade  manda  pra* 
ticar  ,  eftaõ  as  conciencias  como  dantes^ 
ç  o  que  na5  nafce  deftas  raizes ,  dura  fóem 
quanto  dura  o  temor.  Jà  dizem  que  virá 
obtro  Governador  ,  e  entaõ  tudo  íerà  co- 
jmo  dantes  era  ,  e  eu  em  parte  aflim  o  te- 
mo ,  porque  todos  os  que  câ  coftumara5 
vir  athegora  traziaõ  os  olhos  fó  no  inte* 
refle  ,  e  todos  osintereffes  defta  terra  con- 
liftem  fó  no  fangue  ,  e  íúor  dos  índios.  ' 
De  André  Vidal  direy  a  V.  Mageftade 
o  que  me  naô  atrevi  athegora  j  por  menaÒ 
Hpreffar  j  e  porque  tenho  conhecido  tan^ 
\  M  ij  tos 


n- 


J  €  a:  R  T  A:^ 
tos  homens,  fey  que  ha  mifter  mmtotemf 
po  para  fe  conhecer  hum  homem.  Tem 
-V.  Mageítade  muy  poucos  no  feo  Reyno 
que  fejaó  como  André  Vidal  ,  eu  o  conhe^ 
cia  pouco  mais  que  de  vifta  ,  íefama  :  he 
tanto  para  tudo  o  demais  ,  como  para  fol^ 
dado  :  muito  Chriftao  ,  muito  executivo  , 
muito  amigo  dajuftiça  ^:  eda  raza6  ,  muir 
to  zelozo  do  fervi ço  de  V.  Mageftade  i,  e 
obfervador  dasiuas  Reaes  ordens  ,  e  fobré 
tudo  muito  deíintereffado  j  e  que  entende 
muy  bem  todas  asrnaterias,  pofto  quenao 
falle  em  verfo  ,9^^  hé  a  falta  que  lhe  a- 
çhava  certo  Miniftro  grande  da  Corte  de 
y.  Mageftade.  Pelo  que  tem  ajudado  a  eC* 
jtas  JChriftandades:  llieí)tenh(^  obrigação  'j 
Jmàs  pelo  que  toca  aoferviço  de  V.  Mage* 
ftade  (de  que  nem  ainda  cá  nie  poíTo  eA 
^uecer)  digo  a  V.  Mageftade  que  eftâ  An- 
dré Vidal  perdido  no  Maranhão  ^  ^  que 
naõ  eftivera  a  índia  perdida  fe  V.  Magê* 
ftade  lha  entregara  ,  digo  ifto  porque  o  di- 
go nefte  Papel  que  naõ  háde  paíTar  das 
mãos  de  V./ Mageftade,  ealTim  oeíperodo 
conhecimento  que  V.  Mageftade  tem  da 
verdade  ./^íe  definterelfe  com  que  fempre. 
,^  1  falley 


DO  P.aANTONíO  VIEYRA.       93 

falley  a  ,V.  Mageftade  ,  e  do  Real  ,  c  ca- 
íholico  zelo  com  que  V.  Mageftade  deze- 
na que  em  todos  os  Reynos  de  V.  Mageftade 
fe  faça  juftiça  ,  e  fe  adiante  a  Fè.  A  mui- 
to Alta  e  muito  poderofa  PeíToa  de  V.  Ma^ 
geftade  guarde  Deos  como  a  Chriftandade  e 
os  VaíTallos  de  V.  Mageftade  havemos  mi* 
^er,?  Para  6.  de  Dezembro  de  lí^jj. 


>i    Ví' 


António  Vieyra. 


;3íi3i 


CARTA  XIV. 

A  ElRey. 
Senhor* 


4 


OR  carta  de  V.  Mageftade  efcrita 
em  9.  de  Abril  de  i^jj.  me  orde- 
na V;  Mageftade  por  feo  Real  ,  e 
Oatholico  zelo  và  dando  conta  fempre  a 
V.  Mageftade  do  que  for  liiccedendo  nef- 
tas  Chriftandades  ,  e  do  que  fe  oíFerecer 
a^ceíTârio  para  o  bem  delias ,  como  laefte  fa- 
«y.  Tan- 


^4  C  A  R  T  A  S 

Tanto  que  cheguey  ,  Senhor  ,  ao  Ma** 
ranha5  conforme  o  Regimento  de  V.  Ma- 
geftade  ,  tomey  logo  poíTe  das  Aldeãs  dos 
índios  ,  e  efiviey  a  ellas  Religiofos  ,  que 
commayor  aflifteiícia  do  que  athegora  tra- 
taffem  de  ííia  doutrina  ,  como  fazem  com 
grande  proveito  dáquellas  almas. 

Ao  Pará  onde  He  mayor  o  defemparo 
me  paffey  logo  ,  e  porque  as  Aldeãs  efta5 
muy  diftantes  ,í  d  muy  defpovoadas  degen* 
te  pelas  dezordens  do  tempo  paflado  ,  re-^ 
parti  por  ellas  três  Miííoens ,  cada  huma  de 
doúã  Keligrofos  ,'  par aque  continuamente  as 
andem  correndo  ,  e  viíitando  em  quanto 
fe  naô  ajuntaõ  conforme  a  ordem  de  V. 
Mageftade  ,  «  fe  põem  em  capacidade  de 
haver  nellas  reíidencia.  Também  deixey 
dous  Padres  no  Gurupí  que  he  outra  Capi- 
tania fita  entre  o  Maranhão  e  Pará  onde 
há  duas  Aldeãs  de  Índios. 

Ao  Gunrpâ  que  he  na  boca  do  rio  das 
Atrpafonas  na5  pude  hir,  por  ferforçofa  ^ 
minha  aíTiftencia  no  Pará  ao  exame ,  e  jui^ 
^o  dos  cativeiros  da  Ley  de  16 fi.  c  para 
outros  negócios  de  fèrviço  de  Deos  ,  e  àt 
V.  Mageftadef  mas  enviey  dom  Rêligiofctó 

qué 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       ^y 

que  tomâíTem  á  liiá  conta  as  Aldeãs  daquel- 
lé  deftrito,  levarão  eíles  ReligiofoS   comíí- 
go  mais  de  cem  índios  libertados  ,  dos  que 
QS  Portuguezes  tinhaò  cativado  no  rio  das 
Almafonas  ,  fendo  amigos,  e  confederados 
noíTos  ,  e  foy  efte  refgate  huma  boa  prova 
das  novas  ordens  de  V.  Mageftade  a  favor 
dos  índios  que  os  Padres  lhe  for  ao  publi- 
car ,  c  com  que  elles  ficarão  muy  conten- 
tes ,  e  animados  ,  e  jà  faõ  partidos  por  di-^ 
ferentes  braços  do  rio  a  levar  a  meímano^ 
Vá  aos  de  ííias  naçoens  ,  algumas  das  quaes 
faõ  populofiíTimas  ,  e  fe  efperaõ  por  efte 
meyo  grandes  converíbens. 

A  grande  Ilha  chamada  dos  Joanes  fòy 
outra  MiíTao  dedous  Religiofos  em  compa- 
ahia  das  tropas  de  guerra  queaella  feman-* 
dara5  pelas  rafoens  de  que  jà  fe  fez  avizo 
a  V,  Mageftade,  epofto  que  os  Padres  teM 
ofEerecido  a  paz  àquellas  naçoens  ,  mas  co- 
mo he  em  companhia  das  armas  ,  e  elles 
éftâo  taõ  cfcandalizádos  dos  agravos  que  dos 
Portuguezes  tem  recebido  /  naÔ  admitirão 
ãthegora  a  prática  da.  paz  ,  e  hà  poucas  ef~ 
per  ancas  de  que  venhaõ  taã  cedo  a  àdmi- 
tiila  ,  porque  dizem  qiíe  conhecem  muy 
^ -^  bem 


^fr.',  auefempie  lhe  abemos,  Senhoí, 

fe  cSTiliiidades,  Quando  .im^FW 
S:ií.e.|ra6  dons  Padres  a^nj^^ 
narê     que  he  iio  Maranhão ,  h^erao  decec 
aíauma  gente  de  naça5  Guajajaras. ,  e,p^ 
alguma^gení     ^      ,        dar  aos  outrosIOfT: 

^''^^''^Si^to  rio   d^s  To- 

wo  iM|tteiif^*  _  _^      ^  ^  ccibiça  ,dc  q»em 
4ii$:BWíQíí.|wrKPPw«í.^^^^ .  ,  muitos 

entaÕ  gosejnava  , ;  agoi  a^^m  4 

éftaya4*endi49^  P^^^WJd^,,5  osPadres 

huma  embaixada  (^^0»«-^j^     trezentas 
çaõ  dos  Topmamha^^,Mq^^dilU 

Lgoas  pelomefmo  nMcx^a^l^^^  1^^^^^ 

Iv^trm  "e  tS  ^-ovas  aW 
eftas  terras  ,  e  icv^^  Padxe^ 

bufcar  *;«d^^  1^5^  ^    „ç  do  booi  «ato  que 
zerao  ni,  é^m^^/m  ^  ^  ihp 


«5 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  9^ 

lhe  faziaõ  os  Padres  bem  certificados ,  mas 
que  fó  dos  Portuguezes  fe  temiaõ  ,  e  quê 
em  quanto  naõ  tinhaõ  mayores  experiên- 
cias de  fe  guardarem  as  novas  ordens  de 
V.  Mageftade  que  os  Padres  lhe  contavaõ, 
naõ  fe  queriaõ  defcer  para  taõ  perto  dos 
Portuguezes.  Ifto  diíTeraõ  ,  e  fizeraõ  mui-* 
tos  dos  mais  velhos  daquella  naçaõ  ,  e  dos 
que  pareciaõ  entre  elles  mais  prudentes ,  a 
quem  feguia5  os  de  fua  obediência.  Mas 
cutros,  aquém  Deos  parece  tinha  efcolhih^ 
do ,  fe  vieraÕ  de  muy  boa  vontade  com  0$ 
Padres,  chegarão  a efta  Cidade  do  Paraná 
oytava  de  todos  os  Santos  com  feífenta  ca- 
noas carregadas  defta  gente ,  em  que  vinhaõ 
mais  de  mil  almas  ,  das  quaes  no  caminho 
íbraõ  algumas  para  o  Ceo  ,  dos  demais  ef* 
taõ  jà  baptizados  os  innocentes ,  eos  adul- 
tos le  vaõ  cathequizando.  úí..  «aniiu 
Chegados  eftes  índios  liiccedeo  húa  còu* 
za  digna  de  fe  faber  para  remédio  de  muitas 
que  nefte  Eftado  fe  uzaõ  do  mefmo  genef 
ro.  Haverá  oito  annos  que  fe  fez  huma  ea4 
trada  â  efta  mefma  naçaõ  dos  Topinam^ 
bàs,  de  que  foy  por  Cabo  hum  Bento  Ko- 
drigues  de  Oliveira,  etrouxeraõ  muitos  dos 
^   Tom,  /,                       N  ditos 


CA  R  T  A  S 
ditos  índios   por  efcravos  :   fuccedeo  pois 
que  entre  os  que  agora  vieraõ,  muitos  acha^ 
raõ   eá  feos  irmãos  ,   e  parentes  ,•  e  fendo 
filhos  dos   mefmos   pays  ,   e  das   mefmas 
mãys  ,  huns  faõ  livres  ,  outros  efcravos  , 
fem  mais  razaõ  de  diíFerença  ,  que  ferem 
huns  trazidos  pelos  Padres  ia  Companhia, 
e  outros  pelos  OíEciaes  das  tropas.  Tam- 
bém nefta  de  Bento  Rodrigues  tinha  hidof 
hum  Religiofo  de  certa  Religião  ,   o  qual 
trouxe  grande  cantidade  dos  ditos  efcravos, 
e  foy  eíte  hum  dos  grandes  impedimentos? 
que  os  Padres  achàraõ  para  reduzir  eftes 
índios  ,  porque  quando  lhe  allegavaô  que 
erao  Religioíos  ,   e  que  mnaõ  haviaõ  de 
cativar^  como  tinhaõ  feito  os  Capitães  Por- 
tuguezes  ,  lhe  refpondiaõ'  elles  ,  que  tam-f 
beni  aquelle  era  Religiofo,  e  os  cativara  ; 
e  fe  os  índios  das  noíías  Chriftandades  lhes 
iiaõ  explicarão  o  diíFerente  modo  dos  Pa- 
dres da  Companhia  ,  baftára  efte  exemplo 
para  nao  fe  reduzirem. 

Eíia  boa  opiniaõ  que  os  Padres  tem  en- 
tre os  índios ,  os  confervou ,  e  defendeo  en- 
tre elles  fem  efcoíta  de  foldados  ^  porque 
§gp  levarão  comfigo  nuis  Portuguezes  que 

hum 


*'Sl}) 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      ^f 

hum  cirurgião ,  couza  athè  hoje  nunca  vi- 
|la,  fendo  muitas  e  muy  barbaras  as  nà-* 
çòens  por  cujas  terras  paíTáraõ  j  antes  trõti- 
xeraÕ  os  Principaes  ,  cu  Cabeças  de  duas 
delias  ,  períuadindo-os  a  que  também  fe-^ 
guiflem ,  e  fe  quizeíTem  defcer  a  fer  vãíTallòs 
de  V.  Mageílade^í^ha^^coiii  elles  temos  jà 
affentado  o  tempo  ,  e  o  modo  com  qUè  d 
haõ  de  fazer.  Huma  deftas  náçoêns  he  0 
dos  Catingas  ,  que  íempre  foraõ  inimigos^ 
dos  Portuguezes ,  e  com  guerras  e  aíTaltoi 
tem  feito  muitos^  danos  ás  nofías  terras  y 
que  lhe  ficaÕ  mais  vidinhas  ,♦  mas  já  ficao 
de  paz  ,  aílim  com  nofco  ,  como  cornou^ 
tra  naça5  também  amiga ,  com  quem  tra- 
ziao  guerra.  Demais  deftas  trouxera5  oi 
Padres  noticias  de  outras  naçoens  que  ha^ 
bitaõ  por  todoaquelle  Rio  dos  Tocantini^^ 
muitas  das  quaes  fallaõ  a  lingoà  geíal,  è 
fe  efpera  que  com  pouca  difiículdade  fe  re- 
duziráõ  a  noíTa  Santa  Fè.  ^ 

Eftas  faõ  5  Senhor:,  as  obras ,  e  os  luga- 
res em  que  ficamos  ao  prezente  occupados 
os  Religiofos  da  Companhia  que  nefta 
Miflaô  nos  achamos  ,  os  quaes  fomos  por 
todos  vinte  ,  e  de  dous  em  dous  eftamos 


too  \AMY&C:A':K^TTm$  -  '' 
diyidos  por  oiide  o  pede  -a  mayor  neceffil 
dade.  Da  volta  que  fa^o  ^para  o  MaranJiaõ; 
determino  de  enviar  Miíiaõ  aos  índios  d<j 
Camuci  j  e  do  Searâ^  que  eftaò  para  a  parte 
do  Sul  ,  e  he  tanto  o  numero  delles  ,  cos 
wm  a  neceíEdade  qúe  tem  de  doutrinai 
^  Agora  reprezentar%:íaaK.Mage ' 
couzas  de  que  neceííitaeftaMiffao  para  fet 
cultivada  como  convém  ^e  íe  colher  delia 
o  copiofo  fruto  ,  que  lua  grandeza  promeír-^ 
tiUiA  mefle he  muita ^^^ecos o|>erariospou- 
çc^  j  e  efta  he  a  primeira  couza  de  que 
Ibbrç  %oàm  neqeffitamosi  Ao  Jadre  Geralj 
ci^s^^ç^élv^krtó^e^dBi  J^tug:al:  ^erdo :  firazil- 
tenho  dado  conta  4eflar  falta;  ^  Qf&0Májm 
eípero  de  íeo  zelo  e  charidâde  ,  qiie  m3i 
faltarto  com  efte  ilbccorro  a  huma  emprai 
za  taÕ  própria  do  noffo  inílituto ,  jara  quo 
eIles:o  façaÕ  corn  máyor  promptidaÕ  e  dfe 
feito,  importaria  muito  que  V.  Mageftad^ 
©  mandaíTe  recomendar  com  todo  o  aper^ 
ttbaos  mefmos  Provinciaes  de  Portugal  a 
Brazilí:  ,:je  juntamente  ao  Padre  Geral  ,  ^ 
Affiftente  de  Roma^  naõ  fó  para  que  o  or-f 
denem  aílim  aos  mefmos  Provinciaes ,  mas 
para  que  de  Itália ,  e'das  outras  aaçoensdç 
^'ijiámú  .  .  ^  Europa 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     tor 

Éiiropã  nt)s  venhaõ  Miílionarios ,  como  coP 
pamaíaõ  hir  para  as  Miííbens  da  Ixidiao^íJ^ 
páõ  ,  e  CJiina ,  Gom  que  ellas  fe  tem  augínen- 
lado  de  íugeitos  de  grandes  letras  e  vir-* 
tudes  ,  que  naturalmente  as  augmentaràõ  ^ 
podendo  ^rometter  a  V.  Mageftade  ,  que 
quanto  for  crefcendo  aqui  o  numero  dos 
Mifli43narios  ,  erefcerâtambem  o  das  con- 
yeírfoens  das  almas  a  muitos  milhares  por 

-uoq/Ví  íègunda  ?Q(m2s^&^rtí\Ato  hí  miílaf 
cífe  Mi&õ  jkêiií que  F.  Mageftade  ^  Sè^ 
íthor  ,  nos  feça  mef ce  d&  que  poííamos  rU 
Yer  nella  quieta  «  patcificamente  iem  as  pèr^ 
tufbaçbetis  e  perfeguiçoens  com  que  os  Por- 
tuguezes  ectkíiáftiíios  e  leculares  continua^ 
mente  nos  moleftaõ^pÊ^tinquietaõ.  :T©íí#i 
contra  nos  o  Povo,  às  ReligMepiji  <mDê^ 
nátarios  das  Capitanias  MôreSrjB^ég^lâ 
mente  todos  os  que  neíle  Reyno  ,  «  n^fti 
Eftado  laõ  intereífados  nofangue  eíiiordo^ 
*  índios  ^  cuja  menoridade  nos  fó  defende^ 
mqsl^i^}  porque  liiftentamos  que  íe  Ihei 
guardem  ias  Leys  e  Regimentos  de  V,  M^ 
geftade  j  e  os  livramos  íe  naõ  cativem  1 4 
^fiteí^p)tS9gueâferv«n3t  lhe  paguem  o  íèo  trà^ 
^qo^íuS  balho  , 


102  CA  R  TAS 

balho  ,  por  eftas  duas  cauzas  taõ  juAi-? 
ficadas  encorremos  no  ódio  ,  e  períegUH 
çaõ  de  todos  :  e  he  neceflario  que  gaftemos 
em  nos  defender  deftas  batalhas  o  tempo, 
que  fora  melhor  empregado  na  conquifta 
da  Fè  j  e  exercício  da  doutrina  a  que  vie* 

mos.  à^^hr^V^l 

O  remédio  que  ifto  tem  ,  e  que  fó  pô-? 
de  íèr  eíFedivo ,  he  que  V.  Mageftade  neíTa 
Corte  fe  firva  de  naÕ  admittir  requerimento 
algum  fobre  às  matérias  da  nova  Ley  e  Re* 
gimçnto  ,  que  fobre  taÕ  maduras  deliberar* 
çoens  V.  Mageftade  mandou  guardar  nefte 
Éftado ,  mandando  V.  Mageftade  paíTar  De# 
eretos  aos  Concelhos  aonde  tocar ,  que  na5 
feja  admittido  ,  nem  ouvido  nellts  quem 
fobre  éftes  particulares  pretender  innovar  / 
ou  alterar  couza  alguma.  Epara  V.  Mage- 
ftade ó  haver  por  bem ,  e  mandar  aííim ,  ha 
muitas  e  m,uy  forçofas  rafoens  ,  que  que-^- 
ro  apontar  aqui,  para  que  fejaÕprezentes  i 
V^,  Mageftade.  ^?    íVít- 

?  Primeira :  Porque  as  couzas  que  V.  Ma- 
geftade foy  fervido  refolver,  todas  forao  exa^í 
minadas  e  confhltadas  com  as  peíToâs  ínai^ 
timoratas,  e de mayores  letras  que  VjMar^ 

geftade 


(^««Hpi»? 


;     DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA:     tò^ 

geftade  tem  em  feos  Reynos.  Segunda :  por* 
gue  efta  coníiilta  e  refoluçaõ  fe  tomou  de- 
pois de  ferem  viílas  todas  as  Leys  antigas  , 
Breves  dos  Summos  Pontífices  ,  Coníultas 
do  Concelho  Ultramarino ,  e  todos  os  mais 
documentos  que   podia  haver  na  matéria. 
Terceira:  Porque  de  tudo  fe  deo  primeiro 
vifta  ao  Procurador  do  Maranhão  e  Para ,  os 
quaes  deraõ  por  efcrito  íiias  razoens.  Quar^ 
ta :  Porque  em  particular  o  que  toca  ás  Mif* 
foens ,  entradas  do  fertâõ  ,  e  governo  efpi-^ 
ritual,  e  politico  dos  índios  ,  tudo  foynaõ 
fó  approvado  pelos  mefmos  Procuradores  ^ 
fenaõ  ajuftado  com  elles,  como  coníla  dé' 
papel  que  eftâ  na  Secretaria  de  Eftado,  de 
letra  de  Gafpar  Dias  Ferreira ,  que  fe  achou 
aa  meíma  conferencia,  €  o  efcreveo.  Quin-^^ 
ta:  porque  feria  contra  a  authoridade  das  mejp 
mas  Leys,  íe  cada  dia  íe  mudaííem.  Sexta# 
porque  em  quanto  fenaõ  fechar  aporta  de 
huma  vez    a  todos   os  requerimentos  em 
contrario ,  nunca  os  moradores  defte  Eftado 
fe  ha5  de  aquietar  ,    e  fó  quando  virem  a 
deliberação  de  V.  Mageftade  em  os  naõ 
querer  oíivir  nefta  matéria ,  acabarão  de  fe 
defengaaar  nella  ,  e  fe  acommcdaráõ  ao 


^W'^'íítà\ 


lue 


104  t  A  K  TAS 

que  fe  tem  ordeíiado.  Sétima  ;  porque  fó 
por  efte  meyo  fe  pôde  atalhar  as  grandes 
injuftiças  ,  e  tiranias  que  nefte  Eftado  pa- 
decem os  índios,  cativandofe  os  livres  ,  e 
nao  fe  pagando  aos  que  trabalhão ,  que  faõ 
os  dous  pontos  da  Ley  e  Regimento  de  V. 
Mageftade,  e  fem  os  quaes  fenaõ  podem 
confervar  os  índios  ,  nem  o  Eftado.  Ou- 
tavo  :  porque  na  junta  que  fe  fez  fobre 
efta  matéria  ,  conforme  o  Decreto  de  Wu 
Mageftade,  fefeguiraò  as  opinioens  mais  lar- 
gas, e  mais  favoráveis  aos  moradores  ,  e 
çendofelhe  concedido  tudo  o  que  nos  limi- 
tes da  juftiça  era  poíTivel  ,  na5  lhes  fica» 
que  pretender  ,  fenaõ  o  injufto.  Nona^5 
porque  os  mefmòs  Religiofos  ,  a  que  Deos 
da  dezejo  de  empregar  a  vida  na  conver^ 
faõ  deftas  gentilidades ,  com  á  noticia  def- 
tas  inquietaçoens  fe  esfriaÕ ,  e  corre  gran- 
de rifco  ,  que  os  meímos  que  cà  tem  vin- 
do ,  fe  arrependaõ  ,  porque  vieraõ  bufcar 
a  converfaõ  das  almas  dos  infiéis  ,  e  naõ 
aperturbaçaõ  das  fiias.  Decima :  porque  fe  V» 
Mageftade  defende  ,  e  ampara  todos  os 
feos  Miniftros  por  inferiores  que  fejao  , 
com  jnuita  mais  razaõ  o  merecem  efte$ 


DO  P/ ANTÓNIO  VIEYRA.      loj 

looarias  *,  ^me  faÕ  mandados  por  V. 


áMageftade  ,^  que  debaixo  da  íua  firma  de 

^.    Mageftade    deixarão  iíias   pátrias  ,.,^ 

Cpllegiós   j   e  tudo  o   que  podiaõ  ter  ,  ;c 

rèfperar   das  çouzas  hum^anas.  ,   íó  por  ícr^ 

yirera  a  Deos   e  a  V'  Mageftade  na  ma- 

lyofc^f  lÉiaás:  importante  empreza  ,  que  he 

W>propagaça5  daFè  ,  e  o  defcargo  dacon^ 

xiencia  de  V .  Mageftade  ^  e  fe  os  Miniftros 

èo  Santo  Ofli cio  laõ  com  muita  razaõ  tao 

iPdpeita<iose  venerados  ,  porque  defendem 

*a  Fè  na  paz  ,  quanta  razão  há  para  que  os 

-que  defendem  a  mefma  Fè  na  campanha, 

^a;    pbantaõfedilataÕ  com  o  fangue  ecom 

í^^^rmidaso^i  íejâõ^  favorecidos  e  amparados 

lia  j^andeza:  deY.  Mag^  por  meyode 

*#0lReaes  Miniftros  ?.Tsena5  perfeguidos, , 

e  defprezados ,  e  afrontados  de  todos ,  como 

-fâÕ  os  que  nefta  MiffaÒ  fervimo^^p^^  cpjal 

fe  ex per imen ta  o  qu^e  d efâ  e  o  princi pio  da 

Igreja  Te  na5  lè  de  nenhuma  •   porque  nas 

outras  eraõ  os  Pregadores  favorecidos  ,   e 

amparadios  dos  Chriftãos  ^  e  perfeguidos  e 

-mat*ty rizados  dos  Gentios  >•  e  nefta;  os  Geti^ 

tios^  no$  amaÕ  ry  nos  recebem ,  e  nos  vene-» 

^aõ  ;í  e^cje  Chriflâosí ,  ainda  ileligiofos  e 

V    Ti?/;/.  A  O  Por- 


ip^  C  A  R  T  A  5  ' 

e  Portiaguezes ,  faõ  os  que  nos  pej-fèguem  e  ^ 
frontão  ,  e  fobre  tudo  nos  perturhaõ  /  e 
impedem  o  exercido  de  noflbs  minifterios, 
e  ^  çonverfaõ  das  almas  ,  que  lie  o  que 
mais  fe  fente. 

Finalmente,  Senhor,  quando  na5hom 
vera  nenhuma  outra  raza5  ,  e  quando  tu* 
do  o  que  V.  Mageftade  tem  ordenado ,  naõ 
fora  ta5  jufto   e  taõ  juftiiícado  como  he  , 
fó  polo  que  agora  direy  o  devia  V;  Mage- 
ftade  mandar  continuar  fem  mudança  nem 
alteração  alguma.   Tudo  o  que  V.  Mage- 
ftade  tem  ordenado  na  ultima  Ley  e  Regi^ 
imento,  eftâ  publicado iaos  índios,   naõ  íb 
neftas  terras  e  ims  tâzinhás fe,^ ^fína^en^  otb- 
trás  muy  apartadas  e  remotas  ,   onde  por 
recados  e  por  efcrito  tem  mandado  o  Go- 
vernador ,e  os  Padres  a  diííerentes  índios 
das  mefmas  naçoens  ,   para  que  lhes  refí- 
ra5  o  novo  trato  que  V.   Mageftade  lhes 
manda  fazer  5  e  como  todos  os  índios  hao 
de, viver  debaixo  da  protecção   e  doutrina 
dõ^BPadres  da  Companhia  ,  que  he  o  que 
elles  dezeja5,pola  grande  fama  que  os  dir 
tos  Padres  tem  de  ferem  os  mayores  amir 
gos  e  defenfores  dos,mefmos  índios:,  eporr- 

»  iíTo 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     lo^ 

íffo  fa5  delles  muito  amados.  Ifto  lie,Senkor^ 
o  que  eftà  mandado  dizer  a  todos  ,  o  que 
jâ  tem  abalado  a  muitos  das  Ikas  terras  ,  e 
o  que  nas  noíTas  detém  a  outros  ,  que  de 
deíeíperados  fe  queriáô  fahir  delias.  E  fe 
agora  viíTem  que  eílas  promeíías  e  efpe- 
ranças  defarmavaõ  em  vaõ  ,  e  tornavao  as 
couzas  a  correr  pelo  -eftilo  que  d' mies  , 
nenhum  credito  íe  dajrja  mais  entre4>^  Ín- 
dios ás  Leys  e  ordens  de  V.  Mageftade ,  nem 
ás  palavras  dos  Governadores  :  eos  Miílio- 
-narios  perderiaó  toda  a  opinião  e  authori- 
dade  que  tem  com  elles  :  c  naÕ  íó  naõ  deA 
ceriaõ  do  fertaõ  a  ferChriftãos  e  VaíTallos 
^áeV.  Mageftade.  as  snaçoens  que  fe  efpe- 
raõ  ,  mas  ainda  os  Chriftãos  e  VaíTallos 
€;ntigos  deíèfperariaõ  totalmente  e  defpo- 
voariaõ  fuás  Aldeãs  ,  como  outras  ve^es 
tem  feito  ,  e  fe  arruinaria  por  efta  via  to- 
do  o  fundamento  do  Eftado  e  das  Chriílan'^ 
dades ,  que  confifte  na  confervaçaõ ,  e  facili-- 
-dade  de  ter  índios. 

*i  Efperamos  qme  V.  Mageftade  mandará 
confiderar  o  pezo  defta  razaõ ,  e  das  mais, 
como  a  importância  delias  pede. 

A  muito  alta  e  muito  poderofa  Peftba 
oilí  O  ij  de 


^e  V.  Mageftade  guarde  Deos,  como  a  ChrP 
ftandadp  e  os  Vaffallos  de  V.  Mageftade 
Cavemos  mifter.  Para  8.   de  Dezembro  de 


António  Vieyra, 


í£hv 


'.nnúm-^A^S  ■ 


W  jUL  Iv    IA 


ojIdo  o>  oíii  «í  ^jp.sbiá:*io7f:ín 

carta  com  .quc^V.  Mageftade  nos 
fez  mercê  mandar  honrar  e  à^ 
fenderí  y  recebeo  efta  Miffaõ  d)s>i'\^4  Mage-» 
ftade  comj  o  affeâ:o  e  veneração  que  de-» 
via  yt>e  comia  meíma  proftrados  todos  aos 
Reaêspês  deV,  Mageftade  rendemos  a  V* 
Mageftade  as  graças  pola  juftiça  e  piedá^ 
de  defte  favor  ^  de  cuj  a  refoluçaÕ  dependia 
o  eftabelecimento  deftas  Chriftandades  '^ 
como  da  continuação  delie  dependerão  feos 
âugmcntQs*.  '  .  .  .^|>r-i2a;ii?í^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VíEYRA.       lof 

Eu  em  particulaí:  /Senhora ,  no  defpaçhQ 
defte  Memorial  que  detao  longe  reprefen- 
tey  aV.  Mageftade,  conheci  que  ainda  naô 
eftava  totalmente  morto  na  memoria  de 
V.  Mageftade  quem  tantas  vezes  arrifcou  a 
vida  ás  tempeftades  >  ás  balas  ,  ás  peftes  , 
£  ás  treiçoens  dos  inimigos  de  Portugal,  pa-» 
ra  que  elle  e  todas  as  partes  de  lua  Monar^ 
quia  fè  eftabeleceflem  na  Coroa  de  V.  Ma- 
geftade. Com  a  falta  delRey  e  do  Princepe 
que  eftao  no  Géé  mdo  me  faltou  ,  e  a  be- 
nevolência que  o  feo  refpeito  me  concilia- 
va con^  os  Miniftros  j  fe  lepultou  toda  com 
elles  5  e  em  feo  lugar  reíufcítárao  os  ódios, 
iia^inv^,tíiií|p|álklfevj(k  que  então  íe  diílí-- 
mú^fíM\í^í^^J^?mjp:m^cax^  íentimento, 
hé  que  íè  vinguem .  eftes  ódios  ,  naÔ  cm, 
fnim  ,  fenaõ  nas  almas  deftes  Chriftaos  ç 
XSoitios ,  cuj  a  falvaçaõ  fe  impede ,  e ,  quani^ 
do  menos ,  fe  perturba  muito ,  por  fe  dareiB 
lôuvidos  a  informaçoens  taõ  alheas  da  ver- 
dade e  do  conhecimento  que  os  mefniios 
JMiniftros  deverão  ter  da  minha ,  e  do  meo 
deílnterefle ,  na  experiência  de  tantos  an^ 
11Q&,  Mas  aíSm  havia  de  íer  ,  para  que  t 
$mxçê  q^e  lií^^ oMageft^de^^n^  (giz,  ai dev^ 
UÍ  .':  toda 


iio  C  A  R  T  A  S 

toda  á  grandeza  de  V.  Mageftade. 
í  Com  tudo  j  para  que  confte  aos  Mini- 
ftros  e  Tribunaes  ,  fiz  petição  ao  Governa* 
dor  D.  Pedro  de  Mello  mandafle  examinar 
juridicamente  todas  as  queixas  que  ndft 
Corte  fetem  feito  contra  os  Reiigiofos  deí^ 
ta  Miííaõ  ,  e  todas  va5  examinadas  15  e^  a 
verdade  provada  na  forma  que  V.  Mage* 
ftadc  lhes  pôde  mandar  ver.  Aííim  fe  mu-* 
daõ  os  tempos  y  e  nao  hte  o  menor  íãcrificiía 
que  poílb  oííerecer  a  Deos  íías  circunítart* 
cias  do  prezente ,  verme  por  feo  amor  etít 
eftado  qtie  haja  mifter  teílemunhas  a  mi*^ 
nha  verdade.  Mas  o  terme  V.  Màg^'' 
mandado  deferir  jfèm  ellas^  y  íby  a  líi 
mercê  que  podia  receber  dá  Real  benigni« 
dade  de  V.  Mageftade  ,  e  por  ella  me  pu-ít 
dera  dar  por  bem  pa^o  de  todos  os  meofe 
ferviçoSj  perigos  ,c  trabalhos ,  quando  ai  ti* 
vera  fervido  por  paga,  >; 

Sobre  efte  favor  taõ  grande, me  diz  mkit 
o  Bifpo  Oonfeífor  da  parte  de  V.  Mage* 
ftade,aue  tudo  o  que  for  neceíTario  amim/ 
e  a  Miííaõ,  o  reprefente  a  V.  Mageftade  f 
porque  V.  Mageftade  nos  quer  fazer  mer<}ê 
de  nos  mandar  aíTiftir  e  foccocrer.  Eu,  Sê*fí 

nhora 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     in 

íihora  5  depois  que  deixey  o  lugar  que  tinha 
aos  pès  delRey  e  de  V.  Mageftade,  nunca 
-  mais  me  foy  neceíTario  nada  ,   porque  na- 
quelle  facrificio  renunciey  tudo  ,  nem  o 
mundo  tem  que  me  dar  ,  depois  que  mç 
deo  quanto  tinha  ,   quanto  podia  ,   e  eu  o 
puz  nas  maÕs   de  Deos  para  o  empregar 
melhor.  As  MiíToens  como  naõ   tem  mais 
que  a  mercê  que  S.  Mageftade  fez  aos  pri- 
meirx)s  dés  Religiofoç  y  e  fobre  eft e  nume- 
ro tem  crefcido  muitos  ,  e  cadat  dia  lè  eP 
peraõ  mais  ,  bem  fe  deixa  ver  a  eftreiteza 
com  que  fe  paíTará  nellas  ,  e  a  falta  quefe 
padecera  de  tudo.  Mas  os  empenhos  das 
gaerras  preftntes,  a  que  os  efíeitos  da  far- 
zènda  Real  eftaõ  divertidos ,  faõ  taõ  juftos 
€  taõ  grandes ,  que  me  nao  confente  o  zelo 
da  Gonfervâçaõ  do  Reyno   (  que  em  mim 
he  íèmpre  o  meímo  )  atrevermo-nos  a  pe^ 
dir  fazenda ,  quando  todos  devem  oíFerecer 
o  Tangue.   O  que  fó  peço  em  nome  de  to- 
dos os  Religiofos  deftas  MiíToens  he  ,   que 
V.  Mageftade  nos  mande  confervar  fem^ 
prena  firmeza  das  ordens  que  trouxe  ò  Go- 
vernador ,  de  que  acerca  das  MiíToens  e  dos 
índios  fe  naõ  mude,  nem  altere  couza  ai- 
-mBãk  guma 


■f'j 


112  CA  R  T  À  S 

guma  j  mandando  V.  Mageftade  recom- 
mendar  de  novo  muito  |,  e  |ii>  meímo  Go- 
Tcrnador  y  a  affiftencia  etavoí  dos  Miffiona^ 
rios  ,  em  forma  que  entenda  elle  e  todo  o 
Eftado,  que  O  mayor  cuidado  e  dezejo  de 
V.  Mageftade  he  o  augmento  e  propaga* 
çaÕ  da  Fè  e  converfaÕ  das  gentilidades  ^ 
como  verdadeiramente  he  :  e  que  os  Reli-*- 
giòíbs  da  Companhia ,  como  Miniftros  da 
i^eíina  converlaô  ^  iiaõde  ter  lèntpre  b^ 
grandeza  e  juftif  a  deipJiMageftade  muito 
íegura  a  protecção  0attparo.  Guarde  Deos 
a  Real  Peffoa  de  V»  Mageftade ,  como  ^ 
Ghriftandade  e  os  Vaílallos  de  V.  Magefta^ 
de  havemos  mifter,  Maratíhaõ  i .  de Setèitil 
bro  de  i^j8,  - 


António  Vieyraé 


n 


k'}f'if-J> 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     113 

Senhor. 

Governador  D.  Pedro  de  Mello  i 
fegundo  as  inftancias  com  que  tem 
pedido  licença  a  V.  Mageftade 
cara  fe  recolher  ao  Reyno  ,  eípera  fazello 
na  monção  defte  inverno  ,  em  quanto  par- 
to ao  Rio  das  Almazonas  a  aíTentar  huma 
Miflaõ  nas  naçoens  dos  Inimgaibas  ,  e  ou*" 
tra  na  dos  Tapuyas  que  faõ  vizinhas  de 
muitas  outras  ,  em  que  fe  efpera  grande 
converfaÕ  de  almas  ,  ferviço  de  V.  Mage- 
ftade ,  e  augmento  de  todo  oEftado  ,  que 
fó  por  efta  via  pôde  vir  a  fer  o  que  pro- 
mette  a  largueza  de  luas  terras  e  mares  :  da 
importância  da  paz  dos  Inimgaibas  c  quan- 
to ao  comercio  que  tem  as  naçoens  daquellas 
partes  com  os  Holandezes  ,  jà  dey  conta 
a  V.  Mageftade,  ede  como  também  fica5 
reduzidos  à  obediência  de  V,  Mageftade 
--MT^m,  L  P  toda 


IÍ4  C  A^  T  A  S 

toda  a  ferra  de  Tibiapava  ,  e  franqueado 
OíCaminh-Oopor  terra  athe  Pernambuco  quie 
Ía5  mais  dé  300;  legoas  por  coílâs  infefía-^^ 
das  athegora  de  naçoens  inimigas  e  barba--? 
ras  ;  agora  levo  também  a  meo  cargo  as^; 
ordens  de  hum  notável  defcubrimento  dei 
que  íe  eípèraõ  ainda  mayoJces  coníequencias^ 
pola  comodidade  dos  rios ,  que  multidão  ,  e 
bondade  da  gente  ,  e  pola  lièceílídade  qwm 
tem  depila  efta3  Gapitanias  da  parte  do  M^i^ 
ranhaõ  .,  e  as maás  do  íift^do  ,  eftaõ  mu'^ 
fatos^  de  índios  ,  e  por  iflo  menos  defen-t 
didas  ,  e  expoftas  à  inva^^aõ  dos  inimigos^ 
com  os  quaesfè  experimenta  jâ  o  valor  0 
fiddidade  defta  naçaÕ  ,  porque  âlguns^ítólfl 
to  que  entre  nos  ba^ia  ^^  fôrao  os  quémar-f 
^f 'guerra  fizera©  aos  Holandeses,  quandd 
<|CGupara5  efta  Gidade  >  athê  os  lançaremf 
fera  delia.  Tudo  ifto  >  Senhor  ,  reprezen-^ 
to  a  V.  Mageftade  para  que  quando  o  Go^ 
vernador  D.  Pedro  parta  antes  de  eu  che-^ 
gar  deftas  Miffoens  ,  feja  prezente  a  V. 
Mageftade  o  muito  que  a  V.  Mageílade 
tem  fervido  neíte  Eftado  ,  em  menos  de 
dous  annos  e  meyo  de  feo  governo ,  porque 
taado-  Q  que  fe  obrou  fe  deve  principalmen-^ 

te 


DO  P.  ^NTDNIO  ^VIEYRA.  if^ 
t^bâo  feo  zelo  ,  cuidado  ,  dilpoíiçaò  ^exc-'; 
euçaõ^  que  he  gratide ,  e  fem  a  qmal  fe  tiaã 
pudera  CGnlèguir  couza  de  coníideraçaõ  , 
e  muito  menos  tantas  etaÕ  diíRcultozasem 
t;a5  breve  tempo.  A  Deos  e  a  V.  Mage- 
ftade  pedimos  todos  os  Religiofos  deftas 
MiíToenSjlàe  mande  V.  Mageftade  íuGcedèf, 
íjuando  V.  Mageftade  aííim  o  teíiha  orde- 
nado ,  peflba  de  tal  talento  e  Chriftandade 
que  leve  -pordiaôie  o  <jue  elletem  começa^ 
éo,  que  V.  Mageftade  por  ííiá  grandeza,  deve^ 
mandar  agradecer  e  premiar  como  fervi çíosi 
taõ  final adosrherecem,  pára  que  conheçaâ 
todos  que  V,  Mageftade  eftima  os  defta  qua- 
lidade ,  pois  laõ  verdadeiramente  osmayo- 
r€síç  e  de  que  mais  depende  a  confervaçaõ  do 
Reyno  ,  fundado  fo  no  mundo  por  Deos 
para  dikjtar  ^  Fé :  epòfto  que  V.  Mageftade 
chame  a  D.  Pedro  de  Mello  para  mais  perto 
da  Real  PeíToa  de  V.  Mageftade ,  por  con- 
correrem nefte  Fidalgo  as  qualidades  mais 
neceíTarias  para  o  tempo  prezente  ,  coma 
nelle  tenho  conhecido  em  todo  o  tempo 
qtie  o  tratey  ,  entendo  ,  e  affim  o  peço  a 
V.  Mageftade, que  na  mefina  peííoa  deD. 
Pedro  pôde  V.  Mageftade  continuar  a  Real 
^  P  ij  pro- 


ti6  â  CA  R  TAS  A 
protecção ,  com  que  V.  Mageftade  foy  fer- 
vido crear  e  augmentar  efta  Gonquifta  de 
Chriílo  ,  fervindo~fe  V.  Mageftade  do  feo 
confelho  e  das  luas  noticias  que  faõ  mui- 
tas :  e  nas  das  partes  Ultramarinas  como 
em  todas  as  mais  ,  experimentará  V.  Ma- 
geftade  quanto  Chriftao  ^  e  bem  intencio- 
nado he  o  feo  zelo  ,  e  quam  acertado  o 
íèo  voto* 

,^^c!  Çuarde  I>eos^  Real  Peíloa  de  V.  Ma-^ 
geftade  como  a  Ghrillandade  e  òs  Vaílal- 
los  de  V.  Mageftade  havemos  miíler.  Maé 

s.iqbfiíiiavoíl  ©lioíí  ò.:XÍh  ^^  Oi^p'm^■■^''^ot 
os^nom  ^n-  aiíp  ^  oItóM,  st  oib^^'  M  ■o°^iáiâ. 


^iiMiíteq:ofoj  António  Vieyra. 


J.  í  fí3,  fç     ■iffi^  J-J  ^  jrf-ll  ^^.^^^^ 


:.mm^ 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA:     ii> 


■'iXy 


i-âQ^Díilj 


TÍIFITI    f}$ 


B(/po  do  "Japão. 
Senhor   Bifpo. 


ONTRA  a  vontade ,  e  contra  o  en-^ 
'i  tendimento  efcrevo  efta  á  V.  Se- 
_  nh<^i^;?Êontra  a  vontade  ,  porqul 
ke  matéria  que  muito  firíto  ,  e  que  a  todoá 
nos  efta  muitomal:  contra  o  entendimen^ 
to  ,  porque  me  diz  o  noíTo  Governador  e 
amigo  D.  Pedro  de  Mello ,  que  na  monça5 
defte  inverno  hade  partir  para  o  Reyno  , 
porque  lhe  hade  vir  fucceííbr  de  Lisboa,  a 
que  de  nenhum  modo  me  poíTo  perlíiadir, 
por  mais  que  fey  as  inftancias  que  elle  tem 
Feito.  Eu  quis  reprezentar  com  todo  o  en- 
carecimento a  S.  Mageftade ,  e  pedir  a  V- 
Senhoria,  naõ  fó  que  acabaíTe  D.  Pedro  o 
feo  governo  ,  mas  que  continuaíTe  nelle 
por  muito  mais  tempo  ,  e  o  naÕ  fiz,  por- 
íjue  me  convinha  por  noíTa  amizade  ,  e 
fiaõ  çra  rafaõ  qtte  lhe  pagafle  as  obrigações 


J  'S 


quç  lhe  tenho ,  com  moftrar,  que  eramaísT 
amigt)  in^c^^ifequéíjfeoi  §é  é^me^^tígmiwp 
e  ítieceder  ò  que  ellé  diz  5  lá  õterá  "V^^  Ste^ 
nhoria    aonde  V.   Senhoria  corti^  os  feo^ 
poderes,  pois  eu nao  valho  nada, lhe  pôd^; 
íazer  agradecer  o  muito  que  nos  tem  feit<3b 
é  faz  ,  que  nao  repito  a  V.  Senhoria ,  pois 
he  efte  affumpto  a  mais  ordinária  matéria 
das  iiíinhas  cartas;  Em  liimma  digo  :  que 
i^€S^í4dô^-'  âfííiôi  '^'^irWf^  íèí-têni:^ obrãdrif 
âuitò^em-  fòr f ifo^^dtnpêis^;^^'  iè^S:^^  Mage^s 
ftade ,  e  ít  teni^lálf  áite  fendamentôs  a  rixúm 
to  mayore^  obrâS  y  ie  todo  íe  deve  à  difpo^ 
fiçáÕ  e  execução  de  D^  Pêdií^ ,  íferÉ^^^  quâÉ 
ntàhuma  couza  íe  púder^^<aAeguirçè  lifti^ 
to  minos tantas,  e  t-aÔ  diffictilt^rfks  e de^âií^ 
ia  ím^^itantiá»  Queira  Deoi^qôé  lá  o  íki^ 
teê  êtehece^^s^tie  fó  temos  >  olhos  nká 
fr^fictófas  edíP^áfcitttejo  ,  e  naô  ^ortfide^aÕ^ 
qtíe  'o  ^èynó  de  Portugal  nao  foy  fundada 
para  fò  efteíider  pot  Caftella  ,  íèhaõ  pára 
dilia|af '  a  Fé  de  Chrifto  ,   e  ò  Reyho  ^dè 
Deos  pdo  mutido.  A  S.  Mageftade  rep^e^ 
:zento,que  importará  ainda  para  feo  feívi^ 
ço,  qué  os  defta;  qualidade  íêpr^iMe^íií 
Como  merecem,  para  que  haja  ^^tíi^icofttfo 

nue 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  tif 
núe  o  que  D.  Pedro  tem  começado  •  e 
<p^mmh&  homàétlkc  tal  peííba  ,  que  nm 
definánche  o  que  com  tato  bom  zelo  ,  e 
com  taõ  bons  trabalhos  fe  vay  fazendo.  Se 
aígum  aHirio  mcfica  íia  auzeneia  defte  Fi- 
dalgo ,  he  dezejar  ver  muitos  de  fuás  qua- 
lidades junto  da  Peflba  de  S.- Mageftade ,  e 
mais  jíO  tempo  prezmte ,  em  que  taõ  nece- 
ífario  lie  o  bom  coração  ,  e  fidelidade  ^. 
\^ltf  é  honra  :  tudo  ifto  tenho  conhecida 
em  R.  Pédrò  deppís?que' o  trato.  Já  eudif^ 
foa  V* Senhoria  que  êm  hum  lugar  doConce^ 
nho  Ultramarino  feria  muito  bom  o  feo  vo-? 
ífe^polas  iioticias  que  tem  deftas  partes  , 
eieu  fio  que  depois  que  S.  Mageftade  ex- 
perimentar a  limpeza  do  íêo  zelo  ,  e  cla- 
sá^a  do  feô  jtiizo  em  todas  as  materií^s,  íe 
hade  querer  SiMageftadelèr^irdelle  ^^ 
à)da^.  A'  experien:cia  me  reporto  ;,4bbfe>^ 
<|ual  nao  fêrá  neceíTario  o  favor  que  V. 
Senhoria  me  faz  ,  o  qual  eu  renunciara  de 
boa  vontade  na  peffoa  de  D.  Pedro  para 
feos  âccrefcentamentos  quando  elle  o  houve-i 
íá  mifter  5  polas  obrigaçoens  que  lhe  tenho^ 
f  poios  bens  qii^  lhe  dezejo  :  traganos 
fie©t oboas  B©yas-de  V»  Senhoria ,  a  que:^ 


I20  CARTAS 

mefmo  Senhor  nos  guarde  para  noffb  âm-» 
paro  e  dezempenho.  Maranbaõ  4.  de  De- 
zembro de  1660, 

Humilde  Creado  e  que  mais  ama 
a  V.  Senhoria* 

António  VieyraJ 


CARTA  XVIII. 

j^o  Touque  do  CadavaL 

ENHOR:  com  razão  diz  V.  Exccl^ 
lencia,que  andaõ  os  trabalhos enca*» 
,,„^^  deadòs.  E  quanto  ao  do  Senhor  Con- 
de de  Soure  ,  na5  acho  outro  allivio  a  ta5 
grande  matéria  de  fentimento  mais ,  que  a 
confideraça5  de  haver  Deos  trocado  asfen- 
tenças  ,  deixando-nos  a  vida  do  Conde  pa- 
ra muitos  annos ,  como  havemos  mifter ,  c 
levando  para  o  Ceo  aquelle  penhor  ,  cuja 
faudade  fe  pôde  confolar  com  muitos  outros, 
que  Deos  ainda  lhe  dará.  Mas  appiicanda 


a  ca-* 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  121 
a-eadeados  trabalhos  aos  meos  ,  tem-íe 
ella  travado  de  maneira ,  que  fendo  o  meo 
mayor  fentimento  a  auzeneia  de  V.  Excel- 
lencia  defla  Corte  ,  quaíi  me  vem  a  íèr  ai- 
livio  5  ou  remédio  a mefma  auzeneia,  pois 
feria  nova  circunftancia  de  pena  faltarme 
a  communicaçaõ  de  V.  Excellencia ,  fe  V. 
Excellencia  faltar  de  Lisboa.  Narrarey  o  ca- 
zo  como  tem  paflado  ,  pofto  que  já  dey  a 
V.  Excellencia  as  primeiras  noticias  delle. 
Tive  avizo  haverá  quinze  dias  ,  que  me 
eftava  decretado  novo  deíterro:  huma  Ver- 
faò  diz  ,  que  para  o  Brazil  ,  outra  para 
o  Maranhão  ,  outra  para  Angola  •  fahio 
ifto  de  hum  dos  mayores  Minilfros  ,  e  com 
termos  taõ  efFedivos  ,,  que  fe  tomou  infor- 
mação dos  navios  que  havia  para  aquellas 
.partes.  Dezejey  faber  a  cauza  defta  novi,- 
iade  ,  e  no  correo  paííado  me  avizaraã^:^ 
ou  notificarão  fora  por  huma  carta  ou  car- 
tas que  eu  efcrevera  a  V.  Excellencia ,  dif- 
correndo  fobre  as  pazes  do  Minho  ,  a  fa- 
•WQi!'  da  negociação  ,  e  de  quem  a  obrava 
Écti.  e  que  comunicando  V.  Excellencia  ef* 
tas  cartas  ,  chegara  de  maõ  em  maõ  o  que 
«nellasfe  dizia  aparte,  onde  de  tudo  fe  fí^ 
'^v^2^^  L  Q^  zera 


12' 2 


CARTA  S 

zera(  palavras  formaes  )  refinadiííima  pe- 
çonha. Na5  hà  heregia  que  fe  naõ  tiràíTa 
da  Sagrada  Efcritura ,  e  com  tudo  as  pala- 
vras fa5  diótadas  pelo  Efpirito  Santo ,  mas 
naõ  eftâ  o  mal  nas  palavras  ,  fenaÕ  na 
interpretação  que  lhes  querem  dar  :  e  co- 
£no  dizem  que  foraõ  de  maõ  em  ma5  ^  bem 
pôde  ler  que  chegaííem  ta5  diíFerentes ,  que 
totalmente  na5  foíTem  as  minhas  ,  e  aílim 
o  creo.  Mas  de  qualquer  modo  que  haja  , 
ou  naõ  haja  fido,  eu  eftou  pela  íentença  , 
e  hirey  para  onde  me  mandarem  ,  feja 
Africa  ,  ou  America  ,  que  em  toda  a  par- 
te ha  terra  para  o  corpo  ,  e  Deos  para  ã 
alma  ,  e  là  nos  acharemos  todos  diante  da- 
quelle  Tribunal  ,  onde  fó  teftemunha  á 
verdade  ,  fentençea  a  juftiçaye  nunca  he 
condenada  a  innocencia.  Além  deílecafti*^ 
go  que  dizem  eftâ  decretado  ,  feme  noti- 
fiea  outro  ,  pofto  que  me  naÕ  declaraÕ  de 
que  tribunal  fahio  ,  em  que  me  ordenaõ 
por  modo  de  confelho  ,  que  me  abftenha 
de  efcrever  âquella  Perfonagem  ,  a  quem  eí- 
erevi  o  fobredito  (  porque  naÕ  nomeaÕ  à 
PeíToa  de  V.  Excellencia)  e  que  fó  o  faça 
por  efta  vez  ,  dando  fatisfaçaõ  de  mim  e 
L\  con- 


/ 


DO^P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     ny 

conta  daoceafiaõ.  Efta  lie  ,  Senhor ,  toda  a 
hiftoria  com  que  entrou  o  aano  de  1662 
e  fe  vay  declarando  por  critico  contra  mim 
pois  na5  fó  defterraÕ  a  V.  Excellencia  de 
Lisboa  ,  mas  a  mim  de  V.  Excellencia ,  da 
qual  fentença  o  meo  coração  fe  ri  muito  no 
meyo  do  feo  fentimento  ,  appellando  dos 
inftrumentos  da  memoria  para  a  melma  me- 
moria ,  e  dando  graças  a  Deos  ,  porque 
os  que  tem  jurifdiçaõ  fobre  o  papel  ,  na5 
a  tem  fobre  a  alma.  Saõ  hoje  os  vinte  que 
y .  Excellencia  tem  fmalado  por  dia  decre- 
torio  da  partida.  O  tempo  eftâ  claro  e  con- 
certado ,  ainda  que  o  naõefteja  o  mundo. 
O  que  importa,  he  que  V.Excellencia  tenha 
muy  boa  viagem  ,  e  que  V.  Excellencia  a 
procure  fazer  com  o  mayor  defcanço  ,  e 
comodidade,  efe  V.  Excellencia  em  Gou- 
vea  achar  menos  Lisboa  ,  também  fera  ai- 
livio  o  achalla  menos  ,•  e  nenhuma  couza 
faltará  a  V.  Excellencia  em  toda  a  parte , 
pois  fe  leva  comíígo.  De  mim  naò  tenho 
que  dizer  a  V.  Excellencia ,  porque  o  mef- 
mo  que  tenho  dito  ,  ferve  para  todos  os 
tempos,  pois  fou  e  hey  deí-r  o  mefmoem 
^todos.  Se  com  eíFeito  me  mandarem  em- 

Q^ij  barcar; 


íài4  CARTAS 

barcar ;  como  na  hora  da  morte  naõ  hàre- 
Íervaça5  ,  aproveitarme-hey  do  privilegio 
para  dizer  a  V*  Excellencia  o  a  Dio  :  no 
entre  tanto,  fe  me  naõ  he  licito  procurar 
novas  de  V.  Excellencia  em  direitura ,  fallo 
hey  por  outra  via  ,  que  naõ  me  haÕde  im- 
pedir todas  os  homens.  E  quando  elles  o 
façaõ  ',  as  de  Deos  eftaÕ  fora  da  fua  jurifdi- 
çaõ  5  e  empregar-fe-ha  o  meo  aíFeóto  todo 
em  oraçoens  ,  e  facrificios,  rogando  ao  meí-- 
mo  Senhor  como  fempre  faço  ,  pela  fe^ 
licidade  daPeíToa  eCazadeV.  Excellencia 
e  fobre  tudo  ,  pedindo  a  fua  Divina  Mar 
geftade,  tenha  a  V.  Excellencia  no  nume* 
ro  de  feos  Vaffallos  ,  confervando  íèmpre 
a  V.  Excellencia  em  ííia  graça  com  gran- 
des augrhentos  delia /que  he  oque  ío  hade 
durar,  e  o  que  fó  importa.  Guarde  Deos  a 
V.  Excellencia  muitos  annos  como  dezejo. 
Porto  20.  de  Janeiro  de  16^3. 

Convém  que  a  noticia  defta  refoluçaõ 
naõ  paíTe  de  V.  Excellencia ,  por  refpeito  de 
quem  ma  notificou  ,  principalmente  ,  naÕ 
fe  me  dizendo  donde,  manou,  o  que  eu  pro- 
curei faber. 

Creado  de  V.  Excellencia. 

António  Vieyra.         CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA:     ny 

CARTA   XIX. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

ENHOR.    Naõ  poderey  dizer  a  V. 

Excellencia  que  tenho  boas  feftas  , 
pois  me  faltaõ  novas  de  V.  Excellen- 
cia ,  fem  as  quais  he  força  crefça  o  cuidado 
em  que  fempre  me  tem  a  faude  de  V.  Ex- 
cellencia nos  rigores  deíTe  lugar  ,  e  defte 
tempo.  Queira  N.  Senhor  feja  outra  a  cau- 
fa  ,  com  a  qual  mais  facilmente  me  com- 
por ey. 

Por  eftas  partes  naõ  hà  couzà  digna  de 
3relaça5  ,  mais  que  parecer  fe  tem  recolhi- 
do o  exercito  do  Minho  ,  pois  me  dizem 
em  carta  do  Porto  que  o  amigo  JoaÒ  Nu- 
nes da  Cunha  vem  ter  a  Feita  a  fua  Cafa. 
Na  mefma  carta  vem  o  paragrafo  feguin- 
<te :  Anda  aqui :  ^ue  o  Re^  de  Argel  he  Por- 
tuguez  de  junto  a  Pinhel ,  e  que  mandou  pre^ 
Isente  a  ElRey  ,  e  recommendaçoem  para  feos 
-parentes  ,  e  certa  peça  para  o  vizmho  dapor- 
4a  y  que  he  hum  Crucifixo  ,  e  que  jà  ElRey 
;  '  dera 


'n 


fté  C  AR  TA  S 

dera  dous  lugares  em  mojle^yros  a  duas  fohri- 
nhãs  do  dito.  Se  ajfirn  he  ,  parece  fe  cumpre 
a  profecia  :  Huma  porta  fe  abrirá  nurn  dos 
Reynos  Africanos  &fc.  Athequi  a  carta  ; 
em  confirmação  da  qual  conta  hum  Padre 
que  aqui  chegou  os  dias  paífados  de  Roma , 
que  he  certo  haver  no  dito  Reyno  de  Ar- 
gel hum  Portuguez  de  Pinhel  que  lá  he 
Baxâ  muito  poderofo  ,  muito  bem  quifto, 
e  de  grande  authoridade ,  e  que  he  veroíi-? 
mel ,  que  a  efte  o  levantaíTem  por  Rey ,  por 
que  confta  fer  morto  violentamente  o  Tur- 
co\,que  alli  reinava. 

E  nos  últimos  avizos  que  viera5  de  Ro- 
ma fe  efcreve  também  que  outro  filho  xle 
hum  Reydaquellas  partes,  convertido  aFè, 
íe  fará  prezentar  ao  Pontifice  ,  e  pedira 
fer  recebido  na  Companhia,  em  cujo  novi- 
ciado já  ficava  feito  Rehgiofo.  Pela  mef- 
ma  via  de  Roma  me  avizaraõ  também  de 
Lisboa  nefte  correyo  ,  que  o  exercito  da 
Turco  tinha  tomado  fette  Cidades  de  A- 
lemanha  ,  e  que  a  íitiada  era  Praga  ,  com 
que  ficava5  cortados  todos  os  foccorros  de 
Vienna  de  Auftria ,  e  o  Emperador  em  íum-^ 
ma  defconfiança.  Tudo  fe  vay  encaminhan* 

do 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     iif 

do  ao  caftigo  da  Chriftandade ,  que ,  fegun- 
do  as  profecias  ,  he  a  ultima  diípoíiçao 
das  felicidades  que  fe  efperaÕ.Tragame  Deos 
a  de  boas  novas  de  V.  Excellencia  para  que 
comece  o  anno  de  (^4.  com  taÕ  felices  prin- 
cípios, como  aV.  Excellencia  dezejo.  Cuja 
PeíToa  o  Ceo  guarde  por  muitos  annos,  co- 
mo havemos  mifter  ,  e  eu  continuamente 
lhe  peço  em  todas  as  minhas  oraçoens  e 
íâcrificios.    Coimbra  20,  de  Dezembro  de 


Capellaõ  e  menor  Creado  de  V. 
Excellencia. 


António  Vieyra. 


CAR^ 


li 


ít  : 


;8 


A  R  T  AS 


'H^. 


3  yij 


AT> 


/:\         ."\ 


emxes 


ENHOR.  Algum  privilegio  íè  hade 
tomar  â  conta  da  faude  de  S.  A.  de 
que  a  V.  Senhoria  fa5  devidos  os  pri-^ 
jneiros  parabéns,  como  taõ  intereííadoe  mâ.iá 
que  todos  no  dezejo  ^/  ^í^  ^ftimaçaõ  dellat 
GonfeíTo  a  V.  Senhoria  que  depois  de  tres 
vezes  morto  ,  e  tres  vezes  reíufcitado  nep* 
te  anno  ,  íby  tanta  a  minha  defconfiança  da 
vida^  coind  tiolíí>diaí>5defte  gi^aíxde  cuydadóí 
Bemdita  feja  a  Divina  Bondade,  que  taÕ  in-^ 
teiramente  nos  livrou  delle  ,  e  a  V.  Se-* 
nhoria  do  extremo  fentimento  em  que  a- 
companhey  ^,  e  cdníiderey  fempre  a  V.  Se- 
nhoria 5  como  quem  taõ  lembrado  eftâ  do 
afFeóto  com  que  V.  Senhoria  amava  ,  e  a- 
dorava  a  S.  A.  no  tempo  em  que  eu  podia 
ferteftemunha  delle,  que  naÕ  confidero  ho-*^ 
je  diminuido  ,  fena5  muy  crefcido  fempre, 
como  o  pede  a  razaò. 

Eu,  Senhor^  como  tenho  dito  a  V.  Se- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     t%f 

nhoria,  três  vezes  cheguey  ás  portas  da  mar- 
te nefta  minha  doença,  de  que  torney  a  ar- 
ribar ,  fóra  de  toda  a  eíperança ,  por  mercê 
de  Deos.  Sirva-fe  fua  Divina  Mageftade 
que  fejapara  ofaberfervir  5  ainda  que  pou- 
co poíIo,mal  convalecido,  e  com  receyos 
de  recahir,  porque  naõ  pode  a  minha  fra- 
queza com  a  intemperança  deftes  ares  ,  e 
com  os  rigores  defte  fegundo  cárcere  de 
Coimbra  para  onde  me  mandarão  ,  naõ  fey 
por  que  culpas.  Efta  há  fido  também  a  cauza 
<do  meo  diuturno  íilencio  ,  e  de  naõ  pro- 
curar novas  de  V.  Senhoria  por  carta ,  co- 
«íio  ainda  agora  o  naõ  fizera  ,  fe  o  Padre 
Reytor  de  Santo  Antaõ  ,  que  também  me 
iiaõ  efe  revê  há  mais  de  hum  anno  ,  por  ter- 
ípeira  peífoa  me  naõ  avizára  que  V.  Senho-? 
ria  o  determinava  fazer  ;  com  que  fuppo- 
jtiho  naõ  haverá  de  prezente  o  perigo  que 
experimentey  com  a  ultima  de  V.  Senho- 
ria que  recebi  no  Porto  ,  que  como  alhea, 
de  todo  o  myfterio  naõ  duvidey  moftrar  a 
algum  amigo,  o  qual  na  interpretação  del- 
ia devia  de  naÕ  guardar  a  íinceridade  que 
efte  honrado  nome  fignifica.  Emfim  aqui 
^ftou  ,  e  aqui  eftive  tantas  vezes  para  mor- 
Tom,  L  R  rer. 


rer,  e  entendendo  os  médicos  que  fó  a  mu* 
dança  dos  ;áres  me  podia  dar  íaiide  ,  na5 
me  quis  Conceder  eííe  favor  aquella  Pátria 
por  quem  eu  tantas  vezes  arriíquey  ávida. 
Sobre  tudo  eftimo  que  V.  Senhoria  eo 
Senhor  Marquês  ( de  quem  fempre  procuro 
líovas  por  todas  íÉl^i§á^<q(íiem^hepòíIv 

àgjaô  paílado  lempre  com  a  vida  €  laude 
ique  a  S.  Excellencia  e  a  V.  Senhoria  dez^ 
J^^companhando  ern  tOílâSí^s^tunas  deífè 
3ânnô ,  j  á  eomí^é^gdíloi,  ^áteiip^l^fentim^n- 
to  /a  diíferença  4:jté>4íêlto  b^fperimentou  a 
Caza  de  V;  Seàhèrââi:  ^v^ogandcv  íempre^u 
Pèõsí  a  x^toáe^v^í^  áugi^ríflP  tóm  a^  fe]#* 
iida^^^rj^êsy  ..nStataMlii-^^ê^o  ^aiteí^*íá[*i^ 

principaes  <:õl\imnás-  dèlte^^Ò  *tfieím     Se* 

nhc^  ■■gimrde^;^^^^!^te)^iap '«^^'^  a^ ^V^ 
ulterilgtó  íílegMs^^ífe^ boítío  á  VJ  Senho- 
ria dfeze|o^  ^i^gfcitât  i^.   d£^  Dezembro^  de 

d&  V^.  Senhoík:, 


Aníonio  Vièyra^ 


'l:~  Ú^Sti  -'Sèst    ;>/iíll.'  l>íS-.íV 

.     CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VÍEYRA.     131 


mi3 


IJK 


-U. 


D3^ 


(||v|í<É|NHQR*  Yaõ  eftas  regras ,  pois  Và 
^Senhoria  lho  confente,  acompanluar 
_  íP(ií5lMiíSenhoria  na  peregrinação  de 
Saii^afegrM  y  e  tefl:ífi car,  o  mayor  gofto  com 
=qi^rQjéieç%|2feJ^je  fofa  geimittido  ,  quem 
^sueferevé  «.q^-JD^lxi -póde^  V.  Senhoria  dar- 
Ii^r|í§rêdit%x5,goque  be  efte  o  termo  mais 
-^UmmcxêmscmiS^tfl  níiep  coração  pode- 
^idecilM^a?oe3|tJ^lW^líÇQ|n  ique^ajBa/y:e  íe 
fjgroiihe^e  ohrigadQ  â  peíToa  de  V.  Senho- 
ra; pois  na5  haveria  outra  força,  nemreJp- 
peito  humano  que  o  obrigaíTe  a  tornar  a  ver 
<<j>»Md0  depois  de  eftar  taõ  dçfengaMdoj 
€!  aborrecido  delle.  Mas  como  em  V.  Se- 
nhoria fe  quebrarão  todas  as  leys  do  meC- 
mo  mundo  ,  razaõ  era  que  fe  quebraflem 
também  todas,  para  de  mais  perto  fervir  , 
venerar  ,  e  lograr  aprezençade  V.  Senho* 
da.  Bem  fey,  que  pelo  bordo  de  V.  Senho- 
ria naõ  faz  a  nao  agoa :  e  eíle  conhecimen- 
->iA._..  R  ij  to 


to  fó  me  baila  ,  ainda  que  tudo  o  mais  íe 
perdêrai ,  para  que  a  minba  íatisfaçaõ  e 
go&o  tiSLÕ ' Jpo&jà  mais  íazer  naufrágio^ 
Tudo  o  mais  pertence  aoexterior^  e  eufá 
quizèra  viver  dos  bens  da  alma  ;  em  que 
naõ  tem  poder  o  tempo  ,  nem  jurifdiçaõa 
fd!rtuna4£*:feaie  Sv  Mageftade.que  Deos  giia^ 
É(è;'y  ainda  he  mayor  do  que  provara©  os 
íucceíTos  do  anno  paíTado :  e  em  mim  pofe 
^^íie: íèja  particular  inftituto  o;  conhecete 
l^ipmaÕ  he  rnereeioajeMímíoidezef alia  I  pofa 
qhei&bre  as^  obtigaçirónsÃde  A^aííatlo  ^  te^ 
rfio^  as  que  herdey  qdo&í  mortos  ^é  as  que 
ddvcfe: aos i vivos  i^ieiiasxqneeípero  dever  à 
tóflS^i de  SoíMa^eflras&i.^' quando  aííim  na4 
^rdadé  do  meó  affeífioí,  como  nasí^^minha^ 
tóterpretaçoens; reconhecer  hum  men^r  D-a^ 
IxieL^píe  lograr íhuma  mayor  Monarquia*! 
Bsquè/  íer^a  ^.  Senhon  meo  ,  íe  o  principio 
áfftaofeéioidade  eítiveíTe  guardado  para  o 
Senhor  Marques, como  principal  inftrumenr^ 
to  delia  ?  Eu  naõ  acho  naquelle  noffo  Profeta 
mais.  jque  hum  fó  encontro  com  os  CafteHi 
IhanoSy  que  eílaria  ainda  por  cumprir  :  mas 
êffe  de  .tanta  felicidade  ,  que  haja  deafo; 
,|pmbrar  o  mundo.  Se  efta  ultima  fentença. 
-í^u  hada 


DO  P.  AKTONIO  VIEYRA:     133 

fiadè  ter  alguma  interlocutoria  ,  ^naõ  me 
sotífta  j  fó  poderey  affirmar  que  naõ  faz 
íB^ça^délla  alguma  o  mefm©  Author.  Efta 
Kènhuma  das  razoens  ,  porque  feriaõ  de 
grande  importância  apreffarem-íe  osmeyos 
da>iucceíIaÕ.Tamoííos  Priucepes.  Nenhum 
femtiuieutôf  tepho  de  que  o  cazamento  de 
França  naõ  efteja  concluido.  Poderá  fen 
que  tenha  Deos  determinado  outra  unia5 
mais  vizinha  ^  e  de  mayor  grapdeza  ,  e 
€OBveniem€Ía.>  EnmFÊ-tanto  eftimo  a  pere4 
grinaçaõ  de  V.  Senhoria  febre  tao  repeti- 
das affiftencias  do  Gorpo  Santo,  e  me  ale- 
gra fummamente  que  a  alma  delle  tenha 
%tm  bom  goftoi  <  Emfim  Senhor  ,  naõ  he 
tempo  de  o  tomar , a  V.  Senhoria.  Aquelle 
papel  íevay fazendo,  quanto  o  permitte  a 
frieza  do  tempo  ,  e  a  fraqueza  da  faudei,; 
iBas  naõ  o  vera  o  mundo  ,  femque  Y.  Se^ 
nhoria  o  veja  ,  e  o  emende  primeiro.  A- 
quelles  documentos  em  que  fali ey  na  carta 
paífada ,  naõ  dem  cuidado  a  jV.  Senhoria  , 
porque  ainda  depois  do  Entrudo  viràÕ  ia 
tempo.:  A  obra  hade  íer  larga  y.e  jà^o^cipí:! 
meça  a  íer  ,  e  ainda  naÕ  he  obra.  Quei^ 
SoihoiC:  Marquês  me  tenha  em  lua  graça^ 
^$ã  efti- 


)  ,1 


1^4  C  A  R  T  A  S  11 

eftimo  quanto  devo  ,  e  pofto  que  em  to^ 
dos  os  meos  Ã^rificios  tenlio  particular 
cuy dado  de  o$^  oííer ecer  a  Deos  pol^  vida, 
eftado  ,  e  feiiGidade  de  Sua  Excellenciai  ,^ 
daqui  pordiante  o  farey  com  o  mayor  afr 
fedo  e  inítaacia  que  pede  aoccafiaõvPeQS 
guarde  (Z^^Yu  Senhoria  muitos ;aniias!C0©pio 
dezejo  e  havemos  miíler.  Coimbra  ^i.dt 
Janeiro  de  lóó^f^un^^^m^  tòi 

rÀii^^-  .eEou  lia  £..  ^::--  .íívsiçi  óímCT  .oiisflsa 

^oo  o  "m-JãO^  Eoouoq  oh  ■  zMÚ^qíal  no  inso^- 
,8oboi.'3b  Bí3n3iiaqx3  3  ^  ojíi^mioaiíri 


■/íllob  3lL3o;> 


5  if  ^ííTris-ifisJ:)! 


.L 


UmQft0 


1 


ti: 


lÈin 


rOEOSíHOR.  Com  grande  cuydado  eí* 


...'\ 


operava  neftçcorrey O  por  í:eritas    áó?* 

íTLâs  que  efpalhou  nefta  nUniverfidade 

o  paffado  em  muitas  cartas  deíTa  noíTa  Cor* 
te  ,  em*  que  o  ódio  ,  e  emulaça5  parece 
eftâ  hoje  mais  defaíbrado  ,  sou  ftiriofa  dcí 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA:        13  j 

ijtíeèrn  outros  tempos  :  mas  com  as  novas 
i^aV*  ^nkoria  me  fez  mereê  dar  de  ha^ 
l&^kég^dò  ò  Penhor  Marqvtès  á  Provin^ 
rciti  ,j  e  do  que  havia  difpofto  em  Montez 
líiór  y  e  com  as  mais  particularidades  que 
^tpâdre  ^.e^pOÉ  deS^  Antaõ  me  enviou,  dò 
^^^tife>affeftas  publicas  com  que  S.  Excel'- 
Jencia  entrara  e  fora  recebido  em  Évora  ^ 
fíâo  fó  ceflou  o  cuydado  ,  mas  fe  conver^- 
teò  na  mayor  alegria  e  eftimaçaô  ,  de  que 
cu  logo  n3ê€2^i©iíonifta,  pôr  ler  aííimne- 
cefla^rio.  Tanto  prevalecem  nanoíla  Pátria 
os  rumores^  contra:  iavei^dade  ,  e  asjnven- 
çoens  ou  líifpeitas  de  poucos  contra  o  co- 
nhecimento e  experiência  de  todos. 
-  |\.|  jiiftificaçoerís  do  livro  do  Beato\A~ 
mâdeo  eftimey  graiidemente  ver  pela  va- 
riedade e  incerteza  com  que  nelle  fallaõ 
os  Authores  :  e  o  melhor  qiie  tíém ,  he  èffca- 
retn  defempedidas  daquelle  fecco  /onde as 
couzas  deíke  género  coftumaõ  encalhar  ná 
nofTa  terra.  As  deS.  Frey  Gil  tomara tam- 
btójítet^loéJme  lembra  que  as  tinha  anti#- 
gainíente  hum  efparteiro  das  portas  da  Mouí* 
faria  em  hum  de  quatro  livros  deftàs  curio^ 
ádades  ^  que  elle  empreitou  agora  faz^<^*? 
".^'v  -    te 


i3<^  C  A  R  TAS 

te  annos  âo  Padre  Joa5  de  Vafconcellos^ 
quando  compunha  o  livro  da  Reftauraça5 
de  Portugal  ,  que  imprimio  com  nome  do 
Doutor  Gregório  de  Almeida. 

Por  cânaÕ  lià  couza  digna  de  relação, 
mais  que  liaver-fe  hoje  dado  principio  ás 
mezas  na  fala  dos  noíTos  eftudos  ,  onde  o 
Meftre^que  he  o  Padre  Francifco  Guedesí, 
tomou  por  problema  dos  futuros  continr 
gentes  ,  Se  havia  de  vir  ou  naô  ElRey  D. 
SebaftiaÕ  ?  e  depois  de  o  difputar  com  ap- 
plaufo  por  huma  e  outra  parte  ,  refolveo> 
que  o  verdadeiro  Encuberto  profetizado  he 
ElRey ,  que  Deos  guarde,  Dom  AfFoníb  VL 
Por  íinal  que  para  eu  o  crer  e  confeflair 
affim  y  na5  foy  neceíTario  nenhum  dos  ar4*, 
gumentos  que  ouvi  ,  porque  depois  que  obr 
iervey  as  felicidades  de  S.  Mageftade  ,  e  a 
providencia  taÕ  particular  com  que  aíliíle 
o  Ceo  a  todas  íuas  acçoens ,  eílou  inteyra-* 
jnente  perfuadido  a  iíTo.  Nem  fe  poderá 
dizer  por  mim  quemudey  aopiniaÔ  depois 
que  me  vi  a^o  remo^j  porque  efte  meo  delt 
terrq  nunca  o  tive  por  gale:  antes,  fe  naã 
fora  ta5  fogeito  às  inclemências  do  tern-» 
po  ,  o  tivera  porparaizodaterra.  Seaquetla 

^        Obra 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  f^r 
pbra  chegar  a  merecer  efte  nome,  íeràhu- 
ma  grande  prova  y-^^e  pode  fer  que  „  admira-^ 
vél  difto  que  digo. 

Como  para  ella  me  era5  heceffarios  os 
livros  ,  tomey  por  minha  conta  a  difpofi- 
çaõ  de  toda  efta  livraria  que  eftâ  hojemuy 
melhorada  na  ordem  6  concerto  que  naõ 
tinha  ,  e  fe  defcubriraõ  nella  muitos  Au^ 
thores  ,  principalmente  antigos  ,  que  naõ 
fó  eftava5  encubertos  ,rrias  perdidos  em 
tanta  confufaõ.  Hum-  official  que  aqui  tía- 
balhou  com  boa  vontade  ^  tem  o  requeri-j^ 
mténto  .do  memorial  induzo  ',qitepeça^ 
V.  Senhoria  feja  fervido  paíTar  pelos  olho^J 
e  mahdalrme  di2^er  fe  tem ' lugar,  é  que"dí^ 
ligencia  íç  deve  fa^eii^^ifiaõ  ine  culpe  ^^ 
Senhoí^ia-,  de  tanta  importunidade  ,  pG*rqu0 
mê  tenho  efta  obra  fó  por  de  charidade  y  fe¥ 
aàõ  de  obediência  ,  pois  V.  Seiihoria^fííS 
^anda  taõ  repetidamente  o  faça  affim.-'^  ^> 
r*  A  cautela  que  repreíehtou  aV.  Senhò^ 
fia  o  Padre  Reytor, tenho  por muy  conve- 
niente ao  tempo  ,e -para  que  feja  mayor^^ 
importa  que- íè  naõ  íeya  no  íbbrelcritof^ 
4iorRe  dei^V.  .Senhoria.  Guarde  JJeos  a  "\^ 
Senhoria  tantos  aíinps  para  tánç^s  ielidú 
i^;  7%^.  L  \.  S  áades 


C^a  CA  R  TA  S 

dades  como  eu  a  V.  Senhoria  dezejo.  Co-^ 

imbra  3.'de  Março  de  1664. 

Creado  de  V.  Senhoria. 
António  Vieyra. 


CARTA  XXIII. 

AT>^  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR.  Sò  nas  faudades  de  V.  Se-í* 
nhoria  creo  ,  e  fe  as  de  V*  Senhorim 
fa5  de  me  ver ,  e  as  de  outros  de  nte 
ouvir  y  as  minhas  todas  faõ  de  ver  e  ouviír 
a  V.  Senhoria  que  he  o  que  mais  dezejo 
nefta  vida.  Eu ,  Senhor ,  naÕ  preguey  a  Cin- 
za ,  nem  determino  pregar  a  vivos  ,  nem 
^  mortos  ,  porque  athe  pelos  mortos  me 
calumnia5  os  vivos ,  e  quando  padeço  tan* 
to  pelo  que  naõ  diííe  ,  naõ  me  quero  ex* 
pôr  amayores  rifcos  pelo  que  <lifler ,  e  pa* 
ra  que  V,  Senhoria  veja  quam  curiofa  he 
.wji.r.:.  ^ , ,  ■  -  --a boa 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.    t3^ 
a  boa   vontade  de   meos  calumniadoresr-^ 
nefte  mefmo  correyo  fe  mandou  informar 
certo  Miniftro  deíía  Corte  feeílivera  eu  em 
Coimbra  pela  Cinza  ,  porque  fe  aíBrmava 
em  Lisboa  que  eftava  eu  lá  efcondido  neíTe 
tempo  ,•  fe  eu  tivera  habilidade  para  feme- 
Ihantes  furtos  ,   quem   os   havia  de  faber 
primeiro  ,que  V.   Senhoria  ?  Mas  tornando 
aos  Sermoens  ^   ainda  que  naõ  poíTo  man- 
dar aV.  Senhoria  o  de  Cinza  que  naõ  hou- 
ve, poder ey  remeter  outros^e  todos ,  e  aíTim 
o  prometo  tanto  que  aiíTo   der  lugar  a  Obra 
com  que  eftou  entre  mãos  ,  a  qual  he  ne- 
ceffario  que  fe  apreíTe  ,  porque  naõ  venha 
depois  do  tempo  :   trabalho  nella  quanto 
poíTo  ,  e  mais  do  que  poíTo.  As  Profecias 
ôe  S.   Frey  Gil  eftimey  muito.   O  livro  de 
Ser  afino    de  Razis  procurey  por  terceira 
peíToa  como  avizey  a  V-  Senhoria  ,    a  ré^ 
pofta  depois  de  muitos  dias  ,   foy  que  no 
CoUegio  do  Carmo  naõ  havia  tal  livro  , 
nem  ainda  noticia  delle.  O  Padre  frey  Ifi- 
doro  da  Luz  ,  que  he  grande  meo  amigo, 
e  tomou  por  fiia  conta  eíla diligencia,  en^ 
tende  que  o  dono  do  livro  o  naõ  quis  em- 
fteftar  ,  e  tomou  efte  defvio  ,  e  como  me 

S  ij  di- 


»4i.> 


C  A  R  T  À'S 

dizem  que  compõem  fobre  o  Apocalypfe,  te- 
rá rafa5  para  o  fazer  ,  mas  ainda  haverá 
tempo  para  nos  ajudarmos  do  que  V.  Se- 
nhoria tem  mandado  vir  de  França.  A  no- 
va do  defcazamento  tem  fido  mais  aceita 
de  muitos  do  que  foy  a  do  cazamento  ,  e 
eu  entro  também  nefte  numero  ,  porque 
havendo  o  noíTo  Rey  de  cazar  còm  filha 
de  vaíTallo  ,  naõ  faltaria  huín a  lavradora 
cm  Portugal  ,  quando  o  Juiz  do  Povo  naõ 
tiveíTe  filha.  Atrevo-me  a  dizer  ifto  fó  a 
V.  Senhoria  ,  porque  me  diíTeraõ  ,  que  a-^ 
the  os  mefmos  Cazamenteyros  eraõ  defte 
parecer.  Algum  dia  o  naõ  fuy  eu  de  que  o 
Princepe  D.  Theodofio  cazaíle  em  Sabo- 
ya  y  porque  naõ  era  bem  que  o  privaíTe^ 
mos  de  liuma  taõ  grande  elperança  como 
a  de  poder  cazar  com  a  Princeza  de  Ca- 
mélia ,  e  vir  a  herdar  Efpanha  ,  pois  por 
certo  que  me  naõ  deve  menos  amor  ElRey 
que  Deos  guarde  ,  nem  lhe  efpero  ^  nem 
profetizo  menos  felicidades  ,  antes  efta  he 
■^  menor  das  íuas ,  e  que  fera  fe  as  preven- 
çoens  de  Caftella  foíTem  as  difpofiçoensde 
tudo  ifto  !  Deos  pôde  mais  que  elles  ,  ea- 
ma-nos  mais  que  à  elles  i^íe^  naõ  me  peza 

de 


DO  P.  ANTÓNIO  ViEYRA.     141 

^de  ver  ao  Senhor  Marquês  taõ  empenhado 
em  taõ  notáveis  tempos.  Deos  guarde  a 
"V.  Senhoria  eom  tanta  vida  e  felicidade 
como  a  V.  Senhoria  dezejo.  Coimbra  ulti- 
mo de  Março  de  166^, 

Creado  de  V.  Senhoria 


António  Vieyra. 

CARTA  XXIV. 

AT^.  Rodrigo  de  Menez.es. 

ENHOR.  Com  huma  firma  de  V. 

Senhoria  que  o  Padre  Reytor  de  S. 

Antaõ  me  remeteo  em  hum  feo  eP- 
crito  ,  tive  muy  alegres  Pafchoas  ,  porque 
ella  me  fegurou  do  meo  mayor  cuidado  , 
^que  he  a  laude  de  V.  Senhoria  ^  e  do  que 
inais  eftimo  depois  delia  nefte  mundo ,  que 
lie  faber  me  tem  V.  Senhoria  em  líia  gra- 
fa, Na  melma  carta  que  aquelle  meo  re* 


>*í-w. 


com-» 


i4t  C  AR  T  AS 

cõmendado  havia  de  prezentar  a  V.  Se- 
nhoria ,  fignificava  eu  a  V.  Senhoria  quam 
pouco  empenhado  eílava  nofeo  deípacho, 
mas  V.  Senhoria  pela  muita  mercê  que  em 
tudo  me  quer  fazer  ,  mede  os  favores  com 
a  fua  grandeza  ,  e  naÔ  com  o  meo  deze- 
jo  ,  porque  beijo  muitas  vezes  a  maõ  a  V. 
Senhoria.  Cá  tive  meos  rebates  como  ò 
anno  paíTado  ,  de  me  quererem  mudar  o 
degredo  para  mais  longe  nefta  occafiaô  de 
Nãos  da  índia  -  mas  na5  faõ  neceíTarias  as 
calmas  de  Guine ,  nem  as  tormentas  do  Ca- 
bo da  Boa  Efperança ,  baftaõ  os  frios  de  Co 
imbra  para  fatisfazerem  á  vontade  de  meos 
amigos.  Depois  que  entrou  Abril  ,  fe  eí^ 
friarao  notavelmente  bs  dias  ,  e  ao  meímo 
paílo  íe  atrazou  afaude  ,  mas  nem  poriíía 
levantey  a  maô  da  nolTa  Obra  ,  cujo  luc- 
ceíTo  depende  tanto  do  tempo  ,  que  pode- 
rá fer  fe  apreíTe  mais  do  que  alguns  cuy- 
daõ.  Na  livraria  delRey  hàhum  Comento 
do  Abbade  Joaquim  fobre  o  Apocalypíe  , 
que  hà  muitos  annos  fe  me  empreftou  ,  e 
agora  me  importava  muito  tornallo  a  ver, 
podendo  íer  ^  "Vi  Senhoria  me  fará  mercê 
mandallo  entregar  ao  Padre  Reytor  par^ 

que 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  143 
que  mo  remetta.  De  câ  naõ  ha  mais  no- 
vidades que  ouvirmos  fomente  os  eftron- 
dos  que  íe  publicaõ  de  exércitos  de  Caftel- 
la  fobre  Alemtejo,  ecomo  eu  vou  taõ  do- 
bradamente  empenhado  nos  bons  ííicceíTos 
daquella  Provincia,  dezejo  que  Deos  ouça 
as  minhas  oraçoens  ,  poíto  que  indignas  , 
e  as  de  meos  companheiros  que  faõ  con- 
tinuas. O  mefmo  Senhor  guarde  a  V. 
Senhoria  com  ta5  alegres  Pafchoas  como 
a  Y.  Senhoria  dezejo.  Coimbra  14  de  Abril 
de  1^54. 


Greado  de  V.  i'enhoria. 


António  Vieyra. 


CAR- 


^ 


144 


CARTAS 


CARTA  XXV. 

A1>^  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR.  Muito  fe  deteve  efta  car- 
ta de  V.  Senhoria  que  recebi  em  25, 

ferido  efcrita  aos  12.   devia  dç  fer  ^ 

caaza  a  auzeacia  do  Padre  Reytor  que  foy 
paíTar  a  fefta  à  batida  dalém  logrando  os 
privilégios  da  liberdade  ,  que  eu  lhe  naõ 
envejo  mais  que  athè  o  Loreto,  Mas  tor- 
nando â  carta  :  foy  recebida  corei  mayor 
gofto  5  porque  foy  elperada  com  mais  com- 
pridas faudades  ^  e  ella  me  trouxe  as  feftas , 
que  fem  ella  naõ  hà  outra  via  por  onde 
chegaífem  ,  e  fempre  que  me  trouxerem  taÕ 
boas  novas  de  V.  Senhoria,  e  do  Senhor  Mar- 
quês que  Deòs  guarde ,  leraÒ  para  mim  no- 
vas Pafcoas. 

Efta  minha  com  rafaõ  fe  pôde  chamar 
certidão  de  íupervivencia  ,  porque  quando 
efcrevi  a  ultima ,  ficava  jà  com  rebates  de 
grave  doença  de  que  ainda  naõ  eftou  total- 
mente livre  j  poáo  que  lhe  tenho  aplica- 
do 


DO  P.  ANTÓNIO' VIEYRA. 

do  os  remédios  negativos  com  todo  o  ri^ 
gor  y  por  me  naófogeitar  ao  dos  médicos: 
vayme  parecendo  que  efcaparey  ,  que  naõ 
íèrá  pequena  mercê  dcDeos  em  tempo  que 
os  ares  defta  Cidade  andaÕ  taô  contagio- 
los.  Morre  muita  gente  ,  fogem  todos  os 
que  podem  ;  e  ninguém  íahe  de  caza  ,  fe- 
naõ  com  os  defeafívos  de  pefte  ,  tendo-fe 
mandado  affim  com  pregoens'  públicos  ,  a 
requerimento  dos  melrnos  que  vivem  das 
noíTas  enfermidades.  Nefte  mefmo  Abril  fe 
tem  padecido  aqui  os  mais  ligoroíbs  frios 
de  Dezembro  ,  e  as  mayores  calmas  de  Ju- 
lho em  que  nos  ficamos  abrazándo  :  e  naò 
he  muito  que  com  a  intemperança  defte^ 
extremos  fejaõ  tantas  as  doenças  ,  e  taõ  a- 
gtidas  y  que  fó  nefta  freguefia  do  Salvador 
le  enterrarão  hontem  cinco  ,  fendo  huma 
das  que  fe  eftimaõ  por  mais  fadias.  Dou  m 
parabém  a  V.  Senhoria  de  fe  efcrever  nefte 
meímo  tempo  ,  que  nao  hâ  doenças  em> 
Alemtejo  ,  que  he  grande  difpofiçaÕ  para 
os  felices  fucceíTos  ,  que  aquella  Provincia 
nos  promette  efteanno  com  a  prezençado 
Senhor  Marquês. 
Na5  poffoencarecer  a  V.  Senhoria  quaaí*» 
^      h  T  to 


.14^  CA  R  T  A:S 

tó  eftimey  5  e  fe  eílimou  neíle  Collegio  a. 
reláçaõ  por  menor  do  exercito  que  S.  Ex- 
cellencia  tem  prevenido  para  efta  Campa- 
nha. FizeraÕ-fe  muitas  copias  para  hirem 
a  todos  os  CoUegios  defta  banda  ,  que  fe- 
ra5  de  grande  animo  para  todos  ,  e  tam- 
bém para  que  fe  fayba  ,  o  que  nem  todos 
publica5.  Por  eftarafaÕ  queria  eu  jà  repre-* 
zentar  a  V.  Senhoria  que  importaria  mui^: 
to,  quando  V.  Senhoria  me  faz  mercê  ef- 
crever  ,  virem  as  novas  do  que  paíTar  em 
Alcmtejo,  para  que  confte  fempre  da  ver- 
dade ,  e  para  que  tenha5  oppoíiçaõ  ,  e  fe 
mao  dè  credito  as  que  coílumaò  elpalhar 
as  pennas  dos  menos  affedos.  Mas  efpero 
que  haÕ  dê  feí  os  íticceífos  ta5  grandes,  e 
tao  .mànifeftos  que  os  na5  poífa  efcurecer 
nenhuma  enseja.  Todas  as  profecias  mo 
promettem  affim  ,  e  fome  faz  temor,  que 
entre  o  mundo  prezente  ,  e  a  gloria  quefe 
efpera  haja  algum  pmgatorio  em  meyo  , 
no  qual  fe  paguem  peccados  de  eícandalò 
publico  5  cujo  remédio  dezej ara  eu  que  to^ 
«naraõ  muito  por  íiia  conta  ,  naÕ  os  Pre- 
gadores que  dizem  em  commum  ,  fenao  os 
ConfeíTores,  os  Confelheiros  ^  e  os  amigos 

que 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  Í47 
íqnt  podem  fallar  em  particular.  NaÔ  po-í- 
íihamos  a  Deos  em  eftado  em  que  deixe 
de  nos  fazer  mercês  ,  por  na5  parecer  íq- 
■o.  —  í   ^    í 

Se  o  Sermaõ  de  Santa  Engrapia  eftivera 
em  eftado  de  fe  poder  lèr  ,  fora  com  efta, 
mas  como  a  mayor  parte  foy  por  aponta'- 
mentos  ,  he  neeeffario  informallo  de  no^ 
vo  ,  para  que  feja  o  que  era.  O  principio 
que  por  lá  anda  copiado  ,  vi  eu  antes  de 
yir  ,  mas  tem  muy  poucas  palavras  que 
concordem  com  o  original  ,  e  taes  anda5 
a^mayor  parte  dos  meos  de  miftura  com 
outros  ,  que  o  naõ  íâÕ  ^  e  tudo  íe  pôde  re- 
mediar fomente  còm  a  eftampa.  Se  Deos 
quizcr  que  affim  feja  ,  elle  dará  faude.  Por 
agora  quizera  ver  fe  poíTo  levar  ao  cabo 
ÊÍta  Obra  que  para  que  feja  obra  he  neeef- 
fario faya  atempo,  ou  antes  do  tempo.  A-* 
gora  me  retirey  a  Villa  franca  por  ordem 
dos  médicos,  e  efpero  ter  mais  horas  de  que 
prometto  a  V.  Senhoria  ,  que  naÕ  perde-* 
rey  nènhum.a  das  que  puder  aproveitar  fem 
rifco. 

Naõ  me  maíuíou  Y.  Senhoria  o  efcrito 
de  frey  Joa5  da  Silveira ,  e  fó  me  diíTe  V.  Se- 
'  T  ij  nhoria 


148  t:  A  r:t  À  s 

nhoria  que  ò  livro  eílava  no  Collegíó  dejP 
ta  Univerfidade  ,  mas  fem  nomear  o  Reli- 
giofoque  o  tinha.  A  diligencia  em  comum 
fez  o  Meftre  frey  Ifidoro  da  Luz  ,  meo  gran- 
de amigo  ,  mas  refponderaõ-lhe  como  avi- 
zey  aV;  Senhoria  ,  que  naõ  havia  no  Col- 
legio  tal  livro,  nem  noticia  de  tal  Author. 
Sobre  o  Abbade  Joaquim  efcrevi  haverá 
dous  correyos  ,  e  pofto  que  também  me  fe- 
ram  neceíTarios  os  outros  papeis  que  vi  quan- 
do V.  Senhoria  mos  mandou  a  Xabregas  , 
ainda  na5  chego  ao  lugar  aonde  elles  fer- 
vem. Os  alicerces  e  primeiras  paredes  vaÕ 
todas  fundadas  em  authoridade  Divina:  e 
pafmo  de  ver  quam  grandes,  thefomosellaõ 
efcondidos  noque  todos  trazem  entre  mãos, 
e  diante  dos  òUios.  Jl  tomara  qiie  alguma 
parte  eftivera  em  eftado  de  fe  aprezentar 
aos  ,  de  V.  Senhoria  j  mas  Deos  ajudara.  Q 
mefmp  Senhor  guarde  a  V.  Senhoria  mui^ 
tos  annos  como  d^ii^io.  Coimbra^jzS.  de 
Ahxilàc  166^,       ■■•hodn-j^  ,Y  í:.   o:*or 

Creado  de  V.  Senhoria. 


Aiitonio  Vieyra. 


CAR* 


r>0  P<  ANTÓNIO  VffiYRA.     149 

CARTA  XXVI. 

AT>.  Rodrigo  de  Menez.es. 

ENHOR.  Ainda  as  Nãos  da  índia 
na  altura  do  Cabo  verde  naõ  eftaraõ, 
e  pofto  que  nos  perdoara5  o  degre- 
do /padecemos  em  Coimbra  as  calmas  de 
Guiné  5  e  menos  mal  fora  fe  fó  fe  padece- 
rão as  calmas  ,  mas  faõ  as  doenças  taÕ  ge- 
raes  ,  e  taõ  malignas  ,  que  já  os  médicos 
lhe  mandarão  aplicar  os  defeníivos  da  pef- 
leye  falta  pouco  para  lhe  darem  o  nome  ; 
êfpero  na  Divina  bondade  que  naõ  hàde  dar 
tamanho  caftigo  a  efta  terra ,  poílo  que  baf- 
tem  fó.os  meos  peccados  para  o  merecer, 
Hias  quando  aíTim  fuccedeffe  ,  também  con- 
fio, me  hàde  dar  fua  graça  para  dedicar  a 
vida  ao  ferviço  ,  e  cura  deitas  almas  ,  co- 
mo ja  lho  tenho  oíFerecido ,  comquedarey 
por  bem  trocada  a  minha  miíTâõ.  AíTim 
que ,  Senhor ,  quando  a  reftituiçaô  de  que  V. 
Senhoria  tanto  fe  lembra  por  me  fazer  m»r- 
€ê ,  tivera  algum  lugar ,  naõ  he  o  da  tem- 


\^^fh 


r^o  C  A  R  T  AS 

po  pr^zente  ,  em  que  pôde  haver  occafia5 
de  fazer  a  Deos,que  tanto  nos  merece,  al- 
gum particular  íerviço. 

As  novas  que  V.  Senhoria  me  faz  mer- 
cê dar  do  Senhor  Marquês  que  Deos  guar- 
de ,  eftimo  fempre  igualmente  e  agora  mui- 
to mais  pela  circunftancia  do  tempo  em  que 
himos  entrando.  O  inimigo  como  Author  , 
fahirá  primeiro  ,  e  Nos  obfervaremos  feo$ 
défignios  fegundo  as  leys  da  guerra  defeníi- 
va^mas  ofucceffo  da  Campanha  coníifte  ria 
viétoria ,  e  efta  hâde  fer  daquelle  a  quem  Deos 
aquizer  dar  ,  e  hade  querer  dalla  a  quem 
a  tiver  promettido.  E  certo ,  que  fe  naõ  ú^ 
vera  tanta  confiança  nas  fuás  promeíTas  , 
naõ  fey  fe  me  defconfiaraõ  os  noíTos  mere- 
cimentos ;  mas  Deos  pôde  primeiro  caftigar 
aos  culpados  ,  e  depois  fazer  os  cafti^ados 
vidoriofos  :  permitta  V.  Senhoria  eftesre- 
ceos  ao  meo  amor  ,  que  quem  ama  muito, 
teme  tudo. 

O  meo  recomendado  do  perdão ,  tardou 
em  me  avizar  da  mercê  que  recebera  deV. 
Senhoria  ,  pela  qual  torno  a  beijar  amaõ  a 
V.  Senhoria  muitas  v^ezes.  Vim  de  Villar 
franca  ao  Cõllegia  afliílir  a  huns  ados  j 

pafla^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  n  j 
paífados  elles,  fe  Deos  der  vida,  faço  con- 
ta de  voltar ,  porque  naõ  perde  nada  na  mu- 
dança aquella  06ra  de  V.  Senhoria.  Deos 
guarde  a  V.  Senhoria  muitos  annos  como 
dezejo.  Coimbra  j  de  Mayo  de  1664., 

Creado  de  V.  Senhoria. 
António  Vieyra. 


€ARTA  XXVII. 

^T>.  Rodrigo  de  Menez.es ^-^ 

ENHOR.  O  cuidado  com  que  eípe- 
ro  novas  da  faude  de  V.  Senhoria  ^ 
particularmente  depois  que  íe  efcre- 
ve  ^  que  também  Lisboa  naõ  eftâ  fadia  , 
merece  toda  a  mercê  que  V.  Senhoria  me 
faz  ,  pofto  que  quando  olho  para  a  minha 
indignidade,  conheço  quam  devedor  fica 
íempre  o  meo  coração  ao  exceíTo  com  que 
V.  Senhoria  me  honra  ,•  efpero  na  bon,da- 
.^^^^^-^-^  de 


de  Divina  me  hade  dar  vida  ,  e  tempo  em 
que  moftre  a  V.  Senhoria ,  que ,  ainda  que 
íou indigno  de  tanto  favor,  naÕfou  ingra- 
to a  elle. 

As  doenças  do  CoUegio  eftaõ  paradas , 
e  o  mefmo  fe  diz  da  Cidade ,  na5  fey  fe  por 
eftar  defpovoada ,  porque  todos  os  que  po- 
derão ,  fugirão  delia.  Agora  vam  os  dias  ma- 
is frelcos,  ejá  Mayo  parece  Mayo  ,  queira 
Deos  levantar  hum  taõ  grande  caíligo ,  e 
reduzir  á  ordem  natural  eílascauzas  fegun- 
das  que  faõ  os  inftrumentos  de  íiia  juftiça* 

Efta  Villa  franca  eftâ  feita  a  caza  da 
faude  5  e  todos  os  convalecentes  que  fe  paf- 
fa5  a  ella ,  experimentaõ  melhoria ,  eu  vou 
continuando  na  minha  mediocridade  íem 
perder  as  horas  que  Deos  me  dà  de  mayor 
alento  ,  entendendo  que  o  mefmo  Senhor 
as  haverá  por  bem  empregadas  ,  e  que  fó 
para  lhe  poder  fazer  efte  fervi ço ,  me  con- 
íervou  a  vida  j  taÕ  unida  eftâ  em  tudo  a 
íiia  gloria  com  as  noíTas  felicidades!  E  ver-^ 
dadeiramente  ,  Senhor  ,  que  quando  con- 
íidero  no  mefmo  que  vou  efcrevendo  (que 
athegora  faõ  Efcritturas ,  e  promeíTas  Divi- 
nas) aífim  como  por  huma  parte  me  aíTombra 

o  que 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     lyj 
ò  que  Deos  quer  fazer  em  Nôs  ,  aflim  por 
outra  me  admira  igualmente  o  pouco  que 
os  Portuguezes  fazemos  por  rnerecer  eítas 
mifericordias.  Efta  he   a  rafao  que  me  faz 
temer  que  antes  da  felicidade  que  fe  eípe- 
ra  ,  venha  algum  caftigo  que  fe  naõ  teme , 
e  que  fe  execute  em  nôs  aquella  que  V.  Se- 
nhoria chama  dura  Ley ,  de  padecer  o  com- 
mum  pelos  peccados  dos  particulares.  To- 
do o  Portuguez   que  n.a5  procura   fer  San- 
to y   naõ  merece  que  Deos  o  guarde  para 
as  felicidades   que   tem  promettido  ,   e  de 
que  cedo  hâde  meter  de  poíTe  a  Portugal. 
As  novas  de  Caílella  fao  quaes  pode- 
inos  dezejar  ,   fe  fao  verdadeiras.  Eu  con- 
feflb  a  V.  Senhoria  que  naõ  fey  tomar  pê 
jQrellas  ,   porque  fe  he  certo  o  grande  nu-^ 
mero  que   dizem  tem  o  inimigo  de  caval- 
laria  ,  parece  que  a  naõ  fez  ,  nem  fuften- 
ta  fem  fim.   Por   outra  parte  o  tempo  de 
fahir  á  campanha ,  principalmente  em  an- 
Jio  taõ  fecco ,  parece ,  que  vay  paíTando.  Se 
o  inimigo  tiveíTe  poder  maritimo  ,  diíTera 
eu  fem  duvida,  queefperava  por  Junho  par 
-rá  navegar   com  ]  galês  os  mares   da  noíTa 
cofta  ,♦  mas  difto  naõ  ouço  fallar  ,  e  aflim 
i,-!Iim,  /,  y  me 


m 


IJ4  C  A  R  T  ÀS"  "^I 

me  tem  em  grande  ííifpenfaÕ  efte  aníio ,  ò 
qual  há  muito  me  promette ,  ou  muita  guer- 
ra 3  ou  nenhuma  guerra  j  e  fempre  terey 
por  melhor  efte  fegundo  ,•  mas  naõ  poflo 
naÕ  me  inclinar  a  que  havemos  de  terhu- 
ma  grande  vidoria :  e  que  feria  íè  foíTe  em 
Lisboa  ?  Muitos  difparates  faÕ  eftes  para 
efcritos  ,  mas  que  fará  quem  naÕ  pôde  en- 
cobrir nada  do  feo coração  aV.  Senhoria? 
A  carta  do  Senhor  Marques  que  Deos  guar- 
de 5  li  com  os  extremos  de  gofto  com 
que  eftimo  todas  ascouzas  de  S.  Excellen- 
cia.  Quererá  Noflo  Senhor  que  os  íucceíTos 
reípondâõ   ás  dilpofiçoens.    As   Liftas  fol- 

f;ârey  de  ver ,  e  laõ  muy  boas  todas  aquel- 
as addiçoens  para  os  que  naÕ  fabem  fazer 
conceito  da§  defpezas  de  hum  exercito. 
Oh  quem  poderá  faliar  de  perto  com  V. 
Senhoria  t  mas  naõ  quero  ,  nem  devo  fa- 
&er  lenaÕ  o  que  Deos  quer.  O  mefmo  Se- 
nhor guarde  a  V.  Senhoria  com  a  vida  e 
faude  que  dezejo  ,  nem  he  neceflario  de- 
sejar mais.  Villa  Franca  15?.  de  Mayo  de 
1(^64. 

O  Memorial  inclufo  he  de  hum  Padre 

amigo  meo , irmaõ  do  pretendente:  mas  o 

*  meo 


j 


í  :  mi 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYKA.     tjj 

meo  empenho  lie  que  fe  faça  juftiça  ,  e  o 
que  for  mayor  ferviço  de  Deos  ,  como  Vw 
§ejtthoria  faz  em  tudo.  ' 

Creado  de  V.  Senhoria. 
António  VieyraV 


T 


eARTAXXVIII. 

A^D.  Rodrigo  de  Menezes. 


ENHOR.  As  cartas  de  V.  Senhoria 
íaõ  todas,  quando  chegaô,  o  único  al- 
livio ,  aflim  como  antes  de  chegarem, 
o  único  cuidado  do  meo  coração  ,  o  qual 
tenho  fempre  dividido  em  Lisboa  t  Alem- 
tejo  ,  efperando  as  novas  que  me  trazem 
com  a  lufpenfa5  que  cauza  o  tempo  ta5 
occaíionado  para  os  receos  Ha  íaude  ,  e  t;a5 
próximo  aos  fucceffos  e  accidentes  díi 
guerra.  Mas  efta  que  recebi  de^.  Senh<è 
ria^efcrita  em  17.  de  Mayo,  com  a  do  Sé^ 
"  y  ij  nhor 


nhor 'Marques  que  Déós  guarde ,  de  que  elíá^ 
pela  exceííiva  mercê  que  V.  Senhoria'  me' 
faz  5  veyo  a  companhâda,  naô'  fò  fora5  para 
mim  o  coftumado   allivio   e   confolaçaÕ  , 
mas  para  toda  efta  grande  Comunidade  do 
Gollegio  de  Coimbra   (que  na  verdade  he 
a  Corte   da  Gompanhia)   hum   alento,   e 
huma  alegria  geral,amayor  que  eu  nunca 
nelle  vi.   Todos  amaõ  extraordinariamen- 
te a  cenfervaçaÕ   do  Reyno  ,   e  todos  tem 
muy  particular  affeéto   a  peííba  do  Senhor 
Marquês  como  a  principal  columna  delle ; 
e  .como  a  mercê  que  V'.  Senhoria  me  faz 
lie  taõ  grande  ,  e  tao  publica  ,  que  fe  na5 
pôde  encobrir,  todos  pr òcuraÕ  faber  de  mim 
'^'certeza .  do  .éftado  do  noíTò  exercitoj,  <íe 
que:  pôr  todais  as  outras  vias  fe  efcreve  com 
grande  variedade  ,   e  pouco  fundamento; 
Eu  IheS:  comunico  o  que  fe  pôde  cÔmuni-. 
oar  ^  e  guardo  fó  para  mim  o  que  convém 
refervar  ,  icm  que  fou  muy  acautelado  ye 
efcrupulofo  c  e  o  meímo  faço  eiii  algumas, 
copias  qtie^nrVio  ao  Padre  Provincial,  com^ 
quem. :  tenho    eft^a    correfpondencia»  i  ii^oi^ 
4jvi?$lrí,anda  '  vifitando  a  Proyincia.    -Aílíni; 
que  em  toda  aCQmpatihia  deíla  banda  he 

nota-! 


DO  P.^  ANTÓNIO  VIEYRA;     lyr 

áótàVel  ò  áppláufó  comqtie  ellas  novas  Ía5 
recebidas',  efodàella  goza  a  mercê  que  Y* 
Senhoria  me  faz  y  pela  qual  na5  tenho  eu 
cabedal^  de  palavras  com  que  dar  aV.  Se- 
nhoria as  devidas  graças,  as  quaes' remet- 
to  todas  ao  filencio  do  coraçaÕ ,  que  V.  Se- 
nhoria taõ  bem  conhece. 
f  O  difcurfo  que  V.  Senhoria  faz  fobre 
a  rnayor  e  mais  útil  operação  que  podem. 
fâ:^er  efte  anno  as  noílas  armas  ,  tomara 
eu  r ver.  confultado  a  ElRey  por  todos  feos 
Gonfelheiros  de  Guerra ,  e  decretado  ,  e  fir- 
jnado  por  S,  Mageftade:  e  feno  Concelho 
^^e  Eftremôs  fe  refolver  aílim  ,  entenderey 
que  tempos  a  Deps  muito  da  noíía  parte  , 
pois  nos  infpira  ,  os -mais  feguros  meyos  da 
çoníervaçaQ^^fjife  lainda  os  de  mayor  gloria 
e  reputação  do  Reyno.  Que  mayor  credi- 
to pôde  dezejar  Portugal,  quedizer-fe  nas; 
Naçóens  eftrangeiras  ,  que  tendo  Caftella 
ajiintado  e  unido  todo  o  feo  poder  ,  foy 
taõ  íuperior  o  noffo  ,  que  fe  naõ  atreveoa 
úhir  em  campanha  ?  e  que  mayor  utilida- 
de t>ie  feUcidade  para  o  publico  e  partiçu^ 
lar  do  Rcyno  j.que conlervallo  em  taes  cir- 
cunílancias  fem  pender  hum  homem  ,  nem 


'>ís^lV:Ji4    ; 


158  C  A  R  T  AS  I 

hum  cav alio  ,  nem  derramar  huma  gótta 
de  fangue  ,  que  íempre  na  caza  onde  fal* 
ta  ,  faz  trifte  avidoria  por  muy  ventajofa 
que  feja  ?  e  que  mayor  ventura  ,  nem  vi-j 
ótoria,  que  confeguir  os  effeitos  delia  fcm 
os  rifcos  de  huma  batalha  ,  nem  os  danos 
da  guerra  ?  Emfim ,  Senhor ,  eu  tomara  ver 
efte  difcurfo  de  V.  Senhoria  impreflb  com 
letras  de  ouro  y  e  que  faUáraõ  pelo  eftilo 
deile  os  do  noíTo  difgraçado  Mercúrio  tàS 
pouco  ponderado  no  que  diz,  como  no  que 
naõ  diz.  Elle  he  de  opinia5  que  façamos 
alguma  couza  :  e  pudera  coníiderar ,  como 
faõ  lido  y  nos  exemplos  de  Fábio  Máximo^ 
que  hà  òC(c:afi<|ens;  etíi  qiífeSô  .imôfeffaíziíÉP 
coníifte  tudoíísl  ^e  que  os  conlèlhos  dos 
grandes  Generaes  fe  nâ5  deípre^zem:  e  qu# 
os  rumores  do  vulgo  ,  nem  íâÕ  grandes  y 
íiem  fa5  confelhps.  O  nolTó  exercito ,  gra- 
ças a  Deos  ,  e  ao  Senhor  Marquês,  he  o 
mayor  que  vi  o'  Portugal  ,  e  que  excede 
o  credito  de  quanto  efte  ãnnò  fe  efpera- 
va.  Os  intentos  do  inimigo  ^  fe  nâõ  tem  po- 
der maritimo ,  como  |)âíêcê  que  naÔ  tem  j^ 
naõ  póíTô  atinar  quâés  fèja5  ,  hàveádo-tó 
empenhado  tanto ,  faivõ  fe  g  nóvò  Gover- 
nador 


DO  P.  ÃNTÒNlO  VffiYRA.     IJ9 

nador  das  armas  .Marcim  ,  como  me  diíTe 
õ  Dezembargador  Duarte  Ribeyro  lho  ou- 
vira em  França  ,  quer  praticar  o  feo  di- 
d:ame  de  nos  cançar  com  levas  e  defpezas, 
para  nos  vencer  fem  batalhas.  Se  aífimfor 
nôs  aceitaremos  o  partido. 
^9^€:0ni  o  Padre  Meftre  Frey  Ifidoro ,  de- 
púiê  <!«€  V.  Senhoria  me  mandou  a  ííia  car- 
ta ^comuniquey  alguns  pontos  daquella 
Cferâ  ^  e  eftiiti^y  muito  a  approvaçaõ  do  feo 
l^atecer  y  como  de  tantas  letras /e  juizo. 
Para  quando  voltar  ,  avizarey  a  V.  Se^- 
nhoria  de  alguns  papeis  que  podem  vir  por 
íua  via  3  que  ainda  agora  me  naõ  faõ  ta5 
átceflarios.  Deos  guarde  a  V.  Senhoria 
itmitos  antes  \>  e  me  traga  fcmpretaõboas 
novas  de  V.  Senhoria  ^  e  do  Senhor  Mar- 
quês, como  dezejo,  e  havemos  mifter.Co-í- 
imbra  i6.  de  Mayo  de  166^,  :/ 

Creado  de  V.  Senhoria. 


António  Vieyra. 


CAR- 


t6o     .AJít-C  A  R  TAS  / 

CARTA  XXI^. 

jdT>. Rodrigo  deM 

ENHOR.  Muito  rico  chegou  efte  ul- 
timo eorreyo  de  Mayo ,  e  muito  cqr-- 
^,^^^  tas  efperanças  nos  da  de  haver  de  ler 
o  anna  mais  fértil  na  campanha  ,  do  que 
tem  fido  nos  campos.  Gom  grandiíTimo  apr 
plaufo  li  a  todos  as  novas  de  Alem  tejo^ 
€  foy  neceíTario  lellas  muitas  vezes  ,  fem"" 
pre  com  dobrado  gofto  m^ò  y  porque  ote-^ 
nho  do  que  leo  ,  e  do  que  ouço  ,  que  fa5 
graças  aDeos,  e  vivas  ao  Seahor-Marquèsi 
que  elle  guarde.  Nunca  tal  poder  vio  Por^ 
tugal  ^  nem  tal  difpofiçaõ  ,  nem  tal  con* 
curfo  de  couzas,  nem  taõ  m^nifeftos  favof 
res  do  Ceo  ,  e  diligenciados ,  como  V.  Se- 
nhoria pondera, por  noíTos  próprios  inimi-' 
gos.  Com  que  podemos  dizer  ,  que  naõfó 
nos  foccorre  Inglaterra  ,  e  França  ,  mas 
também  Caftella.Qu©rér4o  mefino  Senhor, 
Author  de  todas  eftas  felicidades ,  dar  iguaes 
fins  a  taõ  notáveis  princípios. 

Ao 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     i^í 

Ao  Senhor   Marquês  bejo  mil  vezes  á 
maõ  pela  lembrança  que  tem  defte  feo  me- 
nor çreado  ,  e  grande  áiercê  que  rtie  faz  : 
naõ  dou  as  graças  particularmente  a  Suã 
Excellencia  pela  razaõ  do  tempo  ,   e  por 
todas  as  que  a  V.  Senhoria  faõ  prezentes :. 
mas  todas  as  letras  daquellas  regras  pago 
4  vifta   nos  facrificios   de  cada  dia  ,   com 
qijer  acompanho   as  oraçoens   geraes  /que 
t«o dos  fazemos   ,    em  que  o  meo   coração 
vay  taõ  empenhado   na  utilidade  e  felici-*^ 
dade  commum   de  toda   a  caza  de  V.  Se-í^t 
nhoria.  Crea  V.  Senhoria  do  meo  aíFeóto,^ 
que  fó  pelo  gofto  defte  motivo  emprendê-* 
ara  de  muito  boa  vontade  o  trabalho  com 
queJido  do  defcobrimento  das  noflas  efpe- 
ranças  ,  e  felicidades  ,   das  quaes  naÕ  pòn 
4e  deixar  de  caber  a  mayor  parte  á  caza 
de  V.  Senhoria  ,  pois  Deos  a  tem  tomado 
pelo  primeiro  e  principal  inftrumento  del- 
ias.   Cada  hora  fe  me  vaÕ  defcobrindo  ma^ 
yores  ,  e  mais  feguros  fundamentos  ,  para 
cuja  eftabilidade  ,   como  jâ  outras  vezes 
íignifiquey  a  V.  Senhoria,  o  que  fobre  tu* 
do  fe  deve  dezejar   nos  inftrumentosi,  iffií 
eauzas  fegundas^he  humildade  e  mais  humil 


X 


dade  ^ 


i6i  .A  C  A  K  T  AS  0(i 
dade,  confiança  emais  confiança  em  Deos> 
e  hum  profundo  e  verdadeiro  conlíecimen-' 
to  y  que  da  fua  maÕ  vem  e  hade  vir  tú^ 
do  ,•  e  certo  que  naÕ  há  para  mim  mayor 
confolaçaõ  que  ler  em  todas  as  cartas  de 
y.  Senhoria,  como  V.  Senhoria  refere  tu- 
do à  Divina  mifericordia.    - 

O  roteiro  do  Abbade  Joaquim  ,  ainda 
nos  naõ  faz  falta  na  altura  em  que  himos  :- 
elle  fez  outro  livro  dos  Pontifeces  ,  em  que 
fe  vem  as  fuás  imagens  eftampadas  comhu- 
ma  infcripçaÕ  breve  em  que  fe  defcobrem 
Qs  myfterios  de  cada  huma  :  e  porque  a  do 
Papa  prezente  tem  couzas  muy  notáveis  , 
e  que  grandemente  conduzem  ao  intento , 
eftimàra  eu  muito  vello  ,  pofto  que  jà  ô  li 
e-m  Roma.,  Aqui  teve  hum  livro  deftes  o 
Reytor  Saldanha,  que  naõ  poíTo- defcobrir: 
no  Reyno  deve  de  haver  outros. 
-bS.fMagefl:áde  haverá  jà  reíbluto  aquel-^ 
les  vbtos.  O  do  Senhor  Marquês  hè  ,  quat 
devia  fer  ,♦  mas  eu  me  na5  deípego  ainda  do 
de  V.  Senhoria ,  porque ,  quando  menos,  he 
o  mais  feguro.  Cá  me  mandarão  hum  cè-^' 
meta  com  duas  meyas  Luas  no  meyo  ,  que 
dizem  appareceo  em  Alemanha  em  12.  de 

Janei-; 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     i% 

Janeiro.  Sirva-fe  V.  Senhoria  de  mç  dizer^ 
íc  he  couza  certa  ,  e  de  que  fe  poíTa  fazer 
fundamento.  Se  lâ  eftâ  o  Ceo  irado ,  cá  eftâ 
propicio.  Deos  que  tanta  mercê  nos  faz, 
guarde  a  V.  Senhoria  muitos  annos  como 
dezejo.  Vílla  Franca  2.  de  Junho  de  1(^(54^ 

»         C  reado  de  ^*rSenhoria.       ^ 
António  Vieyra. 


"-t^fc»;    J>f  ^fT^^í  Hf  l/>'^     í>^<r 


^T>. 


o 


■([?p|.;|-f?5 


ENHOR.  As  cartâS  de  que  V.  Se-^ 
nhoria  me  fez  mercê  efta  íemana ,  fi- 
zer aõ  no  meo  animo  os  eíFeitos  que 
fempre  ,  e  mayores ,  fe  o  podem  fer  ^  por- 
que os  fayores  de  V.  Senhoria  fempre  faõ 
aYantajados.  Daqui  pordiante  as  eíperarey 
fçma-a  meíraa  anseia ,  mas  cpm  mayor  cuyr» 
^fecií^i  X  rj  dado. 


i64  CA  R  TA  S        >^ 

dado  ,  pois  temos  ao  Senhor  Marquês  que 
Deos  guarde  ,  e  o  noíTo  exercito  em  cam- 
panha ^  com  huma  refoluçaÕ  em  que  os  in- 
convenientes faÕ   taõ  conhecidos  ,   o  rifco 
taõ  certo  ,   e  a  utilidade   nenhuma. :  Qual 
neíla  matéria  feja  o  mço  parecer  ^  tenho  jâ 
manifeftado  a  V.  Senhoria  :  e  também  V. 
Senhoria  veria  que  me  naõ  deci  delle  ,  de- 
pois dei^êr  a  primeira  propofta  de  Alem- 
^^jo  ,  e  todas  luas  razoens  ,  que  faõ  todas 
as  que  fe  podem  confiderar  pela  parte  con- 
traria.  Achara5-fe  nefta  Quinta  a  femana 
paíTada  alguns  Religiofos  muito  bem  en- 
tendidos ,   e  como   em  Coirnbra .  tudo  faõ 
sdiíputas  5   na  quarta  feira  à^nòyte  emí<que 
fe  eíperavaÕ  as  cartas  do  correyo  j  íe  dif- 
putou  a  queftaõ  ,  Se  cpnvinha  ,'ou  n^õ,  fahir 
})0f*hoír0  "exército  ,   e  foy  eouza  para  mim 
sriíaravilhoía  ,   e  poucas  vezes  vifta  ,   que 
todos  concordaíTem  em  que  naõ  convinha 
fahir  ,   fendo  que  os  votos  dos  Religioíbs 
Ía5  ordinariamente  os  mais  arrojados.  Che- 
garão emfim   pela  manhaa  as  cartas  ,  e 
moftrando-lhe  eu  a  fegunda  propofta ,  foy 
grandiflimo  o  applaulb  que  fe  fez  à  todas  a$ 
razoens  delia  ,  e  triunfavaõ  todos  grande- 

men- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       i(5j 

metite  com  a  fua  opinião  ,  pofto  que  na5 
havia  de  quem  triunfar,  por  fer,  como  di- 
go, de  todos.  No  correyo  do  Minho  tive 
carta  de  peffoa  que  tem  as  melhores  intel- 
licencias  ,  em  que  me  dizia  que  fabia  de 
certo  que  o  intento  do  inimigo  era  cançar- 
nos  ,  e  quebrantar-nos  efte  veráõ  ,  para 
depois  nos  entrar  com  todo  o  poder  ,  o  qual 
Hâ^;  ajuntando  fecretamente  de  todas  as 
partes  ,  e  que  a  efte  fim  tinha  junto  o  Con- 
de de  Caftrilho  grande  fomma  de  dinheiro 
de  moeda  nova  ^  e  fabbado  tivemos  carta 
de  Évora  de  30.  do  paíTado  ,  em  que  hum 
Padre  defta  Provincia  que  acompanha  o 
Conde  de  S.  Joaõ  diz  como  o  exercito  era 
mandado  fahir ,  e  pedia  o  encommendaíTem 
ínuíto  â  Deos  ,  porque  fahia  contra  aopi- 
á^ífáaBí ,  :e  brados  de  todos.  O  que  eu  eftimo 
muito  ,  he  que  o  Senhor  Marquês  tenha 
feito  a  fegunda  propofta  ,  porque ,  como  S. 
Excellencia  diz  ,  quem  diz  o  que  entende, 
cfaz  o  que  lhe  mandão  ,  naõ  hemais  obri- 

fado.  O  reparo  das  aíliftencias  do  Francez 
b  muy  galante  :  folguey  de  ver  o  concei- 
to que  V.  Senhoria  faz  dosfeos  intentos  nos 
ibccorros  que  nos  dá  porApiftos.  Muycer- 
q^ij.i^:  to 


tSó  cartas 

to   eftou  que  nps  naõ  háde  ver  no  eftado 
que  prefume*    Mas  he  laftima  que  poíTaõ 
tanto  com  nofco  os  feos  refpeitos  ,   quan- 
do elles  fa5  deíla   calidade.   Por  outra  via 
tive  noticia  ,  que  o  mefmo  Francez  fazia 
huma    poderofa  companhia  para  a  índia 
Oriental,  em  que  o  Rey  entrava  comqua* 
tro  milhoens  ,   e  fazia  notáveis  partidos  a 
todos  os  que  meteíTem  nella  feos  cabedaesj 
Muy  dijfferentemente  dizem  eftas  pretençõe^ 
cem   aquelloutros  penfamentos.    Mas  naõ 
hade  querer  quem  nos  deo  as  Gonquiftas  ^ 
que  fejaõ  ellas  roupa  de  Francezes.  Oh  quò- 
grande  couza  fora  contentarmo-nos  contl 
a  vidor ia  ^  do  i  nimigo  fe  ntó  atrever  a  fahi^ 
em  campanha  com  nofco  ,>.iÉbrtificarmo;?* 
no$  ,  e  eíperar  com  o  noíTo  exercito  intei^r 
re^i  í^  e  receber  nefta  rodela  a  eftocada  ^i 
quê  fó  affim  naõ  podia  fer  penetrante.  Em- 
fim ,  Senhor ,  o  meo  coração  naÕ  fe  pôde  a- 
partar  hum  ponto  do  parecer  de  V.  Se- 
nhoria ,  pofto  que  o  na5  fey  explicar  com 
tal  evidencia  •  eme  admiro  muito  que  ou^ 
viíTc  a  V.  Senhoria  Miniftro  grande  aquel- 
le  difcurfo  ,  e  na5  fe  rendeíte  a  elle.  Eii^f 
me  tenho  refoluto  a  que  he  vontade  ^  ou  per-*, . 

miflaõ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     i6r 

tnilTaò  Divina  ,  que  o  noíTo  exercito  faya 
a  pezar  dos  juizos  humanos.  O  eíFeito  mos- 
trara quaes  faõ  os  fins  defta  íua  Providen- 
cia. E  porque  efta  hade  chegar  a  V.  Se- 
nhoria jà  depois  do  Corpo  de  Deos  ,  digo 
á  V.vSenhoria  que  hum  Mathematico  de 
boa  vida  ,  fciencia  ,  e  muito  amigo  do 
Reyno  ,  diz  que  ameaçaÕ  as  eftrellas  na- 
quelle  dia  a  Portugal  hum  calo  fatal.  Naò 
duvido  que  o  Santiflimo  Sacramento  feja 
muy  ofFendido  nefte  Reyno,  mas  em  nen- 
hum da  Chriftandade  he  mais  venerado  , 
nem  fervido  :  poderá  fer  ,  que  feja  a  fata- 
lidade (  fe  tem  algum  fundamento  )  amef- 
ma  fahida  á;  campanha  5  com  ta5  pouco 
fim  e  utilidade  ,  como  fe  confidera.  Atre- 
vome  a  fallar  aífim  ,  porque  fallo  com  V. 
Senhoria.  Deos  fabe  ,  e  pode  mais  que  os 
homens  ,  e  anda  taÕ  zelofo  de  fiias  mife- 
ricordias  ,  que  por  todas  as  vias  quer  que 
conheçamos  que  faõ  fiias.  Por  momentos 
efperamos  muy  boas  novas. O  Senhor  dos  ex- 
ércitos a  quem  offerecemos  todas  noíTas 
oraçoens  e  facrificios ,  no  las  mande  quaes 
havemos  mifter  /  e  a  V.  Senhoria  giiarda 
muitos  aanos  para  may ores  felicidadcs^  co-* 
>*^^"'-      -^  -        ^  mo 


ia  CARTAS 

Madezejo  Villa  Franca  9.   de  Junho  de 
1664. 

Creado  de  V.  Senhoria. 
,  António  Vieyra. 


CARTA  XXXI. 

AT).  Rodrigo  de  Menez.es. 

ENHOR,  Muito  me  mortifica  Deos, 
e  na  parte  e  tempo  mais  fenfivel  f 
feja  elle  por  tudo  louvado.  No  cor* 
reyo  paííado  naÕ  pude  efcrever  a  V.  Se-* 
nnoria  ,  nem  agora  opoflo  fazer  mais.  que 
eftas  duas  regras  de  maõ  alhea  ,  porque 
vindo  de  Villa  Franca  a  efte  CoUegio  em 
dia  de  Corpus  ,  naquella  mefma  tarde  me 
deo  huma  grande  febre  ,  e  depois  huma 
grande  eryfipela,  cujainflammaça5  e  força 
amainou  com  féis  fangriás  ,  mas  ficou  c» 
vay  continuando  em  febre  knta  com  creC4 
cimentos  do  todas  as  tardes  na  ineímafòr-« 


DO  p:  ANTÓNIO  VIEYRA.     i<$^: 

ma  do  anno  paíTado  ,  que  muito  me  mo-: 
leílaõ  e  enfraquecem.  Entramos  em  Eftioy 
que  naÕ  he  bom  tempo  para  curas  ,  masi 
julga  o  Doutor  Sanfins  que  heneçeíTarioí 
applicar  alguns  .medicamentos  ,  e  affim  oi 
começa  a  fazer.  Deos  ,  qiie  he  o  verdadeiro 
medico,  dará  o  que  forlervidoi  No  meímo, 
dia  defte  meo  aecidente  recebei -a  nova  de? 
V.  Senhoria  haver  livrado  do  da  pedra r^ 
que  foy  e  he  para  mim  o  mayor  allivio  ^í 
pois  eftimo  e  devo  eftimar  a  faude  de  V^r 
Senhoriamuito  mais  que  a  própria.  n> 

A  mercê  que  me  faz  o  Senhor  Mar-^ 
quês  que  Deos  guarde  ,  e  o  aífedo  de  que 
Ibu  devedor  a  S.  Excellencia,  conheço  mui«, 
to  bem  •   c  fe  eu  fora  digno  de  que  Deos 
ouvira  minhas  praçoens;  ^   também  V.  Se-*; 
nhoria  conhecera  nos  effeitos  que  ,naõ  he 
meo  animo  defagradecido  ,  eque  fabemeo 
coração  dezejar  ,   ainda  que  na5  ppíTa  fa-; 
tisfazer.  Naõ  pojlo  agora  ofiFerecer  mais  fa-*! 
crifi cios  que;  os, da  penitencia  j   pofto  que 
íãõ  muitos  ^  *çr  qontinuos  ,   e  com  grandc> 
aíFefto  os  que  nefte  Goikgiofe  falsem  a  Deos. 
pdo  bom  luceefloi  de  nonas  armas  ,  eiíiçu^^^ 
p  Bliddade  íj^onfidero  ^a.^^  Senhoreia :igiíir^ 
'^  h  L  Y  almente 


Si 


i/à"? 


I70T    ,hÃ'm:Awmw^ 

mo  pelo  particular,    (^eíra^  Noffo  Seáfioií 

dar-nos  muito  que  feftejar  com  èíle  dobra-s^ 

ào  gbfto.  O  meo  GoráçâÔ  eò  mé©  }uizofift 

naó  aparta  hum  ponto  do  á^WMotííox^á^^ 

e  âffim  efpêío  as  íiovas  coní  t^ktò  ályoro-^ 

çOjComo  fufto. Quando  vejo  ós  meyos  que  fe 

emprendem  ,  pâreceme  que  tkâmô»s  os  ò-^ 

lhos  do  fim  ,  e  de  todos  os  fins.  Se  quere-^ 

mos  honra  e- Credito  com  o  mundo  ,  qub 

mayòr  credito  ,  que  nao  íè  atrever  o  ini* 

migo  a  pelejar  com  o  noffo  exercito  ?  e  fé 

cjuêremós  utilidade   e  conveniências  ,  que 

^âíyoi^  utilidade    que  íCõníervar  o-  metoí|^ 

elército  ,  e  á  iiofe  cavallaria  inteira  9-e 

áefender  a  Provincia  ^eá  campanha ,  eos 

frutos  delia  em  tal  annõ^^v  e  accreícentaé* 

íègurançâ  para  a  futuro  com  fortificar  os 

poftos  d^  mayor  importância  ?  Tudo  ifto  fe 

arriíca  ,  e  fe  pôde  perder  em  qualquer  au-» 

zenclà  donóíTo  exercito,  e  na  diftanciade 

Valença  na5  fe  repre^entaõ  menos  rifcos 

<jue  íiòutras  emprezas.  Emfim,  Senhor,quan- 

docoíitrà  todas  eftas  razoens  confidero  â; 

réfoluçaõ  que  íê  mandou  tomar  ^  na5  poílb 

I  deixaf  d^  entender  ,  que  hâ  dehãixo  delia 

b  I  V    alguns 


-r^-t 


DO  p;  ANTÓNIO  VIEYRA. 
algum  intento  particular  da  Providencia 
Divina  ,  que  o  tempo  nos  moftrarâ  qual 
íèja  :  e  para  todo  o  íucceíTo  éftimo  gran* 
demente  que  o  Senhor  Marquês  tenha  hu-^ 
ma  e  outra  ve^  declarado  íeo  parecer  ytjue 
também  íe  aviza  hc  o  de  todo  o  exercito. 
A  carta  de  Madrid  ajuda  muito  o  peii- 
iamento  de  Vv  ■Senhoria ,  e  me  admira  ^ue 
ós  noiTo^  Conrelheiros  façaÕ  taÕ  pouca  po  n- 
■deraçaõ  daquicUas  noticias  ,  que  naõ  faÔ 
jpara  defprezar.  A  rdiaçao  imp^rfa  êm  Se* 
vilha  folguéy  e  folgarão  muito  tod<>s  dê 
ver:  fica  guardada  com  os  mais  papeis.  As 
profecias  do  Abbade  Joaquim  naÕ  vieraS 
ainda.  Os  Ana^rammas  etudo  ornais  defte 
género,  eílimarey  ^  e  cèrto^que  he  grande 
á; mortificação  :com  que  mé  "Tejo  atalhado^ 
porque  hia  a  Obra  vento  em  popa  y  d<:à* 
da  TÊZ  Fe  defcobriaõ  mayores^y^-e^mais  fir-* 
íite^  elpèranças  y  mas  ainda  âisfíaõ  perco  , 
dê  que  Deo5  me  náoháde  rtiatar  antes  de 
chegar  ao  porto  dézejàd^.  I>eòs  guarde  á 
V.  Senhoria  muitos  annos  caiiio  de^ejo^ 
Ciâí#)ra  ij  de  Jútiho  de  t^4>.  oLoj  oié'n 
5b  mt)d  rnereadó^dè  V^  Senhtóaí  ?i^^^i  ^ 
ãM.rii!j^--shwr-^  ^■Antonici-'Viéyra.  -  -^'^^-r  . 

m^--^^-  y  ij  CAR- 


rT 


"-^iií^vi  oíiií"ii"j.  Oirj'j'jiii  o  ij^Ktjhii^';  'j 


p  ç  i-X? '^  ,i.i  *| 


>/#'. 


'•/"^í    n    rivirrt   'M*' 


r"  ^ '  f  •  ;■■"•'■- rfí 


íENHORv  Niinca  tanto  dezejey  po- 
i  dér  eíçrevej:  ^  e/imiita ^largamente  á 
V.  Senhoria  como  nlella  òccaíiaõ  da 
Iriétoria  do  Senhor  Marques  que  D eos  guar^ 
4,€,Ki!^uja  nova'  chegou  a  efta  Cidade  prit 
tóeifO;  que  as  cartas  de  V.  Senhoria  ,  efby 
jielktaõ  feftejada  ecelebiada,  como  afeita 
|:idade  do  fueceffo  >  é  ^a  ifnpórtancià '  da 
Jífaça  merece.!  Gom  asiCârtas>;dê  V^<  SeáJbó^ 
fl^  ?  Ibuhemos^  ^s  cirçunfta;iicias  ',„  }e  auth Qti*' 
dade  idas-capxÊulâçoeriS  quf  'Éom  ^Ivoroç® 
íg  elperavaÕ ,  c  fe  renovou  ^eaccrèícentoà 
com  ellas  a  alegria  de  tudo  fé  concluir  com 
grande  credito  djeíioílas  armas  ^  e  menos 
íêputaçaõ  do  poder  contrario.  For  tudo  íè-r 
|a5  dadas  muitas  graças  a  Deos  ,  a  quem 
çt, Senhor  Marques  com  mayor  gloria  fiia 
refere  todo  oiouvor :  çlie  pagara^  eftegráil4 
de  ferviçoj  que  tanto  rèdunda<  ean  bem  de 
toda  a  ÇJiriftandade  y  na  moeda  que  cof^ 


tuma 


a 


DO  P.  ANTÓNIO  XTIEYRa:    173 

tuma  ,  e  com  as  ventagens  que  merece  , 
as  quaes  nunca  igualara  a  Pátria  ,  que  por 
natureza  he  ta5  envejõfa  ,  e  taõ  ingrata. 

*^   De  mim  naõ  poíío  dar  as  novas  que  V. 

Senhoria  dezejay  como  j a  naõ  pude  no  cor- 

reyo  paíTado  ,   por  èftar  então  recahido  , 

-como  ainda    fico  ,   cada  vez   mais   pene- 

^trado   e  mais  quebrantado,  do  mal  ,  poílQ 

!que  iQS  médicos  o  na5  conhecem  ,  e  mea- 

íiimaõyque  he  o  mefmo  caminho  por  onde 

isp^ianno  paíTado  me  levar a5  ta5  perto  das 

fportas  da  fepultura.   Alguns  medicamentos 

me.  applicaraõ  efta  femana ,  com  que  fe  nao 

j^emediou,  antes  íe  dobrou  a  doença,*  e  eír 

te  he  <^  qftado  em  que  fico ,  fempre  aofer- 

^iç<)  de  V.  Senhoria  com  o  mefmo   cora^ 

i|^^6-,  rogàn<|o  a  noíTo  Senhor  guarde  aV> 

Senhoria  muitos  annos^  e  ao  Senhor  Mar- 

qiiès  com  a  vida  e  faude  que  o  Reyno  hà 

fjiifte;^  y  e  çpm  as  felicidades  ,   e  augmenr 

t;©^  de  eftado  ,  que  eu  a  toda  aCaza  de  V. 

Senhoria  ,  como  o  mais  aíFeiçoado  creado 

d^llaj.dezejo.  Coimbra  7  de  Julho  de  166^, 

X)  ■  ■••{  .  .4AntomQ  Vieyr;^,  .^ri^irj-í 

..*»:ífe&ií.V'-  CAR-" 


:  Cf  A'K  T^  s 


ÃT^.  Rodrigo  de  Menez^es^ 

'£NHOR.  Naõ  fey  coiií  que  heyde 
pagar  a  V.  Senhoria  o- cnydado  que 
_  V.  Senhoria  tem  deftá  liiinhá;  tâ5 
cançada  faude  ,  fena5  cóm  dezejar  muito 
larga  vida  para  a  empregar  toda  no  ferviço 
de  V.  Senhoria,  a  que  há  tantos  annoseftâ 
dedicada  ^  mas  por  jnais  que  íejà  b  tein>- 
po  ,  e  as  occaíioeíis  que  èlle  pode  oíFeré* 
cer  \  nunca  eu  poder e^  fatisfazer  á  menof 
parte  das  obrigaçoens  tao  multiplicada^ 
com  que  V.  Senhoria  todos  os' dias  me  em- 
penha e  cativa  de  novo.  Aceite  V.  Se^ 
nhoria  efta  confiflaõ  e  conhecimento  que 
acompanhará  perpetuaníéatet  miííha  alma 
ainda  depois  da  vida. 

No  correyo  paíTado  fiz  avizar  ao  Pa** 
drè  Reytor  do  -eftado  op  que  ficava ,  para- 
que  a  V.  Senhoria  fi^ffe  prezente  a  cauza , 
porque  Eaõ  pude  èfcmer.  Foy  terrivel  o 

ac* 


DO  P.  a\NTONIO  VIEYRA.     1^5 

acciâétitè  qte  naqiajellé  dia  padeci  comi  j^ 
mudança  do  Coliegio  para  Villa  Franca  ; 
mas  quis  Deos  que  paíTafle  ,  e  fico  em  pè 
com  efpedianças  de  mellioria.  Tem-me  re- 
ceitado agora  os  banhos  do  Mondego  ;  ,^ex- 
perinrentarey  fe  me  he  mais  favorável  a  a- 
goa  de  Coimbra  ,  do  que  o  tem  fido  o  ar, 
e  a  terra  ?  e  quando  o  na5  feja  ,  refolver- 
meKéyqíietetilio  contra  inim  todo  os  e- 
lententos  ,  mas  confiDrmaíirtebey  com  a 
voíitade  do  Senhor  delles  ,  que  íaõ  as  ar- 
Uias  com  que  fó  os  poíTo  vencer. 

Hontem  fe  publicou  aqui  hum  bem  novo 
fiicceffo  de  Alemtejo  ,  de  que  dou  a  Y-  Se- 
:  a  oí  imrabem ^   Pare ce  que  and aÕ  as 


felicidades  encadeadas  iji^e^inaõ  fby  peque- 
%a)^t#  de  Caftel-Rodrigo  ,  com  que  os  Cafte- 
lhanos  queriaÕ  deíquitar  ,  ainda  que  ta5 
defigualmente ,  a  perda  de  Valença.  Por  to- 
da a  parte  Íba5  os  eccos  do  muito  que 
Hie  tem  doido.  Com  grande  alvoroço  ef- 
peramos  todos  a  copia  da  carta  de  Madrid , 
e  euas  de  V.  Senhoria fempre  com  amefina 
ância ,  como  quem  recebo  nellas  o  alento  e 
alimento  de  que  vivo.  Guarde  Deos  a  V^ 
Sedhòria  muitos  aiii^os  como  dezejo  e  har 
^^í  vemos 


mmf 


xy6  C  A  R  T  IVS.q  Od 

vemos  mifter  Villa.  Franca  ii  de  Julho  de. 


Criado  de.  ¥rfSe}il^ 

António  Vieyra^ 


TT-',.  /  Í.W 


*:\-\'. 


A  T>'  Hodrtgo  de  Menezes i^ 

ENHOR.  A  pena  que  recebo  comcií 
cuydado  que  dá  a  V.  Senhoria  a  mi^- 
nhafaude,  he  igual  à  eftimaça5  que 
delia  faço  ,  de  que  muitas  vezes  dezejey; 
dar  a  V.  Senhoria  as  graças  ,  mas  nuncéí 
fey  ,  nem  o  poderey  fazer  baftantemente,. 
A  melhoria,  de  que  jà  dey  conta  a  V.  Se^ 
nhoria  ,  vay  continuando  ,  pofto  que  len-' 
tamente ,  fentindo  muito  naõ  me  dar  lugac 
à  continuação  daquella  Obra  ,.  que  depois? 
que  V.  Senhoria  a  tem  recebido  debaixo 
da  íiia  protecção,  a.coíifidero  como  couza 
-de  V.  Senhoria  ,  e  a  .quizera  ver  jà  muita 

adian- 


DO  P.  QVNTOMQ  VÍEYRA;     Ítt 

^áíântada  V  e  qiie  naã  fe  the  ai^tecipafle  a 
tempo.  Muito  concordaõ  com  elle  toáas  as 
diípoííçoens  de  Caftella  ,  fe  vierem  a  fer 
çòmo  fe  dèfcreveitt  na  earta  de  Madrid  que 
muito  folguey  ver  ,  e  fó  CQmuni(juey  del- 
ia o  que  naõ  pôde  fazer  dano,  com  todas 
as  cautelas  neceíTarias.  Do  novo  íiiçceílo 
que  o  Senhor  Marquês ,  que  Deos  guarde,  te- 
ve no  comboy  de  Arronches ,  dey  jà  a  V» 
Senhoria  o  parabém ,  e  agora  o  dou  de  to- 
dos ôs  outros,  que  todos  5  aílím  os  gráncfes, 
como  os  pequenos ,  faÕ  muito  para  eftimar, 
por  fe  acreícentar  com  ellcs  a  moíTa  cavai- 
feria  5  €  fe  diminuir  a  do  inimigo  ',  quehe 
©  que  mais  havemos  mifter  ,  e  por  fe  co- 
nhecer em  todos  díes  quam  viâroriofos ,  e 
«quám  briozos  andao  os  ânimos  dos  noflbs 
Soldados  ,  e  quam  quebrados  os  dos  CaCi 
tcíhanos.  Tudo  faõ  eíFeitos  da  Frovidcn* 
cia  ,  e  Mifericordia  de  Deos  ,  que  aíTim 
vay  dilpondo  nefta  efcola  ooíTas  armas  pa^ 
ia;  mayores  viótorias  e  felicidades,  Huma 
4e  V.  Senhoria  me  contarão ,  naõ  hàmuí» 
tos  dias ,  da  qual  eu  nunca  duvidey  ,  mas 
cftiniey  muitoÍHiíiJvcertificarem^me  delia*, 
©eos  guarde  a^^  Senhoria  muitos  annoi^ 
'^^íBmn  L  'Zi^  como 


i7t  CA  R  T  AS 

como  dezejo  e  havemos  mifter.  Villa  Fran4 

ca  i8  de  Julho  de  16(^4. 

Capellao  e  menor  Creado  de  Vé 
Senhoria. 

António  Vieyra.     ^^ 


CARTA  XXXV. 

j^  T>.  Rodrigo  de  Menezeú 

ENHOR.  Naõ  fey  como  hajaõ  fal** 
tado  tanto  a  V.  Senhoria  as  minhaS' 

cartas  ,  porque  em  todos  os  correyos 

últimos  tenho  efcrito,  e  fó  o  deixey  defa- 
:çer  quando  a  força  da  doença  foy  tanta  , 
que  nem  para  ditar  duas  regras  me  dava, 
lugar :  que  V.  Senhoria  o  tenna  fempre  na 
meyo  de  tantas  etaõ  grandes  occupaçoens,3 
he  cotifuzaõ  minha  e  mercê  que  nunca po-í' 
deiè^í ,  nem  faberey  gratificar  ao  aíFedo 
«âe  V.  Seohoxia  ,  como  ella  merece  ,  e  eit 

tan- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     179 

tantas  vezes  tenho  confeíTado.  Athegcn-a. 

fuppunha  a  V.  Senhoria  morador  de  Lis* 

boa  ,  mas  a  vivenda  da  quinta  me  faz  fau- 

dades  da   noíla  de  Enxobregas  ,  onde  he 

certo ,  que  com  taõ  boa  vizinhança  fe  con^ 

valeceria  agora  melhor  ,  que  na  de  Villa 

franca.  Mas  fegundo  fe  multiplicaõ  e  aggra- 

vaõ  os  defterros  neftes  dias,  na5  hà  inno^ 

ccncia  ta5  fegura  que  fe  atreva   a  lhe  paf- 

far  por  penfamento  tal  efperança  ;   com 

Deos  dar  faude,  em  qualquer  parte  que  fe- 

ja ,  nos  contentaremos.  Os  caniculares  por 

cà  naò  fó  vaõ  frefcos  ,  mas  chuvofos  ,  e 

fe  efta  irregularidade  do  tempo  na5  cauzar 

alguma  alteração  nos  corpos  ,   parece  què 

fe  fahirà  do  vera5  mais  fadiamentc  do  que 

entramos  na  primavera.    O  que  importa  , 

€  o  que  eu  íbbretudo  dezejo  ,   he  que  V. 

Senhoria,  e  o  Senhor  Marques  que  Deos 

guarde  logrem  a  faude  que  tanto  havemos 

mifter.  ^ 

O  memorial  íncluzo  he  da  peíToa  que 

V.   Senhoria  deve  muy  bem  conhecer  j  .e 

hoje  partio  para  eíía  Corte  :   a  defpofada 

he  Irmãa  de  huâi  Religiofo  defte  CoUe- 

gio  ,  a  quem  eu  devo  grandes  obrigaçoens 


r  aflfedo  ,  Q  íâbe  die  e  ols  Mais  ,  qué 
o  'láap)  cabedal  ke  m  &^m  de  V.  S&títe^iai 
M^i  csàa  em  qcfô  jèftfejaô  ptb^idoís  ^^  luga-^ 
3^s  Aí  Porco  ^  como  já  fe  diz  y  pertendeiai 
43e5ca  lem  !£âi:(èf ckik)  y  ie  í  á  *píiftci|>aí  mercê 
jqràeHqaarem  peça  ^  a  V.  Sêuíiíoíia ,  hc  <jíie 
^  fta  ;p^i%a)5  díqa  prôpofta^  ^o  Fâçí)  ^  dê  tal 
fBoáo)  que  poílaièr  Címíiiltadà  ,  íi  ifta  hé 
«ôuzâ  poáS^^ ,  em  todo  o  fâfoí ^  que  V*  Se^ 
BÍioria  lhes  fiss^ ,  á9  tecebeftey  íeu  rniif  pàM^ 
tíciílar  ,  e 


VvSeahofia  taõ  repeti 
que  oDmo  a  aierce  que  Vi 
Senhoiria  me  fej^hç  tao  grande  ^  e  ta5  pu-í» 
feáijca;^  cn^aõ ;  me  poífo  Ehrrat  ide  dar  a  Vv 
Senhxma  eftas  míQleílías;^  Fica  eíperãtido  a»* 
quielle  papel  ^e  ainda  íeiu  alento  parapo^* 
der  idar  -penimda^na  ©jatro  ^  icomqiie  aigunt^ 
dia ,  íe  Dcios,  for  fertidó  ,  poderey  dar  a  V^ 
SemiloiDia  algigjpa  fcora  de  entretenimento  / 
cmmt)  agora:  doií  tantas  de  en&do..  Guarde 
Deos  a  V.  Senhoria  muitos  annos  comod©* 
^ep.jOdémbEa  3  de  Agofta  de  i6á4J^     '^^ 

■^Capeíia&^  menor  G^èadb  ^T^S^nlioria.:  ^ 

!'.',       ■     ♦*'    <  -'^         >  ■'.  .'fl  :.  r  ."-.•■  •.  ■        i  •        ■  •'.'• 

.;.<        .•:-■._  ^  is  *•      ^;         ,  .  .  .  í  ■■  V,  .'.  i  -     /  •'  •-     ■■  •■• 

Àntonio^íevrá;. 


4 


car:; 


DO  p.  mwTjomo  vieyra:  iti 


í*^r!^ 


^■'- 


MV^ 


eííezes. 


ENMOIL  Achome  nefte  corrcyo  fem 
carta  de  V.  Senhoiia,  mas  tiaõ  fem  as 
noisras  que  aella  principalmente  efpe- 
câv^  j  poi^qpe  mas  deo  o  Padre  Reytor ,  com 
<]iie  ííco  ii-yíre  do  cuidado  qne  me  pudera 
^câuzar  efta  falta,  Canferve  NoíTo  Senliojr 
íempre  a  Y.  Senhoria,  afaude  que  para  tan- 
gias occúpáçoens  ,e  de  tanto:  íeo  íeiviço  ke 
^tecelTària.  Ror  Icà  lepáíla  geralmente  com 
çonca^ ::  e  to  cclypfe  deftes  caniculares  tem 
i^íafado  com  os  mefeias  effeitos  do  doan?- 
ÍJ0  pâíTado  5  com  qfue  naõ  lie  menos  o  te^ 
iporu  ÍÍ0S  écm&  dias  de  hontem  ,  e  antc-- 
li ontem  ie  enterr:ara0  na  Cidade  onze  pefr 
ífdas  5  que  para  tempo  de  ferias  jbe  baftaa-* 
tt  mumtWí.  Ba  ^co  uc&^  Villa  Franca  ©nK 
^igtjEjjretiriio  hs  idã  genítt,)  q  ndò  do  clima^ 
e  affim  MC  t3*ata  em  liutina  ^  e  >outra  parte 
com  pouiCía  dií&rença*  Ji  diífe  a  V.  Senho- 
ria, qi^  te^òbcab&iaortificaçaQ  para  mim 
t£40     ^  •  ver  ■ 


^x      ^        C  A  R  T  AS 

ver  correr  o  tempo  ,  e  temer  que  fe  ante- 
cipem os  íucceflbs  â  efperança ,  e  ao  gofto  de 
os  ver  primeiro  efcritos  ;   e  pofto  que  ai* 
gumas  vezes  arremetti  à  continuação  daquel-» 
ie  papel  ,   he  taõ  pouco  o  alento  que  na5 
pôde  acompanhar  o  dezejo  :  fe  fora  maté- 
ria capas  de  fe  encommendar  a  terceiro  , 
já  o  tivera  feito ,  mas  nem  ella^o  he ,  nem 
•defta  banda  tenho  encontrado  peffoa  ,  de 
cujo  talento  fe  poíTa  fiar  efta  empreza  :  a^ 
inda  dando-fe-lhe  a  matéria  junta  e  di& 
pofta  :  emfim  fe  Deos  quizer  que  fe  faça  ^ 
^Ue  dará  faude  ,  e  fe  a  der  efte  anno  ^  è 
tios  principios  do  que  vem  ,   ainda  vira  a 
€empo.  Por  cà  fe  falia  em  liberdade  de  con^ 
ciência  em  Inglaterra  ^í«|í:  Cortes  em  Maf 
drid.   Sirva-íe  V.  Senhoria  de  me  mandai^ 
dizer  fe  tem  ifto  fundamento ,  e  fe  nos  na-^ 
vios    de  Itália  vieraô    algumas  novas    da 
Guerra  do  Turco  ,  porque  dosfeos  lucceiP* 
fos  depende  grande  parte  da  conjedura  dos 
tempos.  Guarde  Deos  a  V.  Senhoria  mui^ 
tos  annos  como  dezejo,  e  hayemosmifteri 
Villa  Franca  ii  de  Agofto  de  1664. 
Creado  de  V.  Senhoria. 
i  António  Vieyra.     r  í^í 

CÂR- 


D  O  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     i  g  3 


yf- 


ICARTA  XXXYII, 

yíT).  Rodrigo  de  Mèmzes. 

ENHOR.  Parte  o  correyo  ,  'e  por 
me  haverem  tomado  impenfadamen^ 
te  todo  o  dia ,  na5  tenho  tempo  mais 
<que  para  dizer ,  recebi  a  de  V..  Senhoria ,  e 
coma  fatisfaçaõ  dos  meos  dous  cuy dados, 
que  he  a  faude  de  V.  Senhoria  e  do  Senhói: 
Marquês  que  Deos  guarde  ,  cuja  conferva- 
çaõ  entendo  eu  pertence  muito  á  Provi- 
dencia Divina  no  meyo  de  tantas  e  ta5 
grandes  occupaçoens  dà  guerra  eda  Repu- 
blica y  e  todas  de  taÕ  particular  ferviço  leo. 
Da  minha  faude  naÕ  poíTo  dar  ainda  a  V* 
Senhoria  asnovas  que  V.  Senhoria  dezeja; 
mas  fe  continuar  com  o  alento  com  que 
mé  tenho  achado  eftes  dias  ,  farey  delia 
mais  conta  ,  do  que  cuydava  nos  paíTados. 
Emfim  Deos  qui  morúficat  vivlficat  ,  e  em 
cujas  mãos  a  tenho  pofto  com  dezejo  fo- 
mente de  a  empregar  em  feo  ferviço ,  a  da- 
rá perfeita  quando  for  fervido:  e  fera  bom 

que 


Té 


%t4  C  AW^n^.'$  ''  :'-1 

que  feja  muito  larga  para  chegar  alguma 
hora  em  que  as  minhas  fauâades  teiihaõ  p 
âllivio  que  o  tempo  e  líias  variedrades  lhe 
ya5  tanto  alongando'.  Se  V.  Senhoria  lhe 
thama  infofríveis  ,  eu  prometto  a  V.  Se* 
nhoria  que  tenho  muito  menos  paciência 
e  que  efta  eftiirera  de  todo  acabada.  Si 
mn  haberemmfolaúofanãos  Libros.  O  do  Ab- 
bade  Joaquim  efpero  com  alvoroço.  Guarifj 
de  Dèos  a  V.  Senhoria  muitos  annos  com# 
dlezejo  e  havemos  mifter,  Coiníbra  j ^  d^ 
Agofto  de  1^4» 

Capellaó  e  tmnm  Çreado  de  ¥^ 
Senhoriat 


António  Vieyra. 


CAR-í 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA. 


'■*Sf 


CARTA  XXXVIII. 

,A  T>.  Rodrigo  de  Menezes, 

ENHOR:  Todas  as  cartas  de  V.  Se- 
nhoria faÒ  para  mim  de  igual  con-* 
tentamento  ,  e  fe  em  algumas  íe  pô* 
de  coníiderar  mayor ,  he  nas  mais  largas  , 
como  eíla  que  ultimamente  recebi  ,  por- 
que beijo  a  V.  Senhoria  a  ma5. 

O  meo  aíFedo  ,  e  cuidado  merece  aa 
Senhor  Marques  queDeos  guarde,  a  mercê 
que  me  faz ,  e  lembrança  que  de  mim  tem. 
A  quietação  das  fronteiras  de  Alemtejohe 
a  coroa  dos  bons  íucceíTos  de  Sua  Excel-* 
lencia  pela  femelhança  que  tem  de  paz  , 
que  eu  entendo  deve  fer  fempre  mais  de- 
ízejada  ,  que  as  mayores  viâiorias,  A  pon-t 
deraçaõ  com  que  V.  Senhoria  as  confide-^ 
i*a  {jor  obras  puramente  da  maõ  de  Deos^ 
mercê  grande  fora  ííia  ,  que  eftivera,  muy 
impreíTa  no  conhecimento  de  todos  par^ 
que  nos  naÕ  fizeíTe-mos  indignos  da  côa-» 
tinuaçaõ  delle^^  .g;  certo  que  quando  Ii  na 
A^.^m,  L  Aa  de 


li 


de  V.  Senhoria  a  razão  de  não  Êaver  im^ 
retífefeâtó  tíy>i^f  que  gflii^áfri  itó 
fitiôs",  ^  me  mipHmiò  éM  rerdkcteí^áí 
coração ,  çottío  íe  íbra  fê ,  ou  évidentra^^í^ 
O  que  me  contarão  dç^.  ?  SenhòrM 
na5  foy  huma^  fena5  rriuitas^  (Mmm  pfct^ 
quê  ^ao  pêrco^^u  oocafiâo^  b^  la^  díivil  ^"^ 
procurar  como  quefti  vay  taõ  intereíladd 
itb  gofto  deliam.  Muito  deves  Y*  Senhoria  â 

Pí|Os  ;  porque  inaiõhe  condição  diehonien^J 
esaíèitoi  í^ènos^  'úé  Fcâítugiíéiseb  haver  pei|' 
íba  f^  mais^itiírtaAnho^luigares  dequejÉ 
lodos  y  e  em  íudo  dígao  Bem.  Muito  pc^ 
déroíaiha  ^^cMiSj^iy^&ék-^ 
«ês-miiagféíccímá  eife.aMp-ab  .odimm^^t-' 
^^D  p^pa:rabem  quáijártiçularrteme  áeym 
^íaSârthõria  era  de  me  haverem  dkó  [e 
dj^pois  fcme  confirmou  por  outras  vias :| 
que  V.  ^Senhoria  itinha  o  primeiro  lugaí  ^ 
emuiio  grande  na  graça  do  Corpo  Santo  ^ 
e  pofto  que  os  que  na5  padecem  tempes- 
tades vneceíílta5  menos  do  favor  da  San- 
TelmO-^u)nd^  a  devoção  fica  mais  calife? 
éMi  por  devoção  ,  he  também  mais  co- 
nhecida a  graça  por  graça  :  O  certo  hie 
^ue  os  Santos  ainda  os  da  primeira  Hierârr» 
r.  quia 


DO  P,  ANTÓNIO  VIEYRA.  "ttr 
.qiia  i  nao  deixaõ  de  fer  homeçis  ,  e  ainda 
qp^!jeu  muiim  ^i^e  ittgar  de  lhe  rezar  nem 
MmaÂve  MARIA  ,eftíma  muito  que  te-* 
nha  taõ  bom  gofto  ,  e  que  íejaõ  tao  acer- 
tadas fuás  eleiçoens ,  fó  efte  allivio  confide- 
3Eft}í^Q  mMÍÂít  trabalho  das  occupaçoens  de 
V.  Senhoria  que  verdadeirameate  faõ  gran- 
des ,  e  moleíf as  c  nao  pouco  occaíionadas 
a  diffabores  _,  e  mais  nas  circunftancias  do 
iQmpocprêzeâítfiA  Grande  prova  he  do  que 
p^uc^fj  h^{  dísk  ,  naõ  haver  algum  deza* 
feiçoado  que  íêi  quiz^eíle  ^  aproveitar  da  oc* 
45afia5  contra  :!tE,  cSeiihoria  ,  pois  na5  hi 
«nocencia  i3quíe  eft^a  Jêguka  de  hum  falfo 
teftemunho,  de  que.íSfle  Senhoria  com  mui*- 
taYSàzâÕ  dá  grtiças  á  Divina  bondade,  co^ 
jnb  eu  lhas  tenho  dado,  fe  bem  entre  mui* 
pt^^jiovasíquê  por  cá  fe:  eípalhàraõ  ;  nun- 
ca entre  ellas  íè  ouvio  o  nome  de  V.  Se- 
nhoria, fendo  muito  raros  aquelles  a  quem 
guardou  efte  refpeito  a  primeira  fama. 

V  O  Padre  Reitor  me  avizou  do  livro  do 
Abbade  Joaquim  que  virá  na  ptimeira  oc- 
cafiaÕ  ,  o  outro  papel  folguey  muito  de 
ver  pelo  que  tem  de  curioíb  e  naõ  fe  lhe 
pôde  negar  ,  ao  menos  nas  primeiras  ad- 

Aa  ij  ver- 


I  l:i 


vertencias  ,  que  faõ  notáveis  os  myfterios 
que  nellas  fe  defcobrem  ,  e  ^iie ,  íupoftos  os 
outros  fundamentos  defta  efperançà  ,  tem 
grande  femelhança  de  verdade.  O  que  Ro- 
que Monteiro  diflíe  {  que  íupponho  devM 
fer  a  feo  Pay  ]  foy  a  repofta  que  eu  lhe 
dey  de  palavra  a  algumas  Gôúzasiíquê  itíe 
mandou  dizer  e  perguntar  fobre  noticias 
antigas  ,  que  já  em  Lisboa  tinhamos  pra?^ 
tieado  muito  dij0ferentesí-  naieíperança  y^ê 
Í10S  fcndaáiíeotos  deitudí)  soiíqae  depois  fê 
íby  deícobrinxloj  eomroâBÍludoii,  ^  com  o 
tempo  ,  que  hei  af<jiâ>ra  qt^fe^  eftà  relervada 
■■|iira'íVJ^:.;Senh.oil3rfiímenf^        park^ic^iníà 

Sq  íepultâr  para  íempaie^  -^/A  MmsW^xs^^ 
íeo  temp«3  ,  £e  Hoílb Penhor  der  d  íaudei 
e  mi  ©ípáço  que  para  ella  he  neceílariicb 
^mrdéjDtos  a  V.  Senhoria  muitos  anno$ 
como  dèzejoe  havemos  mifter.  Coimbrf 
2j.  de  Agoílo  de  id(l4.  í]. 

jpapellao  I  nienor  C^ 

Senhqriâl  ^^ 

António  Vieyra. 
:"^  -  CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA     1 89 


M.  1^^  Rodrigo  de  Menezes, 

ENHOR  :  Ainda  que  faltem  os  na- 
vios de  fora  ,  fempre  V.  Senhoria 
_  me  dà  as  novas  que  mais  me  impor- 
$aç  ^çciimais  me  ailiviaã^  íejaÕ  íempreafr 
#m?i^çqufe  eurn^  dbuipdr  áatisfeito  :  ás  ^te 
®iais  naõ  ,mtí:daõ  tanto  cuidado  ,  porquê 
#|ílr:Cff|y^@■  '0^1  eíperoi^^íOE  Bèi,  ;■  je;.. nao'  pôde 
|)eios  íútm  as  fesi fíromefes  ^i  depois  quq 
Mntas  faiiéíiáàs,  Wositemí/dask)  3d  áa#?iirem 
condicionam  dBor  vm^  dof  Portotíeíafli^u^- 
í-aQ  de  Madrid  3  le  Paris  todas  as  que  po^ 
-éiemosí  dezejar  que  naõ  repito  a.^p.j^Senfio*' 
wài  f  ^porque  entendo  h averaõ  >lá  citegadè 
as  mefmas.  Alfim  Deos  fe  tem  dèciarado 
por  nôs,  e  contra  Caílella  ,  a  qual  me  faz 
já  laftima  ,  e  íepôde  entender  que  vay  ca- 
minhando com  paíTos  muy  apreííados  á  fua 
ultima  ruina  ,  e  que  aquella  Monarquia  íe 
acaba  para  Deos  levantar  outra.  DelTa  Ci- 
dade me  mandou  o  papel  induzo  huma 
-    -  peí^ 


^'il 


peflba  que  eu  tenho  por  digna  de  todo  0 
credito  ,  e  j  ètiaõ  lon^  àé  Goiínbí^^  mie 
tinha  cõmunieadonoutro^  de^  igual  òpiniàõ^ 
quaíi  o  mefmo.  Nenhum  dçfteSteftemu- 
nhos  ,  nem  ambos  juntos  baftáriâõ   a  peí*« 
luadir  a  minha  incredulidade^^  JHf  s^C(wnp 
confrontaõ  com  outros  quaeii  eftimiD  por  de 
verdade  provada  ,   naõ  poflb  deixar  de  ef- 
perar  que  a  tenha5  ,   ainda  que  feo&  Au* 
thorés  íe  hajaô^  enganado.?- Xamt>eirío0aie 
confta  que  ellesnos  na5  enganaò  ,  ao  ibêb 
nos  efte  que  meremeteo  o  papel.  Beos  he 
Senhor  dos  íeos  fegredos;-i;3  e  podeos  c5^ 
municaa:  y.-.e'f&my^:sqB&mí fbriifèrvído*^  ííoè 
aqui  paffoi^  /hufaiopTííioróiíÁfídcà  #0rtoífqi^ 
ao  principio  fé  difle  era  o  Gama  muy  co^ 
nhecido  por  nome  nos  arredores  do  Moíi^ 
dego  ,  onde  feaffirma  efteve  muy  de  publi- 
co hàpbucos  dias  ,  íem  embargo  de  eftar 
publicado  pelas  eíquinas  das  ruas  :  depois 
fe  foube  que  era  hum  creâdo  ,  ou  camara- 
da de  António  de  Conti  ,  por  cujos  mere- 
cimentos fe  vay  calificando  com  eftas  die- 
monftraçoens  ,•  mas  o  mefmo  arguníentõ 
poderá  elle  fazer  contra  outros  com  quem 
a  fua  fortuna  ainda  quando  adverfa  o  tem 

igua- 


DO  P.  ÍA.KT£)NIQ  VIEYRA:     t^ 

Jgualàdo.  Ooin  a  nova  de  eftar  o  Marquês 
i^iQ(mmãl^t^^ÂímMm^àí  Gérte^i,  e^s  íeos 
pôfl^  y íè  ^êuida  por  aspii tfem  dado  S.  Ma- 
gíeftade  principio  à  r emigração  dos  defter- 
rados  5  e  affim  com  boas  rafoens  ainda  os 
qiw^ie  prezaÕ  da  mais  refinada  politica  , 
fíiasoBu  nao  acabo  de  me  períuadir  a  iflb  , 
porque  hà  texto  em  contrario  ,  fe  eu  mal 
o  áaõ  entendo  /  e  o  que  eftâ  em  letra  re- 
dmida,  parece  que  naõ  pôde  deixar  de  fò 
€omprir.  DemeíBeòs^ida ,  c  íaude  ,jqtoeo0 
mais  dallò  bdoc  tempo  y  e  quando  o  na5 
dc:^  impjorta  pQUí^i;  Ei^  me  ^vou^paílando  as 
faÍas^céiirMU0i[l!i^a?fmí5J.oiaJbc'altern 
m^nt&m^êhii<í&mmyfiLX>(:-^$Á  t^oda^^  noíla 
línÍTerfidadeÇeD ofídias  vao  mais  ftefeosí , 
do  que )  os^  havia^  mifter  a  continuação  idos 
banhos  u^  que  ainda  jhonfâem;  nte:lK)rn9p;a 
receitar  o  Dotitor  Sahfins.  Só  ^i  ^enfe 
vive  da  occupaçaõ  ,  e  do  trabalhd  ;  mere- 
cendo fempre  muito  com  ambas  as  Mager 
ftades-i^  Divina  guarde  a  V»  Senhoria  muit- 
tú^  tnnos  y  como  taôbem  ambas  haõ  miíler 
e  eudezejo.Coimbra  I.  de  Setembro  de  i66^. 

Creado  de  V.  Senhoria 
'  V  António  Vieyra. 


CAR- 


15)1 


CARTAS 


CARTA  XL. 

AT)^  Rodrigo  de  Menezes* 

ENHOR :  A  faude  de  V.  Senhoria  ^ 

e  a  melhoria  do  Senhor  Marquês  que 

^ ^    Deos ,  guarde  eftimo  quanto  devo ,  e 

aue  efta  noticia  chegaffe  primeiro  que  as 
as  queixas  de  S.  Excellencia  que  he  gran- 
de mercê  de  Deos  naõ  paífarem  a  maisfo- 
bre  tanto  trabalho  ,  eem  clima  ,  e  tempo 
taõ  rigorofo.  As  calmas  deíles  dias  foraS 
por  cà  ta5  extraordinárias  que  fe  naõ  km- 
brao  os  homens  de  outras  femelhantes  , 
mas  lembravame   eu  muito  pelos  refpeitos 
do  meo  mayor  cuidado  ,  quaes  feria5  no 
mefmo  tempo  as   de  Alemtejo  ,  quererá 
Deos  fehajaõ  moderado  là,  como  cà  tam- 
bém  o  experimentamos  ,   pofto  que  com 
taõ  repentina  mudança  que  do  extremo  dos 
caniculares  temos   paflado  ao  do  inverno  i 
com  tempo  chuvofo  ,  e  frio.  Eu  me  apro-s 
veito  dos  dias  de  mayor  calor  para  a  con- 
tinuação dos  banhos  do  Mondego  ,  com 

nova^ 


DO  P.  2\NTDNrO  VÍEYRA.      193 

Siovâ  inílància  do  Doutor  Sanfins  ,  mas  os 
eíFeitos  naõ  faõ  os  que  fe  eíperavaõ  ,  fe- 
naõ  os  contrários  :  bafta  porem  que  fejaõ 
os  que  Deos  quer  ,  para  que  os  aceite  co- 
mo da  lua  ma5  ,  e  me  conforme  com  íua 
vontade. 

;  G  Papel  Romano  eftimey,  e  feeftimou 
muito  em  todo  efte  Collegio  ,  e  foy  o  pri- 
meiro ,  ou  único  que  appareceo  defta  ban- 
da. .O  mco  parecer  Ibbre  elle  naõ  faberey 
dizer  a  V.  Senhoria ,  porque  verdadeiramen- 
te o  naõ  entendi  :  como  tenho  já  quaíí 
dous  annos  de  ruftico  ,  naõ  alcanço  o  eP 
tilo  das  Cortes; ;,  e  menos  o  de  huma  ta5 
grande  Corte  como  aprimeira  do  Mundo. 
PeíToas ,  que  eu  tenho  por  de  bom  juizo  a- 
chey  menos  contentes  da  primeira  demoa- 
ilraçaõ  ,  e  geralmente  parece  que  he  fado 
das  noíTas  vidorias  ,  fendo  taõ  grandes  e 
pára  eftimar  ,  que  os  noílos  mefmos  efcri- 
tores  lhe  tirem  o  preço  ,  e  que  nenhum 
athegora  acertaíTe  a  ponderar  os  fcos  ma- 
yores  quilates.  Se  o  intento  defte  papel  de- 
ijionftrativo  foy  por  ventura  querer  moftrar 
ao  mundo  e  à  cabeça  delle,  que  Portugal 
Baõ  pôde  fer  conquiftado  de  Caftella  ,  ,e 
.4;  Tom,  L  '  Bb  mof- 


^ 


194  CA  R  TAS 

moftrar  à  mefma  Caftella,  que  ainda  na  ííipi 
pofiça5  polível ,  ou  provável  da  fua  conqui- 
fta  lhe  feria  mais  conveniente  ter  a  Portu- 
gal por  amigo  ,  que  por  íúgeito  5  aflump- 
tos  era5  eftes  dous  que  fó  podiâõ  eonfe* 
guir-fe ,  com  muito  vivas  ,  muito  claras ,  e 
muito  folidas  demonftraçoens  _,  a  que  na5 
falta  matéria  nefte  meímo  papel,  íe  fe  lhe 
dera  outra  forma  j  mas  o  Author  he  fo- 
mente difcreto  de  profi íTãõ  ,  e  ó  compre^ 
hender  e  difpor  hum  difcuríô  demonftrati^ 
vo  que  fira  direitamente  os  pontos  ,  e  os 
convença ,  fem  fe  divertir ,  pede  outros  fun- 
damentos. Teghgií  djtío  m^sado  nque  quize- 
ra  ,  porque  fempre  qui?^er%  di^i^  bem  , 
mas  faria  aggravo  grande  â  minha  fè  e 
©bediencia ,  fe  mandando-me  V.  Senhoria, 
naõ  diífera  com  finceridade  tudo  o  que  te- 
nho na  alma. 

Os  verdadeiros  papeis  ,  e  os  difcurfos 
e  demonftraçoens  que  haÕde  defender  a 
noffa  cauza,  faò  o  Forte  Real  de  Valença, 
e  as  Fortificaçoens  das  outras  praças  e  a 
defença  geral  em  que  o  Senhor  Marques 
tem  pofto  aProvincia  de  Alemtejo.  A  fal- 
ta de  mantimentos  que  o  inimigo  padece 

em 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      19 j 

em  toda  ^  parte,  moftra  bem  quanto Deos 
eftâ  da  nofla  ,  pois  no  melmo  anno  hc 
tanta  a  fertilidade  por  toda  a  Beira  e  Mi- 
nho ,  que  fe  diz  naó  haverá  onde  íè  reco- 
lher o  pa5  ,  e  jà  hoje  fc  eftâ  dando  de 
graça,  íem  haver  quem  o  queira.  Tudofaõ 
mifericordiás  de  Deos ,  tanto  mayores  quan^ 
to  menos  merecidas.  O  mefmo  Senhor 
guarde  a  V.  Senhoria  muitos  annos ,  como 
dezejo  e  havemos  mifter.  Coimbra  8  de  Se- 
tembro de  1664,. 


Capella5  e  menor  Creado  de  Vé 
Senhoria. 


fTt-H- 


António  Vieyra. 


Bbi] 


CAR« 


f^6 


C/Ar  R  Ti  A  ^ 


t-r}Qo'\:\kim  i'.-  ú  irr.óiíi  ."^rim  x;,i*.>u:  . 


lA. "  1 !  x?L  ,^  iX  l-^^l  ^ 


;\tLS    Li}    '• 


enezes. 


(y  ,  •  íj\r\i  i 


ENHOR :  Dou  a  V.  Senhoria  o  pa-* 
xabem  ;  e  tójo  ã  ma©  a  meo  novo 

.Amo;  xjiie  nao  pôde  deixar  de  naft 

=cef  ocoíh  r  táwf  feliz '  eftrellá  y  pois  Vem  ao 
mundo  em  tal  tempo  ;  o$  prementes  faõ 
muito  para  fe  paíTarem  fem  uzo  de  razaÕ , 
e  os  futuros  o  íeraõ  também  para  fe  logra- 
rçií;í  c^mc^r^nde  felicidade  por /toda  a  i^i*? 
da  ,  e  mais  quando  V.  Senhoria  defde  lo-^ 
go  o  dedica  ao  ferviço  do  que  fo  he  bom 
Senhor ,  e  nem  fe  muda ,  nem  morre.  Lo^ 
gre  a  V.  Senhoria  por  muitos  annos  para 
que  os  creados  da  Gaza  de  V.  Senhoria  ve- 
jamos hdla  ^uy  repetidos  goftos. 

Quem  eftâ -ta5  longe  do  mundo  como 
eu  y  e  com  os  olhos  de  taõ  curta  vifta ,  naò 
pôde  ver  muito  delle  ,  pofto  que  pela  ex- 
periência da  minha  cella  nao  deixo  defuf* 
peitar  o  que  paíTarà  pelos  corredores  ,  e^" 
aíTim  finto ,  quanto  devo ,  dizer-me  V.  Se- 
-^Jii:^r  ,.r;i  nhoria 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA:     197 

nhcvria  que  todas  as  couzas  dó  mundo  ya5 
àC2LZ0y   èqae  nada  fe  obra  com  fim,  nem 
lefpiritual  ,  nem  politico.  As  obras  dajuíli- 
Ça  Divina  aflentaò  fobre  merecimento  ,  e 
ainda  as  da  Providencia  efperao  coopera- 
.^aõ  j  e  naõ  fey  que  confianças  faÕ  as  noí^ 
faSjíe  nos  falta  huma  couza  ,  e  outra:  fa- 
bello  Ji^õ  os  mequetrefes  y  iç  X.  Senhoria, 
pois  os  ouve ,  também  faberà  o  que  elles  di- 
zem ,   pofto  que  elles  n,a5  digaÒ  fempre  o 
que  fabéíH  /  ou  o  que  cuidaõ  ;   mas  como 
a  feíTaõ   era  mais  para  Villa  Franca  ,    que 
para  carta  ^ ,    fique  para  ,  o  filencio  ,   que 
nunca  fby  depofitaria  df  tácitos  €  taõ  pre^ 
éioíírmiíleriosy  cbiáo  os  que  eu  eíles  dias 
lhe  íiQ.  Nai5  fey  -fe  haverá  vida ,  nem  tem- 
pè'  |5^ra  lhos  tornar  a  pedir.  Os  dous  Ser- 
iiioens ,  como  quafi  todos  os  outros  ,  eftaÕ 
€tó:  apontamentos  5  e  he  neceflario  retjuzil- 
áo3-deja0vo  a.eftilo  :  niíTo  fico  trabaUian- 
?iéa)'^c,po^s«J^>:  Senhoria  aílira  o  ordena  ,  i€ 
deícar^çarâ  centre  ftanto  a  outra-táo  cança- 
áa  obra  ,   foey  inuito  porque  hum  delles 
poífoujuiroho,  obreyo*  quefvem  .i^^em  todos 
-«;^pa  mjiito  >boM;Hbvas  de  "V.  Senhoria  ,0 
^èáSgj^hpjEíi^díltírquès^^^  gilardé ,  por- 

■^máa  que 


1^8  CA  R  T  AS 

que  foa  por  cà  que  o  inimigo  prepara  ^ 
grande  Campanha  paraefte  outono,  o  que 
eu  na5  crerey  em  quanto  V,  Senhoria  o 
naõ  confirmar.  Guarde  Deos  a  V.  Senho- 
ria muitos  annos  como  dezejo  e  havemos 
mifter.  Coimbra  zi  de  Setembro  de  1664. 

Creado  de  V.  Senhoria. 
António  Vieyra. 


CARTA  XLII. 

J[T>.  Rodri^  de M^mzeí^ 

SENHOR :  Naõ  fey  que  deívio  pudeP- 
fem  ter  as  minhas  cartas  nos  correyos 
paflados  que  as  retardaíTe  ,  porque 
fempre  fe  entrega5  muito  a  tempo  ,  e  pe* 
las  mefmas  vias  ,  nem  hà  nellas  occanaS 
que  dè  motivo  à  curiofidade  ,  de  que  mui- 
tas vezes  íe  tem  queixado  os  defterrados 
defta  banda^  mas  eítimo  que  ainda  que  tarde, 

cher 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRa:    ipp 

chegaflem  ,  pois  fao  teftemunhas  do  meo 
cuidado  ,  e  febre  tudo  ,  que  as  de  V.  Se- 
nhoria itte  tragaõ  boas  novas  da  faude  de 
V.  Senhoria  e  do  Senhor  Marquês  que  Deos 
guarde,   como  dezejo. 

A  larga  ,  e  [retirada  de  Arronches  he 
huma  nova  vidtoria  em  confequencia  da 
primeira,  que  fe  naõ  deve  feftejar  menos  ,• 
e  aflim  fe  efpera  a  ultima  certeza  delia  com 
grande  alvoroço  ,  veio  em  muy  boa  occa- 
fia5  para  que  o  Senhor  Marques  entraíTeem 
Lisboa  com  mayor  aplauzo,  mas  tudoiíla 
naõ  fao  mais  que  as  veíperas  d qs^  triunfos 
que  eu  á  S.  Excellencia  eípero.  -^  ^-^-^^ 

No  Porto ,  dizem  ,  dezembarcou  hum 
deíles  dias  hum  clérigo  de  Roma ,  que  cer- 
tifica as  vidorias  do  Turco  contra  o  Em- 
perador  ,  e  que  ficava  jà  naõ  muito  longe 
de  italia  y  naõ  me  admira  tanto  o  cazo  , 
quanto  o  pouco  âballo  que  faz  naquelles  a 
quem  toca  mais  de  perto :  tudo  íaõ  fatali- 
dades ,  é  tudo  demonftraçoens  de  fe  che- 
garem ou  eftaíem  muito  perto  jà  os  tempos 
dò  remédio  prometido.  O  Sermaõ  eílâ  jà 
acabado,  t  fe  começa  atirar  em  limpo  pa- 
t^  kit  fem  duvida  no  còrreyo  que  vem. 

Guar- 


200     ,AiIY'^'^A'R^T  ArS  .^  O^ 
Guarde  Deos  a  V.  Senhoria  muitos 'ânria% 
como  dezejo  e  havemos  miftfr.!  - 
29  de  Setembro  de  1664, 


i  V '^  ^ 


e  menor  Ayxea 


•i> 


ENHOR  :  De  grande  contentamento 
foy  para  todo  efte  Collegio  a  carta 
de  V.  Senhoria :  e  particularmente  as 
ultimas  regras  ,  de  que  todos  daõ  graças  a 
Deos  5  e  multiplicados  parabéns  à  vidoria 
do  Senhor  Marquês,  cuja  campanha  ficou 
coroada  com  efte  fucçeffo.  O  haver  fahido 
Marcim,  pofto  que  com  occafiaõ  taõ  conhe- 
cida,  parece  que  poderá  dar  algum  cuida- 
do , 


DO  P.  ANTÓNIO  VffiYRA.     tax 

4à  y  fc  a  efterilidade  daquella  parte  naS' 
fora  fegura  de  outros  intentas  :  e  hc  ta» 
particular  a  Mifericordia  de  Deos  comnòf- 
CO  ,  que  no  mefmo  tempo  fao  tais  as  no^ 
vidades  neftas  Provindas  ,  que  fc  diz  naâ 
haverá  onde  recolher  o  paõ. 

Vay  o  Sermão,  entendo  que  baftante^ 
ment^  reftituido  à  forma, em  que  foy  prê^ 
gadoy  que  ftrà  bemdifferente  da  copia  que 
fe  tomou  de  memoria  ,  e  que  V.  Scnhoriai 
ieo  osdiaspaíTados.  Eftimareyque  naõ  paPJ 
fe  da  ma5  de  V.  Senhoria ,  nem  faiba  peíToa' 
alguma  que  eu  remeti  fermaÓ  ,   porque  fo 
me  pedio  nefta  mefma  occafiaõ  para  hum^ 
peflba  muito  grande  ,    e  fentirey  que  poíft 
cuydar  que  naõ^  tenho  muita  vontade  de  á 
fervir.  Naò  nomeyo  o  fugeito  ,  porque  dí 
naó  fio  do  papel  ,   e  ífto  baftará  para  qnm 
V.  Senhoria  entenda  quem  he. 
'      Chegarão  novas  de  huma  grande  víá 
aoria  do  Emperador  contra  o  Turco  ,  0 
que  aíTim  o  cfcrevera  Alexandre  Branda5  ^i 
importame    a  certeza  defte  cazo    e  fe  ^ 
houver  em  Lisboa ,  para  a  continuação  da» 
minhas  conjeduras.  Guarde  Deos  a  V.  Se-* 
nhoria  muitos  annos.  como  dezejo,  e  have-»; 
Tom.  h  Ce  mos 


ifeos  mifter.  Goimbrà  6  ide  Outnbro  dè  i 

aô  e  menor  Creado  de  V 
,>ia« 


'A 


AntoniQ  Vieyra,iiiè^ 


M  T^--R(Ak9oãMm^es<^ 


ENHOR^:  iO^y^í»! oderà  coiíiigo  eftf 

,^^_^  niioria V  ^  ii^^^  ip^^kòr  Marcpals 
í|ue  Dços  guardíefí^íàôbeiJGamaô  repeti^ 
emente  a  S.:  Excellençia,  porque  me  naõi 
^^evp  a  tanto  ^  e  me  baila  tenfca  conhe^ 
eido  o  meo  aflfea:o  :  V.  Senhoria  o  faça 
toma  e  mil  vezes,  affirmando  a V.  Senhor 
íia.cQfn  toda  a  verdade  que  naò  hà  neftê 
3]p^o  dezerto  ,  nem  outro  allivio  ,  quand#» 
Gjkegaõ  ,  nem  outro  cuydado  ,  e  alvoroço: 
(jji^mdo  íe  efperaõ ,  mais  qiae  o  das  cartas , 
©.fjOY^s  de  V.  Senhoria,  que  eftimo  fejaõ 
femprfe  quaes  eu*dezqo  ,  que  faõ  as  da  boa 

lâude 


W" '  ■ 


DO  P;^NTONlÒ  tlEYRA.    ^\ 

ímãQ  com  que  V.  Sçnhoria  paflâ  :  VJàeil- 
<Io  o  demais  abaixo  da  graça  ^e  Dcos  iôi- 
porta  menos  ,  ou  naõ  importa  nada.  Q 
quanta  confolaçaõ  nie  da  vér  a  V.  Sèiihò- 
ria  taõ   entregue  a  efta  Filòfoiía  ^    é  ta5 
conftante  na  verdade  de  feos  diítamés  ó  athe 
para  efta  vida  faõ  os  melhores  ,  os  màis 
independentes  ,  ê  os  de  m^hos  cuydádò  , 
ou  de  nenhum  cuydado  ,   nem  jfeeèyoi  Sè 
ií^Q  pfcolheraõ  por  felicidade  da  vida  pre- 
mente os  que  naõ  conheciaõ  dutra  ,  quan- 
to mais,  ^í  ex  fide  vtvum  7  O  íuccéíTòdè 
Arronches  he  muito  para  naS  fè  éi-er      a-- 
Mia  ^epois^dè^vift#  i<som  os  (íthos.  De  tó^ 
4€fs  és teil^p^qfe  d^^ã  gloria  a  Deos  > 
tóas  eftamê  fíl^^dSMeréciménto  aos  Sáíl^ 
tos  ,   que  o  Mejteôí  ^Senhor  toma  por   iria 
ftrúmento  dellés.Tao-beín  pareceriaõ  ás  me-^ 
liioriasdefte  milagre  penduradas  das  pare* 
des  da  cazâ  de  V.  Senhoria  ,   como  eftáS 
bem  poftas  nella  as  peças   da  vitoria  de 
Elvas.  Mais  fortuna  temos  com  a  guerra 
de  fora  ,  que  com  a  paz  de  dentro.  Hon-^' 
tem  nos  deò  )mrh  câMínheiro  bem  poueçr 
gofto  com  árélàçaõ  de  hum  cakò  pòf  tò-^ 
âas  as  liías  cíícunftancias  dei^eftrado.  Quei^^ 
^^^^  Ccij  r^ 


CARTAS  : 
ia  beos  que  naõ  fej  a  verdadeiro.  Em  quâfS 
to  nos  nos  matamos,  marcha  oTureo  xroai 
4tra  a  Chriílandade  ,  e  fora  melhor  <jtieeft 
te  Tangue  fe  derramaíTe  peleijando  contm 
inimigos  da  Fé  ^  €  em  defenla  delia  ,;edf 
ííia  Igreja :  Mas :  quomodo  impMíM^M^fbàf^ 
mra  ?  O  Sermão  do  Maranhão  bem  enten- 
do qaal  he ,  mas  naõ  poderá  hir  com  tan- 
ta brevidade  ,  porque  he  força  trabalhar 
em  outro  papel  ,  que  também  hirá  a  V* 
Senhoria,,  porque  hi^uzas  que  íelhepaf* 
fa  o  tempo.  O  mais  bem  empregado  faõ 
cftes  inftantes,  c  o  papel  de  mais  goftobe 
cfte  pfpel  épí  que|5Ícíe|S  apt.  feihòria  , 

Bhoria ,  qvtando  V.  Senhoria  tem  tantoiem 
qitó  è^mpiégar ,  edetantb^rviço  deDeos^ 
O  meímo  Senhor  guarde  a  V.  Senhoria 
Butítp^  aÉnnos^íCómo  dezèjo  e  híívcnkjS;  n» 

i)femíí2Di  de  Outubro  de  i66/\,  p    . 


O  Pítdre  Procurador  Geral  do  Brajsil 
tem  hu^  j?equerimento  com  o  Doutor  Fel** 
nandes  Monteiro  íbbre  couzas  da  Miffaõ 
Ao  Maranhão;  ,r  íê  V,  Senhoria  me  fizei? 
xnerce  dizer-ilie;,  que  acabe  de  lhe  deferit 

com 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     loy 

com  eíFeito  (  porque  fó  eftâ  o  dano  na  di* 
lafaõ  >)  iiíarme-hà ;  V.  Senhoria  particular 
Ikyor  ,  e  àquelles  fervos  de  Deos  eímola  ; 
^as  naÕ  faiba  elle  ,  que  fou  o  interceíTorj 
|iorque  naõ  tenha  occafiaõ  de  deíconfiança 
mainizade  que  profellamose    , 

-^m oCreado  de  V.  Senhoria. 


a* 


vir»" 


m'm 


1  -n' 


Ws^T 


rENHOR  ^:^'B^:íetra-:juIgarè  "^iSt^: 
nhoria  que  já  çfta  naõ  levara  tao  mas 
novas  da  faude ,  como  a  paflada ,  mas 
aindaasnâõ  poffo  dar  taõ  boas  a  V.  Senho- 
d^íltoítio  fcy  que  V.  Senhoria  as  dezeja  , 
^iiem  emendo  que  poderá  fer  em  quanto  o 
ittverno  foir  inverno,  e Coimbra  Coimbra: 
@ laayor  cuydado  que  me.deo  o  eftilicidio 


foy  vir  mifturado  com  fangue  ,  m^s  éomo 
parou  a  febre  ,  parey  cu  t^iiibemí^crnajós 
medicamentos  ,   e  quero  antes  paflar  com 
PS  achaques  ,  que  intentar  livrarme  deites 
com  mais  rifco.  Venhaõme  fempre  muy  boas 
novas  da  faude  de  V.  Senhoria  e  do  Senhor 
Marquês  que  Deos  guarde ,  que  com  o  mais 
me  comporey  facilmente  em  quanto  omef- 
mo  Senhor  for  fervido.  As  tempeftades ,  que 
por   cà  correrão  eftes  dias  ,  nos  tem   em 
grande  c;uyaa&  juntas  coíh  o  perigo  defla 
Barra  ,  queira  Noffb  Senhor  guardar  a  fro- 
ta ,  e  trazella  a  falvamento  ,  que  naõ  feri 
peqàário  favOJ^  ^%êa^^^  tempo  ;taé  éòr- 
mentofo^  éu  a  erícòmettdo  fhuy  particular- 
mentena-c^ -Pedi^ÒL  Gon^alvés^     que  como 
tenrho  tantos^ánnos  de  marinheiro  ,  tam* 
bem  creyonefte  Santo,  e  fio  muito  defeos 
pqdefeSí.  Grandemente  eftimey  as  novas  que 
V«  Senhoria  me  da  ,   e  pofto  que  o  meo 
encomendado  naõ  hia  na  pauta  ,   eftimey 
muito  a  lembrança  que  V.  Senhoria  tevê 
do  feo  memorial  ,  para  qme  co^ftáffe  ao 
Religiofo  feo  parente  4  mercê  que  T.-  Sê*» 
nhoria  lhe  queria  fazer ,  e  me  fa-sí.  'Gúàtê» 
Deos  a  V.  Senhoria  ifíiuitos  atínW.  ^€tóí^ 
Vv4  dezejo 


DO  P.  :^NTONIO  VIEYRA:  io7 
imt]ò  ^  e  havemos  mifter.  Coimbra  3  de 
iíóveliiteo  de  166^. 

^^GJiapèllao  e  menor  Creado  de  V. 
^^  j    Senlioria. 

|i:   ■  ■  ■ 

^  António  Vieyra. 


'  CARTA  XLVI. 

.,^2).  Rodrigo  ds  Menezes, 

ENHOR:  Com  efta  ultima  carta  dê 
V.  Senhoria  acabey  de  cf6r^#^$é 
naõ  cria  ,  e  conhecer  o  m^ndb^  etti 
que  vivemos  ,  cujos  myfterios  íb  p^iíâi- 
cançar  a  Providencia  infinita  que  o  gover- 
na ,  e  dera  eu  muitas  paíTadas  por  ítllar  é 
ouvir  a  V.  Senhoria  nefta  matéria,  que  o 
pôde  fer  dos  majores  difcurfos ,  e  também 
áas:  mayores  fuípenfoens.  Quantas  vezes 
coníegue  Deos  íeos  intentos  pelos  camf^ 
fthos,  por  onde  qs  querem  eftorvar  os  ho^ 
*L     -  mens  í 


C  A  R  T  AS     orf       ^ 

mens !  Ainda  que  V.  Senhoria  poderi  que* 
rer  o  retiro  de  Cantanhede  ,  Deps  quçr  ^ 
V.  Senhoria  na  occupaça5  ,  e  inquietação 
de  Lisboa.  Ninguém  ferve  rnelhoi:  aDeos, 
que  quem  o  ferve  como,  e  onde  elíe  quer^ 
e  efta  he  a  verdadeira  filofofiá  ,   ôao  lo 
Chriftãa,  fenaÕ  ainda  Eftoica.  Do  Santo  da 
devoção  de  V.  Senhoria  ouço  por  cà  mila- 
gres bem  notáveis  5  eftimo  que  V.  Senho- 
ria feja  efte  anno,  e  o  que  vem  Juiz  dafuaí 
confraria  ,  e  eu  pregara  na  fefta  de  muito 
boa  vontade  ,  na5  para  delicadezas  ,  nem 
conceitos  ,  fenaõ  para  edificação  dos  fieis. 
Nà5  alimpo  os  outros  Sermoens  ^  porque 
todos  os  inftantes  que  me  deixaS  livres  os 
meos  achaques,  emprego  naquelloutrà  obra> 
que  bem  vejo  quanto  importa  fahir  a  tem- 
po, Cà  me  mandarão  o  papel  do  Flamen- 
go ,  e  também  vi  por  efcrito  quanto  fe  tem 
contentado  delle  Pedro  Fernandes  Montei- 
ro ,  de  que  na5  pouco  me  admirey.  Na5 
he  a  minha  fè  taõ  çegà,que  fe  convença 
pu  fe  cative  de  taõ  leves  fundamentos.  Nun- 
ca V.   Senhoria  me  diíTe  nada  acerca  dos 
fugeitos  que  às  profecias  podem  fer  oppo- 
fitores  y  e  fe  alem  do  Rey  premente  do  au- 

zente^ 


^  DO  P.  ANTÓNIO  VíEYRA.      %of 

ífóxtv,  c;  do  defunto,  e  ainda  doCaftelha- 
mo  que  tainbem  he  decinía  feta  geraçáõ , 
qç€orre  a  V.   Senhoria  outro  algum  que 
pofla  fazer  argumento ,  ainda  quenaó  che- 
gue a  fundar  opinião.   Pbrguritoíifto,  por-. 
qUe,  quem  diíputa  as  matérias  ex  profeílb  ^ 
he  bem  que  toque  todos  os  pontos  ,  e  euo 
faço  ^aqui.  Tivemos  hontem  grande  inun- 
dação do  Mondego  com  huma  terrivel  tem- 
p#ade ,  mas  haverá  querido  Deos  que  naõ 
al^ançaíle  aftota,  pelaqual  íe  fazem mui-^ 
ta&  oraçoens.  Se  oPadre  Joaõ  Pimenta,  Pro-i 
curador  Geral  do  BraziJ  oífereceria  V.  Se- 
lihoria  hunva  carta  rninha  dè  recòmeada- 
f  ao^ííT  todo  o  layo|:  ^pi|i^^  ?qiie^^í..S^ 
iHiotia  lhe  fizer ,  haveréy  por  próprios,  por^í 
que  lhe  devo  grandes  obrigaçocns  ,   e  naõ 
tenho  outro  dezempenho  mais  que  a  graça 
em  que  V.  Senhoria  me  tem.  A  meo  Amo 
O  Senhor  Maírquès ,  que  Deos  guarde  ,  beijo 
fempre  a  maõ,  eDeos  me  guarde  a  V,  Sc-^ 
Bhoria  muitos  annos  como  dezejo.  Coimv 
bra  IO  de  Novembro  de  166^. 


Creado  de,y.  Senhoria. 


^il 


Temk  L 


António  Vieyra.      ^   :;.h 
Dd  CAR^ 


|!l<> 


C  AR  TAS 


/Xiíli^J  V^ií,  ^'- 


yíT>.  Rodrigo  de  Menezes^ 

ENHQR :  Naõ  poffo  negar  a  V.  Se-f 
nhoria  que  foa  homem  do  tempo  , 
^^^^  com  elle  vivo ,  com  elle  morro ,  com 
eíie^adoeço ,  com  elle  faro.  Entrou  S.  Mar-? 
tinho  com  o  feo  veranico ,  que  nas  calmas 
pôde  competir  com  o  mayor  veraõ  ,  e  ca-* 
mo  naõ  ha  frio,  logo  eftou  em  paz  com  os 
ares  de  Coimbra.  Paffo  eftes  dias  em  Vil^ 
la  Franca  fó  comigo ,  e  com  os  livros.^ efe 
Deos  for  fervido  quecontinuem  os  alentos 
com  que  me  acho,  aquella  Obra  fe  porá' 
em  eftado,  que  poíTa  hir  a  tempo  àsmaoç 
de  V.  Senhoria. 

Do  fuGceflb  ou  coílume  de  Alemtejoy 
dou  o  parabém  ao  Senhor  Marques  que 
Deos  guarde, e  me  alegro  com  V.  Senho- 
ria de  ter  ta5.  confiante  a  fua  fortuna.  Bem- 
dita  feja  a. Providencia  Divina  ,  que  taõ 
conhecidamente  nosaíTifte  nos  campos  ,  e 
nas  campanhas ,  no  mefmo  tempo  em  que 

nolios 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     in 

noíTos  competidores  colhem  nelles,  c  nel- 
las  taõ  pouco  fuftento  ,  e  taô  pouca  opi- 
nião* Pelas  copias  de  ambas  as  cartas  bei- 
jo a  V.  Senhoria  a  ma5  ;  foraõ  taõ  fefte- 
jadas  de  todos ,  çoíno  merecem ,  e  também 
pelo  lugar  ,  e  circunftancia  em  que  foraõ 
recebidas  ,  tiveraõ  no  meo  coração  parti- 
cular aplauzo.  Naõ  quero  dizer  com  iftoa 
V.  Senhoria  que  moraõ  as  minhas  elperan- 
ças  no  mefmo  lugar ,  porque  ainda  que  to- 
dos os  dias  fe  confirma5  mais  ,  naõ  fey  íc 
eftaõ  depoíitadas  em  S.  Vicente  de  fora  , 
íè  fóra  de  S.  Vicente ,  mas  fcmpre  fera  em 
lugar  Santo.  Jà  pedi  a  V.  Senhoria  me  fi^ 
^efle  mercê  dizer  feo  fentimcnto  ,  porque 
fempre  feguirey  ,  e  eftimarey  a  opinião  de 
V.  Senhoria  como  de  V.  Senhoria.  Deos 
guarde  a  V.  Senhoria ,  muitos  annos  como 
dezejo,e  havemos  mifter.  Villa  Franca  17 
de  Novembro  de  i66/{^ 

Creado  de  V.  Senhoria, 
Antõiiiô  Vieyra* 


Ddij 


CAR- 


il 


CARTAS 


ikij  <>y 


.ii^\<  xQi-i 


■.^■^    .V"-** 


Iw^A 


^r 


m 


Aiy.  Rodrigo  de  Memzes. 

ENHOR:  Três  recebo  juntas  de  V. 

Senhoria  ,    e  bailava  huma  fó  para 

^ grande  allivio  meo  ,  fe  naõ  lera  na 

última  os  difgoftos  e  fentimento  taõ  jufto 
de  V.  Senhoria  que  me  tem  laftimado  o 
coração  ,  com  ò  qual  faço  ao  de  V.  Se-» 
nhoria  toda  a  companhia  que  poíío.  AltiP 
fimos  faõ  os  juizos  de  Deos  ,  e  creyo  eii 
que  para  dar  exemplo  ca  "¥.  Senhoria-eni 
lium  cazo  deftes  ,  quis  elle  também  tó 
hum  Filho  innocente  morto  ,  para  que  c<^ 
nheçaõ  os  homens  por  ííia  própria  dor  ò 
muito  que  lhe  devem  ,  e  quanto  o  mefmò 
Senhor  eftimarà  a  conformidade  de  V. 
Senhoria  com  íiia  Divina  vontade  neftefa- 
crificio  taô  feníivel  :  em  nenhuma  chaga 
he  remédio  taõ  efficâs  a  Fè  como  nefta  de 
V.  Senhoria ,  em  que  a  ráfaõ  naõ  tem  mo- 
tivo paraduvidar  ^  nem  eu  quero  foffrer  que 
V.  Senhoria  lhe  chame  caftigo ,  pofto  que 

te-» 


DO  p.  ANtONio  vieyra:   %t^ 

tenhamos  exemplos  de  que  moftra  Deos  o 
rigor  de  ília  juíliça  em  a  executar  nos  in^ 
hocentes/ Eu  lhe  dou  graças  neíle  cazo  (e 
allim  o  creyo  )  por  querer  premiar  o  me- 
recimento dos  pães  na  innocenciá  do  filho. 
Ah  meo  Senhor  D.  Rodrigo  ,  quanto  Deos 
ama  a  V.  Senhoria,  e  quanto  fe  agradada 
verdade  do  coraça5  de  V.  Senhoria  /e  da 
refoluçaõ  com  que  V.  Senhoria  fó  a  elle 
eftima  ,  e  preza ,  e  faz  do  mundo  a  conta 
que  elle  merece.!  Bem  pode  fer  que  com- 
mutaffe  outra  fentença  nefta  ,  e  que  cor-^ 
tafle  naquella  vida  os  annos  para  os  acerei^ 
centar  na  de  V.  Senhoria  ,,  cuja  peíToa  en- 
tendo êu  hà  muito  tempo  guarda  fua  Di- 
vij|ia' Providencia  para  a  empregar  nos  que 
efperamos  em  mu^to  heroycas  acçoens  de 
feoferviçoe  gloria  ,  obrigaçoens  ,  meo 
Senhor  ^  a  que  V.  Senhoria  deve  muy  li- 
beriaes  co^rreípoBdencias  ,  e  muy  agradeci- 
da^* c  Sobre  efla  matéria  tomara  eu  poder 
gaftàr  a  V.  Senhoria  algumas  horas  de  fei- 
toria j  jà  que  nao  podem  fer  as  do  foalheiro 
fi^:;iVillá  Franc^  :,  nella  vou  paliando  com 
menos  quejxa^  experimentando  .já  quanto 
pôde  a  continuação  ,  e  o  coftume  ,  ainda 


con- 


contra  os  mefinos  elementos.  Trabalho  af 
horas  que  poíío  ,  mas  aflSrmo  a  V.  Senho- 
ria que  me  defmayou  a  carta  de  V.  Senho- 
ria com  ã  repofta  das  minhas  perguntas  , 
em  que  V.  Senhoria  me  diíTe  em  poucas 
regras  mais  do  que  eu  tenho  fabido  efcre- 
^^  em  muito  papel.  Agora  finto  os  danos 
do  meo  defterro,  pois  me  priva  deconful- 
tar  muy  frequentemente  os  oráculos  de  Vi 
Senhoria :  em  tudo  me  confirmo  com  a  dou- 
trina ,  eauthoridade  deV.  Senhoria  ,  efó 
cuydava  que  fem  novidade  fe  podia  tam- 
bém efperar  que  fizeíle  algum  milagre  o 
Corpo  Santo.  Naõ  digo  nada  nefte  partia 
çular  por  affedo ,  nem  juízo  próprio ,  ma$ 
he  muito  o  que  tenho  ouvido  a  gente  que 
difi:orre  pelas  eftrellas  ,  e  difcorre  delias 
abaixo ,  e  como  cada  Santo  tem  fiias  prero- 
gativas  ,  naõ  he  muito  que  fe  tenha  mais  Fè 
naquelle  em  tempo  de  tantas  tempieftâdes : 
ellas  fora5  cauza  de  faltar  côm  carta  no  cor- 
reyo  paffadò  ,  tendomè  em  grande  fiifpcn'* 
fa5  a  tardança  das  deV.  Senhoria,  por  fe 
haver  dito  de  boa  parte,  que  havia  <}áém 
as  tomaíTe.  E  pofto  que  nem  as  de  Vi  Sénhó* 
ria  nem  as  minhas  podem  dar  motivo  ^ 

ma- 


tn/J 


DO  Pi  ANTÓNIO  VIEYRA.     iiy 

^í^ia  ,  nem  à  curiofidade  ,  quis  efperar 
a  noticia  quc  agora  tive  ,  naõ  podendo  a- 
inda  attinar  com  a  cauza  de  C^  uao  ciarem 
as  minhas  no  x3^it«Q.Í^  ond**  Tempre  as  re- 
meti fóra  do  maflo  do'  Padre  Reytor ,  por 
elle  eftar; aumente.  JEmfim ,  Senhor, V.  Se- 
nhoria com  feo  grande  coração ,  trate  de 
fe  aUi'viar  ,  e  viver  paraque  tâmberíi  viva- 
mos os  creades  de  V.  Senhoria  ,  e  parti- 
cularmente efte,  que  tanto  ama  a  V.  Se- 
nhoria ,  e  tanto  fente  que  V.  Senhoria  te- 
nha occafioens  de  difgofto.  Guarde  Deos 
a  V.  Senhoria  muitos  annos  como  dezejo 
€  havemos  mifter,  Villa  Franca  8  de  De- 
zembro de  id(Í4i 


Creado  de  V.  Senhoria. 


António  Vieyra. 


M 


CAR- 


^i6     .kMYEm  A  K  TAS' 


í^n/j' 


.íííbiio 


'^:0>Âòdr/go  de  MemzeSé, 

ENHOR :  Volta  hoje  o  Sol  para  nôs , 
e  com  fõftfo  tao  bdnigno ,  que  eípero 

fe  facilitem  os  caminhos   aos  corre-» 

yos  com  que  me  na5  faltem  ,  como  nefte 
as  novas  de  V.  íSenhõriá  ,  em  cuja  eípe-< 
rança  fe  paíTa  com  allivio  parte  da  fema^ 
na;  ^  e  com  dobradO;  tormento  o  refto  del- 
ia ,  e  da  feguinte,  atè  que  cheguem.  Bem 
creyo  que  as  auzencias  de  V.  Senhoria  tam- 
bém coacorrem  a  effe  derencontro" ,  mas 
pois  aflim  o  permite  Deos  e  o  aconfelhaÕ 
os  tempos  ,  eu  me  componho  com  a 
parte  de  paciência  que  me  cabe  ,  e  peço 
ao  meímo  Senhor  ,  <^<>ínponha  o  que  elle 
fabe  que  o  hà  mifter ,  de  maneira,  que  fora 
e  dentro  haja  tanta  paz  ,  e  focego  quanta 
para  feo  mefmo  ferviço  he  neceffaria.  Em 
grande  fufpenfaõ  tem  pofto  a  todos  efte 
portentofo  Cometa ,  que  na  grandeza  tenho 

por 


DO  P.: ANTÓNIO  VIEYRA.     tir 

por  naõ  inferior  ao  de  i<^i8  eomcfmo  jul- 
ga o  Doutor  Samfins  que  o  vio  em  idade 
que  podia  fazer  melhor  juizo  delle  que  eu. 
Os  livros  naõ  pronofticaõ  coufas  de  gof- 
^  ,  efe  forem  contra Caftiella ,  como  feeft 
£?era ,  naõ  deixarão  de  fer  em  utilidade  noP- 
íâ«  A  vida  delRey  Felippe  tem  contraíl 
todas  as  leys  da  natureza,  c  o  Cometa  ver- 
dadeiramente he  funefto  e  funeral.  Mas  ne- 
nhum mortal  daquelles  a  quem  ameaçao 
cilas  vozes  do  Ce© ,  fe  deve  ter  por  fegura 
na  terra  ,  e  fora  muy  bom  que  a  todos  íè 
lhe  fizera  efta  lembrança.  V.  Senhoria  me. 
fará  grande  mercê  dizerme  os  juizos  que  li 
íè  fazem  •  o  que  eu  fó  poíTo  dizer  a  V.  Se- 
nhoria he  ,  que  h^í  dias  que  efte  portfento 
li^s  tardava  a  niinkpã  alguns  amigos  da 
Jiiefma  opinião,  e  elperanças,  porque  fen- 
do eílas.taõ  grandes  e  taõ  fataes ,  parecia 
coufa  âlhea:  da  ordinária  Providencia  de 
Deosrhos  caíbs  em  que  houve  mudanças 
notáveis  no  mundo  ,  naõ  prevenir  ,  e  a- 
moeftar  ao  meímo  mundo  com  os  prenum- 
efes  delias.^ ^ paraque  ninguern  o  poílá  ntff 
gar  por  Author  de todasL  A  íxcâlaõ)  eciric 
cunítancia  do  tempo  he  a  mais  precizaque' 
Tom,  L  Ee  fe 


fe  podia  imaginar  nem  dezejafl|iÍ0'âs  no-í 
vas  que  vem  de  Alemtejo  de  prevénçoens 
extraordinárias  do  inimigo,  parece  que  con-» 
cordão  coffl  efte  farol  do  Cèó;  A  mais  fe-^ 
gUra  refòluçaÕ  he  pôr  os  olhos  nelle  ,  d 
procurar  tello  muy  propicio  ,  porque  dela 
Iiadé  "vir  a  boa  ,  ou  má  fentença  aos  que 
fbf^m 'dignos 'delia.  E  finto  grandemente 
naõ  thi  nos  ânimos  defta  banda  mais  com- 
m<3ç'aõr"^que  ada  curiofidade ,  e  lá  pòdefer 
que  íeja  o  mefmo ;  como  fe  Deos  houveíTe 
dé  acender  no  Ceo  ocio-famente  hum  cotM 
po  fcaô  prodigíofo,  ou  produfiUo  denovo^t 
como  outros  querem  ;  porque  fe  averiguou 
que  ò  de  i^i8.  tinha  trezentas  e  oitenta 
mil  legoas  de  comprido ,  que  he  coufa  que? 
excede  toda  a  admiração  ,  mas  ainda  hao 
áe  fer  mayores  as  que  efte  anuncia.  Eu  con- 
feíTo  a  V.  Senhoria  que  a  minha  fè  fe  con- 
£rma  muito  còm  efte  teftemunho  taÕ  claro 
áe  Deòs  y  e  tomara  valer  alguma  coufa  coríi 
íiia  Divina  Mageftade  ,  e  que  feos  fcrvos  , 
pois-  tem  tantos  ,  applacáraõ  fua  jufta  ira, 
que  Êmpre  deve  defcarregaríbbre  grande 
parte  Ja  (Chrtftandade.  Guarde  Veos  a  V,:^ 
Senhoxia  muitos  annos^  como  dezejo  e  ha-^ 

vemos 


DO  P,  ANTÓNIO  VIEYRA.     tt^ 

vemos  mifter.    Caimbrâ  tr  de  Dezembro 
de  t66^.  - 

Gapellaõ  e  menor  Servidor^  efe  '^i 
Seíihoíia.  r- 


António  Vidyta* 


'l.-  S^ti.X  ».».    .5    1 


CARTA  L, 

^  13.  WEB 

ENHOR  :  Dezejo  a  V,  Senhoria  e 
ao  Senhor,  Marquês  que  Deos  guar-- 

de,  taõ  alegres  princípios  de  anno,  eo-; 

mo  foraõ  para  mim  as  feftas  com  o  favor 
de  duas  cartas  de  V.  Senhoria  no  meyo  de: 
tantas  occupaçoèns ,  mas  nunca  V.  Senhor 
ria  tem  impedimento  para  multiplicar  a 
mercê  que  me  faz ^  porque  beijo  mil  vezes 
a  maÕ  a  V..  Senhoria.  ygxjfn  ,  ijrabíii 

Bem  me  parecia  a  mim  que  naõ  íiatia* 
faltar  entre  tantas  opinioens  ^  quem  deíTe  o  ■ 

Ee  ij  feo 


fw^ígmo-^atw  a  cadeira:  ao^oppo&dr  téco-^ 
mendado  deV.  Senhoria,  e  fobre  fo  con>^-, 
forme  aos  Eílatutos  da  Univerfidade  a  in- 
^elli^çicj^  daquelle  tpctQvjtern  por  fr  o  ap- 
plaufb  geral  de  todos  j  oqiie;  a  mim  me 
fatisfaz  muito  he  a  informação  de  V.  Se- 
nhoria, guefenipre^tenlxo  por  muy  verda- 
deira* ^,^:è'(í^  nterífedâ^  ainda  que  V. 
Senhoria  confeíTe  a  affeiçao  do  fugeito  : 
admirome  de  ver  quantos  afFeiçoados  tem 
de  perto,  e  de  longe.  OReytordizem  que 
naÕ  hádé  vagar  as  cadeiras  fenaÕ  no  fim 
do  anno  ,  enta5  veremos  que  lortq  tem  , 
porque  a  pode  ter  muito  grande  ferrl  oíFen-* 
ia  de  nenhum  dos  oppofitores. 

Já  diffe  âV.  Senhoria  quando  em  Coim- 
bra fe  começou  a  obfervar ,  ou  a  ver  oCo- 
Bieta  (  porque  naõ  há  quem  o  poíTa  obfer- 
var  em  toda  efta  Univerfidade  )  pagando 
ElRey huma Cadeira  de Mathematica 5  e  fe. 
V.  Senhoria  me  na5  mandara  dizer  o  lu^ 
gar  doCeoonde  fahe,  ainda  cá  o  naõfou^^ 
Déramos.  A  figura  em  toda  a  parte  he  a 
jncfma  ,  mas  a  cor  naõ  o  parece,  ferápe-f; 
la  diíFércnça  dos  ares ,  e  dos  vapores  ,*  athè-' 
gora  fe  nos  reprezentou  fempre  pallido  y '  e 
u;i  funeíto. 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     22,1 

funefto;$anfins  fe  refolve  em  que  he  Saturni- 
no, eque  apnuncía  enfermidades.  O  certo  he 
que  fegundo  o  que  dizem  os  profeíTores  defta 
arte  fundados  nos  exemplos  das  hiílorias , 
fempre  Deos  coíluma  ameaçar  trabalhos  e 
caftigos  com  femelhantes  finaes  ,  e  quan- 
do menos  fera  muito  útil  que  nos  o  inter- 
pretemos affim  5  paraque  o  Ceo  ache  menos 
que  executar  ,  é  faça  a  emenda  ,  o  que  ha- 
via de  fazer  a  juftiça.  DeíTa  Corte  chegou 
aqui  hum  Padre  que  nos  contou  hum  gran- 
de exemplo  de  hum  amigo  de  V.  Senho- 
ria ^  que  foy  muy  eftimado  ,^e. louvado  de 

todos.  -.jrA      ^'-^-:*^    ri, 

O  Cometa  de  1577.  a  que  fe  attribue  a 
perda  delRey  D.  Sebaftiaõ  ,  fegundo  a  con- 
ta de  V.  Senhoria,  fahio  ou  appareceo  na 
meímo  dia  que  eíle,  e  naõ  falta  quem  ache 
grandes  myfterios  neíla  correfpondencia  , 
que  verdadeiramente  he  notável.  Eu  fiz 
meò  eftudo  no  cafo  ,  naõ  como  Mathcr 
matico  y  mas  como  marinheiro  ,  que  he  o 
mais  a  que  fe  eílende  a  minha  arte ,  ou  ex- 
periência :  è  achey  hum  texto\l  que  pare- 
ceo  notável  a  algumas  peíToas  a  quem  o 
coiiiiiiuiaiquey  /  e  he  de  Ptolemeo  no  tex- 
.:"-■■■  to 


til    \}IY:k:  ar  r  as:^.oc 

to  54  Cum  hécc  ofienta  orientalia  Jtint  ,  ®* 
folem  antecedunt ,  &  m  oriente  apparent  yCe* 
leriiatem  eventus  fecuturl  ftgntfiçmt.  E  como 
efte  Cometa  feja  taõ  propriamente  orien- 
tal 5  e  appareça  no  mefmo  ponto  do  Ori- 
ente 5  onde  nafce  o  Sol ,  e  vá  diante  do  mef- 
mo Sol ,  e  com  curfo  taõ  ,  apreíTado ,  parece 
fe  ha  verdade  no  texto  ,  que  naõ  tardarão 
muito  feos  eíFeitos  ,  que  he  o  que  have-^ 
mos  mifter ,  è  o  que  promette  a  circunftan- 
cia  do  tempo  ,  e  o  concurfo  de  todas  as 
outras  caufas. 

Efta  vay  porvia  do  Padre  Procurador 
do  Brazil ,  quç  he  mais  aíTiftente  no  CoUe- 
gio  ,  que  o  Padre  Reytor ,  e  a  elle  pôde  V. 
Senhoria  mandar  entregar  o  livro  do  Ab- 
bade  Joaquim.  A  mercê  que  V.  Senhoria 
faz  á  noffaProvincia,  pagara  Deos  a  V.  Se- 
nhoria ,  e  o  mefmo  Senhor  guarde  a  V. 
Senhoria  muitos  annos  como  dezejo  e  ha- 
vemos mifter.  Coin^bra  29  de  Dezembro 
de  \664.    ■       ■  ■'^■nr^Efrí  ■ 


"X 


tíapellaõ  e  menor  Cueado  de  V ,  Se^hpriâ^ 


António  VÍ#fa: 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     223 

CARTA  LI. 

^  2).  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR  :  Jà  no  correyo  paííado  fi- 
gnifiquey  aV.  Senhoria  o  fentimen- 
to  daoccafiaõ,  porque  me  havia  fal- 
tado carta  de  V.  Senhoria  ,   e  pofto  que 
com  a  noticia  que  V.  Senharia  me  faz  mer- 
cê neíla  ultima ,  fica  alliviado  o  cuydado  do 
perigo   do  mal  ,   naõ  he  menor  o  em  que 
me  deixa  a  diíEculdade  com  que  fe  admit- 
tem  os  remédios,  por  cuja  falta,  de  muko 
leves  principios  fe  vem  a  padecer  grandes 
danos.    Terrivel   penfaõ   he  viver   da  vida 
alhea  ,   e  foberana  obrigação  confervar  a 
própria  como  a  de  todos.  Por  muitas  par- 
tes nos  chega  efta   mefma  queixa  involta 
no  mefmo  receo  ,  que  fó  fe  pôde  eílimar 
pelo  que  argue  de  amor  e  benevolência  ge- 
ral ,   que  verdadeiramente  fe  experimenta 
melhor  ao  longe  ,   e  he  notável  o  exceíTo 
com  ^ue  fe  deixa  conhecer. 

O  Cometa  fc  nos  moftrou  ainda  quinta 

feira 


3114  C  A  R  T  A  S 

feira  muko  diminuído  da  cauda  ,  depois  o 
encobrirão  as  ferraçoens,  e  perpetuas  chu- 
vas ,  com  que  os  dias  vaõ  triftiflimos.  Aos 
13  qnaíi  efpaço  de  vinte  e  quatro  horas  fe 
cobrio  tudo  de  neve  altiílima,  chovendo  co- 
piofamente  no  mefmo  tempo  ,  e  ventando 
for  efpaço  de  quatro  horas  com  tal  fúria  a 
efpaços,  que  fe  durara  mais  tempo  ,ee0m 
mayor  continuação  ,  nenhuma  couza  ficà^ 
ra  em  pe  ;  o  eílrago  nos  olivaes ,  e  em  to- 
do o  género  de  arvores  foy  gratidiflímo ,  e 
mayor  nos  montes ,  que  nos  valles  ,  humas 
arrancadas  de  todo  ,  outras  quebradas.  Na 
noffa  quinta  da  Cheira  vieraõ  ao  chaõ  mais 
de  duzentos  pinheiros  ,  que  faõ  alli  muy 
grandes  e  fortes  ,  e  nefta  cerca  do  Colle4 
gio  vinte  e  quatro  cipreftes ,  e  muitos  mais 
na  de  Santa  Cruz.  Queira  Deos  que  naõ  pafle 
o  caíligo  dos  corpos  vegetativos  às  vidas 
racionaes  que  faõ  as  que  offendem.  Gran- 
de efcandalo  he  que  ainda  ameaçado^  os  na5i 
temamos,  e  grande  barbaria  que  queira- 
mos fer  valentes  contra  o  Ceo.  Os  juizos 
dos  Mathèraatí ços  fempr e  fe  •  conformaõ 
jnais  com  o  que  obfervaõ  na  terra  ^-rmas  a 
fua  fcienciá  que  ainda  naõ  conhece  a  in- 
fluencia 


DO  P.  ANTÓNIO  VÍEYRA.     Z2j 

Euencia  daseftrellas  que  fe  vem  ha  féis  mil 
annos,  como  hàde  conhecer  afignificaçaõ 
de  hum  final  que  todos  os  dias  tem  varie- 
dade ,  e  mais  he  guiado  pelos  rumos  da 
Providencia,  que  pelos  movimentos  da  na- 
tureza. Eílas  conjeóturas  ameo  verperten^ 
cem  mais  aos  lidos  nas  hiftorias,  que  aos 
obfervadores  das  eftrellas  ^  para  que  le  tirem 
os  efFeitos  pelos  exemplos  ,  pois  a  primei- 
ra cauza  ,  e  fiia  juftiça  he  kmpre  a  meA 
ma.  Ifto  he  o  que  fe  pratica  nefta  Univer- 
(idade  entre  os  mais  entendidos  ,  e  timo- 
ratos ,  e  o  Oppofitor  amigo  de  V.  Senho- 
ria he  o  mayor  fautor  defta  opinião  ta» 
Chriftãa  ,  e  efpero  que  feja  com  fruto  pe- 
la grande  authoridade ,  que  temem  toda  a 
Efcpla. 

Beijo  a  maõ  a  V.  Senhoria  pela  fineza  da 
feparaçaõ  daquelle  quaterno  ,  e  pela  do 
aíFedo  com  que  V.  Senhoria  intercede  pe- 
lo cefteiro.  Bem  pudera  eu  chamar  obra 
de  mizericordia  ao  quererme  V.  Senhoria 
libertar  ,  naõ  do  defterro  ,  fe  naõ  do  frio 
que  com  eftas  neves  vay  infoportavel ,  fobrc 
a  experiência  d'ellas  ,  agora  faz  dous  ân- 
uos ,  me  porem  tantos  mezes  em  huma  ca- 
Tom^  /,  ff  ma 


ii6  CARTAS 

ma ,  e  me  terem  nella  morto  tantas  vezes,, 
mas  naò  he  tanto   o  dezejo  que  tenho  de- 
me  livrar  defte  clima  ,  quanto  o  de  paíTap 
a  algum  fitio  onde  pudefTe  ver  ,  e  ouvir  a 
V.  Senhoria  e  fallar  alguma  couza  fobre  os 
futuros  ,   naõ  fó  da  eternidade  ,   fenaõ  do 
tempo  ;  mas  eftes  tem  feos  momentos  ,  qu^e 
Pater  pofmt  m  fuapotefiate.  Elle  governe  tu- 
da, como  for  mayor  gloria  íua. 
-l>iO  Padre  Joaõ  Pimenta  tem  remetido» 
livro ,  pofto  que  ainda  naõ  he  chegado.  Da^. 
lhe  grande  cuydado  hum  negocio   que  terti- 
do  Rio  de  Janeiro  no  Tribunal   de  V.  Se-. 
nhoria  ,   efpero  que  V.  Senhoria  me  façài 
nelle  todo  o  favor  poflivel  ,    porque  tàm-^ 
bem  fou  parte.    Sempre  eftou   aos  pes   de 
meo  amo  o  Senhor  Marques  ,   cuja  vida  e 
eftado,e  o  deV.  Senhoria  guarde  eprofpe- 
pere  Deos  como  dezejo  e  havemos  mifter. 
Coimbra.  19  de  Janeiro  de  166^. 

Capellaõ  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 


Ar  í  . 
ntoilio  "Vieyra. 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     227 


CARTA  LII. 

ÁT^*  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR  :  Anda5  taõ  retardados  os 
correyos  que  na5  he  muito  faltaffc 
_  carta  minha ,  havendo  efcrito  em  to- 
dos ,  e  neftes  últimos  com  mayor  cuydado, 
pelo  em  que  V.  Senhoria  ficava  :  agora 
dou  as  devidas  graças  a  Dcos  pela  grande 
mercê  que  nos  fez  em  livrar  tam  breve- 
mente delle  a  V.  Senhoria ,  e  a  todos  j  ao 
menos  eu ,  ou  pelo  que  amo  ,  ou  pelo  que 
.temo  ,  nunca  me  perfuadi  que  V.  Senhp- 
cia  pudeíTe  fazer  a  jornada  de  Salvater- 
ra ,  e  mais  em  tempo  taÓ  rigorofo ,  mas  z 
Providencia  Divina  fabe  muito  bem  quan- 
do e  onde  hade  aplicar  a  eípecialidade  de 
feos  poderes.  A  do  favor  que  V*  Senhoria 
me  refere,  he  mayor  que  a  capacidade  que 
eu  tenho  para  o  faber  eftimar  ,  e  aflim  co- 
mo o  creyo  por  fé  ,  o  venero  com  o  mais 
humilde  e  affeétíiofo  filencio  ,  mas  he  tal 
a  minha  fortuna  ^  que  athè  para  naõ  fer 


2-1?  ^  '.A:idCA'KT  AS 
ingrato  me  acho  com  as  mãos  atadas ,  íein 
poder  levantar  apenna  da  Obra  que  tenho 
avizado  a  V.  Senhoria  na  qual  há  mayor 
fegredo.  _ 

Lembre-fe  V.  Senhoria  de  certo  nego- 
cio, em  que  eftando  eu  neíía  terra  me  fez 
mercê  ò  Senhor  Marques  de  querer  ter  par- 
te ,  e  daqui  infirirà  V.  Senhoria  qual  po- 
de fcr  a  matéria  ,  e  inevitável  o  impedi- 
mento. O  tempo  he  com  limitação  ,  e  os 
tempos  com  diíFerença  ,  e  eu  combatido 
de  todos  os  elementos  ,  com  falta  de  todo 
o  abrigo  ,  em  clima  taõ  contrario  ,  e  ini- 
migo da  vida  como  íèmpre  experimentey , 
mas  efta  e  outras  muitas  couzas  que  deze- 
jara  fallar  com  V.  Senhoria,  naõ  faõ  para 
papel.  Deos  me  dè  paciência  e  a  V.  Se^ 
nhoria  guarde  muitos  annos ,  como  dezejo, 
e  havemos  mifter.  Coimbra,  zdú  de  Janeiro 


nno  j 


.:^ 


de  i66j, 

Capellaõ  e  menor  Creado  de  v. ' 
,  Senhoria, 


António  Vieyra. 

CAR- 


v^ 


DO  P,  ANTÓNIO  VIEYRA.      iip 

CARTA  LIII. 

A  T>.  Rodrigo  de  Menezes, 

ENHOR  :  Muito  mal  me  vay  com 
a  auzencia  de  V.  Senhoria  ,  porque 

naõ  fó  tardaõ  os  correyos ,  mas  ene- 

gaÕ  íêm  carta ,  e  tudo  acrefcenta  o  cuyda- 
do.  Já  nos  livramos  dos  primeiros  fuftos 
<jtie  foraÕ  de  tempeílades  ,  naufrágios  ,  e 
outros  dezaftres  ,  agora  nos  tem  em  ííif- 
penfaõ  as  fangrias  de  S.  Mageftade  ,  que 
ainda  fe  naÕ  averigua  fe  faõ  efíeitos  da  mon- 
taria ,  ou  de  doença.  Bem  pudera  (  Dcos 
o  guarde  )  dezeílimar  menos  a  faude  ,  e 
arrifcar  menos  a  vida  ,  pois  vivem  tantos 
Hella.  Por  cà  fe  falia  em  morte  do  Papa,  e 
delRey  Phelipe,  ambas  por  via  de  Caftella , 
e  por  iffo  dignas  de  menos  credito  ,  fe  af- 
íim  fofle  jà  o  Cometa,  como  diziaõ  os  an- 
tigos,  fe  tinha  expiado  5  os  efíeitos  que  tem 
cauzado  nos  elementos ,  faÕ  violentiííimos , 
ainda  hum  dia  deftes  deo  a  cofta  com  hum 
fíavio  do  Para  ,  de  que  efcaparaõ  alguns 

■^.IC^Sr  ho- 


^ 


i 


130  "  CARTAS 

homens  ,  e  ainda  faõ  mais  laftímofas  as 
novas  que  daõ  daquella  gentilidade  ,  onde 
a  juftiça  de  Deos  Ibbre  os  Portuguezes  ,  c 
a  juftiça  dos  Portuguezes  fobre  os  mifera- 
veis  índios,  parece  que  competem.  Kaõ  fa5 
boas  as  difpofiçoens  para  Deos  nos  fazer 
as  mercês  que  efperamos  ,  e  dar  vidorias 
aos  que  ta5  mal  defendem  fua  cauza:  me- 
lhores fa5  as  novas  que  fe  mandão  de  Al- 
•dagalega  ,  e  feaffirmao  por  certas.  V.  Se- 
nhoria, pois  eftâ  da, parte  de  Alemtejo , fe 
íírva  de  me  dizer  ,  o  que  heide  crer  nefte 
accidente  ,  que  na  luftancia  da  fé  ,  naõ 
hey  mifter  inftruido.  Guarde  Deõs  aV.  Se? 
Tihoria  muitos  annos  como  dezejo  e  have- 
mos mifter.  Coimbra  3  de  Fevereiro  de  166  f^ 

Capellaõ  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 


António  Vieyra. 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA     23 1 

CARTA  LIV. 

AT).  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR:  Muitos  dias  havia  me  fal- 
tavaó  novas  de  V.  Senhoria ,  mas  ho- 
_  je  15  de  Fevereyro  recebo  huma  de 
V.  Senhoria ,  efcrita  em  16 :  tempo  em  que 
pudera  vir  de  Itália  ,  e  ainda  de  mais  lon- 
ge :  mas  como  Y.  Senhoria  pafle  com  a 
feude  que  dezejo  ;  ècom  o  goílo  que  con- 
fidero,  os  inconvenientes  da  diílancia  ,  e 
do  tempo  todos  tem  reílauraçaõ ,  como  eu 
experimento  fempre  que  V.  Senhoria  me 
faz  ínerce  de  carta  fua.  Os  exceíTos  deftas 
invernadas  tudo  trazem  defcompoíto,  quei- 
ra  Deos  que  o  Cometa  naõ  defcomponha 
mais  que  os  elementos  ,  como  muito  temem 
os  médicos  defta  Univerfidade  :  elle  hà  dias 
que  defappareceo  defta  banda  ,  mas  por 
hum  Navio  do  Para  que  aqui  deo  à  cofta , 
foubemos  como  là  fora  vifto  aos  1 1  de  No- 
vembro, que  he  hum  mez  antes  do  que  ci 
apparecelie,  ou  fe  advertio  nelle.  O  prog^ 

noftico 


iji  C  A  R  T  A  S 

noftico  que  V.  Senhoria  me  fez  mercê  man- 
dar, diz  oquediziamos.  Deos  fó  fabe  o  que 
quer  fignificar-nos  com  elle  ,  c  os  effeitos 
no  lo  diraõ  ,  pofto  que  fora  bom  eftar  pre- 
venidos para  todos.  Eu  pafley  eftes  oyto 
dias  em  exercicios  ,  que  foy  a  cauza  de  na5 
efcrever  o  correyo  paílado,  mas  feymetaõ 
mal  aproveitar  do  conhecimento  que  Deos 
nelles  coftuma  dar,  que  temo  que  feja  pa- 
ra mayor  confuzaõ  :  as  cartas  de  v.  Se- 
nhoria ma  cauzaÕ  muy  grande  fempre  ,  e 
me  parece  que  as  montarias  de  V.  Senho- 
ria Ía5  como  as  de  S.  Francifco  de  Borja  , 
de  que  também  fe  podem  aproveitar  os  com- 
panheiros. Beijo  a  maõ  a  V.  Senhoria  pe- 
los Fragmentos  de  Santo  Ifidoro  :  também 
me  chegou  quaíi  no  mefmo  tempo  o  livro 
do  Abbade  Joaquim  ,  que  eftimey  quanto 
na5  fey  encarecer  a  V.  Senhoria  ,  porque 
vem  no  mefmo  volume  obras  varias  de  ou- 
tros Authores  daquelle  tempo  ,  que  eu  ti- 
nha curiofidade  de  ver  ,  e  por  naõ  me  pa- 
recer que  fe  podiaÕ  achar,  deixava  de  fazer 
diligencia  por  ellas.  Corre  que  osCaftelha- 
mos  naõ  fazem  campanha ,  efe  daõ  ascau- 
zas  :  nem  huma  ,  nem  outra  couza  creya 

athe 


DO  P.  ANTÓNIO  VíEYRA.  235 
àtlie  V.  Senhoria  mo  naÕ  dizer.  Ao  Se- 
nhor Marques  meo  amo  beijo  a  maõ.  E 
Deos  me  guarde  a  V.  Senhoria  muitos  an- 
nos  como  dezejo  e  havemos  mifter.  Coim- 
bra ij  de  Fevereiro  de  166 j. 

Capellaõ  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 


António  Vieyra. 


CA 

^  Z).  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR  :  Com  todo  o  coração  fin- 
to que  V.  Senhoria  paíTe  com  acha- 
ques j  mas  pois  elles  fe  aggravaraõ 
com  a  incommodidade  de  Salvaterra  ,  eí- 
pero  que  com  a  mudança  e  melhoria  do 
lugar  tenhaÕ  remitido  de  todo  ,  e  V.  Se- 
nhoria efteja  reftituido  à  inteira  faude  que 
dezejo  a  V.  Senhoria  e  anoíTo  Senhor  pe- 
Tom.  /,  Gg  ço 


%y4  '^"^  R  T  A  S  : 

ço  fempre  em  todas  as  minhas  oraçoens  e 
facrificios.  Também  confidero  outras  con- 
veniências em  V.  Senhoria  antecipar  a  vin- 
da de  S.  Mageftade ,  que  a  tudo  da  motivo 
efte  mào  mundoem  que  vivemos.  Eu  paílo 
como  permite  origor  do  tempo ,  efcarrando 
vermelho,  que  naò  he  boa  tinta  para  quem 
eftâ  com  a  penna  na  maÕ  ,  mas  a  tudo 
obriga  na5  lo  o  gofto  ,  fenaõ  também  a 
neceíTidade.  Ifto  he  o  que  fignifiquey  a  V, 
Senhoria,  de  cujo  favor  e  do  Senhor  Mar- 
quês y  que  Deos  guarde ,  me  valerey  quando 
a  verdade  fe  naò  poffa  defender  por  íi  mef- 
ma  :  mas  á  matéria  fendo  para  muito  pa- 
pel,  na5  he  para  efte.  Athe  a  efperança  fe 
nos  tolhe  que  he  o  ultimo  allivio  que  nin- 
guém tirou  na  mais  trifte  fortuna  aos  mais 
defafortunados.  V.  Senhoria  pela  mercê 
que  me  faz ,  naò  tome  pena  pelo  que  digo, 
<:|ue  o  meo  coração  he  muito  grande  ,  e 
muito  coftumado  a  navegar  com  grandes 
tormentas ,  e  fó  me  falta  nefta  o  allivio  da 
communicaçaõ  de  V.  Senhoria ,  que  de  tu- 
do o  mais  me  rio ,  e  verdadeiramente  he  pa- 
ra rir.  Bem  apropofito  da  tormenta  vinha, 
agora  o  Senhor  Santelmo.    Dizia  o  noíTo 

Prin- 


~       DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     235 
Princepe  que  naõ  havia  peor  gente  que  os 
femidoutos  ,  (  e  ainda  faõ  peores  fem  boa 
'Tontade  )  Deos  fabe  o  que  faz  ^   e  porque,- 
e  para  que.   Se  eu  pudera  tomar  as  liçoens 
que  V.  Senhoria  me  da   com  o  feo  exem- 
plo da  conformidade  com  a  vontade  Divi- 
na, nenhuma  coufa  me  faltava,  mas  ainda 
4^ue  na5  chego  a  padecer  com  alegria,  fof- 
fro  com  paciência ,  e  he  tal  o  coftume  que 
pôde  parecer  conftancia.  Também  ifto  pô- 
%le  fer  Cometa  dos  que  V.  Senhoria  diz  fe 
vem  todos   os  dias  ,   o  noíTo  fe  vio  ainda 
-menos  ha  de  quinze  ,  e  hontem  falley  com 
outro  Religioío  mathematico ,  dos  que  efca- 
paraõ  do  naufrágio  do  navio  do  Maranhão, 
<me  me  diíTe  fora  viílo ,  naõ  fó  no  mar  aos 
12   de  Novembro  ,  como   avizey  a  V.  Se- 
nhoria, mas  muitos  dias  antes  em  terra  ,  e 
que  era  lá  muy  vermelho  ,  e  afogueado  ao 
principio  ,   e  que  logo  diflera  hum  Padre 
Alemão  que  anda  naquella  MiíTaõ,  bom  ma- 
therÃatico  ,   que  era  univerfal.   Se  appare* 
cerem  cartas  dos  Padres  de  que  tenho  al- 
gumas efper ancas ,  ellas  diraõ  com  alguma 
miudeza  o  que  lá  fe  vio.  De  Caftella  vie- 
raõ  ao  Porto  dous  prognofticos ,  que  mandey 

Ggij  pedir 


23<í  CARTAS 

pedir  ,  fe  mos  mandarem  hiraõ  a  V.  Senho- 
ria. Dizem  que  efte  Cometa  he  parecido  em 
tudo  ao  delRey  Dom  Sebaftíaõ  ,  é  que  af- 
íim  como  aquelle  íignificou  a  fugeiçaõ  de 
Portugal  a  Felippe  Segundo  ,  aífim  efte  a  Fe- 
lippe  Quarto.  Mas  o  noíTo  Mercúrio  nos 
fegura  de  todos  eftes  temores  com  o  pouco 
•medo  que  tem  as  prevençoens  de  Caftella. 
Quererá  Deos  que  affim  feja.  Pela  mercê 
que  V.  Senhoria  faz  ao  Padre  Procurador, 
beijo  mil  vezes  amaÔ  aV.  Senhoria.  Guar- 
de Deos  a  V.  Senhoria  muitos  annos  como 
dezejo  e  havemos  mifter.  Coimbra  23  de 
Fevereiro  de  166^» 

Capelkõ  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 


António  Vieyra^ 


CAR- 


^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     237 


CA 

A  T).  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR  :  Sinto  que  os  achaques  de 
V.   Senhoria  fè  hajaõ  dilatado  tan- 
to tempo  ,  mas  os  tempos   naõ  vaõ 
^para  menos  ,   fe  faõ  em  Lisboa ,  como  em 
Coimbra.     Tal   rigor  ,    e    tal    variedade 
nunca  fevio.    O  noílo  Doutor  Sanfins  te- 
ine  que   os   eíFeitos   deftas   cauzas  ,    e  da 
celefte  que  as  move  fejaõ  peores  ,    e  mais 
.geraes  ,     mas  ao  ccafiaõ  que  nos   damos 
ao  Geo  e  aos  elementos ,  he  a  que  mais  fe 
deve  temer  como  V.  Senhoria  teme.   Bas- 
tante inimigo  era  Caftella  para  querermos 
ter  a  Deos   da  noíTa  parte  :   terrivel  couza 
lera  fe  tivermos  ambos  eftes  poderes   con- 
tra nos.  Por  cáfoa  que  fazem  os  Caftelha- 
nos  mayores  esforços  que  nunca.    Dos  fa- 
vores últimos  ,  e  das  felicidades  que  Deos 
tem  <apparelhadas  a  Portugal  ,eftoufempre 
certo  com  amefma  firmeza ,  mas  antes  del- 
ias naõ  fey  fe  nos  quererá   Deos  purificar 
'-    --  com 


23^  CARTAS^ 

com  algum  grande  açoyte ,  pois  nos  o  naõ 

fazemos  com  a  emenda. 

Sobre  aquelle  particular  torney  a  dizer 
alguma  couza  a  V.  Senhoria  nas  ultimas 
cartas  ,   e  procurey  dallo  mais   a  entendet 
pelo  que  fe  zela  o  fegredo  deftas  matérias. 
Quando  me  feja  neceííario  o  favor    de  V. 
Senhoria ,  recorrerey  a  elle  com  a  confiança 
que  V.  Senhoria  me  merece.    Ao  Senhor 
Marques  que  Deos  guarde  ,  beijo  a  màò  :  ef- 
timarey  me  diga  V.  Senhoria  quando  par- 
te para  Alem-tejo  ,    e  com  que  fatisfaçaõ 
dás  aíTiftencias;  em  meos  facrificios  menaò 
efqueço  nunca  de  os  fazer  pela  felicidade 
de  toda  aCaza  de  V.  Senhoria.  Deos  guar- 
de a  V.  Senhoria  muitos  annos.  Coimbra,  z 
de  Março  de  166^. 

Capellaó  e  menor  Creado  de  V.: 
Senhoria, 


António  Vieyra. 


CAR^ 


DO  Pr  ANTÓNIO  VlEYílA. 


CARTA  LVII. 

yíT>.  Rodriío  de  Menezes. 


oj-ff: 


ENHOR  :  Muito  eftimo  fempre  as 
novas   de  V.   Senhoria  ,   e  defta  ves 
_     ellimey  também  como  já  dilTe  o  acha- 
.que  pela  occafiaõ  em  que  veio ,  e  pelo  íufto 
de  que  me  livrou,por  razaõ  das  novas  que  por 
eita  banda  corriaõ,  que  naõ  fey  como  o  meo 
coração  fe  havia  de  acomodar  com  efcrever 
a  V.  Senhoria  de  Março  a  Março ,  quando  as 
monçoens  do  correyo  de  cada  femana  me 
parece  tardaõ  tanto.  Jâ  agora  fevaõ  pondo 
mais  em  ordem  ,  mas  a  primavera  naõ  a- 
caba  de  chegar :  eftes  faõ  os  effeitos  Satur- 
ninos que  caufa  o  Cometa,  e  também  naõ 
taltao  os   de  Marte.    Fica  prezo  Salvador 
Corrêa  por  hum  defafio,e  António  de  Sal- 
danha pelo  haver  apadrinhado ,  havendo  fi- 
^o  eita  pendência  eíFeito  de  outra  mais  pu- 
blica. Roque  Monteiro  também  ellâ  prezo 

por 


i 


^^o  CARTAS 

por  outra  valentia.  NaÒ  fey  fe  prognoftíca 
iílo  ,  ou  aconíellia  que  atliè  os  eftudantes , 
e  Clérigos  devem  tomar  as  armas  ,  e  aíTim 
erá  bem  que  foíTe ,  e  que  ninguém  trataííe 
de  outra  coufa ,  fe  he  verdade  como  íe  el- 
creve  ,  que  o  inimigo  faz  dous  exércitos  , 
e  que  'Marcim  paffa  a  governar  o  de  Ga- 
liza, ficando  Carracena  em  Alem-tejo.  Li- 
vre-nos  Deos  do  terceiro ,  que  he  o  que  eu 
mais  temo,  e  por  parte  donde  fe  teme  me- 
nos. Vi  o  Prognoftico   de  JoaÕ  Nunes   da 
Cunha  em  que  refponde   ao  de  Caftellá  ^ 
que  fe   promete    eíle   anno  a   reftauraçao 
de  Portugal:  elle  diz  que  as  vidoriashao- 
de  fer  noffas  ,  os  perigos  em  Veneza  ,  e 
:  Conftantinopla  ,  e  as  doenças  graves  com 
pericTo  de  contagio  em  toda  Efpanha  :  bom 
he  hir  para  a  índia  em  tal  tempo      mas 
Deos  heSenbor  dos  tempos    Bom  fora  pa- 
ra tudo  fe  tomaíTe  o  confelho  de  V.  Se- 
nhoria ,   e  que  fizeffemos  muito  todos  por 
merecer  as  mizericordias  ,  e  naÕ  provocar 
os  cafticros.  Guarde  Deos  a  V.  Senhoria  mui- 
tos anãos  como  dezejo  e  havemos  miiter, 
e  a  meo  amo  o  Senhor  Marques  aè  osluc- 

ceiíos  que  eu  dezejo  epeço  em  meos  íacn- 
■*•  JICIOS* 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     241 

ficios.  Coimbra  p  de  Março  de  i(Jdj.      ^ 

Capellaõ  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria.  -^n£d.<jmí;K 

António  Vieyra^^^^^S 


■  !lâ- 


?;íf;'fri' 


CARTA  LVIII 

yfZ).  Rodrigo  de.Meneg^s,„ 

ENHOR  :  Eftou  de  correyo  para  o 
Maranhão  ,  e  nem  por  iíío  tenho 
muito  que  efcrever  ,  porque  as  car- 
tas de  là  comeoas  o  mar  ,  e  as  de  cá  na5 
podem  levar  o  allivio  que  os  naufrágios,  que 
aquellas  triftes  Chriftandades  padecem ,  ha- 
viaõ  mifter.  Prenderaõ-fe  os  Paftores  /  e 
foltaraõ-fe  os  Lobos  ,  e  na5  tem  Chriílo 
quem  acuda  pelo  feo  rebanho  :  naÕ  pôde 
haver  mayor  laílima  ,  que  eftando  eu  há 
ires  annos  em  Portugal ,  me  tenhaõ  em  par- 
te,onde  naõ  poíTo  fallar ,  e  em  eftado  que 
^^^ftá  Hh  me 


t42^  .A,;!YHC/'A:R  T  A.-S..''  '■-'^ 
me  naoqueiraõ  ouvir.  Como  me  temo  da- 
quella  fentença  :  JAneam  fuam  locahit  alils 
agricoM  Se  eu  efearrara  vermelho ,  e  me  dei- 
xarão fallar  claro  ,  dera  por  bem  empre- 
gado o  fangue  que  tantas  vezes  arrifquey 
por  efta  cauza,E  com  tudo  ifto  efperamos  que 
Deos^  nos  faça  mercês.  Seja  fua  paciência, 
bemdita  que  tanto  foffre.  Mas  diz  elle ,  e 
mais  fallando  dos  noíTos  tempos  :  F^  qui 
prdeâàésimmc  ipfe pradaherh}  Em  occafia5 
eftamos  que  tudo  pôde  fucceder.  Bem  ha- 
via5  eftas  tempeftades  mifter  os  milagres 
de  Santelmo,  mas  quem accende os  Come- 
tas he  aquelle  Deos,  aquém  os  Santos  na5 
rogaõ  ,  quando  quer  o  que  quer  ,  ou  per- 
mitte  o  que  naõ  quizera. 

O  cazo  do  Sermaõ  he  muito  digno  do 
reparo  que  V.  Senhoria  faz  5  elle  fe  pedio^ 
com  grandes  inftancias  ,  e  por  diverfas  vias, 
e  ha  oyto  mezes  que  fe  refifte  efta  profia, 
athè  que  finalmente  naõ  houve  outro  re- 
médio pelas  caufas  ,  e  confideraçoens  que 
V.  Senhoria  ouvirá  algum  dia.  Foy  em  fe- 
gredo  ,  mas  no  mefmo  dia ,  fegundo  efte  a- 
vizo  de  V.  Senhoria ,  devia  de  fe  romper  , 
que  fó  as  gavetas  de  V.  Senhoria  o  fabem 


euar- 

o 


DOP.  ANTÓNIO  VIEYRA.     245 

guardar:  por  efta  fineza  beijo  mil  vezes  os 
pês  de  y.  Senhoria,  e  peço  a  V.  Senhoria 
feja  fervido  de  que  ella  fc  continue  namefr 
jna  fórma, porque  pareça fingulareilemeo 
obfequio, ou  violência:  Os  myfterios,  que  en- 
cerra efte  appetite,  naõ  os  entendo,  e  naõ 
paraõ  fó  nos  Sermoens  :  por  todos  os  mo- 
dos  me  querem  Ijer  ,    os  quQ  me  naõ  que- 
rem ouvir,  e  osmediadore,$  defte  trato,  me 
aíleguraõ   delle  as  confequencias  ,   que  V. 
Senhoria  pôde  confiderar  ,  e  como  me  im- 
porta tanto  fer  ouvido  naquelle  negocio  de 
mayor  cuydado  ,  à  tudo  me  vou  fugeitando, 
e  tenho  fugeito.  O  mayor  fentimento  meo, 
he  que  pofla  alguém  ler coufa  minha,  ain- 
da que  fejaõ  fó  duas  félhas  de  papel ,  fem 
V.  Senhoria  a  aprovar  primeiro  ;   mas  to- 
das eftas  violências  fe  podem  foíFrer  pelo 
intereíTe  de  me  poder  ver  aos  pês  de  V.  Se- 
nhoria, que  he  a  minha  mayor  anci^.  A 
Obra  fevay  jâ  copiando  quanto  ao  primei- 
ro tomo  ,  que  eu  quizera  fe  naõ  retardara 
muito  ,  mas  a  matéria  tem  em  Portugal  as^ 
diíEculdades  ,que  experimentaõ  outras  me- 
nos -novas  ,   e  para  tudo  era  neceíTaria  a 
prezença.  Nefte  correyo  efpero  alguma  re- 

Hh  ij  foluçaõ, 


244  "^^^^^  CARTAS 
foluçaõ  ,  ou  noticia  do  que  fe  pôde  efpe- 
rar  ,  de  que  farey  logo  avizo  a  V.  Senho- 
ria. Ao  Marquês  meo  amo  5  eaV.  Senhoria 
beijo  a  maõ  mil  vezes,e  Deos  me  guarde  a  V. 
Senhoria  muitos  annos  como  dezejo.  Co- 
imbra 16  de  Março  de  166  <y, 

Capelkõ  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 

".  AfliíOttiQ  Vieyra.     ,^, 


%>.Rodrig()  deMemz.es. 


V'  ,!iU 


'10 1:. 


;l:ENHOR' :  Nao  poílb  deixar  de  me 
admirar  com  V.  Senhoria  da  varie^ 
,,_,  dade  do  tempo,  a  qual  nefte  mefmo 
dia:  tem  fido  tal,  que  amanhecendo^  muito 
elaro,eftâ  a  tarde  com  tal  cerração^ ,  que 
parece  noyte  fechada :  fortiíTimas  fa5  as  in-* 
fluencias  daquelle  metheoro  5  e  a  mais  du-^ 

ra 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     14^ 

íà,  de  todas  ,  he  a  que  V.  Senhoria  confi- 
d^ra  na  dureza  dos  coraçoens  ,  nos  quaes 
vejo  os  mefmos  eíFeitos  ,  fem  haver  quem 
fe  lembre  de  que  Deos  nos  pôde  caíligar  , 
nem  ainda  aquelles ,  que  tem  por  oíEcio  fa- 
zer eftas  lembranças.  Hontem  fe  me  efte- 
ve  queixando  Sanfins  dos  Pregadores  ,  aos 
quaes  fe  naõ  ouve  palavra ,  que  fe  conforme 
com  as  ameaças  do  Ceo ,  devendo  fer  as  fuás 
vozes  o  pregão  daquelle  açoyte  :  todo  o 
meo  temor  he  que  antes  das  efperadas  feli- 
cidades dê  Deos  alguma  grande  fatisfaçaò 
á  fua  juftiça.  Se  o  Papel  he  de  Carr acena, 
clle  bem  tem  pofto  o  ponto  ,  mas  ha  mif- 
ter  muita  pólvora  para  ta5  grande  tiro. 
Quanto  folgara  agora  Lisboa  de  fe  ver  for- 
tificada! O  peor  que  tem /he  a  ííia  mefma 
fama  ,  porque  huma  vez  que  o  inimigo  le 
delibere  aefla  empreza,  medindo  as  forças 
com  a  opinia5  ,  neceíTariamente  haÕdefer 
muy  fuperiores  ao  que  conhecemos  os  de 
caza.  Como  temo  que  a  Babylonia  Euro- 
pea  ,  feja  Babylonia  na  confuzaõ  ,  nao  o 
fendo  nos  muros  y  inenicifirds  defeníbres;  f 
mas  bafta  fello  nos  peccádos^iVg  Senhoria!, 
aplicará  a íemelhança do  texto  ao  demais, 
'  ',  que 


Z4Ó  CARTAS 

que  eu  naò  digo.  Deos  nos  dê  a  utiuo  que 
V.  Senhoria  dezeja  nos  pequenos ,  nos  Gran- 
des ,  e  nos  Mayores. 

A'cerca  do  Papel  que  V.   Senhoria  vio 
naquella  ma5,  tenho  já  dado  a  V.  Senho- 
ria as  noticias  ,  mas  nunca  poderey  expli- 
car o  fentimento ,  que  tenho  defta  violência, 
que  tem  fido   a  mais  profiada ,  que  fe  pôde 
imaginar,  e  como  fe  pedio  para  hum fini, 
que  fey  V.  Senhoria  muito  dezeja,  fuppus 
que  V.  Senhoria  haveria  por  bem  ,  que  eu 
cortaíTe  efte  pequeno  retalho  da  peça,  pa- 
ra que  o  principal   comprador  julgaíTe  fe 
lhe  fervia  ,  ou  o  fervia.  Por  efta  caufa  fiz 
eleição  daquellesCapitulos,mais  capazes  por 
foa  matéria ,  da  aceitação  de  S.  Mageftade , 
ainda  que  a  Obra  toda  vem  a  fer  fua  ,  mas 
as  outras  partes  delia  neceífitaõ   de  fé  ,   e 
para  eftabafl:a5  os  olhos  :  fe  por  eftemeyo 
fe  confeguir  que  a  impreíTaô  fè  và  fazer  onde 
V,  Senhoria  emende  as  erratas,  efcuzarme- 
hà  o  trabalho  de  mandar  em  pedaços  to- 
do o  livro,  em  que  naõ  quero  que  haj^  pa- 
lavra,  que  V.'  Senhoria  naõ  aprove  primei- 
ro ;  dando-me  efta  confiança  a  mercê  cjue 
y. 'senhoria me  faz,  mas  fe  naõbaftarefte 

obfequio 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     147 

obfequio  para  que  fe  conceda  (  pofto  que  na5 
fe  pede  )  a  mudança  de  lugar  j  tenho  por 
certo  que  morreijáõ  os  trabalhos  ,  e  íe  íe- 
pultaràõ  antes  dènaçidos,  porque  para  fa- 
íiirem  a  luz/tem  adifficuldadeyque  jà  re- 
prezentey  a  V.  Senhoria  ,  que  ío  fe  pode- 
rá vencer  com  a  prezença ,  e  ainda  com  a 
authoridade  Real  ,  que  he  também  hum 
dos  fins, por  onde  me  pareceo  aceitável  a 
abertura  defte  caminho. 

Sobre  Efdras  tenho  eu  algum  penfamen- 
eo ,  que  terey  por  verdadeiro  ,  em  quanto 
naõ  vir  outro  que  melhor  acertaííe,  eaíTim 
eftimarey  muito  que  V.  Senhoria  me  par- 
ticipe o  novo  Comento. 

lA  meo  amo  o  Senhor  Marques  dezejo 
toda  a  felicidade  ,  o  anno  e  as  promeíTas 
dejle  faò  muito  para  Deos  as  metter  nas 
mãos  de  S.  Excellencia.  Eu  o  peço  aíTim  ao 
mefmo  Senhor  em  todos  meos  facrifícios  , 
e  que  me  guarde  a  PeíToa  de  V.  Senhoria 
eomo  dezejo  e  havemos  mifter.  Coimbra 
23  de  Março  de  166^. 

Capellaõ  e  meapr  creado  de  V.  Senhoria. 

António  Vieyra. 

CAR- 


>>»3^' 


CA  R  T  A  S 

CARTA  LX. 

A  T).  Rodrigo  de  Menezes^ 

ENHOR  :  Por  via  do  Padre  Joaõ  Pi- 
menta procurey  fe  dèíTe  conta  a  V.  Set 
\^  nlioria  da  caufa  porq  faltey  com  carta: 
eu  fenti  a  doença  dia  de  Ramos  ;  os  Médicos 
diffimularaõ  os  remédios  athè  dia  de  Pafcoa  , 
e  de  entaõ  para  cà  continuaõ  as  fangrias  dos 
pês  c5  outros  martyrios.  Faltoume  o  Doutor 
Sanfins  por  morte  de  fua  mulher.  Outro  me-* 
dico  q  nos  cura ,  que  na5  he  de  grande  fama^,' 
entende  que  o  mal,pofl:o  que  dê  moleftia,na5 
fera  de  perigo^mas  depois  que  eftou  na  cama, 
morrerão  nefta  enfermaria  dous,  eeftâpara 
morrer  terceiro  ;de  doenças  muito  breves ,  e 
fa5  mais  fó  os  meos  annos  q  os  de  todos  três  ^ 
os  tempos  va5  terriyeis  ,  e  o  Cometa  ,ou  feja 
outro,  ouo  mefmo  (  como  fe  cuyda )  naõ  dei- 
xa de  ameaçar.  Eftimo  eu  muito  que  V.  Se* 
nhoria,e  meo  amo  o  Senhor  Marques,  pâífem 
com  afaude  que  havemos  mifter.  À  Primave- 
ra fe  apreçou  afeccar  a  campanha  mais  doó 


DO  P.  ANTONÍÔ  VÍEYRA.    14^ 
fè  cuydava ,  e  fe  os  apreftos  do  inimigo ,  co- 
mo por  cà  íba  ^  forem  tamBem  maritimos , 
naõ  leme  daria  a  mim  nada  que  S.  Excellen- 
cia  fe  detiveíTe  muito  em  Lisboa  e  os  aloja 
mentos  do  Exercito  foíTem  nos  arredores  dèl^ 
la, de  huma  e  outra  parte  do  Tejo,  com  que  a 
cabeça  do  Gigante,  e  todos  os  lugares  de  ma- 
yor  perigo  ficavaõ  feguros,  e  quando  o  ini- 
migo tiveffe  outro  intento,  parece  fe  podia 
acudir  dali  taõ  promptamente,comode  qual- 
quer outra  parte.   Perdoe  V.  Senhoria  efte 
delirio ,  que  lie  de  quem  já  começa  a  fentir  os 
princípios  do  crecimento.  Das  negociâçoens 
da  embaixada  de  Inglaterra ,  e  França ,  nem 
Embaixador  tenho  noticia  alguma,  nem  o 
cftranho ,  porque  os  tempos  naõ  faõ  fempre 
©s  mefmos,fó  ouço  por  varias  vias,que  alguns 
dôs  deípofados  fe  naõ  contetaõ  muito  do  cõ- 
tratado  ,  ou  do  ofFerecido ,  que  também  naõ 
fey  debaixo  de  qual  deftes  nomes  fe  encobrem 
m  myfterios  delle  fegredo.  Deos  nos  efcolha 
em  tudo  o  melhor,  e  a  V.  Senhoria  guarde 
(muitos  annos,como  dezejo  e  havemos  mifter. 
Coimbra  13  de  Abril  de  i(3^5r. 

Gapellaõ  e  menor  creado  de  V.  Senhoria;' 
,.<'  António  Vieyra. 

4^7im.  L  li  CAR- 


^r 


iyo 


CA  RT  á  S 


CA  R  T^  4 

SENHOR  ;MuHoçftÍmí>tquéíl^bS^ 
nhoria  haja  paflado  com  bem  o  trabaj 
lho  da  Semana  fanta ,  e  fe  elle  foy  ta5 
glpande ;í;omo  íe  çfcrev^  por  mmí as  vias  ^  at 
indahe  mais  para  eftimar,  e  íeriaõ  as  Paícoá^ 
verdadeiramente  taÕ  alegres  como  eu  as  d€:j 

íz€JeyaV.Senhoria.  ^% 

l     As:miaha3GotitÍOTap>Gomo  começarão  5í» 

í^ntem  %  Qj di^  ^ji  ^a  doença,e  hoje  na5ii€ 
ainda  o  primeiro  dainelhoria.Eíperambs  por, 
Sanfins  para  fe refolver  o  modo  que  Ç?>hm^ 
tomar  na  cura.  Na5  era  por  certo  eíle  o  temr!^ 
po  em  que  eu  menos  houveffede  íentir  o  ver- 
me aíTim  impedido ,  mas  he  bem  que  fe  faça  a 
vontade  de  Deos  e  naô  a  noíTa.  As  doenças, 
vaõ  picaíwia,e  fa^endo-íe  malignas.  Conler-> 
veDèos  a  V.  Senhoria  âfaudeque  havemos 
mifter,  que  nas  que  importaõ  taô  pouco ,  me-? 
nos  he  ainda  o  que  fe  perde.  Verdadeiramen-; 
te  que  naõ  eraõ  eftes  annps.emque  entramos, 
.  para 


DO  ?.m^fòmú  vtTíKA.  ^i 

para  morrer.  Hontem  aíErmou  hum  Cónego 
defta  Sé  ^Manoel  dos  Reys  de  Carvalho,  q  na 
vefpera  do  dia  em  4  o  Cometa  voltou  à  cau- 
da para  o  Oriente ,  o  vira  elle,  e  toda  a  fua  fa- 
milia  correr  com  grande  prefla  para  o  lugar 
onde  eftava  a  Lua ,  e  metter  a  cauda  pelo  me- 
yo  dellâV  è  quê  efte  taõ  extraordinário  mov  i- 
metito  fora  taõ  apreííado ,  e  íenfivel ,  que  o 
diftinguiaõ  e  notava5  claramente  os  olhos. 
Dizem-me  que  he  peflba  digna  de  toda  a  fé. 
De  Lisboa  fe  elcreveo  nefte  correyo  chegara 
por  via  de  Italia^que  o  iTurcò  tinha  quebrado 
a  tr egoa ,  fe  he  verdade ,  tudo  fàõ  difpofições 
jnuito  próximas  do  §  fòeípera*  Guarde  Deos 
â  V*  Senhoria  muitos  anhòs^ como  dézejo; 
CJbimbra  i6  de  Abril  de  z66p^^^mpptt^^ié 

Cápèllaõ  e  menor  Servidor  dc^  ¥^ 

Senhoria.  *.ía^í:    -   i 

''^ ''■■-'  ■  ■ -rrirm  ,;; .;. 

AntoniQ  Yieyra. 


-  Pt  ..n 


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CAR- 


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C'A^Wf%:ííLS 


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C4RTA  LX 

^  7>.  Rodrm  de  Menez.es, i 

ENHOR;  iAinda  naô  poílo  dar  a "K 
Senhoria  taõ  boá5  novas,  como  creyo 
^^^^  ' ,  y.  Senhoria  dezejadefta  minha  terri? 
vel  peníaõ,  que  todos  os  annos  pago  a  Coini- 
bra;  Mas  agora  fe  aparta  daqui  o  Doutor 
Sai^fins ,  e  i^íaffif m<^^ue eftava íem  febrec} 
poftp  que  efta  nòy te  ;náQ  faltou  o  epfturnada 
creeimento  y  masa  mim  me  bafta  quenaSíeef 

|a  habitual,  quç  h^íp  que  mais  temo,  pelo  ha^i 
bito  em  que  eíÍA  .rfbe  iCoHegio  de  degenera-* 
rem  nelle  as  febres  em  phtizicas,e  ethicas.VJ 
Senhoria  me  énfiná  ame  conformar  em  tudo 
com  a  vontade  de  Deos,  e  airjm  pfocuro  de  o 

tazer. 

Muito  eftimey  ouvir  da  boca  de  V.  Senho- 
ria o  aponte  db  Sermão  dá  Semana  fanta ,  e  a 
repofta  de  V.  Senhoria  à  propofta  delle.  Em-^ 
fim  o  juizo  de  V.  Senhoria  fempre ,  e  em  tu- 
do he  o  mefmo ,  aflím  o  tivera  Portugal  pôr 
Piloto  em  todas  as  fuás  tempeftades. 

Gran^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRa:    255 

Grandes  prodígios  fe  referem  de  perto ,  e 
delònge.  De  Melgaço  vi  carta  de  hum  notá- 
vel metHeoro,  que  correndo  da  parte  de  Va- 
lença  do  Minho^e  durando  por  muito  efpaço, 
fe  desfez  fobre  Galiza  em  rayos ,  e  coriícos  : 
era  de  figura  de  huma  efpada  de  cor  verde ,  q- 
amarella  ,  que  fali  ia  de  duas  pequenas  nu- 
vens, huma  branca,e  outra  vermelha^e  com  a 
mefma  figura  foy  vifto  em  outras  partes.  No 
Collegio  dos  Thomariílas  defta  Cidade  fe  vio 
depois  demeya  noyte  hum  globo  de  fogo  que 
nacia  na  parte  do  Suefte,e  fubia  por  eípaço  de 
duas  ou  três  horas  athè  fe  desfazer ,  e  conti- 
nuou algumas  noytes.  Em  Guimaraens  vo- 
mitou hum  homem  enfermo  hum  dragão  c5 
duas  azas  de  com.primento  quafi  de  hum  co- 
vado ,  da  cabeça  athe  o  meyo  largo  de  dous 
dedos,  vermelho  eefcuro,  do  meyo  para  a 
cauda  knais  delgado ,  e  de  cor  parda.  De  Ro- 
sna feefcreve  houve  três  dias  de  névoas  ta5 
cípéíTaS','^  èícúras  que  fe  naõ  via5  os  homens, 
nem  os  c  dificios ,  e  que  as  trevas  eraõ  palpá- 
veis como  as  do  Egypto.  Tudo  faõ  finaes^e 
píodigiós  que  íblenizaõ  asvefJ3eras  doannò 
fatal,  porxujasinaravilhas  nenhum  hà  jà  taõ 
incredulp  ^que  nao  efpere.  iEípero  eu  que  a 
*^'-'^  Peííba 


ai4     '     ^^■'C^^s^m^^wsM^^'^ : 

PeíToa  de  V.  Senhoria,  e  do  Senhor  Marquês 
-que  Deos  guarde  hade  caber  huma  grande 
^i^te  das  jfehcidades,€omoinftnim  etos  may 
principaes  das  do  noíTo Reyno,pâra  que  Deos 
tem  guardado  a  Coroa  de  todos.  Sua  Divina 
MagÊftade,e  miféricordia  fe  efqueça  denoflbs 
peccados ,  e  no-las  deixe  Yer:^^  a í^  Sen&o^ 
ria  guarde  Deos  muitos  annos,GomO  dezejo^ 
tavemos  mifter.    Coimbra  4  de:;^MaçoMdi 


^peiia;o  e  menor 
Senhoria. 

y^iEid^íte^cArxBiq  Antonao  :■  ¥ieyra^ 

^ j  BSIHOR :  Na5  podia  V.  Senhoria  ter 
ma^is  certas  novas  do  eftado  de  mitlha 
^^_^    faude^  4  a  f^l^^  ^^  as  haver  procurado 
de  V.  Senhoria  nos  dous  Correyos  paíTados, 

Mas 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.    lyy 
Mas  hontem  foy  Deos  fervido,  que  o  Doutor 
Sanfins  me  achaíTe  livre  da  febre ,  com  que 
TOS  perjfuâdirnoa  íer  intermitente ,  e  naõ  ha- 
bitual ,quíibe  o  que  mais  le  teme  nefta  Cida* 
de,eGollegio,ondeaethica,e  a  phtizicapare* 
çj^q^tem feitooíeo aílento.  Naõ  ceííao  com 
É^do  os  crèdnientos  de  todos  os  dias,para  cu- 
jo remédio,  depois  de  experimentados  todos 
os  outros,fe  me  receitaõ  agora  os  ares  de  Vil- 
la  franca.  Deos ,  com  cuja  vontade  me  deze- 
jo  conformar  fempre,  naõ  depende  de  luga- 
res :  elle  fará  o  que  for  fervido  •  e  fe  me  con- 
fervar  a  vida  para  ver  chegar  a  Europa  as  vi- 
toriozas  bandeiras  do  Oriente,  naõ  ferey  eu  o 
que  com  meíior  afíedo  ,éáplauíb  celebrarey 
fempre  os  triunfos  de  V.  Senhoria.Antes  dei- 
les  nos  tem  em  grande  fufpenfaõ  os  íucceíTos 
da  guerra  deíle  anno,  para  cuja  operação  a- 
inda  em  Mayò  naõ  eftaõ  eleitos  os  Cabos , 
pofto  que  ha  dias  continuaõ  as  levas^  mas  to- 
das.por  efta  parte  de  mininos,  que  mais  pare- 
cem vitimas  deHerodes,quedefenfores  de 
Portugal.  Das  prevençoens  de  baftitent^s  ti- 
rados dos  Affentiftashe  tal  a  opinião  defte 
anno,  conió  foraõ  asèxperiencias  dopaíTado. 
FraAça..iipi|f 0j  fo^^^roda  fó  c-Qm  ;os  Cazar 
ttIC  >•     '  mentos 


^^6  C  A  R  T  AS 

mentos,  de  que  também  fe  efcreve  de  Lisboa 
o  que  V.  Senhoria  me  diz,  mas  honté  chegou 
nova  (  naõ  fey  fe  he  certa )  de  que  temos  no- 
vos provimentos ,  ou  nomeaça5  de  Bifpados, 
fobre  que  V.  Senhoria  fará  o  difcurfo  que  eu 
naõ  fey  entender.  Os  prodigios  continuaõ ,  e 
nao  faõ  menores  os  de  Roma,  donde  fe  efcre- 
ve houve  três  dias  de  trevas  palpáveis ,  como 
^s  do  Egypto ,  com  o  q  o  Ceo,e  a  terra  parece 
começaõ  a  folenizar  as  vefperas,e  expedaçaô 
do  anno  de  66.  As  novas  de  Caftella  faõ  ta5 
varias ,  q  humas  nos  promettem  muita  guer-^ 
ra,  outras  nenhúa.  V.  Senhoria  me  fará  mer- 
cê dizer  ,  como  fempre ,  o  c\  devo  crer,e  tam- 
bém folgarey  faber  feeftas  duas  Nãos  deln-^^ 
glaterra^unidas  em  huma^que  dizem  entrara 
neííe  Porto ,  faõ  na  forma  que  de  lâ  fe  pintaõ, 
e  fe  paíTa  hum  barco  por  entre  os  cortados  de 
dentro ,  e  em  que  parte  tem  os  maílos  ,  e 
quantos  faõ  ,  e  com  quantos  lemes  fe  gover- 
na. Deos  nos  dê  hu  taõ  feguro,e  com  taõ  bons 
Pilotos,  como  havemos  mifter,  e  guarde  a  V. 
Senhoria  muitos  annos,  como  dezejo.  Coim- 
bra (5  de  May  o  de  i<^6j. 

Creado  de  V.  Senhoria. 
António  Vieyra. 

CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.    í j/ 

CARTA  LXIV. 

i^  2)*  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR  :  As  melhores  receitas  para 
mim  fa5  fempre  as  cartas  <de  V.Senho- 
ria ,  pois  fó  nellas  acho  certo  o  allivio, 
e  em  todas  as  outras  athè  agora  tenho  expe- 
rimentado taÕ  pouco  remedio^que  com  cada 
hum  dos  que  me  aplicaõ  /  crece ,  e  empeora 
o  mal,  e  efte  he  o  eftado  em  que  fico,  quafi  cõ 
jo  dias  de  cama.  Começou  a  doença  dia  de 
Ramos  embumacezaõ  declarada,  edefpois 
ficou  em  huma  terçam  notha  com  os  creci- 
mentos  nodurnos,  que  por  naõ  ferem  reco- 
nhecidos dos  médicos  ,  e  as  agoas  moílrarem 
cozimento,  me  deixarão  paííar  oyto  dias  fem 
applicar  remédio.  Ao  cabo  delles ,  foy  o  pri- 
meiro humas  fanguiliigas ,  e  porque  efte  naõ 
aproveitou  ,  me  deraÒ  quatro  fangrias  nos 
pes,  e  no  dia  14  huma  purga, com  que  fe  acre- 
centou  a  febre,  que  ainda  fenaÕ  julgava  por 
continua  :  ao  dia  18  fe  applicou  contra  efta' 
©utra  fangria  de  pè  ^  e  nada  mais  athe  o  dia 
^-Tom.  L  Kk  %7 ^m 


158  C  A  R  T  A  S 

27  em  que  houve  nova  purga  fem  melhoria. 
Continuey  defpois  cõ  huns  xaropes  de  fran- 
gaÕ  y  e  raizes  deoreticas  j  com  que  no  dia  41 
e  no  feguinte  me  deraõ  duas  fangrias  nos  bra-^ 
ços  ,  havendo  jâ  muitos  dias  que  a  febre  muy 
conhecidamente  naõ  defpede,  e  os  crecimen-- 
tos  duraõ  toda  anoyte^occupando  toda  a  tar- 
de antecedente  os  correyos  delles ,  que  na5 
paíTaõ  de  bocejos^e  extremidades  frias. O  mat 
yor  receyo  he  de  que  a  febre  ou  fe  faça ,  ou  fe^ 
ja  já  habitual ,  e  de  que  a  debilidade  do  fugei-í 
to  fique  incapaz  de  outros  remedios^por  quã4 
to  fe  vio  ultimamente  que  o  fangue  era  todo 
deforado  quefoy  cauza  depararem  com  as 
fangrias  ^  mas  as  agoas  fempre  perfeitas  nx 
cor  ,   e  íedimento.    Deita  informaça5   taõ 
miúda  julgara  V.  Senhoria  o  conceito  que  ea 
tenho  da  medicina,e  boticas  de  V.  Senhoria, 
naõ  fendo  neceíTaria  mais  prova ,  que  dizer-^ 
me  V.Senhoria  tem  dado  alguma  applicaçaã 
a  efta  fciencia ,  e  conforme  a  ella  efpero  a  di-^t 
roçaÕ  de  V.Senhoria  parace  feguir  nefte  par-íi»: 
ticular,  como  em  todos. 
•  rNao  me  diz  V.  Senhoria  nada  do  fegundo» 
CòmetajOU  repetição  do  primeiro: cada  dia  íb 
falia  em  novos  metheoros  viftos  neftes  arre*» 


DO  P.  ANTÓNIO  VíEYRA.  259 
dores  a  diverfos  tempos  do  dia,e  da  noyte.  O 
mayor  de  todos  para  mim  lie  o  Arfenal  do 
Turco  ,  que  também  temo  feja  o  açoute  de 
Itália  pelo  muito  que  concorda  com  todas  as 
«fcrituras, ainda  Canónicas.  Adefcripçaõ  da 
nova  fabrica  daNàoInglezaadmirou  a  to- 
dos ,  e  he  hum  dos  grandes  monftros  da  arte. 
As  novas  de  Caílella  dizem  com  a  copia  que 
me  veyo  neíle  correyo  de  Fr.  Lucas  de  los 
Angeles. 

V  Folguey  de  ver  por  ella  que  eftiveíTem  feos 
trabalhos  alliviados.  Carracena ,  e  Marcim 
faõ  chegados  a  Badajos  ,•  mas  ainda  ha  quem 
creya ,  e  apofte  que  na5  teremos  campanha. 

Nao  pude  fallar  com  o  ImpreíTor  Manoel 
Dias ,  mas  bufquey  peíToa  de  authoridade  que 
lhe  fallaíle.  Sobre  tudo  difficulta  a  brevidade, 
e  mal  vem  em  prometter^q  poderá  dar  a  Obra 
acabada  para  Setembro,  dando-fe-lhe  os  Ori- 
»ginaes  por  todo  efte  mes. 

Na5  tem  papel ,  e  diz  que  o  hade  mandar 
V.  Senhoria,'  nem  fe  pôde  fazer  o  preço  fem 
fefaber  acalidade  da  letra,  e  o  numero  dos 
volumes ,  e  fe  ha5  de  ter  margem  ,  ou  naõ ,  e 
fe  haõde  fer  em  quarto ,  ou  noutra  forma.  O 
que  eu  mais  reçeyo,  he  a  perfeição,  para  que, 
"  Kk  ij  quan- 


^6o  CARTAS 

quando  me  parecia  que  poderia  imprimir  al- 
guma couza ,  fó  a  de  Évora  me  contentava , 
pu  defcontentava  menos  :  e  efta  he  a  impreP- 
faô  que  eu  inculcara  a  V.  Senhoria ,  fenao  te- 
mera o  impedimento  da  guerra ,  e  em  Coim-^ 
bra  me  naõ  vira  no  eftado  em  que  eftou ,  por 
que  feínpre  aproveitariaÕ  muito  os  efcrupu^ 
los  da  minha  mà  condição  ,  fe  eu  pudera  aíli- 
ftir  à  folha:  mas  em  tudo  me  mortifica  Deos  ; 
fe  elle  for  fervido  de  dar  afaude,  hum  do$ 
motivos  porque  muito  a  eftimarey ,  fera  para 
poder  fervir  a  V.  Senhoria  em  alguma  couza 
defeo  gofto ,  ainda  que  taõ  pequeno.  Guarde 
Deos  a  V.  Senhoria  muitos  annos, como  de^ 
izejo  e  havemos  mifter.  Coimbra  1 3  de  Mayo 
de  1(5^5, 

Creado  de  V.  Senhoria. 
António  Vieyra. 


CAK- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA;    í6t 


CARTA  LXV. 

j^T).  Rodrigo  de  Menez.es : 


SENHOR  :  Tómára-  eu  ter  muitas  pa*- 
lavras  com  que  poder  declarar  a  V. Se- 
nhoria a  eftimaçaÕ  ,  q  faço  do  affedo , 
e  repetidas  finezas  com  que  o  cuydado  de  V. 
Senhoria  folicita  minha  faude.  Masofilecio 
ê  o  coraçaõ^que  V.  Senhoria  taÕ  bem  conhe- 
ce,me  defempenharaÕ  melhor  defte  dezejo^e 
obrigaça5  :  e  aílim  peço  a  V.  Senhoria  fe  fir- 
va  de  entender  deftas  regras  ò  que  com  ner 
rihumas  letras  fe  pôde  dizer. 
.V  Faltou-me  carta  de  V.  Senhoria  as  horas 
ordinárias  do  correyo ,  e  quando  jâ  me  com- 
punha com  faber  por  outra  via^que  naÕ  havia 
«lotivo  de  cuydado,  que  pudefle  occafíonar 
èfta  falta ,  fe  dobrou  o  fentimento  delia  com 
a  noticia  deque  a  carta  fe  perdera.  Aílim  o  diz 
huma  mulher ,  q  trouxe  hontem  à  noyte  a  ef- 
ta  ç^^^aj^ixa^  deque  V.  Senhoria  me  fkz 
o     ',  mer- 


1^.2  ..i.i,iH!Cf"A'R'"T"A  S  ^ 
meree^que  reconheci  pelo  íinete  dos  lacres^  e 
muito  mais  pelo  que  trazia  dentro ,  que  tudo 
chegou  afaívamento,  exceptas  as  partes  li- 
quidas ,  que, Tem  quebrar  o  vidro  ^  padecer a5 
algum  naufrágio: em  tudo  fe  vè  e  reconhece  o 
amor  de  V.  Senhoria,e  quam  grande^e  verda- 
deiro he,  o  que  aílim  íupre  as  diftancias ,  e  de 
taÕ  longe  aplica  os  remédios.  Eu  o  tenho  ííiP- 
pendido  athe  novo  avizo  de  V.  Senhoria, 
porque  naõ  fey  o  tempo  nem  a  quantidade, 
em  que  a  triaga  fe  deve  tomar,que  V.  Senho- 
ria me  fará  mercê  dizer  ,  ejuntamente  quaes 
fao  às  agoas  em  que  fe  hade  fazer  a  infuzaõ 
dos  pos.  A  febre,  e  os  crecimentos  continua5 
na  mefma  forma,e  a  manhaa  me  maridaõ  pa- 
ra os  ares  de  VillaFranca^  mas  dameDeos 
a  fentir,  que  do  Porto  me  hade  vir ,  ou  tem  já 
vindo  o  remédio,  e  que  a  V*  Senhoria,  depois 
de  fiia  Divina Providecia  heide  dever  a  faude. 
De  Lisboa  nos  certificaÕ  fer  chegado  a 
Badajos  Carracena,  e  que  tem  dous  mil  In- 
fantes, e  novecentos  Cavallos  ,  pofto  que  ac- 
crecentaõ  que  no  Paço  naÕ  fófena5  creef- 
te  numero,  mas  fefoffre  mal  dizer-fe  que  o 
inimigo  tem  grande  poder.  Também  liie  eí- 
crevem  que  hade  fair  em  campanha  aos  21. 

deve 


DO  P.^  ANTÓNIO  VIEYRA.     i^j 

deve  fer  pela  devaçao  de  quinta  feira.  Masfe 
eftamos  também  prevenidos  como  V.  Se- 
nhoria me  dizia  ^  pôde  fer  que  a  fefta  do  Cor- 
po de  Deos^íèja  da  Serpe.  Hontem  ouvi  que  fe 
tornara  á  ver  o  Cometa, cuja  duração  vay  ex- 
cedendo a  todos  os  exemplos,  que  houve  det- 
pois  de  Chrifto  ,  excepto  fomente  o  da  de^ 
ílruiçaôdeHieruzalem.  Lembre-fe  Deos  de 
Roma,  que  eu  pafmo  de  ver  como  todas  as 
difpoíiçoens  fe  concertaò  com  o  que  fe  lè  nas 
Efcrituras.  O  que  agora  me  deixa  com  mayor 
cuidado ,  he  naõ  faber  o  que  V.  Senhoria  me 
diria  na  ília ,  e  que  foíTe  dar  emmaõ  al.hea  de 
algum  interprete  malévolo, que  queira  defcu- 
brir  mifl:erios,onde  os  naõ  há.  He  certo  me  te 
em  naõ  pequena  confuzaõ  confiderar,que  hu- 
ma  carta  de  V.  Senhoria  fehouveíTe  de  per- 
der tanto  fempropoíito.  Mas  dizem-me  que 
ao  correyofuccederaõ  outros  defaftres ,  que 
fazem  eíle  mais  digno  de  perdaõ  ,  o  qual  eu 
peço  com  todo  o  encarecimentos  a  V.  Se- 
nhoria y?e  que  o  pobre  homem  por  efta  cau- 
fanao  padeça  moleftia  ,  para  que  a  obra  de 
mifericordia ,  que  V.  Senhoria  faz  aos  enfer- 
mos ,  feja  por  todas  fuás  circunftancias  de 
mlfericprdia.  Guarde  Deos  a  V.  SenhoHa  ^ 


mui-^ 


éiuitois  anflós,como  dezejo  e  havçj||^s,íaife.*, 
Coimbra  20  de  Mayo  de  idáj*  - 

Capellaõ  e  menor  Servidor  de  V. 
Senhoria. 

Antpaio  Vieyf:ia. 


■.'i  .i-í . 


CARIIA  LXVI.  , 

VíMSKAià^  de  umas, 

ENHOR :  Sobre  o  mal  que  padeço,me 
na5  ajfflige  menos  o  cuydado  de  V.  Se-» 
nhoria,  enaõ.  poder  dar  a  V.  Senho- 
ria ta5  boas  novas  de  mim  ,  como  fey  que  V. 
Senhoria  as  dezeja.  Por  hora  me  contento 
xom  as  naõ  dar  peores.  Q  medico  o  tem  a 
bom  final,  em  confideraçaÕ  de  fenaõ  aug- 
mentar  a  febre  com  quatro  purgas  ,  e  outras 
féis  beberagenSjCom  que  me  tem  martirizado 
a  fio  eíles  des  dias:  fónà  fede  experimento 
grande  exceflb,  com  que  eftes  compridilfi- 

mos 


DO  P^  ANTÓNIO  VíEYRA:   '^^ã^ 
mos  dias  fe  fazem  mais  compridos ,  bailando 
para  o  ferem  a  anciã  comcjuéefperamòs  as 
novas  de  Alemtejo  ,  que  quererá  N.  Seríhor 
fejaõ  quaes  eu  mais  que  todos  dezejo^  pelo 
muito  que  vay  empenhada  nellas  toda  â  Ga- 
za de  V.  Senhoria.   He  bom  anuncio  a  gran- 
de confiança  em  que  todos  eftaõ  de  que  o  Se- 
nhor Marques  que  D eos  guarde  ,  riaô  deixara 
fazer  progreíTos  aoinimigo  n aquel Ia  Provi tl- 
cia,  com  que  todos  os  receyos  vem  a  fer  da 
armada.  Mas  agora  nos  dizem  que  temos  ou- 
tra de  França  engaftadá  entre  as  torres  deílrc 
Rio.    Miferavel  eftado  he  haver  de  temer 
igualmente  os  inimigos  que  os  amigos.  Deos 
dê  aos  noflos  Confelheiros  a  grande  luz  que 
neftes  cafos  he  neceffaria  para  defender  de 
iiuns ,  e  naõ  oíFendér  outros.  V.  Senhoria  m^e 
-fará  mercê  de  me  naõ  faltar  com  novas  iuas 
que  he  o  único  allivio  defte  meo  trabalho ,  e 
Deos  me  guarde  a  V.Senhoria  muitos  annos, 
como  dezejo  e  havemos  mifter.  Villa  Franca 
SdeJunhodei<^(íj.  . 

Capellaõ  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 

'  António  yieyra,;  a 

TomJ,  IA  CAR- 


e  A  R  T  ,áí.  S 


CARTA  LXVII. 

y^2).  Rodrigo  de  Meneses. 


ífâi:  a!í.'?saxD]> 


SENHOR  :  Começando  pelo  fim  da  de 
V.  Senhoria:tambem  eu  tivera  graade 
ali  i vio  ( e  com  muito  mayor  refaõ  )  cti 
fallar  efpintualmente  com  V.  Senhom  mui- 
to de  vagar  e  a  minha  vontade ,  e  como  nefte 
mundo  naô  ha  efpirito  fem  corpo  ,  tambon 
poderia  fer,  que  das  matérias  efpiítituaesr  Ce 
paífaffe  a  alguma  temporal,  óu  do  tempo:*  -O 
certo he.  Senhor , que  ellevem  cheganxk)^  # 
qiie  os  finaes  do  Geo ,  e  as  dirpofiçoems  >  d:^ 
terra  promettem  quenaõ  pôde  tardar  "s^m^é. 
Os  myfterios  do  exército  de  Badajios  tem  ixx^ 
troduzido  o  theatro  defte  anno  com  ntDtaivel 
/ufpenfaõ  ,  c  expeaaçaô  ,  e  fe  a  armada  em 
quetapaõ osdifcurfos todos ,  fe defvaneGerv, 
ou  fortaõ  pouco  poder  ofa  como. a  faiicm.oss 
Eftrangeiros,  naõfeyqueppffa  obrar  o  ini- 
migo depois  de  ta5  entrado  o  veraõ,  fem  ne- 
nhum útil  da  campanha ,  antes  firgeito  à  to- 
das as  incômodidadese  rigores  delia.  Mas  eu 

,.     jne 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA^    Í67 

mt  na5  poíTo  perfuadir  fe  naõ  que  debaixo 
deftes  accidentes  fe  encobre  grande  fuftan- 
cia,  a  qual  fe  manifeílarà  brevemente ,  quan- 
do já  hoje  o  naõ  efteja  ,•  fe  bem  o  pouco  que 
vemos  ferver  líòvas  preVençoens,nos  perfua- 
de  haver  noticias  certas  emuy  íêguras  que 
nos  livrem  de  todo  ;ò  temor  domar,  e  tam- 
bém da  tefrá.  Os  rumores  que  cá  chegao  co- 
mo foy  o  da  armada  Franceza  me  defenga- 
naõ  a  naÕ  dar  credito,fena5  ao  que  vir  firma- 
do por  V.Senhoria,cujas  cartas,  que  eu  com- 
munico  com  as  cautelas  neceífarias,  feou- 
Yem  nefte  Collegio  como  oráculo,  eaífirn 
peço  muito  a  V.  Senhoria  que  agora  mais  ó 
nunca ,  me  naó  falte  V.  Senhoria  com  novas 
fuás ,  e  das  acçoehs  do  Senhor  Marques ,  que 
Deos  guarde,  por  cuja  felicidade  ficamos  fa- 
zendo continuas ,  e  publicas  oraçoens ,  con- 
fiando em  Deos  que  os  fucceíTos  deS.  Excel- 
lencia  neftá  campanha  haõde  fer  a  coroa  de 
todas  as  paíTadas.  Emfim,Senhor,quando  pe- 
ço têpo  a  V.  Senhoria  no  meyo  de  tantas  oc- 
cupaçpens,  naõ  he  rafaõ  que  eu  o  tome,  e  pa- 
ra acabar  efta  com  nova ,  que  fey  háde  fer  de 
gofto  a  V.  Senhoria ,  digo  que  a  efta  hora  fe 
aparta  daqui  o  medico  muy  contente  do  ef- 
*'  LI  ij  feito 


.  C  A  R  TA  S       ....:. 

feito  dos  feos  remédios ,  e  dizendo  que  me  a< 
chava  o  pulfo  quafi  natural.  O  tempo,  ear 
cfperança  que  V.  Senkoria   me  manda  ter 
em  Deos,  faõ  cirçunftaacias  muito  para  efti-v 
mar  a  faude.  Toda  a  que  omefmo  Senhor 
for  fervido  conceder-me,  folgarey  fempre  de. 
empregar  no  ferviço  de  V.  Senhoria ,  como: 
affefto  ,  e  córaçaõ  que  devo.  Guarde  Deos 
a  V.  Senhoria ,  mmtos  anãos ,  como  dezejo  e: 
havenios  mifter.  Villa  Franca  i  y  de  Junha^ 

.1  Capellao  e  menor  Creado  de  V^ 
^^       Senhoria.  • 


António  Vieyra. 


>to"3liiO' 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     %6^ 

CARTA  LXVIII. 

AT>.  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR:  Se  o  contentamento  fizer? 

milagres ,  tiverame  V.  Senhoria  neíla 

hora  a  feos  pês ,  ajudando  a  celebrar  a 

nova  defte  líicceíTo,  com  q  o  Marquês  q  Deos 
guarde ,  coroou  todas  fuás  felicidades^e  Deos 
íiós  tornou  a  dar  por  liia  maõ  o  Reyno ,  que 
tantas  vezes  nos  tem  dado  por  ella.  Mas  pois 
o  eftado  da  minha  enfermidade  me  nao  con- 
sente eftapeqiaena  demonftraçaõ,  contento- 
-me  com  que  V.  Senhoria  tenha  conheci- 
do,  que  entre  todos  os  creados  daCazadc 
V.  Senhoria,  nenhum  tanto  tem  feftejado  e 
eftimadô  efte  triunfo  delia ,  de  que  dou  a  V. 
Senhoria  mil  vezes  o  parabém.  Deos  guar- 
tle  a  V,  Senhoria  muitos  annôs,  como  dezejo 
ti  hèy  mifter.  Villa  Franca :  fabbado  ix  de 
Junho  de  i66^, 

Capellao  e  menor  crendo  de  V.  Senhoria*/ 

António  Vieyra.      ~  -^ 

CAR- 


170 


CARTAS 


CARTA  LXIX. 

A  2).  Rodrigo  de  Menezes f 

ENHOR  :  Jà  mo  cof reya  paíFád<i- dey 
a  V.  Senhoria  o  parabém ,  e  ajudey  a 
feftejar  (  pofto  que  naõ  como  eu  quife^ 
ra )  efte  ultimo  milagre  do  Ceo ,  e  ella  feliei-r 
dade  taÕ  eftranha  de  todo  o  Reyno ,  e  ta5 
particular ,  e  taõ  própria  da  PeíToa ,  e  Caza 
de  V.  Senhoria.  Com  as  cartas  e  liftas  do  Se- 
nhor Marquès^que  mil  annos  viva,  de  que  V» 
Senhoria  me  fez  merçe ,  crefcerao  ás  noti- 
cias, e  os  aplaufos ,  os  quaes  cada  dia  fe  aug- 
mentaõ  com  as  novas  circunfl:ancias,que  va5 
chegando ,  em  que  a  grandeza  da  vidioria ,  e 
as  mifericordias  deDeos  le  conhecemmáis , 
emais.  Agora  fe  efpera  com  grande  ai voro- 
çQ  A  relação  de  todo  o  lueceífo ,  em  qtie  cof- 
turnamos  fer  menos  ventuf  píòs  j  que  na  cajn" 
panha^  Queira  Deos  encaminhai  a  penna  dõ 
noíTo  Mercúrio  dç  maneira ,  que. a  gloria  de 
tamanho  cafo  naõ  fiqtrè  efcureciáa ,  e  acabe 
de  conhecer  ijEurop^  ^  e  o  mundo  o  quehe 
""  '  Por- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     171 

Portugal  em  quanto  naõ  chega  brevemente 
o  tempo  do  que  háde  fer.   O  voto  de  V.  Se- 
nhoria acerca  dos  progreíTos   do  exercito 
me  na5  parece  fó  o  melhor,  mas  o  único, 
porque  em  qualquer  outro  apparecem  gran- 
des inconvenientes,  e  em  nenhum  taõ  grande 
aballo  há  feito ,  como  efta  entrada  pôde  cau- 
zar  nos  ânimos  de  todos  os  Caftelhanos ,  e 
muito  mais  nos  que  tem  votado  na  paz,  prin- 
cipalmente acommodando-fe  ElRey  a  ella 
com  o  íúcceíTo  defta  campanha ,  que  nao  po- 
•dia  fer  melhor  para  de  todo  o  defenganar. 
Os  clamores  feriaõ  geraes ,  e  todos  cahiriaõ 
fo^bjie-ÍCaftrilho ,  em  cujac^ftinaçaõ  fómen-f 
te  parece  fe  poderá  fixftentar  hoj e  a  opinião 
f:ontraria ,  e  íe  he  certo  corpo  eícrevem  to- 
dos ,  que  o  inimigo  tinha  e  tem  armada  , 
taxnjbepi   e/la  invazaõ  taõ  interior  ferviria 
n^õ  pouco  de  divertir ,  e  fufpender  qualquer 
intento   delia  ,   porque  naõ  me  perfuado 
que  fetem  feito  o  empenho,  o  hajaõ  deque^ 
rer  perder  totalmente  ppdendo-o  empregar^ 
quando  menos  na  cofta  do  Algarve ,  erÉ  que 
i^iaõ  fera  difficultofo  obrarem  alguma  couza , 
ppfto  que  de  menor  confequencia ,  com  que 
queiraõ  moftrar  ao  mundo  que  fe  defquitaraõ 


171  CA  R  T  A  S 

do  defcredito  paiTado.  Nenhuma  couza  mars 
dezejo,  faber  que  o  modo  com  que  fe  tem 
portado  nelle  o  Carracena  depois  de  haver 
blazonado  tant  o.  Seja  Deos  bemdito^que  af- 
fim  confunde  a  foberba  de  noílos  inimigos  ,  e 
nos  exaha  a  nos  ,  fendo  ingratos  ,  e  naÕ  hu^ 
mildes.  Tudo  faõexceíTos  de  fua  Mifericor- 
dia,  e  novas  obrigaçoens  de  começar  ao  fer- 
Tir  ,  ou  de  acabar  jâ  de  o  oíFender  tanto.  Naò 
feme  tira  da  menioria  as  muitas  vezes  que 
V.  Senhoria  em  todas  fuás  cartas  repetia  efte 
noíTo  defmerecimento  ,  a  cujo  reconheci- 
mento atribuo  eu  em  grande  parte  a  mercê 
que  nos  fez.  O  mefmo  Senhor  guarde  aV. 
Senhoria  muitos  annos ,  como  dezejo  ,  e  ha- 
vemos mifter.  Villa  Franca  29  de  Junho  de 
166  y. 

Capellaó  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 


António  Vieyra. 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA,     273 

CARTA  LXX. 

A  D.  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHÕR  :  A  terceira  vez  lie  eílaque 
fallo  a  V.  Senhoria  namerce,que  Deos 
nos  íès  por  maÕ  do  Senhor  Marques, 
que  elle  guarde  tantos  annos,  quantos  Portu- 
gal ha  mifter.  Mas  ainda  que  fempre  a  tive 
por  couza  grande ,  e  grandiffima ,  nunca  a- 
cabey  de  conhecer  quam  milagrofa  foy,  e 
quãtas  graças  devemos  a  Deos  porella,fena5 
depois  que  vi, e  ponderey  as  duas  cartas  origi-* 
naes  de  que  V.  Senhoria  me  fez  mercê,  com 
os  outros  papeis,  neíle  correyo  :  eu  as  comu- 
niquey ,  fervaús  fervandh ,  a  alguns  amigos  , 
e  foy  aílím  muito  conveniente ,  aííim  para 
conhecimento  e  eftimaçaõ  do  muito  que  fe 
obrou ,  como  para  fe  faberem  os  motivos  ta5 
urgentes ,  e  juftificados ,  do  que  fe  deixou  de 
obrar ,  ou  do  que  fe  queria  que  fe  obraíle ,  e 
fe  tinha  já  publicado  na  expedaçaõ.  Emfim 
Senhor,  o  milagre  foy  e  vidente  e  provado  , 
<jue  aflim  o  juigaõ  os  Filofofos  ,  e  Theo- 
vTom.  L  Mm  logos^ 


Z74  C  A  R  TAS  Z 

logos  quando  a  forma  que  fe  introdus  ,  he 
contraria  ás  dirpofiçoens  j  e  fendo  eftas  tao 
conhecidamête  quais  podiaÔ  dezejarosque 
procuraõ  ,  e  percendem  noíTa  mina  ,  tirar 
Deos  delias  a  noíTa  confervaçaò  ,  e  mayor 
exaltação  ,  bem  claramente  fe  vè  fer  obra 
mais  que  natural  de  fua  Omnipotencia.Quei- 
ra  Deos  que  lhe  faibamos  dar  as  graças,  e  que 
ao  menos  as  dem  publicamente  a  elle  os  que 
tem  por  officio  pregar  a  verdade.Muito  deze- 
jo  fempre  ter  huma  hora  de  difcurfo  cÒ  V.Se^ 
iihoria  nefta  matéria;  e  como  taõ  particular , 
e  tao  fua ,  e  da  Caza  de  V.  Senhoria ,  naõme 
contentara  com  muitas  horas.  As  utilidades 
do  parecer  de  V.  Senhoria,  dos  progreíTos  do 
Exercito,  opreíTaõ,  e  clamores  de  Caftella ,  e 
eonfequencias  da  pâs  ,  eraÕ  manifeftas :  mas 
fem  meyos  na5  fe  podem  confeguir  fins  ,  e  as 
rafoens  de  quem  eftâ  vendo  tudo  de  mais  per-^ 
to,  naõ  tem  repofta,  e  o  que  me  faz  temer  he; 
que  fe  o  fucceflo  naò  foíie  qual  Deos  quis  que 
foíTe ,  havia  de  cahir  a  queixa  e  culpa  fobre  a 
innocencia ,  comoagoracahe  alizonja,eo 
aplaufo  fobre  a  omiífaò.  Foge  o  lume  dos^ 
olhos  ,  qu  ando  agora  fe  vè  ,  oque  de  antes  fe'. 
naõ  via ,  e  fe  prezumia  ( pofto  que  naõ  por 

,  todos  ^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VÍEYRA.  \7J 
fodós)  em  taõ  differente  eftado.  Mas  Deos 
he  taõ  bom  ,  que  quando  naõ  temos  que  co- 
mer ,  danos  avidoria  em  jejum,  e  quarido 
íiaò  temos  carruagem,  tráí-nos  o  inimigo  ás 
portas,  e  quando  o  naÕ  podemos  entrar  eni 
feos  quartéis ,  poem-nolo  fora  delles.  Outras? 
Coníidéraçoens  tem  a  matéria,  em  que  tanto 
he  mais  profunda  a  Providencia  Divina  ^ 
quanto  o  difcurfo  humano  na5  pode  tomar 
nelia  pè  ,  nem  acliarlhe  fundo.  Tudo  Ía5 
extremos  da  fortuna  de  S.  Mageílade,  e  acer4 
tos  dofeo  governo,  q^ue  tanto  tem  mais  de 
gíoriòfo  ,  quanto  mais  encobre  de  mifterios. 
Tudo  lios  convida  a  crer  que  faÕ  eftas  as  veft 
peras  das  mayores  felicidádes,qué  efperamos^ 
a  que  naÕ  a  judaraõ  pouco  as  difpofiçoens  dos 
ajiimos  de  Caftella  com  o  defen^ano  dá  éx- 
periencia  ,  e  expeótaçaò  defta  campanha. 
Frey  Lucas,cuja  carta  folguey  muito  de  ver,o 
difcorre  quanto  podemos  dezejar ,  e  dirá  bel- 
liffirn^KCauzas  fqbxe  Qs  eííejtos  que  cauzou  a 
novadoíucceíTo.  V.  Senhoria,  como  já  pedi, 
me  fará  muy  particular  mercê  na  breve  com- 
municaçaõ  deftas  novas ,  como  de  todas  as 
que  V.  Senhoria  tiver  de  Alem-tejo  ,  cuja 
noticia  naõ  fó  he  conveniente ,  fe  naõ  muy 

Mm  ij  ne- 


iy6  CARTAS 

neceíTaría  para  quefe  faiba  a  verdade  tomada 
em  fua  fonte  ,  e  naõ  nos  rios,  e  regatos  em 
que  trás  a  cor ,  o  fabor ,  e  ás  vezes  o  veneno 
dos  lugares  inficionados  ,  por  onde  paffa. 
Naõ  dou  novas  da  faude  a  V.  Senhoria ,  por- 
que naõ  há  conftancia  na  melhoria,que  algu- 
ma vez  me  promette.  V.  Senhoria  a  logre 
^aõ  inteira ,  e  com  tantos  goftos  do  Ceo,  e  da 
terra, como  eu  fey  dezejar  a  V.  Senhoria, cuja 
Peflba  guarde  Deos  muitos  annds  para  mui- 
tas felicidades.  Vilia  Franca  6  de  Julho  de 

Pela  mercê  que  V.  Senhoria  faz  ao  pa- 
rente do  Padre  Francifco  da  Veiga,  beijo  a 
maõ  muitas  vezes  a  V.  Senhoria. 

Capellaõ  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 

António  yieyra» 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     177 


CARTA  LXXI. 

AT^.  Rodrigo  de  Menezes. 


ENHOR  :  Crefcem  cada  dia  tantas 
circunftãcias  de  grandeza  aviâioria  do 
Senhor  Marquès,que  com  rafaõ  dizem 
nefta  Uni  ver  (idade  fe  devia  tornar  a  repicar 
por  ella  em  todos  os  correyos  ,  e  aflim  naõ  he 
muito  que  o  exceffo  do  meo  gofto  torne  a  dar 
huma  e  muitas  vezes  a  V,  Senhoria  o  para- 
bém. Ainda  hontem  fe  fez  a  ultima  prègaça5 
em  acçaõ  de  graças,  em  que  houve  muito  que 
dizer  de  novo,  mas  euíempre  creyoque  as 
lingoas  eftrangeiras  faberâõ  melhor  avaliar 
as  circunftancias  de  tamanho  fucceíTo,  por- 
que as  noíTas  fempre  faõ  curtas  em  louvar  , 
podendo  mais  a  enveja  dos  particulares ,  que 
o  amor  commum  da  Pátria.  Queira  Deos 
que  a  tardança  defta  taôdezejada  Relaça5 
feja  para  mayor  perfeição  delia  ,  e  que  aa 
menos  igualemos  a  verdade^  quando  todo» 
.         .  òs 


WSKÊÊtfW, 


..-.:    .GÀ-R.T  .A  s  ;:  ^-i 

os  Efcritores  em  credito  da  fua  Naçaõ  a  cof- 
maõ  exceder.  Foy  perda  morrer  o  filho  de 
Caftrilho  ,  mas  íem  eftes  reféns  pòderà  feo 
Pay  mudar  de  op;aia5  ,  e  querer  agora  à  pâs , 
que  pudera  ter  comprado  a  menos  preço  j  o 
q^e  agora  fobre  tudo  fe  efpera  ^  e  de^ej  a  com 
grande  ancia/aõ  as  noticias  do  abalo^que  fes 
em  Madrid  a  nova  ,  que  feria  igual ,  e  ainda 
mayor  qaeo  nojo  dos  Gerteraes.  Pela  lem- 
brança que  V.  Senhoria  teve  de  mim  no  dia 
da  Rainha  Santa ,  beijo  mil  vezes  a  maõ  a  V. 
Senhoria.  Por  varias  partes  me  chegarão  as 
fignificaçoens  de  hum  grande  Miniftro  ,  que 
pôde  ferfejaomefmo  comquem  V.  Senho- 
ria fallou,  epoftoque  o  modo  a  tempo  ven- 
ce mais  que  a  porfia ,  eu  eftou  certo ,  que  fe 
houvera  vontade,  nem  fora  neceíTaria  a  por^ 
fia,  nem  ainda  o  modo ,  mas  hà  muitos  mo-^ 
dos  deintentar,de  que  uzaõ  os  homens,  aíTiní 
eomo  Deos  tem  muitos  de  libertar  quando 
Refervido.  Para  elle  fó  appello,  enelle  fò 
confio ,  €  a  elle  dou  muitas  graças  por  podef 
fazer  jà  efta  a  Y.  Senhoria  com  ôs  pês  no 
cham,  depois  de  cento  e  cinco  dias  decamav 
Omefmo  Senhor  guarde  a  V.  Senhoria  cõm: 
os  annos  de  vid^ ,  e  inteira  faude  que  a  V..Se^ 
i,j)  '  '  nhori^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     17^ 

filioría  dezejo ,  e  efte  Reyno  ha  mifter.  Vilia 
Franca  1 3  de  Julho  de  1 66 y, 

Capellaõ  e  menor  Creado  de  V, 
Senhoria. 

António  Vieyra, 


CARTA  LXXII, 

AT>,  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR:  Começando  pelo  fim  da  de 
V.  Senhoria.dou  a  V.  Senhoria  o  para* 

. bem  da  chegada  do  Senhor  Marques  6 

Deos  guarde ,  com  vida  e  faude ,  q  he  fó  oque 
faltava  para  aperfeiçoar  o  gofto  de  tama- 
nhas felicidades  ,  em  que  a  mim  me  naô  toca 
a  menor  parte ,  pofto  que  fou  o  menor  creado 
da  Caza  de  V.Senhoria.  Agora dezejara  mui- 
to faber  o  triunfo,  com  que  S.  Exceílencia  foy 
^cebido  em  Lisboa,  pofto  que  me  lembra 
fer  ley  da  enyeja  Romana ,  que  nenhum  Ge-; 
^"^  ■••'-^  neral 


i8o  C  A  R  T  AS 

negral  triunfaíTe  três  vezes ,  e  naõ  tenho  me- 
Ifior  conceito  da  noíTa :  os  inimigos  da  cam- 
panha podem-íe  vencer  huma  ,  e  muitas 
yezes  ,  os  da  noíTa  Corte  faõ  invenciveis  :  a- 
quelles  com  as  viótorias  vaõ-fe  diminuindo  , 
eftes  com  ellas  crefcem  mais.  Por  ca  chegou 
humalifta,  ou  rol  de  mercês,  e  Titulos ,  em 
que  muitos  efl;ranhara5  na5  ver  o  nome  do 
Senhor  Marques,  eu  pelo  contrario  o  eftimey 
muito ,  porque  quem  foy  dono  de  toda  a  vi- 
dória ,  naõ  he  bem  que  fe  conte  no  meílno 
numero  dos  q  fó  tiveraq  alguma  parte  nella. 
A  coníideraçaÕ  do  que  fora  de  nos ,  fe  a  nap 
ganháramos  ,  he  amayor detodas.  Eu  afiz 
jiiuitas  vezes  depois  do  fiicceíTo ,  e  a  tinha  ta- 
bem  feito  antes  delle ,  porque  como  menos 
animofo ,  temia  o  que  nos  podia  íiicceder ,  e 
naó  efperava  taõ  íingulares  mifericordias  , 
quando  com  taõ  repetidos  exceíTos  de  ingra- 
tidão provocamos  a  Divina  juftiça.  Por  cá  fe 
publica5  feitas,  ecom  muita rafaõ,  mas  eu 
antes  quizera  ver  chorar  peccados ,  e  emen- 
dar vidas,para  que  fizeffemos  feguras  as  feli- 
cidades. 

O  que  agora  fe  fegue  naõ  fey  com  que  pa- 
lavras o  diga  a  V.  Senhoriai.porque  fe  corre  a 

minha 


DO  P.aANTROMO^VlEYRA. 

míÈrha  indigbidacle  dâ;MÊ^{fita  hèrità^  ittéft 
aê  cjue  m&  hz  â  Senh:oifa>^-D.  Jiiliàna  /  poi^ 
quer  e  me  ardenayque  hum  ífiettioriarque  tem 
com  V.  Senhoria,  fe  prezente  a  V.  Senhoria 
poí  i^$]kém^,jrmímhx  O  ièq;iièrimeoko : 
que  o  Padre  Frey  Diogo  dp;Eípinheíro  feja 
eleito  em  Capitulo  por  ConfeíTor  de  Santa 
Clara  de  Coimbra ,  c  que  para  ifto ,  fe  for  ne- 
ceíratóò^pài/de^SjaPfíuÁ  recado  ao  Vifita- 
dor.  Os  merecimentos  da  peífoa  íaõ j  fer  Re- 
ligioíb  de  muita  authoridade ,  e  virtude ,  e 
queflir^idvá  S^aáeft^e  't|as  flon^iras  jrm 
tenijpá- A>-áetilf cír  #.  Aivãrd.  O^níotivo  prin- 
cipal; o  ferviç©  de^Deos,  e  ogoftQ,  e  confola- 
çàoelpiritiiaáquè^lêftietó^ 
ra  D.  Juliana ,  como  hoje  foy  fervida  fignifi- 
íiiaf  T$n<$  pjobhiàni.pâpeí  limlyietó^^ 
íiJiQiditjta  õrque  na©  Abiá  diz^r.  Por  Gon^tfáe 
y^  Senhoria  íicanefta  primeira  o ccaíia^,em 
mtp:^  §,Sefâkçm*Ji>s  Jú\M\>^imchcmrcm  léom.  íe 
f|rvit4e  itóm-GÓmoifeír^mdo  ,'quefeja  coni 
taõ  b^m'jeíFeitppé>taàtQâfati^fa^ 
fíhoi*iâ^'que  ineref  a  èu  muita^:veze&  o  meíma 
f^>5or.  Ap  M^rq^ès^itieo  amç  <e  Senhordbedijcr 
iHÍl^e2e$  íaímaõ  ,.?^eáÍndQ  ^íèmpre  mé  tenàait 
cm  ftja,  graça  ^  Ic0mQ  rf^mpre  inae  t«m.  ^&m  i 
TomJ.  Nn  "^^è^. 


w^mmsmm 


pez?i  E|?€Q$ím^;g9^rdeàV.  Senhoria  mintas 
^nnos  jconrò  dèzejo  ,   è  havemos  mifter. 

;oí^ptellaô  e  menor  Creado  de  V^l 
'#  ^Seiífiôíiâ.  ,    ■     . 

^.o)l  líl  ;6£l  ÊOÍi'>q.£b  2pin Miíbí^iom^eO   .ioí> 


T:r. 


^^ 


oar/io  m  Menezes^ 


riirisíiÁibrn-ii  YOtt>rofiomo:>  çíinf;tiy[  ,/^íii 

y  ;(íabera  ^re^uMds  ve^es  tenho  íladò  as 
^.^^^^^  gjraças  nà  Divina  Bondade ,  pof  ó  Se^ 

âiprezcriç^íde  %  Sen^hoiia  fetoé^da5  g^^íibíB 
fiEétcflfo^bomjtóie;  íritéim  faiídeíqfiite?  too  h«  pe- 
quena mercê  de  De^ ,  depois  de  taõ  òónti- 
Bmadoírabaího 9 re^m-dias taô tigórofos  eo* 
jaértodos  eftçsrtóm  paífadp..  íTudís>  fa^éxpe^ 
rienèiiasreargomeatos  noYosxle  quanto  deve- 
mos 


DO  P/ANTONIO  TíEYRA.     ^85 

|j3,<>S;à  Providencia  Divi^^íre-deiliijíM^ 
diípoíiçoens  foraÕ  encaminhadas- em  tudo  a: 
noífo  remédio ,  e  er edito*  Q  demais  q^iie  fo 
puvG ,  €  fe  eftranhâ>  u^^}íp^zmií%^í^í^  do 
taò  longe ,  eYÍnh^Qh<miupbí^mM^W(f9  .MsàrA 
ligencias  de  V.  Seíihí^ria,  fê  a  oppoííçao  qué 
fuítenta.  o  m.eo  deftarro  rnaõ  eftiy erji  taõ  e  m* 
penhada  n^le :  e  ppfto  qugíey/tambieinicomí 
quaò  boa  voriftad^  o  ^ep^hot  Marques  quê; 
Deos  guarde  ajudara  o  intento  deV.  Senno- 
ria ,  eftpu  certo  e  firmiílimo  em  que  íê  na5 
hàde  Gpn.feg]iirfppr  effes  meyos^  em  quanto  jci» 
tempon^ptTpúxçr  outros  de  mais  alta  prorirt 
dçncia^  por. que  eftae  outras  dificuldades  de 
mayor  importância  fe  facilitem.  Defta  ban- 
da naõ  há  mais  que  feftas  e  mais  feftas  ,i  e  fó; 
nos  faita^^ara  GPínprilnento  do  gofto  a  nòtí-"^ 
eia  dos  lentimentosç  de  Ma[drid ,  'que  ja  teni 
tempo  de  haver  chegado,  pofto  que  ainda 
naõ  efpero  a  verdade  da  refolucaõ  qu€  haodc 
tomar ,  que  deve  fer  muy  diverfa  depois  de 
esfriarem asfòndâs.'^^  ^y[^>  oBb^^aD 

Neífa  Corte  "anda  requerendo  fià  muitos 
dias  o  Licenciado  Domingps  Vas  Corrêa  Vi- 
gário Gerát  que  jfby dòÉSado  do Maranha5 
muitos  annos ,  conde  com  feo  grande  zelo , 
-^S'.  Nn  ij  cchri^ 


Me  pêíToâqiietenliò  põ^^  de  qual-^ 

qèeir  kagaí  Eccleíiaftico  5  è  que  há  muito  pou- 
cos fti^áié^rícij  dfe^Fbifágalà quem  com»  mais 
fe^r?a  íipífiàfíça/^ft^ÇòfíáS"  eátrêgai*  ias  ove- 
lhas dé  Phdftô;  Alèrii deita  raíaõ^geral , Ih^ 
de vô  algumas  obrigàçóèhs' pâf t iciiki^s'  pela 
bc>t3aífiftéfítia  qtie-fèm^í^::  fez  aos  Miffiona^ 


6om  áome  de  paftòtes.'^Se  V.  Senhoria  y  nò' 
<piê3  fe©iayeí iugary íor  íèíS^i^ò^  de  ^pad^iíihâí* 
feomexedsiténtõ  jalèm  tiêíéí  ^b^^^ 
ta  a:IÍ)eò^;ie'i1iúit0ífeíeo^É^í^|G»j  jfiíè  fátó  "VV 
Senhoria  muito  phtihAát  m^t^èy^e^ 
confiança  o  avizõ  fe^odê  vàl^r  dwâáipaf'6  á^ 
VÍ;Serth0fiiaí^;pois<èit:íiâS  t^fiho><^^ 
de  :Deps-a'iV;jSefthòíi;âíjrtiMtíó!írâ 

dezeJQ ;:  íq  havemo5> tófteirV  TiUaíttánc^  i)^' 


o£dai;iJiM  ob  (;í>©tírarfm  -^j/iJ^feí^T^oh^ 
^  obs  3bnxi'íj>  o'il  íríp:>  fjbno  í>  ^  aonnfj  ?oTirjfn 
.hfbo         ■'  -  ^^^-^  CAR- 


DO  P.ÍAÍít^NIO  V3EYRA,     285? 

ío  .":,!  !;c  >.j  fíjoHj  C'rf;í ':?rr:-     ■ 


;  CiíRTA  LXXVI 

<^  2).  Rodrigo  de  Mene%es,\ 

ENHOR  :  Em  grande  reftituiçàõ  fne 
eftâ^ temporal  e  efpiritualmente,aquel- 

la  vontade,  contra  a  qual,  depois  de 

tâõ  largo  tempo,  ena  circnnftancia  de  ta- 
manha oGcafiaò  3   naõ  aproveitaõ   diligen- 
cias,, nem  porfias:  e  digo,  temporal  e  efpiritu- 
âlffletite,  porque  quem  tanto  me  aparta  da 
preíençà  de  Vi  Senhoria,  n ao  fó  me  priva  do 
allivio  das  faudades ,  mas  também  da  grande 
confolaçaÕ  e  alento  que  o  meo  eípirito  re- 
ceberia comia  comunicação  de  V.  Senhoria, 
cU};a  alma  vejo  taõ  unida,  e  conforme  em  tudo 
com  a- vontade  deDeos,  e  com  didames  e 
rèfoluçoens  taõ  luperiores  a  tudo  o  que  legue 
è  eitinoía  <efte  mal  entendido  mundo,  em  que 
vivemos j  Bem  neceffaria  he  toda  eíla  gene- 
f  ofidade  para  fazer  pouco  cazo  do  que  V.  Se-f 
nhoria  mediz,  que  eu  li  naõ  fó  admirado  y 
irias  corridoide  q  em  huma  NaçAÕ  taõ  honra- 
âa*  ©dmoia  óbffa^ :  haj a  quem  tal  chegue  a  ái- 
-'jmr')  zer . 


:^á  C  A  R  T  AS/      , 

zer  j  mas  a  tanto  chega  o  poder ,  ou  a  fraque- 
za da  enveja,  cuja  viótoria  náõ  hé  menos  que 
a  dos  mayores  exércitos.  Eaííímapplko  eu 
nefta  occaíiao  ao  Senhor  Marques  que  Deos 
guarde,  o  que  fe  diffe  no  Çpitafio  dq  íylârquès 
de  Pefcàra : 

Et  Martemy  Êf  mortemvicit\  &f  invidiam. 
Sempre  eu  temi  que  a  Relaça5  da  viótoria, 
naõ  neceffitando  ella  de  cores  alheas  >  lhe 
havia  de  apoucar  a  grandeza,  e  efcurecerQ 
luftre.  Mas  naõ  deixo  de  ter  minha  rayva 
contra  a  prudência  e  diflimulaçaõ  deV.,  Se? 
nh  Dria  em  a  deixar  paíTar  fem  emenda,  fendQ 
eftê  o  oíEcio  e  obrigação  do  Tribunal  €m  que 
V.  Senhoria  prefide^  e  fera  bem  merecido 
caftigo  danofla  mà  politica,  ou  da  infelici- 
dade ,  e  violência  dos  tempos  prezentés ,  ve-» 
rem  os  Caftelhanos ,  e  ver  o  mundo  eftampa- 
da  em  Portugal  huma  ignorância  taó  ridicu- 
la,como  chamarmos  armada  imaginaria  à  de 
Caftella  ,  quando  ella  eftâ  fahindo  ao  mar 
com  quarenta  navios ,  como  fe  Cádis  eftivê-' 
ra  na  índia ,  ou  no  Japaõ.  No  mefmo  dia  em 

ue  pela manhaa  tinha  recebido  acarta  de 
,  Senhoria ,  me  mandarão  à  tardebuma  do 
Governador  de  Aveiro ,  em  que  fazia  faber  â 

Came- 


'^ 


DO  P.  J^NTOMO  VIEYRA.  287 
Gamera  de  Buarcos  tinha  recebido  ayizo  de 
S.  Mageftade ,  ^  a  Armada  do  inimigo  eftara 
fobre  a  barra  de  Lisboa  j  fby  ifto  em  a  quinta 
feira ,  e  na  noyte  do  fabbado  para  o  Domin- 
go fe  viraÕ  em  Goimíbra  muitos  fachos  de 
Tentúgal,  é  Montemor, e  fe  ouvirão  algum a§ 
peças  de  ar  telharia ,  e  depois  chegarão  no- 
vas dè  Efgueira,c]ue  todas  as  companhias  da- 
quella  comarca  hiaõ-çorrendo  para  Aveiro, 
por  apparecerem  lá  vinte  e  tantos  navios. 
Naõ  .me  parece  que  podçm  fazer  alli  couza 
de  confequencia ,  nem  em  toda|  cfta  cofta, 
falvo  nos  portos  mais  chegados  ao  Minho  , 
fe  em  terra  tiverem  exercito  com  que  fedem 
as  mSos  5  mas  defte  naò  hà  athegcra  noticia 
alguma,  efó  feavizou  no  Gorreyo  palfado 
que^o  Conde  do  Prado  chamava  os  terços  au- 
xilià^j^sy  ■;/  "^  fy  ''"'l\'^'^  ^'\  '''^') 
-  ''  tíoín  gf^àílde  alfbrbço  eípefo  o  avhó  de 
coiTi<3  eiT^,^(í^(kid  "(by  jççehida  ^  n  ova , da  n  of- 
AVíáiytià^^úe^áèv^a^^^^Méeni  diferentes 
eífeitos  ,  fegundò  os  ânimos  e  pareceres  dos 
qtte  lá  governao.  Gá  ÍÊiJivulgaò  profeeia^lse 
prcígnoteos  para- ó^ n^&z  de  Setembro ,  em 
qu^  fòíià^podèfaz^t-júizo  íbm  faber  as  diP 
-^afi^ôslnt-éríer^s^dí) inundo.  V.  Senhoria 


288  ,-.  .  ::C'A  Olt'1j^A/S/I  Ofl 
•que eftâ tanto  fobre èlle ,  e ovède^erto,  me 
dirá  o  que  devo  crer,  ou  efperar.  A  meo  amo 
o  Senhor  Marquês,  ^  cujos  pes  eftou  fempre^ 
beijo  mil  irezes  a  mao^f  edindo  a  Beos  iguàít 
mente  em  meos  facrifiGÍos,  quQJà  cómeçov^ 
dizer,  nos  confervé  e  guarde  a  PéíToadeS/E'^- 
cellencia,e  de  V.  Senhoria,  por  taõ  dilatados 
annos,  como  Portugal  hâ  mifter.jyilla  Fraur 
^aÍ3í de Agofto íáe  :ié6f^ú i u  i;:^  1^11103  i, , I ^'ijp 

Gapellaõ  e  menor  Creadp  de  Ví  - 

CARTA  LXXf; 

ElSíHOK  :  Com  a  carta  de  V.  Senho- 

,í:-^^^, ria  recebi  a  copia  de  Madrid  (>{e,iia5 

_     me  admiraõ  os  artificfos,  de  Cari:àcc|7 

na  cQ,Birqu,e  í^^fua  íoberba  quiz  diminuir /a 

lua 


ii  h 


DO  P.. ANTÓNIO  VIEYRA.  '^8:9 
ííia  defgraça  ,  e  adoçar  a  dor  de  tamanha 
perda  ^  mas  perco  apaciencia  em  ver  que  a 
verdade  delia  naô  eíleja  metida  em  Caftella 
por  mil  partes ,  e  divulgada  em  todas  as  do 
mundo  ,  onde  Caftella  íe  na5.terà  defcuyda- 
do  de  dar  as  primeiras  tintasse  efpalhar  a  pri- 
meira fama  ( que  fempre  iie  a  que  rhais  fe  im^- 
prime  nos  ânimos )  com  tanta  injuria  da  noP- 
ía  gloria.  Se  a  naÕ  queremos  dar  aos  homens; 
ao  menos  naÕ  a  tiremos  a  Deos^que  he  géne- 
ro de  ingratidão  5  aonde  fó  podia  chegar  a 
noíTa ,  fazer  elle  as  maravilhas  ,  e  nos  desfa- 
zermolas.E  pofto  que  a  verdade  naõ  pôde  ef- 
tar  rnuito  tempo  diílimulada ,  he  confo!aça5 
efta  muito  boa  para  os  vindouros  ,  e  naÕ  para 
fios ,  em  tempo  que  os  eíFeitos  da  noíTa  com- 
fervaçaõ  dependem  principalmente  docre4 
dito^nac)  fó  na  mefma  Caftella,  que  pela  vizi- 
nhança e  experiência  pôde  melhor  conhecer 
fuás  perdas^ e  noffas  ventagens:  mas  em  Fran-í 
ça,  Inglaterra ,  Olanda,  Itália,  onde  por  Mm 
ta  de  induftria  ou  naõ  chegaõ  as  noticias  das 
noíTas  vidorias,  ou  chegaõ  taõ  trocadas,  que 
parecemos  nos  os  vencidos.  Aqui  chegarão 
agora  deus  Padres  de  Sicilia ,  que  com  lerem 
moradores  na  Cidade  de  Palermo ,  aíBrma5 


CA  R  T  AS 
fqúe  nuíica  là  onviraô  que  Doiji  João  de  Au^ 
ítria  fora  vencido  em  Portugal.  E  que  fácil 
fora  ter  hum  efcritor  em  Itália  ,  outro  em 
França ,  e  outro  em  Alemanha, que  com  .muy, 
leve  falario  divulgaíTem  em  todas  aquellasi 
-naçocns  elinguas  oquenem  naiioííaquerc-s 
-mos  dizerf  Daqui  fe  fegue  o  que  eu  vi  em  Au- 
-thor  Alemão  5  que  efcreveo  as  hiílorias  de 
noííos  tempos  :  e  tirando  o  que  eile  chama 
fubievaçaõ  do  Duque  de  Bragança,  naõ  falia 
mais  paiavra  de  Portugal^como  feo  naÕ  hou- 
vera no  mundo.  Quantomais  eftamos  no  fim 
delle  y  tãto  mais  havíamos  de  procurar  intrsor 
duzir  nas  outras  nações  eíle  cÕmercicDii^porq 
das  relaçoens  que  agora  fe  imprimem  ,  fe  c5- 
põem  depois  as  hiílorias  :  e  quem  mais^ejiae- 
Ihor  efcreveo  de  fi  ,  foy  o  que  mais  parte  teTS» 
fios  annaes  da  fama.  Semfahir  de  Lisboa  fe 
pudera  achar  Italiano,  Francês  ,  e  Alemão 
que  efcreveífeemandaíTe  imprimir  a  fuás  ter- 
ras; Perdoe-me  V.  Senhoria,eílâs  loucuras, 
que  amo  muito  a  noíTa  Pátria ,  e  naÕ  tenho 
paciência  para  a  ver  desluzida,  quando  Deos 
é  os  homens  a  tem  illuftrado  tanto.  As  novas 
das  náos  da  India,e  frota  do  Brazil  fao  as  me-^ 
IhoiTs  que  podíamos  dezejaLDeos  as^tragaíC 
;     )  íal- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYR A.     tçx 

íalvâmento ,  para  que  nos  naõ  falte  com  que 
fazer  oppofiçaõ  ao  inimigo,que  na  efperança 
de  feos"  miíhoens  dizem  quer  fazer  a  guerra 
de  bolfa  abolfa,  e  na5  de  braço  a  braço  ,  mas 
o  fofrimento  dos  noííos  foldados  eftà  feito  à 
prova  de  mal  pagados.  Naõ  repete  o  rebate 
deter  a  armada  inimiga  lançado  gente  em 
Sagres  ,  como  diíTe  o  Conde  valido  no  dia  do 
correyo.  Queira  Deos  que  efte  avizo  tenha 
tao  pouca  certeza^como  o  que  veyo  a  Aveiro, 
de  cujo  Governador  VI  eu  a  carta  em  que  de- 
zia  o  avizàra  S.  Mageftade ,  que  a  armada  d« 
Caftelia  eftava  íbbre  a  barra  de  Lisboa.Se  V. 
Senhoria  puder  haver  as  profecias  de  Santa. 
Hildegardis  que  andaõ  em  livro  particular 
de  ííia  vida,farmeka  V.Senhoria  grainde  mer^j 
cê,  porque  taii  to  que  o  permittirem  os  pn-fi 
melros  alentos ,  quizera  tornar  a  antiga  tey- 
ma,  antes  que  o  tempo  chegue,  e  lhe  tire  a: 
graça.  Ao  Senhor  Marquês,  peço  me  tenha? 
nafua,  cDeos  guardeaV.  Senhoria  muitos, 
annos,  como  havemos  mifter.  Villaijranca: 
t.o.  de  Agofto  de  lóój,  .  :  •  o:i;r  íTÍ 

o  e  menor  creado  de  T.  Senhoria. 
António  Víeyra. 


Oo  ij 


CAR^ 


í,i]D  moo  ';■•;;'  ^'"^ " 


t  h  i 


a 


XVI. 

'^j^T^T^Ròãr^go  de  Menezesl 

ENHOR  :  Sabe  Deos  que  as  cartas  de 
V.SeGlioria  fao  para  mim  o  entertêni-*^ 
mento  de  toda  a  femana  em  quanto  íè- 
eíperao  ,  e  depois  que  chegao  o  único  aliivio 
de  quanto  padeço ,  aflim  na  difficnltofa  eon~ 
valefcencia  da  enfermidade  paífada  ,  como 
no  temor  ou  certeza  das  futuras,  dequene-v 
nhum  medico  duvida  pela  experiência  de  to- 
dos eftes  annos ,  e  conhecida  contrariedadci 
defte  fatal  clima.  Já  naõ  fallo  a  V.  Senhoria 
neftia  matéria  por  íer^  de  taõ  pouco  gofto  , 
quando  eu  dezejo  dallo  em  tudo  a  V.  Senho- 
ria,e  fó  he  bem  que  cuyde  e  me  alegre  das  oc-^ 
cafioens  que  V.  Senhoria  tem  de  o  lograt! 
muito  grande ,  quanto  o  eftado  defta  mortâ-í 
lidade  permitte.Li  a  Relaçaõ^e  pofto  que  diz 
míuitOj  folgo  de  a  haver  de  reputar  antes  pori' 
diminuta 4 poi* encarecida,  quehe  amaypr 
gloria  dq  íucceHb,  e  o  mais  feguro  e  univerfal 
teftemuhhó  dè  lua  gtatideza.    No  eftilo  e 

nar-* 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYR A.     igj. 

narração  delia ,  depois  de  V.  Senhoria  ter  j€ 
interpofto  íeo  parecer^  fico  eu  incapás  de  dar 
juízo ,  porque  íem  feguir  os  impulfos  da  von- 
tade, fe  naõ  fabe  apartar  nunca  o  meo  do  que^ 
V.  Senhoria  julga,  como  taõ  acertado  fem-* 
pre ,  c  taõ  livre  dos  aíFeâios  que  coílumaõ  ef- 
curecer  a  rafaõ.  Aqui  chegaÕ  por  varias  par-: 
tes  peíToas  que  vem  deCaftella,  e  todos  fal-' 
laõ  pelo  eftilo  da  carta  daquelle  amigo,  que^ 
com  as  fegundas  noticias  no  las  dará  melho- 
res do  dezengano  da  perda,  a  qual  naÕpo- 
deria  eftar  diííimulada  muitos  dias  por  mais 
que  fe  m^ultiplicaíTem  os  artifícios  de  Carace- 
na.  Com  tudo  dizem  confiantemente  que  el- 
le  fe  aprefla  para  voltar:coirza  que  parece  im- 
poffivel,  pelas  dificuldades  de  novo  exercito, 
e  muito  mais  pelas  do  tempo,e  da  campanha. 
Se  vier, fera  para  ultima  ruina  íua,poíí;o  que  a 
noíTá  feja:  taÒ  merecida  no  mal  que  agradece- 
mos a  Deos  as  mercês  que  nos  faz  ,  devendo 
coníiderar  que  fe  pôde  ajguma  vez  cançar  íu% 
Providei)CÍa  de  fe  pôr  fempre  da  parte  dos  in-' 
gratos.  Eu ,  Senhor ,  naõ  poílo  deixar  de  o  fôr, 
ao  muito  favor  que  V. Senhoria  naÕ  f  ó  me  fai 
a  mim ,  fenaõ  a  todos  os  meos  recommenda- 
dos^por  que  beijo  a  V .Senhoria  a  maõ  muitas^ 


15^4  CARTAS 

vezes ,  e  ó  farey  com  mais  particular  gofto  ^ 
quando  íouber  que  eftâ  confeguida  com  efFei- 
to  a  eleição  daquelle  Religioío  que  a  Senhora 
D.  Juliana  tem  authoriíado  com  íeo  patrocí- 
nio. Na  graça  do  Senhor  Marques  me  enco- 
mendo fempre ,  cuja  peíToa,  e  a  de  V.  Senho- 
ria nos  guarde  e  conferve  Deos  muitos  annos 
como  Portuq:al  ha  mifter.  Villa  Franca  17 
de  A  gofto  de  1(5(^5 , 

Capellaõ  e  menor  Servidor  de  V. 
Senhoria. 


António  Vieyra. 

CARTA  LXXVII. 

^  T>\  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR  :   Quando  V.  Senhoria  me 
fas  mercê  dizer  que  dezejàra  faliar  co- 
migo, e  com  tanto  encarecimento,  que 
poííp  dizer  eu ,  cujo  coração  hà  mais  de  três 

an- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     ipy 

ânnos  eftà  cozendo  difgoftos  e  difcurfos  , 
fem  poder  romper  o  fitencio  ?  Eíla  lie  a  enfer- 
midade de  que  adoeço ,  e  a  falta  defte  remé- 
dio aquemehade  matar,  fe Deos naõ abrir 
algum  extraordinário  caminho  com  que  me 
veja  aos  pes  de  V.  Senhoria^  pois  todos  os  or- 
dinários eftaò  taõ  fechados.  Nâõ  havia  miJP 
ter  o  animo  de  V.  Senhoria  tantos  defenga- 
tios  domundoparaV.  Senhoria  conhecer  e 
fe  defenganar  delle ,  mas  aílim  coftuma  Deos 
tratar  a  quem  ama  ,  e  aos  que  quer  fó  para  íí. 
Mais  deve  Portugal  ao  Senhor  Marques  na 
fua  conílancia/pienofeo  valor  ,e  mais  vene^ 
ro  eu  efta  viótoria ,  do  que  admiro  todas  as 
fu.as ,  conhecendo  do  eílilo  da  Provideacia 
Bi^vinague  na  fragua  deftás  femrafoens  eftâ 
lavrando  edifpondo  a  S.  Excellencia  outras 
coroas  mayores.  Do  Porto  me  efcrevem  que 
jàCaracena  efta  depofto  do  officio,  efubfti- 
tuido  outra  vez  Dom  Joa5  deAuftria.  Sinal 
certo  ,  fe  affim  fpr  ,  de  queas  primeiras  noti- 
cias (la  batalha  eílao  já  bem  defenganadas 
em  Madrid.  O  avizo  o  dirá.  Aqui  fe  diz  que 
o  Conde  de  Caílrilho  fe  chama  Garàa^t  fe  dà 
eífâ  explicação  ao  ultimo  verfo  da  decima  de 
Bandarra.  Sirva-fe  V.  Senhoria  de  me  dizer 


2^(5  '  CA  R  T  A  S 
fe  heaílim.E  também  differao  liuns  Frades  da 
Serra  d'Oíra  ^  que  a  caza  que  os  Duques  de 
Bragança  tem  na  Tapada  fe  chama  a  Caíam. 
Efpero  que  tudo  o  mais  fe  cumpra  ,  e  que  feja 
muito  cedo.  A  Senhora  D.  Juliana  manda  fa- 
ber  de  mim  emtodos  os  çorreyos  ,  fe  tenho 
repofta  deV.  Senhoria  acerca  doReligiofo 
jféo  recomendado ,  o  qual  eu  naõ  tenho  con- 
fiança para  lembrar  a  V.  Senhoria  depois  de 
ter  dito,  por  quem  efta  eleição  he  patroci- 
nada. Guarde  Deos  a  V.  Senhoria  muitos 
annos  ,  còitio  dezéjo  e  Portugal  hámiiler* 
Villa França  14  de  Agofto  de  i66j.         ^ ^^ 

Capellaó  e  menor  Servidor  de  Y4 
Senhoria. 


António  Vieyra. 


CAR-i 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     297 

CARTA  LXXVIII. 

AT>.  Rodrigo  de  Menezes. 

SENHOR :.-  Com  o  que  leyo  nefta  carta 
de  V.  Senhoria  de  21 ,  califico ,  e  con- 
firmo mais  o  nome  q  dou  de  loucuras 
aos  dezejos  do  meo  zelo :  emuy  bem  con- 
vence V.  Senhoria  aindifcriçaõ  delle  ,  em 
tlezejarque  as  noticias  de  noííTas  vistorias  le 
eftendao  pelo  mundo  em  todas  as  lingoas  , 
quando  o  nõíTo  defcuydo  as  dilata  tanto  na 
própria:  eathe  os  meímos vencidos,  e ini- 
migos reprovaõ  a  defigualdade  do  pouco  que 
fe  eícreve  ao  muito  que  fe  obra.  Grande  bem 
fera  que  fayáõ  outras  relações  conformes  c5 
a  verdade,  ainda  que  tarde,para  que  desfaça  , 
e  naõ  perpetue  o  efquecimento  o  que  calou  a 
-negligencia ,  ou  a  defgraça.  De  todo  o  gé- 
nero de  palavras  fomos  avarentos  ,e  nenhum , 
género  ha  de  ingratidão  ,  em  que  a  noíTa  fe 
naõ  califique  com  Deos ,  e  com  os  homens. ;! 
Aknaíahãa  entra  o  mes  de  Setembro  ,en;i 
>^ue  os interpretesnos  tem  alyoroçadç  taato 


ipS  C  A  R  T  A  S 

a  expeâ:aça5,-e  pofto  que  o  prazo  parece  muy 
limitado  para  grandes  mudanças,em  alguma 
couza  fe  podem  ajuílar  os  difcurfos  aftrolo- 
gicos  com  as  coníideraçoens  politicas.   Di- 
zem-me  que  fe  tem  formado  neíTa  Corte  hu- 
ma  Junta  de  Miniftros  de  todos  os  Tribunaes 
para  arbítrios  de  tirar  dinheiro  em  grande 
fomma.  A  neceíTidade  o  pede  aífím  ,  e  nunca 
fera  taõ  grande  a  fomma ,  como  a  neceífida- 
de.  Mas  haver  chegado  nefte  mefmo  tempo 
a  frota  das  índias ,  nem  he  boa  concurrencia 
para  a  fama  dos  Eftrangeiros  ,  nem  para  o  a- 
lento  dos  inimigos.  Na5  fallo  na  opreflaõ 
dos  naturaes,  de  cuja  fidelidade ,  e  obriga* 
çaò  fepòde  fiar  tudo  j  mas  também  pudera 
fobrevir  efte  accidente  menos  intempeftivo 
em  anno  mais  abundante  que  o  prezente,  cu- 
ja efterilidade  por  eftas  partes  ameaça  muito 
aos  pobres ,  e  naõ  empenha  menos  aos  ricos. 
Eu  jíempre  me  encofto  á  parte  do  receyo ,  e 
naõ  fey  fe  he  ifto  covardia ,  fe  he  amor.  Me- 
yos  tem  Deos  com  que  acodir  a  tudo ,  e  bem 
fácil  era  o  da  idade ,  e  novo  achaque  delRey 
Felippe ,  Ut  unm  mortatur  homo ,  ne  tota  gem 
fereat.  Muito  eílimey  ver  a  carta  daquelle  a- 
e  o  defe^rgano  dos  primeiros  artificies 

»c^ue 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA*     299 

que  cada  hora  fe  hiraõ  declarando  mais. A  in-^ 
troduçaõ  de  graça  de  D.  Joaõ  de  Auftria  he 
matéria  problemática  :  fe  tiver  a  dos  natu- 
raes ,  de  que  mais  fe  pôde  duvidar ,  he  certo 
que  tem  a  dos  Eftrangeiros ,  aíTim  em  Flan- 
des ,  como  em  Itália,  com  mayor  conheci- 
mento dos  Eftados ,  Naçoens  ,  e  peíToas,  do 
que  teve  nenhum  Rey'de  Hefpanha  depois  de 
Garlosí  mas  aíuppoíiçaõ  deftemefmo  cafo 
dará  mayores  motivos ,  e  efpertarà  mais  os 
pretextos  em  França.  Cartas  há  para  todo  o 
jogo,  e mais  fe  as  baralhar  a  noíTa  fortuna. 
Nunca  falley  a  V.  Senhoria  no  cazamento 
da  Infanta  deCaftella,  e  na  dilação,  e  na 
defvanecimento  dos  noíTos.  O  author  da  car- 
ta fabe,  ecoftumalizonjear:  eosmeospen- 
famentos  também  me  tem  lizonjeado  a  mim 
nefta  matéria ,  enaõ  poucas  vezes.,  nem  em 
poucas  occafioens.  Muito  ama  Deos  a  S.  Ma- 
geftade.  Naõ  conheço  o  Pregador  dos  feos 
annos,  mas  feyque  no  Brazil  hà  açúcar  bran- 
co, e  mafcavado  ,  e  que  ainda  no  fino  ha 
mais  e  menos.  Os  engenhos  naquella  terra 
ha  queixas  que  eftaõ  perdidos ,  e  nefta  (  o  que 
V.Senhoria  por  lhe  fazer  mercê  acredita)na5 
fó  perdidos,  mas  de  todo  acabados;  e  melhor 

Ppij  foy 


300     ,h}Ví:-C  AK  T  A  S.  - 

fóy  qu.€  líaõ  cahifle  o  defcontetitamento  íb-^ 
bre  a  eleição  de  V.  Senhoria.  Em  tempo  em 
que fó  vala  lizònja ,  na5  podia  parecer  bem 
quem  profeííafó  a  verdade  :  mas  elle  terá  pa-^ 
ciência  em  quanto  D eos  o  na5  muda ,  que  fe- 
ra, fe  eu  me  naõengano  5  muito  brevemente. 
De  Alemanha  vi  hum  notável  prodigio  por» 
relação  impreíTa  ,  que  na5  refiro  ,porqup» 
ílipponho  haverá  chegado  a  V.' Senhoria) 
Também  dizem  os  que  entendem  das  eftrel^ 
las,  que  appareceo  éftes  dias  huma  nova  na 
Nao  Argos.  Bom  prognoftico  para  osque^ 
efperao  por  mar  as  felicidades!  A  minha  efí 
perançíi  nao  limita  lugar  ,  hemiclementOé 
De  qualquer  parte,  e  com  qua^lquer  nome  que 
Deos  mande  á  íua  Igrej  a  o  remédio  da  Ghri4 
fl;ândade,o  aceitàrey  com  igual  acçaõ  de  gra4 
çás.  V.  Senhoria  me  tenha  nafua ,  e  o  meC- 
mó  peço  ao  Marques  meo  Senhor, a  cujos  pes 
eftpu  fempre.  Dèos  guarde  a  V*  Senhoria 
mijitòS:  annos,  comodezejo,  e  havemos  mife 
ter;  Villa  Eranca^  ultimo  de  Agofto  de  i66j. 

Creado  de  V.  Senhoria,    ,^  ,,^ 
António  Vieyra.'^*^^ 

CAR- 


/■■  . 


DO  P.  ANTÓNIO  yiEYRA.      301 


i)j 


f. 


ENHOR:  Mais  novas,  do  q  V.  Senho- 
m\z<  me ;  dâ.;  le  me  comunicarão  nefte 


_  corr eyo,  cÕ  efpecialidade  fct  re  a  Peí* 
íoa  do  Senhor  Marquês  queDeos  guarde^e  fo* 
bre  o  lugar  onde  V.  Senhoria  aíliília  aquella 
íçmana  :e  todas  concordao  muito  com  o  nor 
irie  <ou  definição  de  Babyloniaj  que  he  o  que 
inelhor  explica  a  confuíaõ  da  noffa  Corte  ^e 
as  confufoens  em  que  fe  achaÕ  os  entendi- 
líientos  ,íe  vontades  de  todos'  os  queamaò  o 
<:.Qrpo'defl: a  cabeça  ,  ezeiaõ  íua  confervar 
ça5.\Nem  me  admira  que  com  V.  Senhoria 
lhe  chamar  Babylonia,me  dezeje  V. Senhoria 
nella ^  porque  os  myfterios  com  que  fe  falia 
por  pápel^accreícentaÕ:  Os  tormento,  e  as  per- 
plexidades, quefó  podem  ter  allivio,  quando 
naÕ  remédio ,  na  comunicação  da  prefença. 
Eifta  he  a  mayor  penlaõ  do  meo  defterro,  e  do 
grilhão:,  que  fo  por  efta  caufa  dezejár a  muito 
ver  quebrado,  ou  mudado  para  lugar,  onde 

a  dif- 


IMÊÍl 


301  'CARTAS 

a  diftancia  me  nao  impoflibilitàra  tanto  efte 
allívio.  Seja  Deos  bemdito  que  aflimo  difpôs 
íiia  Providencia  por  meyos,  €m  que  eu  cuidey 
que  era  elle  fervido,e  nao  ofFendido.  Mas  em 
quanto  me  na5  faltar  a  coníbiaçaõ  de  que  V. 
fSenhoria  e  o  Senhor  Marquês  paflaã  com 
faude  j  em  tudo  o  mais  me  conformarey,eípe- 
tandcro  beneficio  do  tempo,  que  por  todas  as 
vias  vay  confirmando  aselperanças  quenos 
tem  dado. 

Por  todas  as  raíbens  que  V.  Senho  ria  pon- 
der a^ me  parece  também  impoífivel  a  campa-? 
nha  que  o  inimigo  publica,  fem  embargo  do 
avizo  de  S.  Mageftadc,  que  oReytor  da  Uni* 
veriidade  teve  de  que  elle  intentava  entrar 
pela  Provincia  da  Beira,  e fe  afíirma  eftarjà 
em  Alcântara  o  mefmo  Marques  de  Carace- 
na  com  pê  de  exercito,  como  avizou  AíFonlb 
Furtado  mandando  hir  c5  preíTa  os  auxiliares 
deftas  comarcas.  Mais  cuydado  da  a  pefte  de 
Inglaterra,  para  cuja  cautela  mandou  S.  Ma- 
geílade  fe  nomeaíTe  aqui  hum  Guarda  Mor  da 
faude,  com  íuperintendencia  a  todos  os  por- 
tos defta  Cofta^porque  havendo  de  fer  admit- 
tidos  ,  como  também  fe  ordena  ^  os  navios  , 
peffoas^e  fazendas  dos  Inglezes,  nao  coftuma 

fer 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYR A.     303 

íer  a  noíTa  vigila  ncia  taÕ  exada ,  que  nos  fe- 
gure  do  grande  perigo.  O  anno  tem  trazido 
a  fome,  que  ainda  fe  teme  mayor,fe  as  chuvas 
que  por  efta  parte  começaõ  ,  continuarem:  e 
nos  vemos  ameaçados  no  meímo  tempo  com 
os  três  açoutes  queDeos  denunciou  aDavi4 
por  hum  peccado  que  naõ  excedia  de  venial. 
Naõ  fey  fe  osnoílos  fobre  as  circunftancias  da 
ingratidão  merecem  nome  devenialidades. 
Deos  abra  os  olhos  aos  que  taÕ  cegos  eftaõ 
com  os  favores  da  Mifericordia^para  que  naò 
experimentemos  todos  as  execuções  da  Jufti- 
ça.  Ao  Marquês  meo  Senhor  beijo  mil  vezes 
a  ma 5  pela  mercê  que  me  fas ,  cuja  PeíToa  e  a 
de  N ,  Senhoria  nos  guarde  a  Divina  Mage- 
ftade  como  eu  dezejo ,  e  lhe  peço  ,  e  Portugal 
ha  mifter.  Villa  Franca  7  de  Setembro  de 
166  f. 

Capellaõ  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 

António  Vieyra. 


QAR- 


C  AR  T 


CARTA 

A  T).Rodrím  de  Menez^es. 


wXíC'J'VJi  ?0 


ENHOR:  Também  eu  quero  começar 
pelo  Ceo  :  e  digo  que  vi  aeftrella  no 

^     lugar,eâs  horas,  e  cò  a  grandeza,  eluz 

íkdmiravel,  e  mais  cireuriftanGias  com  que^VIl 
Senhoria  adefcreve:e  tudo  comuniquei  ao  Pa- 
dre iCondone  5  que  he  Mathematico  Italia>- 
aiíp  /  é  elle  também  a  oblervou ,  e  íeguiido   a 
rfua  aftronomia,  diz  que  he  a  mefma  Vénus,  a 
qual  y  pelo  íitio  em  que  agora  fè  acha  com 
o  Sol  ,  eftâ  chea  ,  e  poriíTo  fe  moftra  do- 
bradamente  mayor  que  fi  rhefma  cm  outro 
tempo.  V.  Senhoria  julgara  fe  eíla  íiia  ra- 
fa5  ne  bem  fundada,  da  qaal  eu  naõ  poíTo 
fazer  juizo ,  e  muito  mais  fendo  encontrada 
á  minha  fé ,  que  he  feguir  em  tudo  o  parecer 
de  V.  Senhoria. 

Vindo  à  terra:  Notáveis  faõ  as  novidades 
que  V.  Senhoria  me  diz  do  mundo,  e  me  per- 
íuado ,  que  Deos  quer  fem  duvida  humilhar , 
e  acabar  aos  Olandezes.  Sò  nos  faltava  ago- 
ra 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     30J 

ra  que  com  a  morte  delRey  Felippe  fe  con- 
cluiííe  huma  paz  ,  ou  comprida  tregoa  entre 
nòs  e  Caftella^para  que  defembaraçados  defte 
impedimento  pudeíTemos  empregar  huma 
boa  parte  donoíTo  poder  no  Oriente,  éter 
V.  Senhoria  inftrumentos  com  que  reduzir  à 
pratica  as  ideas  do  penfamento ,  e  confeguir 
os  triumfos ,  que  também  entendo  começou 
Deos  a  difpôr  na  eleição  da  Peffoa  de  V.  Se- 
nhoria. 

As  novas  de  Lisboa  faõ  laftimofas  ,  e 
mais  que  todas  as  que  tocaõ  aonoflb  Mar- 
quês ,  c  attenuaçaõ  de  íiia  Caza.  Diziaõ-me 
que  começava  a  eftar  bem  vifto  do  Valido , 
mas  efte  deígofto  he  mayor  que  tudo  o  que 
pôde  contrapezar  a  graça  dos  homens.  De- 
nos  Deos  a  fua ,  e  a  V.  Senhoria  guarde  mui- 
tos annos  para  oque  eu  deíiia  Providencia  eP- 
pêro.  Coimbra ,  onde  jà  fico  ij  de  Setembro 

Creado  de  V*.  Senhoria. 
António  Vieyra. 


Tom,  L 


aq 


CAR- 


joá 


CARTAS 


CARTA  LXXXI. 

AT>.  Rodrigo  de  Menezes. 

ENHOR  :  A  occafiaõ  de  que  avizey  a 
V.  Senhoria  no  correyo  paffado,  me 
_^^  tem  tomado  o  tempo  demaneira,  que 
mal  me  deixa  lugar  de  efcrever  eftas  duas  rer- 
gras.  Os  aproches  fe  apertão  com  grandiflí- 
mo  rigor ,  e  naõ  fey  que  fe  pofla  efperar  deíla 
viâroria,  havendo  ta5  pouca  occafiaa  para 
tanta  guerra.  Queira  Deos  que  matiaõ  faça 
quem  no  la  faz.  Efperò  com  cuydado  are- 
pofta  de  V.  Senhoria  ^  e  de  todas  as  noticias 
que  V.  Senhoria  puder  colher ,  me  importará 
nàuito  o  roteiro,para  faber  como  heyde  nave^ 
gar  em  mar  tao  tempeftuofo ,  e  noyte  taõ  eí- 

eura. 

Hontem  foraõ  os  20  deSetembro^e  me  ti- 
nha efdritojoao  Nunes  da  Cunha  em  carta 
de  14  de  Agofto,  que  nefte  dia  ameaçavao  as 
eílreUas  hum  grande  perigo  neffa Corte,  e 
accrefcentava  as  palavras  íeguintes  :  O  dia  de 
9  de  Setembro  he  de  expeSiaçao  para  ejle  ReynOy 

ijlo 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     307 

ipô  he  o  qfe  le  nas  eftrellasiO  Senhor  delias  fará  o 
que  for  fervido ,  V.  Paternidade  guarde  efiac  ar-- 
fa^porq  quero  qfe  conheçao  os  meos  erros,  Ejí  cw^^- 
do  que  fera  o  fuceeffo  no  Reyno  y  maspò-defer  que 
fora  delle,Kt\\Q(\u\2iS  palavras  da  carta,  a  qual 
^u  moftrey  logo  entaõ,  e  todos  nos  admira- 
mos da  fegurança  daquelle  modo  de  fallar. 
Na5  falta  quem  cuyde  que  he  ajudado  de  al- 
gum oráculo  Re  ligiofo  da  Cidade  do  Porto  , 
ou  vizinhança  lua^e  como  todas  as  cartas  que 
tivemos  do  correyo,concorda5  em  que  o  ííic- 
ceffo  de  Alemtejo  foy  aos  nove ,  e  que  o  ini- 
migo vinha  intreprender  hurna  praça ,  e  que 
ine  tomamos  a  artelharia,  e  muitos  priíionei- 
ros,  e  quç  o  encontro  foy  dentro  efora  do 
R^eynfo^:  poi*  todas  eftas  cir çunftancias  fe  en- 
tende que  as  eftrellas ,  ou  oráculo  fallou  ver* 
dade  no  primeiro  prognoftico ,  e  aflim  fe  te- 
me que  poíTâ  ter  fido  no  fegundo  ,  e  por  eíTa 
tençaõ  fe  diíTeraõ  hontem  muitas  miflas,  e  fe 
eípera  commayor  cuydado  a  certeza  deter 
paíTado  aquelle  dia  com  tanta  paz  de  Lisboa, 
iaude  e  felicidade  daPeíToa  deS.  Mageftade 
^como  havemos  mifter.  Ó  certo  he,  que  na 
'prefença ,  e  na  auzencia  acompanha  as--nof- 
las  armas  a  felicidade  de  feo  General,  dè  <me 


3o8  C  A  R  T  A  S 

dou  a  V.  Senhoria  o  parabém,  e  ao  Marquês 
meo  Senhor,  cujas  mãos  beijo  fempre.  Deos 
guarde  a  V.  Senhoria  muitos  anno  como  de- 
zejo.  Coimbra  zi  de  Setembro  de  i66^. 

Capella5  e  menor  Creado  de  V. 
Senhoria. 

António  Vieyra, 


CARTA  LXXXII 

Ao  Marquês  de  Gomj^^fu 


Ci 


OM  mais  goíloderá  aV.Excellen- 
cia  as  boas  Pafcoas ,  fe  eftivera  livre 
^^^^^  do  fufto  em  que  me  tem  as  novas  dei- 
te correy  o.  Francifco  Paes  Ferreira  mas  deo 
de  V.  Excellencia  ficar  com  grande  melhoria 
do  accidente ,  e  o  Graõ  Duque  de  Tofcana 
me  aflegurou  muito  mais  o  haver  V.  Excel- 
lencia livrado  de  todo  o  perigo  5  mas  o  meo 
cuydado  naõ  fe  fatisfas  athè  me  na5  conftar 
^  com 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     309 

Gomtoda  afegurança  deque  V.  Excellencia 
eftâ  inteiramente  reftituido  à  faude  quetaò 
neceííaria  noshe,  e  entre  todos  os  creados 
de  V.  Excellencia  nenhun:i  mais  que  eu  deze- 
ja.  Eu  hà  mais  de  hum  mes  que  padeço  mui- 
to 'y  mas  todos  os  outros  fentimentos  ceíTaràã 
fe  o  corr  eyo  que  efperamos ,  me  trouxer  efta 
alegre  riova ,  pela  qual  oíFereço  a  Deos  todas 
minhas  oraçoens  e  facrificios.  O  melmo  Se- 
nhor guarde  aV.  Excellencia  como  Portu- 
gal ,  e  os  creados  deV.  Excellencia  have- 
mos mifter.  Roma  z  8  de  Março  de  1670. 

Creado  de  V.  Excellencia. 


António  Vieyra. 


GAR- 


310 


CA  R  T  AS 


CARTA  LXXXIII. 

Ao  Marquês  de  Gouvea 

TODOS  os  correyos  me  trazem  me- 
lhoradas novas  dafaude  deV.Ex- 
cellencia  ^  com  que  tenho  quanto 
dezejo  ,  nem  quero  outras  do  mundo.  Ode 
Itália  eftâ  todo  quieto,íem  mais  novidade  que 
naícer  hum  filho  ao  Grão  Duqu^:  q^ue  efte 
moço  fe  deo  mal  fora  do  terreno  de  Floren- 
ça. O  Papa  vive ,  o  Cardealreyna ,  e  ambos 
o  fazem  bem,  porque  hum  excede  naíânti- 
^ade  j  outro  na  prudência  :  e  tirando  os  que 
dezejaõ  a  íucceíTaõ  daquelles  lugares ,  todos 
os  mais  eílaõ  contentes.  De  França  íe  aviza 
ter  embarcado  o  Núncio  ,  que  jà  deve  eftar 
em  Portugal,  e  naõ  muy  longe  a  Duqueza  do 
Cadaval,  porque  me  dis  Francifco  de  An- 
drade partiria  de  Paris  athè  1 5  oú  20  de  Ma- 
yo.Efpera-fe  aqui  por  horas  o  Biípo  de  Lans, 
e  ouço  fe  queixaò  em  Portugal ,  que  o  noílo 
Embaixador  naõ  applica  à  fua  pretençaõ  to- 
das as  inftaneias ,  fendo  que  tem  feito ,  efaz 

as 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     311 

as  poíliveis.  Ser  o  modo  das  Bulias  útil  e  da- 
nofo,  fe  he  implicação  ,he  coníequencia  de 
outra ,  que  eftou  bem  lembrado,  advertio  V. 
Excellencia  no  feovoto.  Eu  naò  tive  parte 
nefte  negocio,  como  em  nenhum  outro  :  mas 
já  tenho  dado  a  V.  Excellencia  conta  do  que 
em  Roma  fe  julga,  e  tem  eftes  olhos  por  h  o 
eftarem  mais  perto.  Mais  temo  nos  negócios 
de  V.  Excellencia  os  noflos  confelhos^  que  os 
de  Caftella.  Deos  guarde  a  ExcellentilTima 
PeíToa  de  V.  Excellencia  como  dezejo,  e  o 
mefmo  Portugal  e  creados  de  V.  Excellencia 
havemos  mifter.  Roma  6,  de  Junho  de  i6yo. 


m 


Creado  de  V.  Excellencia. 


António  Vieyra. 


CAR- 


tr 


CARTAS 


CARTA  LXXXIV. 

Ao  Marques  de  Gouvea. 

DE  que  V.  Excellencia  me  fes  mer- 
cê, recebi  em  lo  de  Novembro  com 
^^  ^ij^  a  Relação,  e  duas  copias  inclufas, 
que  he  o  mefmo  que  mandar  me  V.  Excellen- 
cia  as  Profecias  com  o  Comento.  Naõ  fey  o 
quediraõ  agora  os  que  fundarão  taõ  grande 
maquina  fobre  huma  preíunçaõ  falíivel.  O 
que  me  fes  rir  e  triumfar  muito  (  como  faço 
em  todos  os  fucceíTos  de  V.  Excellencia)  he  a 
fanta  finceridade ,  com  que  V.  Excellencia 
confirmou  p  feovoto,  e  impugnou  os  con- 
trários, fó  com  referir  a  confulta ,  parece- 
res ,  e  refoluça5  defla  Corte. 

Ella  he  coufa  admirável ,  que  os  Confe- 
iheiros  de  Caftella  fe  conformem  tanto  com 
os  noííos ,  e  que  tenhaõ  taõ  pouca  chriftan- 
dade  e  politica ,  que  quiferaõ  para  o  feo  Rey- 
no ,  e  fó  para  elle ,  o  que  nòs  lançamos  do 


DO  P.  ANTÓNIO  VíEYRA.     313 

noíTo.  Mas  nem  por  iífo  entendo  fe  daraõ  por 
mais  carregados  nas  fuás  confciencias ,  no 
que  tinhao  tranfplantado  para  Holanda  e  In- 
glaterra, naõ  fendo  menos  o  que  tem  vindo 
para  Itália ,  onde  quando  fe  foube  a  refoluçaõ 
de  Portugal,  fe  diffc  :  E  o  peor  he ,  que  fenaÕ 
haõde  de  confeíTar  os  Portuguezes  difto.  O 
negocio  de  Inglaterra  nos  ajuda  a  acabar  de 
entender,  fe  quizermos,  quanto  nos  devemos 
fiar  de  correfpondencias  ,  nem  em  efperan- 
ças  fundadas  mais  que  em  Deos  fem  nós.  Te- 
mi rauito  que  D.  Francifco  de  Mello  feguiííe 
o  brio  de  fe  querer  fahir  da  Corte  ;  mas  em 
quanto  ella  fe  acomodar  com  a  diífimulaçaõ, 
parece  que  obrara  taõ  prudentemente,  como 
J^ps^eni  nos  prevenirmos  de  tal  poder,  e  opi- 
nião, que  fe  nos  naõ  façaõ  defprefos  fem  te- 
mor ;  e  mellior  fora  naõ  querer  introduzii'' 
no  mundo  huma  novidade  de  que  naõ  po- 
diaõ  nafcer  fenaõ  monftros ,  nem  quem  os  a 
confelhou  devia  de  os  antever^e  também  terá 
prevenido  o  remédio ,  para  que  naõ  morraõ 
Tembaptifmo. 

O  Refidente  eftâ  jà  melhor ,  e  em  eftadt), 
quelhediíTe  eu  hoje,  que  importava  ou  tor- 
nar a  adoecer,  ou  fahir  a  publico,  havendo 
Tom.l  Ri-  ^^es 


314  CARTAS 

tres  mezes  que  eftâ  em  Itália ,  e  dous  em  Ro- 
ma. Mas  em  Portugal  fe  efquecem  tanto  deU 
le,  que  fobre  lhe  eftarem  devendo  fete  meza- 
das  ,  athegora  nem  mezada  ,  nem  ajuda  de 
cufto  lhe  tem  vindo ,  e  athè  carta  lhe  faltou 
nefte  correyo. 

Efpera-fe  a  prenhes  deFrança^e  ainda 
que  hoje  correrão  novas  de  alguma  perturba- 
ção confideravel ,  na5  fe  lhe  da  credito.  As 
gazetas  de  Ancona  dizem  que  o  Abbade  de  S. 
German  trazia  ajudado  o  focorro  de  dous 
terços  Portuguezes  e  liga  entre  França  e  Por-L 
tugal  contra  os  Holandezes  na  Indiai.  O 
fecreto  defta  negociação  me  faz  prová- 
vel poder  fer  aíTim,  Quanto  aos  apparatos 
Francezes :  fe  tem  confervado  impenetravel-f 
mente    ás  intelligencias  de  todo    o  mun-f 

do. 

Aqui  na5  hà  novidade  mais,  que  o  comer 
çaraexeicer  com  o  nome  dejefus  oEmbai- 
xador  Jefuita  :  a  caza  dizem  que  fera  muy 
íufida,  mas  todos  de  roupas  largas  j  fendo 
certo  que  na5  faltara  hum  Miniftro  taõ  Re- 
ligiofo  de  concordar  a  authoridade  com  a 
modeftia.  Deos  guarde  a  V.  Excellencia  em 
todos  os  tempos,  como  o  noífo  Reyno ,  e  os 
^  Crea- 


i4| 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     31  j 

jGreados  de  V.  Excellencia  havemos  mifter. 
•Roma  19  de  Dezembro  de  1(^70. 

Creado  de  V.  Excellencia. 
António  Vieyra. 


CARTA  LXXXV. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor.  Fal- 
toume  neftecorreyo  carta  de  V.  Ex- 
cellencia e  nem  poriffo  me  tenho  por 
menos  favorecido ,  por  que  fey  quanto  tem- 
po leva5  as  vizitas ,  e  quam  precifa  he  a  paga 
deftas  dividas ,  de  que  já  confidero  a  V.  Ex- 
cellencia mais  deíempenhado. 

Aqui  naõ  há  novidade.  Por  t  oda  ã  femã- 
na  que  vem ,  me  dííle  hontem  o  noíTo  Embai- 
xador ,  hiraõ  os  Bifpados  com  as  letras  abeí-^ 
tas  ou  cerradas  ,  fobre  que  fe  fiz eraõ  duas" 
Congregaçoens ,  e  ainda  nao  eftâ  refoluto, 

Rr  ij  me- 


3i(í  C  AR  TA  S 

melhor  fora  naò  intentar^que  naõ  confeguír, 
nem  dezejar  os  fins  ,  fenaõ  fe  haõde  aplicar 
osmeyos.  Acabada  efta  função ,  e  naÕ  ha- 
vendo Capellos,  porque  eftes  que  havia  eftaõ 
providos,  parece  que  fica  pouco  que  fazer  , 
e  menos  que  efperar.     - 

Fez  o  Vice-Rey  de  Nápoles  Embaixador 
de  obediência  as  fiias  entradas  com  grande 
oftentaçaò ,  eu  as  vi ,  porque  paííaraõ  pela 
noíía  porta  ,  fendo  taõ  pouco  curiofo  que 
morrem  Papas ,  e  fe  coroaõ ,  e  nada  vejo. 
Mais  gôfto  de  ver  em  Roma  as  ruinas  e  defen- 
ganos  do  que  foy ,  que  a  vaidade,  e  varieda- 
de do  que  he ,  e  com  ifto  me  parece  o  mundo 
muito  eftreito  ,  e  a  minha  cella  muito  larga , 
fó  me  falta  poder  difcorrer  com  V.  Excellen- 
ciafobre  ifto  huma  tarde,  ainda  que  naõ  fo- 
ra à  vifta  das  moletas  do  Tejo,  nem  das  hor- 
tas de  Santo  Antaò.  Hoje  começaõ  as  mafca- 
ras  do  Carnaval ,  em  que  eu  digo  as  tira5  ^ 
porque  verdadeiramente  moftraõ  que  naõ 
laõ  por  dentro ,  o  que  parecem  por  fora. 

Muito  nos  magoou  ofucceííb  da  Rainha 
que  Deos  guarde,  e  muito  mais  o  confelho 
que  a  deixou  meter  em  tal  perigo :  de  cá  o  vi, 
e  cfcrevi ,  e  hoje  recebi  carta  em  que  dando - 

me 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     317 

me  a  nova ,  me  cliamaraÕ  profeta ,  mas  fem- 
pre  o  fera  5  quem  demâs  refoluçoens  prpg- 
nofticar  femelhantes  fiicceflos. 

Nefta  Corte  eftâ  o  Padre  António  Vas  de: 
q  fou  antigo  amigo  ,  e  o  pudera  fer  de  menos 
tempo  aeftapartepelaíêmelhãça  da  fortuna: 
Em  Lisboa  o  tratarão  como  inconfidente, 
fendo  hum  dos  mais  finos  Portuguezes  de 
quantos  fe  prezaÕ  defte  nome  •  V.  Excellen- 
ciadeve  terbaftante  informação  defeos  ta- 
lentos ,  e  a  melhor  de  todas  fera  a  experiên- 
cia ,  que  toda  a  mercê  que  V.  Excellencia  lhe 
fizer  j  a  receberey  muy  particular. 
V  Eu  fico  trabalhando  na  Canonização  dos 
Martyres,que  por  muitos^e  Portuguezes,  tem 
encontrado  grandes  embaraços  na  emula- 
ção ,  com  tudo  efperamos  que  antes  daPaf- 
coa  nos  dê  S.  Santidade  eftas  boas  feitas  ,  paf- 
fadas  ellas,entrarey  em  coníulta  com  a  minha 
vida ,  efperando  a  refoluçaõ  do  que  tem  o  lu- 
gar de  Deos ,  porque  naõ  quero  ter  parte  neU 
la.  Vejo  que  fe  incIinaÕ  a  que  fe  cfcreva ,  e  fó 
me  inclino  a  naõ  ter  nem  moftrar  inclina- 
ção ,  e  a  fazer  o  que  me  ordenarem  que  he  a 
mais  fegura  razaò,que  poíTo  dar  aDeos  quan- 
do me  pedir  conta,  para  que  fó  trato  de  me 

apa- 


31?  .ívA..'C'A^R^T^^;A'S';  ::"T 
aparélfar. ,  e'  com  iftoa  tetibo  dado  de  mim  a 
V.  Excellencia  quanto  de  prefente  poíTo. 
Deos  guarde  a  V.  Excellencia  muitos  annos, 
como  o  noíío  Rey no,  e  os  Creados  de  V.  Ex- 
cellencia havemos  mifter.  Roma  31  de  Ja- 
neiro de  1671. 


Oi.»  j 


Creadódè  V.  Excellencia. 
António  Vieyra. 


Ao  Marques  de  Gowvea»  < 

XCELLENTISSIMO  Senhor :  efte 
correyo  que  trouxe  defla  Corte  no- 
_^  _  vas  do  novo  defcobrimêto  de  minas  , 
me  enriquiceo  com  duas  cartas  da  maÕ  de  V. 
Excellencia,  que  beijo  mil  vezes  por  tanta 
mercê ,  e  honra,  e  dou  graças  a  noíTo  Senhor, 
que  V.  Excellencia  palie  com  a  íaude  que  ha- 
vemos miíler ,  ainda  que'entre  neves ,  de  que 
athegora  aqui  eftamos  livres.  '^ 

Acar- 


i 


DO  P.  ANTOT>[IO^V1EYRA.      319 

A  carta  em  quç^.  Excellencia  dâ  os  pa^ 
rabens  ao  Senhor  Embaixador  de  haver  bota- 
do de  parte  o  negQcio  dos  Bifpados,  lhe  quis 
moftrar  ante  honteiíi,  mas  fendo  jà dadas  as 
onze  pela  medida  dos  nolTos  relógios ,. ain- 
da o  achey  na  cama  reftituindo  ao  fono  [  co-^ 
mo  me  diíTeraÕ  ]  as  horas  que  lhe  tinhaõ 
tirado  as  comedias  do  Carnaval ,  que  aqui 
fe  fazem  de  noite ,  e  digo  que  fe  fazem  ,  e 
naõ  fe  reprezentaõ  ,  porque  o  que  fe  vè  , 
mais  parece  obrado  pela  natureza ,  que  fin- 
gido pela  arte  ,  mudando-fe  de  repente  os 
edificios,em  boíques  5  a  terra  em  rhar  ,  os 
penhafcos  em  jardins  ,  e  o  melhor  que  ift 
to  tem  ,  he  ,  que  também  o  podemos  ver 
os  Padres,  da  Companhia  nos  noíTos  Semi- 
nários, onde  efte  anno  fe  recitarão  pelos  mef- 
mos-eíludantes  duas  famofashifl-O rias  j  huma 
de  Santa  Ita  ,  outra  de  Santo  Canuto :  nas 
n;óíras  quarenta  horas,  fe  reprezentou  pelo 
mefmoí  artificio  a  batalha  de  Jofiié ,  como 
Sol  parado ,  qucfoy  couza  mageftofa ,  e  muir 
to  para  ver  ,  naÕ  fe  vendo  mais  que  os  re- 
flexos dos  lumes ,  queeraõ  mais  de  féis  mil, 
£  tudo  ifiohe  o  que  poíTo  dizer  deftes  dias 
a  V,  Excellencia^  o  demais  fe  o  houver,  hi- 

ra 


m 


310  C  A  R  T  AS 

râ  no  Próprio  que  cada  dia  parte  ,  e  naõ  aca- 
ba. 

Das  novas  do  Norte  terá  V.  Excellen- 
cia  nefla  Corte  mais  frefcas,  e  certas  noti- 
cias. As  de  Levante  prometem  grandes  no-. 
cidades  neft a  primavera ,  porque  os  appara-^ 
tos  do  Turco^aífimdaterrâjComomaritimos, 
laõ  formidáveis.  Hunsfallaõ  em  Malta ,  ou^ 
tros  em  Sicília  ,  e  efta  voz  fe  tem  por  mais 
provável.:  Hum  grande  Princepe  de  Polónia 
aggravado  de  fe  lhe  negar  certo  pofto  que 
per  tendia ,  moftrou  quam  pouco  merecedor 
era,  delle,  com  fefugeitar  ^o  Turco,  e  lhe ju^ 
rar  fidelidade.  Também  fe  paffáraã  à  Tran^ 
filvania  alguns  Senhores ,  e  Magiftrados  dos 
de  Ungria ,  e  de  Croácia  fe  efcrevem  cou^ 
zas  femelhantes ,  que  aqui  naõ  da5  muito 
cuidado.  Caza  huma  fobrinha  do  Cardeal 
Nepote  com  hum  Princepe  da  Caza  Urfina , 
que  fera  herdeiro  delia ,  e  para  hum  feo  Ir? 
maõ  Frade  de  S.  Domingos ,  dizem  que  e& 
ta  deftinado  hum   dos  primeiros  Cappellos 
que  vagarem  ,   mas  os  Eminentiflimos  paf- 
fando  muitos  de  70.  annos  ,  fe  defendem  da 
vacatura  galhardamente.Sua  Santidade  Deos 
o  guarde  eftâ  muito  bem  difpofto  ,  é  pro- 
mete 


DO  P.  ANTÕNÍO  VÍÈYRA.      321 

mete  guardar  o  depofito  por  mais  tempo  do 
que  fuppos  a  concórdia  dos  Eleitores.  He 
de  vida  innocentiffima ,  e  mais  benemérito 
dos  Santos ,  que  muitos  de  feos  AnteceíTo- 
res  juntos.  Eíperamos  a  declaração  dos  qua- 
renta Martyres  do  Brafil  ,  mas  he  a  mayor 
diíEculdade  ferem  muitos.  O  noíTo  malogra- 
do Princepe  ca  anda  eftampado  nas  gaze- 
tas ,  è  de  boa  maõ  me  efcrevem ,  fe  repete 
a  viagem  de  Salvaterra.  Daqui  por  diante 
começarão  a  fer  mais  pontuaes  as  novas  de 
Madrid  ,  em  que  fempre  eíperó  com  anciã 
muito  boas  de  V.  Excellencia.  Deos  guar- 
de a  V.  Excellencia  muitos  annos  como 
dezejo  ,  e  os  creados  de  V.  Excellencia 
havemos  mifter.  Roma  14.  de  Fevereiro  de 

Greado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


i^fí 


ViT 


Tom»  L 


Ss 


GAR- 


ff? 


Q  AvR  -T  jA  S 


CARTA  LXXXVII. 


^''Marquês  de  Gouvea. 


T   XCELLENTISSIMOSenliorrdizem 

que  parte  a  manhaa  hum  correyo , 
y  e  pofto  que  o  próprio,  e  ordinario^en- 


tendo  chegarà5  nos  rnefmos  dias ,  naÕ  que- 
jpo  deixar  de  folicicar  os  favores  de  V.  Ex- 
celleocia  por  todos,  como  em  todos  ostí- 


<s:.nEmfim  5  vaõ  nefte  deípacho  fete  Bifpa- 
dos,  a  faber  :  Guarda  ,  Lisboa  ,  Coimbra, 
Jb^iria  ,  Goa  ,  Ba.hia  ,  e  hum  in  partibus 
para  o  Capellao  Mor  com  titulo  deHipo- 
nia  ^  e  fera  o  Senhor  Luis  de  Soufadignif- 
fimo  fucceflbr  de  Santo  Agoílinho.  Lem- 
brame  hum  dito  d'ÉlRey  D.  Joaõ  ao  Ca- 
pellao Mor  Manoel  da  Cunha ,  mas  naõ  que- 
ro fazer  memoria  dos  mortos, porque  me  naõ 
cauzcm  as  faudádes,  que  me  naõ  merecem  os 
vivos.  Eftes  faõ  os  Bifpados  da  primeira  pla- 
na, fobreque  fera  muito  para  ouvir  oArce- 
bifpo  de  Évora,  pofto  que  fem  razaõ  ,•  mas 

como 


DO  P.  ANTÓNIO  VIYERA.      ^i^ 

corno  falia  taôalto,  também  cá  chegaõ  as 
llias  queixas,  como  chega5  os  feos  votos. 
Va5  as  Bulias  abertas,  e  ainda  naõ  fey  como 
Í€  concordou  eíla  duvida  :  ouço  que  dizem  j 
DtleãojiUoRegíPortugallíde^ç.  que  mais  abai- 
xo fe  nomea  D.  Pedro  Princepe ,  e  Governa- 
dor de  Portugal,  que ,  fem  embargo  das  re- 
gras em  meyo ,  fe  devem  entender  como  íub- 
ftantivos  continuados.  O  que  tenho  por  cer- 
to, he  que  os  termos ,  quaeíquer  que  feja5,de- 
vem  fer  muito  honoroficos,  e  muito  fem  ef- 
crupulo,  pois  o  Senhor  Embaixador  os  ad- 
mittio,  tendo  trabalhado  nefte  ponto ,  como 
nos  demais,tanto  à  Portugueza  no  valor,  co- 
mo á  Romana  pa  deftreza.  Se  elles  entendem 
huma  couza ,  e  nôs  entendemos  outra ,  cada 
hum  cuidará  o  que  lhe  eftiver  melhor.  Vaõ 
poderes  ao  Núncio  parafagrar  os  primeiros 
Bifpos,  com  afliftencia  de  duas  Dignidades  ,• 
delle  fe  naÕ  fabe  mais ,  que  haver  partido  de 
Paris  para  a  Rochella ,  e  fufpeitarle  em  Ma-* 
drid  que  eftava  occulto  naquella  Corte ,  mas 
ainda  que  eu  tenho  taõ  grande  opinião  da  lua 
grandeza,  náõ  me  parece  taõ  pequena  cou- 
za o  Núncio  de  Portugal,  que  fe  pudeíTe  ef- 
conder  nella.Ifto  he,Senhor,tudo  oque  poíTo 

Ss  ij  dizer 


inll 


'-:0^ 


314  C  A  R  T'T?^"S 

dizer  de  prezente ,  mais  por  fallar  com  V* 
Excellencia ,  que  por  dar  noticias  de  Roma , 
quando  V.Excellencia  as  tem  mais  verdadei- 
ras e  puras  da  mefma  fpnte ,  onde  eu  acudo 
poucas  vezes  5  porque  n ao  tenho  fede  ,  nem 
vazilha.  Deos  guarde  a  V.  Excellencia  mui- 
tos annoSjComo  dezejo ,  e  como  o  noíTo  Rey- 
no ,  e  os  creados  de  V.  Excellencia  havemos 
mifter.  Roma  ii  de  Fevereiro  de  k^^i.        í1 

Creado  de  V.  Excellencia. 

António  Vieyra.      - 

C  A  R  X A  LXXX VIU. 

\, ião '^Marquês  de  Gouvea. 

^  XCELLENTISSIMO  Senhor:  pelo 
correyo  ordinário ,  e  pelo  próprio 
^  _  que  defpachou  o  Senhor  Emb  aixador 
pouco  depois,elcrevi  antes  de  haver  recebida 
a  ultima  de  y^  JExceliencia ,  que  como  fem- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     31J 

pre  digo ,  e  nunca  faberey  baftantemente  de- 
clarar, he  o  único  allivio  defte  defterro  ,  co- 
mo o  único  argumento  de  que  ainda  naõejF- 
tou  de  todo  fepultado,  pois  vivo  na  memo- 
ria de  V.  Excellencia. 

Daqui  naõ  ha  que  avizar,  mais  que  hirem 
neíla  occaíiao  três  Biípados  ,  Braga ,  Porto  , 
e  Algarve.  Do  primeiro,  e ultimo  dou  aV. 
Excellencia  o  parabém  ,  e  naõ  fey  fe  mais  do 
ultimo ,  porque  fey  quanto  corre  a  V.  Excel- 
lencia pelas  veas  mais  a  amizade,  que  o  fan- 
gue. 

De  Lisboa  naõ  fé  aviza  couza  que  tenha 
nome,  mais  q  a  prizaõ  de  D.Francifco  de  Li- 
ma,e  o  allivio  da  de  D.Francifco  de  Brito,am- 
bos  por  culpas  ultramarinas.  A  defgraça  de 
Villa  Franca,  me  diz  D.Theodofio ,  foy  muy 
antevifta ,  e  que  entre  os  brados  dos  que  pe- 
diaÕ  fenaÕfizeíTe  a  jornada  de  Salvaterra, 
entrarão  também  os  requerimentos  do  Juiz 
do  Povo.  Da  letra  julgara  V.  Excellencia,que 
tambcm  em  Roma  fe  paíTaÕ  muitos  frios.  Os 
cobertores  de  papa  aquentaÕ  cá  melhor,  que 
os  de  Madrid,  mas  naÕ  faõtaÕ  largos  que  fe 
eftendaõ  atodos  ,•  com  tudo  eftaõ  contentes 
os  povos ,  porque  fe  tira  menos  laa  ás  ove- 
lhas. 


■•^\ 


ji(í  CARTAS 

liias ,  que  em  outro  tempo.  Jà  reprezentey  a 
V.  Excellencia  a  amizade  que  profeílo  com 
o  Padre  António  Vas,  e  as  obrigaçoens  que 
lhe  devo ,  em  quanto  naõ  canço  a  V.  Excel- 
lencia com  outros  memoriaes ;  o  que  digo  ; 
porquçhontem  me  pedio  hum  para  V.  Ex- 
cellencia hum  Frade  Caftelhano.  Excellen- 
tiíTimo  Senhor ,  Deo5  guarde  a  V.  Excellen- 
cia, como  Portugal,  e  oscreados  deV/Ex-- 
cellencia  havemos  mifter.  Roma  ultimo  de 
Fevereiro  de  1(^71. 

Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra, 

CARTA  LXXXIX. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor:  man- 
dame  V.  Excellencia  que  me  emende 
_____    na  correfpondencia ,  e  naÕ  pôde  ha- 
ver para  mim  preceito,  nem  de  mayor  honra, 

nem 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     317 
nem  de  mayor  gofto  ;  pofto  que  efpcro  tenha 
a  experiência  moftrado  a  V.Excellencia^  que 
naÕ  por  emenda  de  algum  defcuido ,  mas  por 
conhecimento  de  minha  obrigação,  tenho  eu 
fatisfeito  a  eíta  em  todos  os  correyos ,  naÕ  fó 
ordinários  ,  mas  extraordinários ,  de  que  hey 
tido  noticia ,  e  fe  naõ  chego  à  tella  de  todos, 
he  porque  aminhacella  nomeyodeRoma, 
eílâ  muito  longe  da  Cúria. 
.  :     Nella  naõ   ha  outra  novidade  publica 
mais,  que  haver  fallecido  o  Cardeal   Gineti 
com  taõ  aprcíTada morte,  como  larga  vida, 
porque  fendo  efta  de  87  annos ,  duvida-fe  que 
chegaíTe  a  ter  huma  hora   em  que  íoubcíTe 
que  morria  j  mas  viveo  fempre  como  quem 
fabia  que  havia  de  morrer.  Vagàraõ  por  fua 
morte  bons  lugares ,  que  logo  foraõ  providos 
com  o  acerto  que  Sua  Santidade   coftuma  , 
fuccedendo  no  Vicariato  deRoma  o  Senhor 
Cardeal  Altieri.  A  vacância  doCapeJlotem 
muitos ,  e  muito  dignos  oppofitores  ,  a  quem 
«íè  entende  naõ  fera  muy  agradável  avinda 
do  Senhor  Bifpo  de  Lans  que  fe  efpera  breve- 
mente, e  depois  delicado  Duque  feoIrmaõ> 
Embaixador  extraordinário. 

Ifto  he  tudo  o  que  fey  de  Roma,  mas  tam- 
bém 


!|ilí; 


328  CARTAS 

também  darey   a  V.  Excellencia  novas  de 
Madrid ,  que  aqui  chegarão  de  Lisboa ,  onde 
ainda  o  Limoeiro  parece  que  dâ  fruto.    Ha 
aqui  huma  carta  de  lá ,  em  que  fe  diz  que  em 
hum  encontro  matàraó  a  V.  Excellencia  cinr 
CO  lacayos  ,  e  hum  cochen'o ,  e  accrefcenta  a 
gazeta  de  Génova,  que  efta  nova  foy  recebida 
em  Lisboa,  com  indignação.  A  dita  carta  he 
de  29  de  Janeiro,  mas  foy  Deos  fervido  que 
feiveífe  eu  a  de  que  V.Excellencia  me  fes  mer- 
cê de  onze  de  Fevereiro ,  e  outra  de  FranciP 
CO  Ferreira  Paes  da  mefma  data,  com  que  fe 
tirou  a  fubíiftencia  a  efta  quimera.  De  outras 
me  avizâraò,  que  na5  refiro  a  V,]Exceliencia^ 
porque  nao  faõ  tanto  para  rir ,  e  certo  que 
me  pudèraõ  deixar  viver  emRonia,  os  que 
nao  quizeraò  que  eu  viveíTe  em  Portugal.  Q 
tempo  os  poderá  defenganar ,  ainda  que  nem 
iíTo  efpero ,  porque  nenhuma  couza  defenga^ 
na  aquemquerenganarfe. 

Ouço  que  vaõ  neftabàrcada  osBifpados 
de  Évora,  Lamego,  Vizeo,  e  Funchal.Dos  de- 
mais negócios ,  íe  os  ha ,  terá  V.  Excellencia 
as  noticias  por  huma  e outra  fonte,  daquel- 
las ,  de  que  nao  bebo. 

Paffgy  eftes  quinze  dias  quafi  fempre  em 

cama 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     329 

cama  de  huma  difluxaõ ,  de  que  tenho  pouco 
menos  que  perdido  hum  ouvido,  e,  fegundo 
o  que  fe  ouve ,  naõ  he  grande  perda.  O  que 
dezejo ,  he ,  que  V.  Excellencia  paíTe  com  a 
faude  que  havemos  mifter ,  e  que  a  purga  ra- 
dical o  haja  fido  de  maneira ,  que  ficaíTe  V. 
Excellencia  livre  de  toda  a  queixa. 

A  Canonização  dos  cinco  Santos  eílâ  di- 
latada athe  o  Domingo  àt  Pajlor  Bónus ^  com 
que  a  dos  noíTos  Martyres  efperarâ  athe  â 
Congregação  da  femana  feguinte,  fe  naõ  fo- 
brcvier  outro  accidente  que  a  prorogue  mais. 
Deos  guarde  a  V.  Excellencia  muitos  annos, 
como  Portugal ,  e  os  creados  de  V  .  Excellen- 
cia havemos  mifter.  Roma  14  de  Março  de 


Creado  de  V.  Exeellencia. 


António  Vieyra. 


Tt 


CAR- 


C  A  K  TAS 


:.:ri  ob  jííiEi":? 


CARTA   XC. 

V^q,  Marquês  de  Gòuvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor :  Dou 
infinitas  graças  a  Noffo  Senhor  pelo 
^^  ^  fufto  de  que  nos  livrou  efte  cor reyo , 
que  era  igual  ao  meo  cuidado,  com  as  noti- 
cias que  leyo  nefta,  de  que  V.  Excellencia  me 
fèz  mercê  ,e  efpero  que  a  moderação-  com 
que  V;ExcellenGÍa  tem  refoluto  negar  ao  çò- 
fto  os  regalos  defla ,  e  da  noíTa  Gorte ,  fera  ò 
mais  prezente  prefervátivo  para  naõ  pade- 
cer taõ  fenfiveis  mortificaçoens.  O  voto,  co- 
mo j  à  me  lembra  o  roguey  muito  a  V.  Excel- 
lencia ,  e  agora  com  o  zelo  e  confiança  de 
taÔ  antigo  creado,çcoiíi  a  experiência  de 
navegante  ,  torno  a  pedir  com  mayor  uiftan- 
cia  ,  naõ  feja  voto  ,  como  os  das  tempel- 
tades  ,  pois.ella  %  tao  grande. 

Aqui  naò  ha  novidade  mais  que  o  matri- 
monio da  fobrinha  do  Cardeal  Patrão  com  o 
fobrinho  do  Cardeal  Urfino  herdeiro  da- 
quella  Gaza,  aos  quaes  ante  hontem  lançou  a 
-iCAI)  .  "'  '  benção 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  3  3 1 
bençaõ  Sua  Santidade  ,•  com  que  o  noíTo  Pro- 
tector ficara  mais  entrado  em  Palácio ,  e  na 
graça ,  e  nos  poderáõ  fer  mais  efficazes  os  au- 
xilios  dafua. 

« O  Senhor  Embaixador ,  me  diíTeraÕ  em 
fua  caza,  que  fecretamente  hia  mandando 
embarcar  algum  fato  ,  e  que  fazia  contas 
€om  os  mercadores,  que  o  aífiílem,  que  íaõ  fí- 
naes  de  algum  movimento ,  de  que  naÕ  te- 
mos noticias  por  outra  via. 

A  manhãa  fe  celebra  a  Canonização  dos 
•cinco  Santos  ConfeíTores ,  e  depois  delia  fe 
entendera  com  muita  applicaçaõ  na  dos  40 
vMartyres ,  que  ainda  naõ  eftaõ  livres  de  ini- 
migos. Deos  guarde  aV. Excellencia  coma 
>faude ,  que  eu  lhe  peço  em  todos  meos  facrifi^ 
cios ,  e  o  Reyno,  e  creados  de  V.  Excellencia 
havemos  mifter.  Roma  1 1  de  Abril  de  1^71. 


Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra. 


Ttij 


CAR- 


sg» 


33^ 


C  A  R  T  A  S 


CARTA  XCI. 

y4o  Marques  de  Gouvea. 

'\   XCELLENTISSIMO  Senhor  :  Eftas 
cartas ,  de  que  V.  Excellencia  me  faz 

mercê ,  tem  trocado  os  effeitos  ,  por-^ 

que  coftumando  trazer  o  mayor  allivio ,  ha 
muitos  correyos  que  multiplicao  pezares. 
Na5  quizeraver  o  achaque  taõ  contumâs ,  e 
os  accidentcs,  ainda  que  menores^  taõ  repeti- 
dos jC  dezej  ara  eftar  muy  perto,  para  que  o  rtieo 
amor  receitafle  a  V.Excellencia  huiá  fecreto, 
que  em femelhantes  cirçunftanciashe  ornais 
leguro  e  o  mais  prezente.  Senhor  y  o  que  im*- 
porta,he  viver^  e  fe  Madrid  fe  nao  accommo- 
dar  a  iíTo  ,  feja  em  outra  parte.  Como  creado 
que  t^i5  yerdíadçiramente  ama,  %  V.  E:>^cellen- 
cia  /háo  qiiizeraque  V.  Excellencia  íê  acon- 
felhàra  nefte  cazo  com  a  fua  generofidade  , 
fenaõ  com  a  rafaõ.  O  mayor/erviço  que  V. 
Excellencia  pôde  fazer  à  Pátria,  he  confervar 
a  faude  e  a  vida  para  a  honrar,  authorizar,  e 
governar  muitos  annos.  Na5  me  deixa  o  meo 

lenti- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      333 

íentimento,  e  o  meo  temor  hir  por  diante 
iiefta  matéria,  e  fe  V.  Excellencia  o  julgar 
por  demaziado ,  lance  toda  efta  culpa  ao  meo 
coração ,  que  toda  outra  dorfofrerâ  mais  fa- 
cilmente, que  as  penfoens  da  que  nem  imagi- 
nar £e  at;:eve.  Eípero  que  a  Primavera  neíTe 
lugar  feja  mais  conftante  que  neíle,  onde  tem 
rigores  de  Julho,ainda  que  hoje,  fendo  as  três 
da  tarde,na5  vejo  o  que  efcrevo.Naõ  ha  outra 
jiovidade  defta  banda ,  pofto  que  hontem  me 
diffe  quem  tem  obrigação  defaber  do  mundo, 
que  à  Cândia  eraÕ  chegadas  cincoenta  gran- 
des Cales  de  Conftantinopla  com  fequito  de 
outros  apparatos ,  que  fe  foraõ  certos ,  deve- 
rão fazer  mayor  rumor.  Deos  guarde  a  Ex- 
.eellentiíTima  Peííoa  de  V.  Excellencia  mui- 
tos annos,com  a  faude  que  Portugal  ,e  os  cre- 
.ados  de  V.  Excellencia  havemos  mifter.  Ro- 
ma^ j  de  Abril  de  1^71. 

Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra. 


CAR- 


\ 


334  CARTAS 

CARTA  XCII. 

yío  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor :  Du- 
plicadatnente  me  chegarão  as  novas, 
_    primeiro  da  conhecida  melhoria ,  e 
depois  da  inteira  faude,com  que,  a  Deos  gra^ 
ças ,  tem  V.  Excellencia  entrado  nos  mezes 
<Jue  mais  no  la  aíTeguraõ.  Eftas  novas  fim  , 
que  podem  farár  os  òuvidos,íèm  temor  de  que 
aenhumas  outras  os  faça5  adoecer. 
'       Parte  efte  próprio  com  a  fegunda  parte 
das  Bulias ,  que  foy  muito  maisiacii  de  con- 
ceder ,  que  de  concordar  a  primeira.E  cert<>, 
que  efte  fó  argumento  bailava  para  fe  enten- 
der na  noíTa  terra  o  pouco  que  fomo$  ama- 
dos nefta.  Qual  dos  dous  exemplares  nos  pô- 
de eftar  melhor?  Ouvi  e  vi  que  lá  lhe  chama- 
rão monftruofidade,  como  íe  o  naõ  fora  hum 
Rey  com  exercicio  ,  e  fem  nome.  Ifto  fe  quiz 
concordar,  e  aífim  o  rezavao  as  Bullas,que  de 
nenhum  outro  modo  podiaó  hir  abertas ,  en- 
tendendo o  Pontifice,  e  feos  Miniftros,  que  fe 
.  '      )  nos 


*& 


DO  P.  ANTONIG  TIEYRA.  355 
nos  fazia  huma  grande  graça ,  como  agora 
entenderão  ,  que  em  a  renunciarmos  nos  fa- 
riaõ  offenfa  ,  e  as  confequencias  o  moílrá- 
raõ. 

Aqui  naô  ha  novidade  mais  ,  que  correr 
eíles  dias,  que  o  mar  Adriático  andava  infef- 
tado  de  muitas  galês  do  Turco ,  que  he  certo 
faz  grandes  prevençoens  nos  pertos  mais  vi- 
zinhos a  eftas  còftas ,  e  em  diftância  de  me- 
nos de  vinte  legoas. 

Sua  Santidade  celebrou  ante  hontem  o 
dia  deíiia  Coroação,  que  càfe  chamaõ  os 
dias  das  mentiras,  porque  todos  Iheíígniíí- 
caõ  que  veja  muitos  femélhantes ,  e  he  o  me- 
nos que  í^  dezeja  ;  mas  a  diípoíiça5  em  que  fe 
âcha ,  promette  que  lhe  naó  dará  eíle  gofto 
em  muitos  annos. 

Fes-fe  a  primeira  Congregação,  que  cha- 
maÕ  Preparatória  dos  noííos  Martyres, durou 
quatro  horas  com  grande  controveríia :  di- 
yidíraÕ-fe  os  votos  dos  Confultores  ^  rnas  es- 
peramos ter  os  dos  Cardêaes  ,  que  faõ  os  de- 
çifivos :  eque  Sua  Santidade  naÕ  negue  efta 
gloria  a  íeo  merecimento  ,  cujas  provai  fe  fi- 
cao  corroborando:  amayor  diíEculdade  he 
ferem  quarenta  Padres  da  Companhia  ,  ç 
^«^  muitos 


ê 


\ 


33^  C  A  R  T  AS 

muitos  dos  Confultores  de  outras  Religioèns;- 
e  mulaçaõ  que  chega  ao  Ceo,  naò  pode  fer  le- 
na5  muito  grande.  Deos  guarde  a  V.  Excel- 
leiícia  muitos  aanos,como  Portugal,e  os  cre- 
adòs  de  V.  Excellencia  havemos  mifter.  Ro- 
ma 1 1  de  Mayo  de  1^71. 

Creado  de  V.  Excellencia. 
António  Vieyra. 

CARTA  XCIII. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor :  Com 
o  próprio  dey  conta  a  V.  Excellencia 
do  pouco  que  elle  veyo  bufcar  e  leva, 
e  do  mais, também  pouco,que  entaõ  feoffere- 
ceo.  Agora  temos  a  Corte  no  campo,  onde  fe 
vaõ  os  EminentiíTimos  defpedir  delle ,  athe  as 
mutaçoens  j  là  eftâ  também  o  noílo  Embai- 
xador mais  livre  de  negocios,do  que  confide- 

ro 


DO  P.  ANTÕNIO  VIEYRA.  337^ 
ro  a  V.  Excellencia  encomendando  fempre 
a  Deos,  como  devo,  o  bom  íiicceíTo  de  to- 
dos. 

Os  rumores  do  Turco  eftao  em  lilen- 
cio,mas  naõ  o  caftigo  dos  que  fe  fiarão  na  íiia 
vizinhança.  Mandou  o  Émperador  degol- 
lar  ao  Conde  Nadafti  em  Viena,  ao  Con- 
de Serin,  e  ao  Marquês  Frangipani  emNe- 
oílat ,  e  em  PoíTonio  de  Ungria  a  Francifco 
Romis^peíToa  também  de  conta^alèm  de  mui- 
tos outros  de  menor  calidade, que  juntamen- 
te foraõ  juftiçados,  eentende-fe,  que  tam- 
bém vpaílará  a  execução  a  algumas  cabeças 
do  género  feminino.  As  caufas ,  dizem  ,  que 
fe  eftamparào  ,  e  naõ  todas  ,  pela  enormida- 
de de  algumas. 

íAqui  agora  nos  tem  emfufpenfaõ  a  jor- 
nada e  exercito  de  ElRey  de  França  a  Dun- 
querque pela  vizinhança  de  Flandes,  Ollan- 
da,e  Inglaterra,  fobre  a  qual  fe  difcorrc 
com  indicios  paíTadoS  e  prezentes  muito  a 
favor  da  Fé.  Se  aíTim  for  ,  fera  acçaò  verda- 
deiramente chriftianiffima. 

Eu  fico  como  fempre  aos  pêsdeV.  Ex- 
cjellenciafcujaExcellentiflíma  PeíToa  Deòs 
guarde:  muitos  annos   como  Portugal  e  os 

Tom,  /.  Vv  creados 


3^3^^     ,AilT€' A  R  TA.  S  /i  O 
creados  de  V.  Excellencia  havemos 
Roma  23.  de  May  o  de  1671. 


VI 


íiCreado  de  V.  Excellencia. 

:  :  r 

António  Vieyra.  Didí 


CARTA  XCIV. 

^  Marquês  de  Gomje£FP'^ 

1  ,.  .\  .-,..,.,...j^,  ^_.^^ 


SE  algum  dia  na5  teve  lugar  o  Styvai> 
lesy  hene  eji^  ego  quidem  valeo  ,  he  na  efti- 
rilidade  deíle  correyo.  Da  minha  faude 
naõ  o  poíTo  affirmar  com  tanta  certeza ,  co- 
mo porem  a  tenho  da  de  V.  Excellencia  fem^ 
pre  de  bem  em  melhor,  he  tudo  o  que  poíTo 
defejar. 

Eu  ^Senhor  ,  prèguey  em  Roma  dous  Ser- 
moens  ,  porque  era  o  Governador  de  Santo 
António  hum  filho  do  Senhor  Embaixador 
a  quem  todos  devemos  efta  obediência  por 

íúa 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRÁ.      339 

fua  peffoa ,  e  mais  pela  quereprefenta ,  ainda 
que  nem  a  imagem,  nemofantohajaõ  feito 
milagres  por  mim. 

Já  diíTe  a  V.  Excellenciaque  me  naõ 
atrevo  a  pregar  em  Roma,  porque  os  Ita- 
lianos naò  entendem  o  que  digo ,  e  os  Cafte^ 
lhanos  querem  entender  mais  do  que  digo^ 
e  aflim  ficou  efte  anno  Santo  António  kiii 
Sermão  ,  naõ  faltando  neíla  Corte  Portugue- 
zes  que  poderiaõ  naõ  fe  haver  efcufado  ,  pois 
tinhaõ  menos  juftificada  caufa.  Eu  fico  tiran- 
do em  limpo  eftes  e  outros  Sermões  no  pou* 
CO  tempo  que  me  da  lugar  a  demanda  dos 
Martyres.  Naõ  fahiráõ  à  luz  fem  primeiro  te- 
rem aapprovaçaõ  de  V.  Excellencia,  com 
a  qual  me  poffb  prometter  a  do  mundo.  Deos 
guarde  a  V.  Excellencia.  Roma  lo.  de  Junho 
deí^/i- 

Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieym. 


Vvij 


340 


G  A  R  TAS    :  GO 


mif 


CA 

:'-^p.  Mm%mÍí.  de  Qouvea. . a 

XCEL lentíssimo  Senhor  :  Ef-^ 
crevo  a  V.  Excellencia  do  Purgato^ 
^^/^-glo;;  taes  íaõ  as  calmas  com  que  aqui 
fe  paffa  ,  de  que  também  naõ  confidero  livre 
Madrid  ,  pofto  que  com  mayores  defeníivos. 
O  que  for  melhor  para  o  eftabelecimento  da 
faude  de  V.  Excellencia ,  he  oquedezèjo  ad 
tempo  ,  e  o  que  peço  á  cautela  de  V.  Excel- 
lencia. ,^:?ab  imDCTOl 

Laftimofo  foy  o  incêndio  do  Efcurial,  e 
de  peoresconfequencias  a  perda  de  Panamá^ 
que  aqui  fe  confola  com  aefperança-,  dequé 
os  aggreflores  fe  contentarão  com  ofaque. 
Aos Caftelhanos /e  anos  quizera  mais  na- 
vios, pois  fe  naõ  podem  unir  com  outras  pon- 
tes Monarquias  tao  divididas.  Por  avizos  de 
Flandes  e  Inglaterra  fefabemaqui  novas  de 
Goa  e  Bombaim  de  athèfim  de  Novembro 
do  anno  paíTado  ,  em  que  nem  era  chegado  o 
Yice-Rey,nem  navio  algum  da  fua  conferva. 

Gaf* 


/ 


DÕ  P.  ÁN*rÔHÍt)^VÍEYRA.        341 

Gafpar  de  Abreu  deo  conta  da  fua  pro- 
moção ,  oii  mtadança  paira  eftá  Rcíidénciaj 
com  os  ordenados  de  JoaÔ  de  Ròxás  ^  e  copia 
da  carta  em  que  Sí  A.  ordena  ao  Mârcjuçs  das 
JMmks-  Iheeiití-egue  o^papeisVe*ft recolha à 
ília  caza ,  o  que  dizem  fará  depois  da  refref- 
cada,  porque  o  Refidènte  fe  paíTàva  Halli  a 
quinze  dias  a  França  com  fua  caz^a  athè  Mar- 
felba  ^  e  promette  eíperar  em  Itália  as  rnuta- 
ÇÒens.  - Eíperafe  ©í  P^roprio  com  a  ultim a  r3Êfo>- 
liíçaõ  fobre  o  pontodas  Bulias ,  em  que  pare- 
ce .naõ  haverá  diíficuldade  ,  como  nunca  a 
tem  olnenos ,  depois  de  concedido  o  mais. 
Áffitn  fe  cuida  cá./  mas  de  lá  &  efcreveo,  <aceí>- 
to  Kíiniftro  noíTo  ,  que  mais  fabe  o  fandèo  no 
fco  y  que  o  íízudo  no  alheyo.  O  que  íiippoem 
efte  ditado,  comprehenderá  V.  Exceílencia 
^melhor  do  que  eu  fey  dizer. '  D eos  guarde  a 
•Éxcellentiflima  Feffoa  de  V.  Exc^elléneia^  co^ 
•mo  o  nofío  Reyno  ,  e  os  creados  de  V.  Excet 
leàei^  havemos  miftef.  Roma  18  de  Julho  de 

"'*r'^'Creado  xlè  V.  Ej^cellenciá   , ' 

«^p~iSorr'yD/:ri  í),fin   ■ry^.yi  í;^:5íjjíí.í  oi>v<íxm  oiiii 

.?íiidil  3,siiÀíltoníd  "V^ieyiíà-ixi  ^  ^m 


^m. 


CAR- 


.AíIYÇ  A  R  T  A'$. 


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^  Xjbmjeá. 


[arques 

XCELLENTISSIMO  Senhor :Nuii% 
camederaõ  cuidado  os  negócios  de 

V.  Excellencia  neíTa  Corte ,  porque 

quando  naõ  tenha5;afortuaa  que  depende  ds 
vontades  alheas,  fempre  teraõ  muy  fegura  a 
do  acerto  queeftâ  fora  dafuajurifdicçaõ.  A 
fáude  de  V.  Excellencia  he  a  que  me  deo  cuii- 
<lado,  doqual  porem  melivraõ  as  novas  de 
.que  V.  Excellencia  me  faz  mercê,  que  éftimíO 
infinitamente,  fem  ferlifonja  Italiana,  co^ 
mo  tie  a  palavra. 

Naõ  chega  o  próprio,  e  fe  he  por  vir  muy 
carregado  de  dinheiro ,  trará  o  que  fe  ha  mi*- 
fter.  O  Marques  das  Minas  entrou  acompa^ 
nhado  de  deudos ,  cfahirà  [  como  jâ  fe  dille 
neíTa  Corte  ]  acompanhado  de  deudas  j>fe 
bemhe  tanta  a  fua  pontualidade ,  que  lhe  te- 
nho ouvido  muitas  vezes  naõ  hade  ficar  de- 
vendo nada  a  ninguém  ,  e  efta  fera  para  Ro- 
ma a  melhor  guarnição  das  fuás  libres. 
-    /    I  Por 


DO  P.  ÃN^aSííÕ  VÊYRA.       f4f 

Por  Ollanda  vieraõ  novas  da  China  que 
o  Iniperador  havia  de  levantar  p  defterro 
ao*s  Pregadores  Gatholicos:eq  tinha  admitti- 
doataõ  grande  fainiliaridade, três  Padres  da 
Companhia,que  hiaÔ  quaíí  todos  os  dias  a  Pa- 
lácio afazerlhe  demonftraçoens  aílronomi- 
cás  de  que  he  muito  ajfíeiçoado.  Ja  ifto  IM 
principios  de  levantar  os  oihi)s  ao  Céo.  }^ 
n  i¥.Excellencia  aceite  <?ftas  novas^  efe  cleâf 
afticas;,  pois  a  paz  dos  politícos  nàò  dá  por 
efta  banda  matéria  a  outras,  V.  Excellenciá^ 
me  naõ  diíTe  nada  do  nombf  amento  do  Padre' 
GonfeíTor  ;  eu  digo  a  V,  Excellencia  que  já' 
©ftâ  prefentado  aS.  Santid^e.  Deó^  guarde 
a  Excellentiffima  PeíToa  de  V*  Excellencia 
c  omo  dezejo ,  e  os  creados  de  V.  Exceli eíicia^^ 
bâvemos  mifter.  Roma  i  de  Agofto  de  1^71. 


=0  ICií 


m^^c^mí^msM '  Vv^  Excel'1'éncia 


ç        V      ., 


i.  ,-;.,  tJ'  O.U-LÍA.,  .   V  X  :..    ...-■.    .  ..i 


AntQnÍ9;;Yieyj[a. 


i£;j  o;xíp?,  ^^MS^y  '-'■. 
CAR- 


.ÍJ^ 


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;[Y©^ArR/35^iA:cS. 


M  O  a 


n^ 


iO 


araues  ae  KjOMma^yj 

XCELLENTISSIMO  Senhor  :  Ef%.^^ 
/M^Y^o.  ^&ák}  ppacas!  Tenras ;  fortadàçi 
f< jaoS; dtreitjos ^porque  ficámaslcom a 
ipeya  paTte  da  Cafà^  fazendo  os  exercícios  eí^^ 
pirituaes,,  e  nefte  çoncurfo  de  oraçoens  era 
que  as  tniníias  rpjddQm  participaD  'ò  mereob-^ 
itjjentQ  dâ^  4ó3  eQínpqinneirps>  me  ^aò  efq:ue^ 
fó  de  as  offerécei-y  cómofempre  faço|«pela  víi* 
da ,  eftado  ,i  e  fielicidade  dos  negócios  de  V< 
g^ç^Uençiál .  Y  íáb  eoLfi-^iD  ^o  í)  /0í^sí>Í)  ooio  o 
i.:Qs  .daqui  me  parece.  feldaE  pou  GoncItií-*í 
dos  :  tarda  o  Próprio ,  e  em  todos  os  ordiná- 
rios fe  diz  ao  Senhor  Embaixador  que  por  el- 
le  lhe  efcrevem.  O  Refidenjte  eftarâ  cedo  cm 
Itália,  vem  por  Avinhaõ  embarcarfe  aNifa, 
ou  Mónaco,  mas  proteíla  que  fe  naõ  hade 
declarar  por  Refidente  athè  naõ  receber  as  a- 
judasdecúfto,  porque  aqui  quer  começara 
entrada ,  como  também  o  Senhor  Embaixa- 
dor a  fahida,  pela  fatisfaçaõ  das  dividas.  Af- 

fim 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  345^ 
fim  que  a  resfrefcada  hade  vir  de  Portugal. 
.  O  Braço  de  S.  Nicolao^de  que  efcrevi  a  V. 
Excellencia ,  ainda  neftes  últimos  dias  conti- 
nuava as  fangrias. Queira  Deos  fcjaõ  parafau- 
de  univerfal  do  corpo,-  na  Cabeça  naÕ  tem 
feito  aballo  algum.  Deos  guarde  aExcellen- 
tiffima  Pefloa  de  V.  Excellencia  como  deze-^ 
jo  ,  eoscreados  de  V.  Excellencia  havemos 
mifter.  Roma  12.  de  Setembro  de  1671. 

Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


CARTA  XCVIII. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTÍSSIMO  Senhor :  Jà  fe 

vay  conhecendo  em  Roma  a  entra^^ 

da  do  inverno  pela  tardança  dos 

eorreyos  de  Madrid  ,•  mas  os  do  mefmo  in- 
verno começaõjà   a  fazer  feos  eíFeitos  nos 
Tom.  L  Xx  meos 


^* 


34^  CARTAS 

meos  atinos  com  as  repetiçoens  dos  acha- 
ques, Eftimarey  que  adlíFerença  dos  de  V. 
Excellencia  a  faça  taó  grande  nos  tempos, 
que  todos  fejaõ  para  a  faude  de  V.  Excel- 
lencia os  mais  accornodados ,  e  que  V.  Ex- 
cellencia os  paíle  taõ  livre  de  toda  a  quei- 
xa ,  que  eu  o  efteja  também  de  todo  o  cui- 
dado. 

Q  Padre  ConfeíTor  em  que  falley  a  V. 
Excellencia  ,  naÕ  era  o  do  noffo  Princepe,  íer 
na5  o  da  Rainha  Catharina,o  Padre  Everardo 
que  vive  nefta  Cafa  com  parte  da  authorida- 
de  de  Inquifidor  Geral  ,  e  toda  a  modeftia 
^  fe  pode  dezejar  em  hum  Religioíb  da  Conif 
panhia,  que  nos  edifica  c  da  exemplo  a  todosv. 
A  nomina  que  dizia,  he  para  o  Capello  de 
Cardeal ,  Ibbre  que  fizerao  extraordinárias 
inftanciâs  o  Embaixador  e  mais  Miniftros  de 
Caftella  na  promoção  que  houve  de  dous 
Capcllosque  eílavaõ  vagos-  epor  naõ  deP- 
goílar  as  Coroas,  os  conlervou  S.  Santidade 
m  peiílore,  onde  ainda  eftao  j  naõ  fe  duvidan- 
do., que  os  eleitos  nefta  forma  fejaõ  o  Bif- 
po  de  Laon,  e  o  Irmaò  do  Duque  de  Cra- 
vina ,  que  eazou  com  a  fobrinha  do  Car- 
éêal  Paixaãj  he.Religiofo  de  S.Domingosj 

naõ 


/ 


DO  P.  ÀNTÔNÍO  VÍÈYRA.      §47 

naõ  tení  24  annos  de  idade  ^  masalêdidòs 
merecimentos  da  calidade ,  concorrem  nél- 
le  os  de  grandes  virtudes  ,  náo  fétido  a 
menor ,  dizer-fe  que  naõ  quer  o  Capello. 

Os   Gentis-nomens  do  noíTo  Embai- 
xador tiveraò  hum  encontro  dia  do  Trium- 
fo  da  Cruz  com  as  carroças  dos  Cardeaes 
Ròfpilhofi  ,  e  Ghifi  ,  em  que  dcfta  parte  fi-^ 
caraõ  alguns  feridos,  e  o  Cardeal  Chiíi  íe 
posem  armas,-  mas  no  mefmo  dia  ficou  tu- 
do compofto  por  mediação  do  mefmo  Em- 
baixador  dè  Caftella.    O   Senhor  Marquês 
das  Minas  fe  portou  com  grande  authorida- 
de  ,  cortezia ,  prudência  ,  e  valor ,  porque 
tanto  que  foube  do  càfo  ,  e  que  os  feos  crea- 
dos  haviaõ  excedido ,  os  defpedió ,  e  man- 
dou ter  comprimento  com  o  Cardeal  Chiíi 
(  cuja  carroça  foy  a  mais  oíFendida  )  e  no 
publico   éfteve    a  íua  cafa  defarmada  ,  feni 
"admrittir  oíFetrecimento  deFrancezes  ,  ném 
^aboyanòs ,  liem  do  mefmo  Embaixador  dé 
Caftella ,  que  lhe  offercceo  ília  familia,  e  to- 
tía  a  NaçaÕ  :  e  no  mefmo  dia  ,  no  mayor  fer- 
vor daá  preveilçoens  contrarias  ,  fahio  feò 
filho  á  paílear  no  campo  como  cofturríávà, 
e  ò  mais  qué  T.  Excéííencia  lera  em  rela-* 

Xx  ij  çoens 


348  C  A  R  T  A  S  , 

çoens  mais  miúdas  ,  a  que  eu  naÕ  poíTo  ef- 
ten  derme. 

f  O  Refidente  eftâ  em  Leorne ,  mas  o  Pró- 
prio naõ  acaba  de  chegar  ^  e  para  a  entra- 
da e  fahida  he  neceíTario  que  elle  venha  , 
e  que  traga.  Tem-fe  por  fem  duvida  o  rom- 
pimento do  Turco  com  Alemanha ,  mas  cui^ 
d^^fe  naõ  fera  eíle  inverno.  ElRey  de  Po- 
lonia  eftâ  em  campanha  contra  os  Coffacosj 
eorreo  rque  lhe  dera  huma  grande  rotta  ^ 
mas  as  novas  daquellas  partes  naÕ  fe  coftiír 
mao  crer  aqui  fenaÕ  ao  terceiro  correya.^! 
A  fefta  de  S.  Francifco  de  Borja  fefás 
no  feo  dia  com  oytavario  ^  p  apparato  he 
jiquiffimo  ,  mas  naõ  de  matéria  que  federr 
reta ,  ouro  fobre  carmeíim,  e  fempre  che- 
gará a  armação,  a  trinta  mil  cruzados  da  nof- 
ia  moeda  j  mas  fervirá  ao  Santo ,  mais  que 
nefta  oçcaíiaÕ  ,  porque, excepto,  a  mufica  tu- 
do o  rpais  ficará  em  cafa.  Efta  he  amodeíf 
tia  dos  Padres  da  Companhia  de  Roma ,  que 
naõ  quizeraÕ  competir  cÕ  nenhua  das  outras 
Jleligioens.  Efperamos  a  relaçaÕ  das  feftas 
4e  Madrid,  nas  de  Lisboa  naõ  fe  falia  pa- 
lavra, ^  as  de  Alemanha  foraÕ  honradas  com 
a  prsfença  do  Emperador  que  foy  na  pro- 

ciíTaõ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     349 

ciíTao  ,  e  com  a  da  Emperatriz  que  aííiftio 
com  o  Emperador  ao  SermaÒ  ,  e  ambos  co- 
merão no  noffo  refeitório.  Morreo  em  Si- 
cilia  apreíTadamente  o  Cardeal  Vifconti  , 
com  cujoCapello  fe  poder àõ  accÕmodar  as 
diííerenças ,  e  fahir  do  peito  de  S.  Santida- 
de os  Cardeaes.  Deos  guarde  a  Excellentií-» 
íima  PeíToa  de  V.  Excellencia  como  o  nof- 
fo Reyno ,  e  os  creados  de  V.  Excellencia 
havemos  mifter.  Roma  zó  de  Setembro  de 


Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


CAR, 


;s 


'3P 


C  A  R  T  A  S 


CARTA  XCIX. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor: Toda 
efta  femâna  fuppus  naõ  podia  efcre- 
_    _   ver  aV.  Excellenciá  nefte  correyo, 
e  agora  faço  eftas  duas  regras,  para  que  á 
falta  delias  naõ  accrefcentem  mayor  fuppofi- 
ça5  ao  achaque.  Com  a  entrada  do  inver- 
no carregou  adefluxaõ  da  cabeça  fobrehu- 
ma  parte  do  roffiro ,  de  maneira  quê  foraõ 
neceíí árias  ventozas Tarjadas  ,  e  outros  re- 
médios violentos  ,  fem  bailarem  para  des- 
fazerem a  inchação  ,  e  tirar  de  todo  as  do- 
res com  que  ainda  fico  ,  fe  bem  melhora- 
do ,  havendo  paíFado  em  cama  todo  o  oy- 
tavario  de  S.  Francifco  de  Borja.  Vay  o 
raconto  da  fefta  ,   e  naõ  ha  outra  novida- 
de.   O  Senhor  Marques  das  Minas  fe  anda 
licenciando  do  Sagrado  Collegio ,  e  fe  en- 
tende que  terá  em  Roma  poucos   dias  do 
mes  feguintc.  O  Refidente  fe  efpera  athe  os 
dezanove  defte.  Da-me  cuidado  a  faude  de 

V. 


►  ^l£. 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  3  yi 
V.  ExccUencia  ,  mas  efpero  naÕ  fentirâ  já 
efte  anno  a  diíFercnça  do  clima ,  e  aflím  o 
peço  a  Deos  com  todas  as  minhas  inftan- 
ciâs.  Deos  guarde  a  Excellentiílima  Peffoa 
de  V-  Excellencia  como  onoíTo  Reynoeos 
creados  de  V.  Excellencia  havemos  mifter. 
Roma  10  de  Outubro  de  1671^ 

Creado  de  V*  Excellencia. 


António  Vieyra. 

CARTA  C. 

y^o  Marques  de  Gouvea. 


E  XCELLENTISSIMO  Senhor :  Eftas 
fâ5  as  únicas  regras  que  efcrevo  nefte 
correyo  por  naõ  faltar  à  única  obri- 
façaõ ,  ainda  que  taõ  mal  tratado  como  de 
ontem  a  efta  parte  me  acho.  Tragame  Deos 
melhores  novas  dafaude  de  V.  Excellencia. 
M-  ■  Mor- 


^ 


<A 


3P  CARTAS 

Morrco  hontem  o  Cardeal  Celfi  ,  que 
foy  hum  dos  que  eftiveraõ  próximos  ao  Pon- 
tifica do  :  e  também  correo  a  mefma  nova 
do  Cardeal  Pallavicino  que  eftâ  em  Bolo-^ 
nlia  ,  e  fó  le  verifica  eílar  em  perigo  ,•  cora 
que  haverá  Capellos  baftantes  para  fe  fatis- 
fazer  aos  interjeíTes  mais  poderofos  :  e  o  Pa- 
dre Everardo  poderá  exercitar  o  novo  car- 
go de  Embaixador  fem  o  reparo  do  habito, 
que  naÕ  fó  dizem  eftâ  vencido  ,  mas  com 
grande  approvaçaõ  e  applaufo  do  Cardeal 
Pâ.tra5. 

O  Marquês  Embaixador  fe  parte  dentro 
de  dous  ou  tr€s  dias  ,  e  entendo  o  terá  V. 
Excellencia  por  hofpeíe  neíía  Corte.  ORe-^ 
íidente  ainda  fe  naÕ  levanta  da  cama ,  antes 
eftâ  recahido^que  fobre  os  feos  annos  he  ruim 
queda.  O  embaraço  de  D.  Francifco  de  Mel- 
lo em  Inglaterra  nos  dá  cuidado,  e  a  mim 
muito  grande  a  reíbluçaÕ  a  que  fe  inclina- 
va, pois  liaõ  eftamos  em  tempo  de  provo-^ 
car ,  ou  declarar  mais  inimigos ;  e  fou  eu  tal 
que  me  dao  mais  cuidado  eftas  e  outras 
çouzas  ,  que  arninha  febre.  ^ 

p-   Já  dey  conta  à  V.  Excellencia  que  feeft 
jtavaò  traduzindo  ,  e  pondo  em  ordeni  de. 

impreíTaõ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      3^^ 

impreíTãõ  alguns  dos  meos  Sermoens ,  len- 
do huma  das  línguas  a  Caftclhana,-  tenho 
noticia  que  fe  trataõ  de  reftampar  os  que  nef- 
{ts  Reynos  anda5  divulgados  ,  e  fera  erra 
peyor  que  o  primeiro  e  fem  utilidade  de 
quem  tomar  efte  empenho.  Se  foffe  fácil  a 
hum  creado  de  V.  Excellencia  tirarmehum 
privilegio  para  que  em  nenhum  Reyno  de 
Efpanha  fe  poífaõ  imprimir  obras  minhas , 
na  forma  em  que  fe  coíluma  conceder  aos 
Authores ,  por  efpaço  dos  dcs  annos,que  ef» 
taõ  emuzo5  feria  mercê  muy  particular  que 
V.  Excellencia  me  mandaria  fazer ,  e  por- 
que fey  que  peço  efta  a  V.  Exçel|eiiâa,;,  J^na5 
encareço  mais.  ^  r    c'?^       ' 

De  Macào  chegarão  cartas  efcritas  nef- 
te  mefmo  anno  em  que  fe  affirma  o  recebi-" 
mento  do  noíTo  Embaixador  com  extraor- 
dinária benevolência,  è  nunca  viftos  favo- 
res do  Emperador  da  China  ,  liberdade  a 
todos  os  Chriílaos,  e  grandes  outras  efpe- 
ranças  de  florecer  aquella  Igreja  e  o  noíTo 
comercio,  que  também  eftâ  livre,  He  a  car- 
ta de  hum  Religiofo  da  Companhia  Alemaõy 
vinda  por  via  de  Olanda  à  Roma  em  me- 
jios  de  onze  me^&es» 


^ 


354  Ç  A  R  T  A  $ 

Naõ  çuidey  qvie  pudeíTg  efe  rever  tanto  j 
mÈã  P  fallaf  com  V.  Exeelleacia  de  qual^ 
quer  modo ,  naõ  pode  deixar  de  me  dar  alen- 
tos, Deos  guarda  a  E)ççellentiílíma  PeíToa 
é§  V.  Excellençia,  çomp  o  noíTo  Reyno  e 
as  çreados  de  V.  Excelleneia  havemos  mif- 
tQí.  Roma  7.  de  Novembro  de  16/1, 


A  efte  momento  me  dizem  lie  certo 
'^m  Q  Padre  Everardo  eftâ  nomeado  Aree- 
feipo  de  EdeíTa  na  Syria  com  obediência  de 
^eeiíar  pelo  ií^pedimento  do  quarto  voto. 


Greada  de  Vv:Exeellencia 


Aíitonio  Víeyra. 


■  .■'Ã-fiiíi  i     >J'  ■^•ií. o  ' 


V-'^'"^ 


CAR' 


DO  P.  ANTÓNIO  VÍEYRA.     3J5 

CARTA  Cl. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor :  Efti- 
mo  eu  muito  que  o  inverno  de  Ma- 
drid naõ  defcubra  taõ  ma  cara  co* 
lyio  o  de  Roma  5  em  que  as  chuvas  e  os  frios 
tem  fácil  remédio ,  mas  athegora  fenaÕ  tenl 
achado  para  os  rayos  com  que  frequente- 
mente nosvi^gita,  c  corno  os  altos  defta  ter- 
ra fao  taõ  reverenciados  do^  Ceo  ^  he  mayor 
O  têniôr  que  tios  cabe  aos  piquenos. 

O  Marques  Embaixador  partio  aos  dès 
cm  direitura  a  Liórne  /havendo  mandad<^ 
-vtziÊâr  áo  Graõ  Duque  por  feo  filho  !>• 
'|oaÕ.  Sahio  em  bom  tempo,  mas  fegtóráo- 
,]^  logo  muito  trabalhoíbs  dias,  enaõferàã 
eftes  os  peores,  fe  fe  lembrar  donde  fahiò, 
€  para  onde  vay. 

Ó  Padre  Everardo  eílâjà  em  habito  Af^^ 

ch̀pifcopal,  fobre  o  qual  conferva   o  Ve# 

tídè^  da  Gompaahia  ,  com  qpé  nos  edifteá 

tô  Yy  ij  tant© 


/N 


^1 


j)6  CA  R  T^A  S 

tanto  nefta  Cafa ,  como  fempre  fes  com  íêa 
raro  exemplo.  Temeo-fe  eftes  dias  que  cer- 
to accidente  do  Marquês  de  Aftorga  lhe  a- 
prefráffè  á  reftituiçaÕ  j  más  parece  que  naõ 
quer  hir  ao  Ceo  fem  paíTar  pelo  purgato- 
íios  de  Nápoles*  .  , 

Continua5  em  Inglaterra  as  refiftencias 
-q[ue  bem  declaraÕ  o  amor  daquelle  Parente 
mais  á  Coroa,  que  à  PeíToa  de  feo  cunha^ 
do.  As  refoluçoens  meyas  fempre  vem  a  pa^ 
rar  neftes  extremos ,  lendo  p  que  V.  Excdr 
iencia  aconfelhava  o  de  mais  quieta  conve* 
meneia  ,  e  mais  fegura  fama. 

Efperamos    o  parto  deft a  prenhes    de 
França ,  de  que  efcreve  com  aflombro  Du- 
arte Ribeiro.  Se  o  ray o  {  como  fe  entende  ) 
caliir  fobre  Olanda ,  que  mào  era  eftarmos 
agora  prevenidos  para  a  reftauraçaõ  da  ín- 
dia. Dous  Padres  que  aqtii  chegarão  daquel- 
las  partes  ,  dizem  que  todos  os  Gentios  eí- 
tandalizadqs  da  infidelidade  dos  Olandezes, 
naõ  fazem  fenaõ  gritamos  de  ília  tyrania. 
fefcrevo  eílas  e  femelhantes  noticias  a  Portu- 
gal ,  e  refpondem-me  que  tudo  fe  dizia  , 
«nas  que  naõ  ha  cabedal ,  e  eu  perco  etor- 
jao  aperder  a  paciência  jà  perdida  ,  vendo 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.^    357 

Ss  meyos  que  de  prezente  fe  tomaõ  para 
nos  fazermos  ricos. 

Vaõ  continuando  as  íbberbiflimas  exé- 
quias do  Cardeal  António ,  e  de  prezente  fe 
fica  fabricando  neftanoffa Igreja  huma ma- 
quina que  cufta  da  noíTa  moeda  o  melhor  de 
doze  mil  cruzados  ,  com  que  os  herdeiros 
puderaô  cazar  muitas  Orfans  e  dar  mayor 
gofto  a  alma  do  defunto.  Acaba  a  vida,  e 
^a5  acaba  a  vaidade  !  ExcellentiiTimo  Se- 
nhor 5  Deos  guarde  a  Exceli entiíTima  PeíToa 
de  V.  Excellencia  como  dezejo  e  os  crea-» 
áos  de  V.  Excellencia  havemos  mifter.  Ro^^ 
JI14  iid^e. Novembro  de  i^/i, 

1       Creado  de  V.  Excelkixcia 


António  Vieyra. 


Ri 


3J8 


CARTAS 


CARTA  CII. 

Ao  Marquês  de  G  ouve  a. 


\  XCELLENTISSIMO  Senhor  :  Re- 
cebi a  de  que  V.  Excellencia  me  fé» 
mercê ,  efcf  ita  em  lo  de  Novembro^ 
com  arelaçaa,  e  duas  copias  incltifas,  què 
he  ò  mcfmo  que  mandar-me  V.  Excelten^ 
cia  as  profecias  com  o  comento.  NâS  íêy 
qtie  dirao  agora  os  que  fundarão  taõgrâ^fl* 
de  maquina  fobre  huma  pfefunçaÕ  tao  fef* 
livel.  Ò  que  me  fes  rir ,  e  triunfar  muito  (  co- 
mo faço  em  todos  os  Ifeccefos  de  V.  Ex- 
celiencia)  he  a  fanta  íínceridade  com  que 
V.  Excelíen cia  confirmou  o  feovoto,  e  im- 
pugnou ós  contrários ,  fó  com  referir  acon- 
fulta ;.  parecer ,  rrefoltrça©  deffa  Corte :  ella 
he  couza  admirável ,  que  os  Confelheiros  de 
Caftella  fe  conformem  tanto  com  os  noíTos, 
c  que  tenha5  taÔ  pouca  chriftandade  e  po- 
litica, que  queiraÕ  para  o  feo  Reyno,  e  fó  pa- 
ra elle ,  o  que  nos  lançamos  do  noílo  ,*  mas 
Bj&m-por  iffo  entendo  fe  darão  por  muy 
'"-^n^  car- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA;     3^9 

carregados  nas  fuás  conciencias  no  ^  fe  tinha 
tíanfplantado  para  Hollanda ,  e  Inglaterra , 
0a5  fendo  menos  o  que  tem  vindo  para  Itália, 
onde  quando  fe  foube  a  refoluçaõ  de  Por^- 
tugal  fe  diffe:  E  o  peor  he,  que  fe  naõ  haÕde 
confeíTar  os  Portuguefes  difto. 

O  negocio  delnglaterra  nos  ajuda  a  aca- 
barmos de  entender  ,  fe  quizermos  ,  quan- 
to nos  devemos  fiar  de  correípondencias  , 
fiem  efperanças  fundadas  mais  que  emDeos, 
«  em  jtós.  Temi  muito  que  D.  Francifco  de 
Mello  feguiíTe  o  brio  de  íe  querer  fahir  da 
Corte  ,  mas  em  quanto  elle  fe  accõmodar 
com  a  difíimulaçaõjcreyo  que  obrará  tao  pru- 
dentemente como  nos  em  nos  prevenir  de 
tal  poder  e  opinião  ,  que  naÕ  fe  nos  façaõ 
ideíprezos  íem  temor  ,  e  melhor  que  tudo 
fora  haver  íeguido  a  disjirntiva ,  ou  da  Co^ 
iroa,  ou  da  Regência,  e  naÕ  querer  intro- 
duzir no  mundo  huma  novidade  dequenaS 
çodiao  nafcer  lenaõ  monftros  ,  mas  quem 
os  aconfeihou  devia  de  os  antever ,  e  tam^- 
bem  terá  prevenido  o  remédio  para  que  naõ 
'tnorrao  fem  baptifmo* 

O  Refidente  eftâ  jâ  melhof ,  e  em  eftado,' 
que  lhe  díffe  eu  hoje  ,  q^ie  importava  ,  oa 

tornar 


r^ 


iblícoj  ha* 


^60  CARTAS 

tornar  a  adoecer  ,  ou  fahir  a  pui 
vendo  três  mezesque  eftâ  em  Itália,  edouS 
em  Roma  ,  mas  em  Portugal  fe  eíquecem 
tanto  delle  ,  que  fobre  lhe  eftarem  deven- 
do fete  mezadas  ,  athegora  nem  mezada  , 
nem  ajuda  de  cufto  lhe  tem  vindo,  e  athe 
carta  lhe  faltou  nefte  correo. 

Efpera-fe  aprenhes  de  França,  de  que  hoje 
correrão  novas  de  alguma  perturbação  con- 
lideravel ,  a  que  fenaò  dà  credito.  As  gazetas 
d^  Ancona ,  dizem  que  o  Abbade  de  S,  Ger- 
nian  trouxe  ajuftado  hum  focorro  de  dous 
terços  Fortuguefes  ,  e  liga,  entre  França  e 
t^rtugiil  contra  osHollandezes  naindia.  O 
fecreto  defta  negociação  me  fas  provável 
poder  fer  aílim ,  quando  o  dos  aparatos  Franf» 
cefes  fe  tem  coníervado  impenetrável  ásin*" 
telligencias  de  todo  o  mundo. 

Aqui  naõ  ha  novidade  mais  que  haver 
de  começar  a  exercer  com  o  nome  de  Jesus 
o  Embaixador  dos  Jefuitas  ,•  a  Cafa  diz^em  que 
fera  muy  luzida,  mas  todos  de  roupas  lar- 
;gas ,  fendo  certo  que  naõ  faltara  hum  Mi^ 
niftro  taõ  Religiofo  de  concordar  a  autho*» 
xidade  com  a  tfodeftia.  O  inverno  atho 
gora  vay  moderado,,  Deos  guarde  a  V,  Ex^ 

çellencía 


DO  P.  ANTÓNIO  VÍEYRA.     3^1 

cellencia  em  todos  os  tempos ,  como  o  noflo 
Reyno,  e  os  creados  de  V.  Exeellcncia  have- 
mos miíter.  Roma  10  de  Dezembro  de  1671. 

Creado  de  V.  Excellencia. 


António  Vieyra, 


CARTA  cm. 

jdo  Marquês  de  Gouveia. 


EXCELLENTISSIMO  Senhor  :  Go- 
meçarey  efta  por  onde  acabaõ  to- 
das ,  dezejando  a  V.  Excellencia  os 
bons  annos^  e  muito  melhorados  queopaf- 
fado.  Bem  me  lembro  que  efta  uzança  íe  ti- 
nha jà  exterjninado  da  noíTa  Corte,  e  per- 
mittido  fó  aos  Janeireiros ,  mas  como  o  no* 
vo  Senado  de  Lisboa  fe  empvega  todo  em 
reíiifcitar  antiguidades,  em  quanto  me  na5 
confta  do  que  ordena  nefta  parte  ,  permit- 
\/:Som^  L  Tjl  tame 


/■-.i 


^6i  CARTAS 

tame  V.  Exccllencia ,  que  o  aíFedo  com  que 
dezejo  a  V.  Excellencia  todas  as  felicida- 
des ,  figa  defta  vez  o  ceremonial  de  Portu- 
gal o  velho  ,  e  verdadeiramente,Senhor ,  que 
vaô  os  annos  taõ  eftereis  de  novidades ,  que 
fe  o  começarem  huns  e  acabarem  outros ,  nos 
naõ  der  efta  ta5  ordinária  matéria  ,  naõ  ha- 
verá com  que  encher  hum  quarto  de  pa- 
pel', ainda  que  feja  taõ  pequeno  como  efte 
Romano.  Os  Embaixadores  de  Hefpanha 
fe  naõ  mudarão  ainda ,  nem  o  noílo  Reíiden- 
te,  que  jà  começa  a  andar  por  cafa  ,  teve 
a  primeira  audiência  do  Papa.  Ifto,  e  muito 
frio  he  o  que  fó  hà  em  Roma.  Deos  guar- 
de a  V.  Excellencia,  como  os  creados  de  V. 
Excellencia  havemos  mifter.  Roma  3  de  Ja- 
neiro  de  1671, 

Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


€AR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYR A.     3(^3 

CARTA  CIV. 

Ao  Marques  de  G  ouve  a. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor :  Me- 
lhoradas novas  me  trouxe  efte  cor- 
reyo,  com  que  íiquey  livre  do  gran- 
de cuidado, com  que  havia  pa0ado  eftes  quin- 
ze dias  ,  que  em  femelhante  fufpenfaõ  íaõ 
mezés  largos.  Os  daqui  ainda  nos  naÕ  daõ 
novas  da  primavera ,  em  que  tantas  novida- 
des fe  efperaÕ 

As  propoftas  do  Embaixador  de  França 
neíla  Corte  bem  moílraõ  o  contrario  do 
que  aíTeguraõ ,  e  fegundo  huns  avizos  fecre- 
tos  que  hoje  vi  de  Olanda ,  lá  fe  defefpera 
totalmente  da  paz,  com  que  as  prevenções 
fuás  e  de  Flandes  fe  apertão ,.  altercando-fe 
ainda  fobre  o  Generalato  das  armas  naPef- 
Iba  do  Princepe  de  Orange  ,  em  que  asPro- 
vincias  naõ  eílaõ  unidas,  e  com  a  Paz  de 
Colónia  falta  aquella  efperança ,  c  crefce  p 
temor.  o 

.0  Manifeílo  de  França  ajnda  naõ  he 
>  Zz  ij  ma- 


^64  C  A  R  T  A  S 

Manifeílo  ,  mas  veyo  à  Rainha  de  Suécia. 
Dizem  contem  três  pontos  principaes.  Pri- 
meiro que  ElRey  ChriílianiíTimo  lhe  fas 
guerra  por  ferem  os  inimigos  da  Igreja  Ca- 
tholica,  que  mayores  danos  tem  feitoa  os 
Eftados  de  todos  os  Principes  Ghriftaos ,  cu^ 
ja  fatisfaçaõ  ellequer  tomar,  elhe  perten- 
ce por  mais  vizinho. 

Segundorque  fem  embargo  do  poder  com 
que  fe  achaõ  fuás  Armas  ,  eftâdilpofto  a  a- 
ceitar  a  paz ,  fe  os  Olandezes  quizerem  vir 
em  condiçoens  juftas  ,  e  que  eftas  fejaõ  a 
reftituiçaõ  do  que  tem  occupado  a  feos  le- 
gítimos Senhores  ,  e  aqui  entraõ  algumas 
praças  de  Flandes  a  ElRey  de  Hefpanha  , 
os  maresdaPefcaria  dos  Arenques,  a  ElRey 
de  Inglaterra  ,  a  índia  a  ElRey  de  Portu- 
gal,  as  Comendas  de  Malta  ,  certas  Cida- 
des a  alguns  Princepes  de  Alemanha  &c. 

Terceiro:  da  a  entender  ,  que  o  move, 
também  a  querer  fazer  efta  reftituiçaõ  6 
haverem  alguns  de  feos  mayores  concorri- 
do paraafua  liberdade  na  guerra  que  fize- 
rao  contra  Hefpanha ,  com  que  creceraõ  à 
opulência  em  que  hoje  fe  achaõ  ,  fendo  cou- 
que  de  tais  principios  tenhaõ 

cr  c  eido 


za  indigna  , 


*1 


DO  P.cANTONIQ  VYEY'RA.  IJ% 
crefcido  a  eftado ,  que  prezumaõ  fazer  op- 
pofiçaõ  ás  Coroas  ,  'é  Repíiblicás  da  Euro- 
pa. 4fl:ohe  ocjúe  entendi  dapeíToa  quevio 
o  Manifefto.        ^ 

«Beijo  a  V.  Êxcellencíá  akiaõ  pelamer* 
cè  do  privilegio,  íem  o  qual  me  naó  acom" 
fnodarey  a  fazer  a  impreíTaõ,  porque naõíè 
atravèíle  outra ,  e.  fe  iiiipida  o  gafto  dos  li- 
A^ros  y  priíícipaliBente  etn  Roma  ,  onde  a 
diíFerença  da  noffa  moeda  o  faz  muyconí:- 
deravel.  Deos  guarde  a V.Excellencia mui'- 
tos  annos ,  como  dezejo ,  e  os  creados  deV. 
ExccUencia  havemos  mifter.  Roma  30  de  Ja- 
tieiío  de  lóyz^ 


-ri  o*'! 


Greado  de  V.  Excellencia, 


António  Viçyra. 


CAR- 


C  A  R"T  A  S 


CARTA  CV. 

j4o  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor  :  Os 
mefníos  dias  já  mayores  que  trazem 

^  mais  de  preíTaas  novas  de  V.  Excel- 
lencia ,  entendo  eu  que  fa5  a  caufa  natural 
-de  mas  trazerem  taõ  melhoradas,  com  que 
^deêsejo ,  que  féja  perpetua  a  primavera. 

Muito  he  qu>  o  Senhor  Marquês  dasMi^ 
nas  naò  tiveíle  chegado  a  MadriJi  aos  13 
de  Janeiro,  quando  íe  promettia  eftar mui- 
to antes  em  Lisboa.  Efpero  que  a  conferen- 
cia que  terá  com  V.  Excellencia  neíTa  Cor- 
te ,  feja  muy  útil  ás  refoluçoens  da  noíla. 

O  que  V.  Excellencia  me  dis ,  de  lá  fe 
impedir,  a  publicação  dos  motivos  daquella 
em  que 'V.  Excellencia  foy  de  contrario  pa- 
recer ,  naõ  entendi  fenaõ  depois  que  li  em 
huma  carta,  que  fe  prohibira  pelo  Santo  Of- 
ficio  certo  papel  eftampado  em  linguaCa- 
ftelhana  ,  em  que  a  execução  fe  perfuadia 
com  razocns  politicas ,  as  quais  fe  diz  tam- 
-Jla'J  bem 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.    ^67 

bem  foraõ  ceníuradas  ma  dita  prohibiçaÕ 
por  Ímpias  ,  e  efcandalozas^.  e  proicimas  a 
herefia. 

O  noíTo  Refidepte  teve  a  primeira  audi- 
ência de  S.  Santidade  Domingo  paííado  , 
de  que  ficou  muito  fatisfeito.  Tem  todas 
as  preeminências  do  ultimo  Refidente  ,  que 
aqui  houve  de  Hefpanha  ,  e  para  as  con- 
fervar  com  decência  ,  neceííita  de  fer  me- 
lhor aíTiftido  do  que  athegora. 

O  Embaixador  de  França  ficava  cm  Mar- 
felha  ,  e  hontem  correo ,  que  eftaria  aqui 
dentro  em  dous  dias.  Se  a  guerra  fe  rom- 
per ,  como  fe  tem  por  fem  duvida ,  podem 
íiicccder  occurrencias  em  que  a  authorida- 
de  de  Hefpanha  fe  confcrve  melhor  coxnMi- 
niftro  de  capa  e  efpada  )  que  de  Mantele- 
te ,  e  efta  razaõ,  que  aqui  he  advertida  de 
muitos ,  me  alenta  a  efperança  de  ver  mui- 
to cedo  nefta  Cúria  o  Senhor  Marques  de 
Liche  ,  pofto  que  a  promeffa  com  que  eu 
diíTe  me  naõ  deípedia  de  S.  Excellencia  , 
nem  era  paratao  longe,  nem  para taõ tar- 
de, mas  Deps  íabc  melhor  comprir  as  pro- 
fecias do  que  os  homens  podem  comprir  os 
ios.  Os  meos  bem  conhece  V.  Excel- 
lencia 


^^^■fr  'li 

ir 

i',  '1  ■■ 

i 

n 

i 

CARTAS 

lenda  que  fa5  de  animo,  nem  interefladGj 
nem  delagradecido.  Deos  guarde  a  Excel* 
lentiíTima  PeíToa  de  V.  Excellencia  mui- 
tos annos,  como  dezejo ,  eoscreados  de  Y. 
Excellencia  havemos  mifter.  Roma  13.  de 
Fevereiro,  de  ló/i.      , 

Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra. 


CARTA  CVI„ 

yío  Marques  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor :  Na5 
dou  a  V.  Excellencia  o  parabém  da 

^^ ^  promoção  do  Senhor  Bifpo  de  Gcí- 

imbra  :  ao  mefmo  BiFpado  fe  deve  dar,  e 
a  todo  o  Reyno.  Naõ  poderá  S.  A.  fazer 
muitais  eleiçoens  femclhantes  ,  mas  fendo 
único  o  exemplar ,  jufto  era  que  fe  puzcflé 
em  theatro  tâõ  publico,  e  para  que  da  fontc^ 

onde 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     3^9 

onãe  fe  vaò  beber  as  fciencias  ,  fe  leve  ^  e 
derrame  por  toda  aparte  a  reformação  dos 
GoftumeSí 

A  tardança  argue  pleito  nas  pertenções, 
mas  aviótoria  aíTegúra,  que  naõ  podia  ha- 
ver pleito,  no  merecimento  5  poreftamefma 
caufa ,  eftimo  que  V.  Excellencia  eíliveffe' 
auzente  nefta  occaíiaõ.  ^ 

Ca  também  tivemos  efta  femana  pro- 
moção de  Cardeaes/  hum  cm  França,  ou- 
tro em  Alemanha ,  e  o  terceiro  na  Caza  Ur- 
fina ,  ficando  dous  in  ped:ore.  Eíperavafe  que 
também  fahiífem  nefta  maré  o  Senhor  Bil-- 
po  de  Lans  e  o  Arcebifpado  de  EdeíTa  , 
mas  o  vento  que^lhes  faltou ,  fe  dividio  pe- 
los G^rt;^/^^  dos  difcurfivós  ,  que  fempreadi- 
yinhaõ  apeor  parte.  Tarda  o  Embaixador 
de  França  ,  com  cuja  vinda  fe  prognoftica 
alguma  borrafca ,  mas  o  piloto  he  taõ  def- 
tro  ,  que  de  tudo  faberà  fahir  fem  perder 
viagem. 

Chegaõ  repetidos  avizos  das  anguftias 
dos  Olandezes  na  uniaõ  de  Inglaterra  com 
França  ,  e  difcorrem  os  Hefpanhoes  mais 
fizudos  y  que  o  lugar  que  Hefpanha  deve 
tomar  para  ver  o  fucceífo  defta  tragedia  , 

Tom,  I,  Aaa  he 


370  C  A  R  T  AS    " 

íie  o  da  neutralidade.  Beijo  a  maõ  a  V*? 
Excellencia  pelo  empenho  do  meo  privile- 
gio :  parece  que  he  defpacho  que  fe  naõ  de- 
ve negar  ,  quando  na5  peço  licença  para 
imprimir ,  mas  que  fe  naõ  dè  a  outrem  pa- 
ra eftampar  o  meo  ,  ou  naÕ  meo ,  em  meo 
nome.  Fica  Roma  toda  em  mafcara  e  com 
os  mais  rigorofos  frios ,  que  jamais  fe  pade- 
c-eraõ  nella.  Deos  guarde  a  Excellentiflima 
PeíToa  de  V.  Excellencia,  como  dezejo,  e  os 
ereados  de  V.  Excellencia  havemos  mifter. 
Roma  17  de  Fevereiro  de  1671. 


Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYR A.      3yi 

CARTA  CVII. 

Ao  Marquês  de  G  ouve  a. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor :  Vay 
entrando  a  primavera  com  muito 
melhor  rofto  para  os  Cortezaos  ,  que 
para  os  lavradores ,  naõ  fem  temor  de  efte- 
rilidade ,  que  fobre  a  do  anno  paffado  fe  te- 
me^hegue  a  fer  fome.  Eu  efpero  que  os 
medicamentos  applicados  nella  ,  reftituaõ 
a  V.  Excellencia  a  taõ  inteira  faude  ,  que 
a  dieta  naõ  paííe  os  limites  da  quarefma,  que 
aqui  fe  paíTa  com  mais  fácil  diípenfaçaõ  da 
carne ,  que  dos  ovos. 

Todos  os  avizos  de  Flándes  publicaS, 
que  Caftella  tem  ratificado  a  liga  com  Olan- 
da ,  e  pofto  q  a  politica  de  Roma  feguindo  a- 
quella  íua  taã  fabida  máxima  ,  enten- 
de que  eftadezuniâÕ  he  aque  melhor  pôde 
eftar  à  Corte  ,  os  que  a  confideraÕ  como 
Ecclefiaftica  ,  e  com  animo  mais  zelozo^ 
temem  que  feja  em  menor  utilidade  doEf- 
tado  Catholico  ,   e  augmento  dos  hereges. 

Aaa  ij  De 


i 


372'  C  AR  T  AS 

De  França  com  tudo  fe  entende  que  ao 
menos  por  efte  armo  fe  confervarà  Caftel- 
la  na  neutralidade ,  com  que  ella ,  e  íeos  Al- 
liados  teraõ  tempo  de  verfe  t\o  efpelho  da 
fortuna  5  que  dará  baftantes  moftras  de  fi 
nos  primeiros  encontros.  A  repofta  de  os 
Ollandezes  quererem  reconhecer  a  íbbera- 
mia  dos  Mares  á  Inglaterra ,  e  naô  ao  Rey , 
nem  ao  Reyno  ,  parece  liçaÕ  eíludada  nos 
i^efmos  livros  ,  com  que  ao  principio  nos  re- 
plicou Inglaterra  5  fejà  nao  for  caftigodá- 
quella  femrazaõ.  Bem  crcyo  que  na^^a- 
recereínos  pouco  gentil- homens  a  eíTa  Da- 
ma ,  e  mais  quando  V.  Excellencia  he  o 
retrato  ,  onde  a  arte  parece  natureza.  Mui- 
to tem  que  fiiprir  de prezente,  fegundo  ou- 
ço ,  o  favor  do  pincel  ,  e  nao  me  atrevo  a 
cuidar  ,  porque  na5  leyo  fena5  defcuidos  , 
e  defatençoens  ,  e  leria  mais  útil  perder  a 
memoria  que  aplicar  o  difcurfo.  O  Embai- 
xador de  França  fe  efpera  por  horas ,  e  na5 
acaba  de  chegar.  Corre ,  que  o  Cardeal  Por- 
tocarrero  teve  bilhete  de  Palácio ,  em  que 
lhe  aíTeguraÕ  que  hum  dos  dous  Capellos 
refervados  in  peélore,  fera  do  Arcebifpo  Em- 
baixador ,  e  que  aíBm  o  podia  fazer  faber  á 
'  Ra- 


DO  P^  ANTOÍsílO  VIEYRA.     ^^3 

Xainha  ,  e  que  fe  efpera  o  Embaixador  de 
França  para  fe  ajuftar  com  elle  ,  que  por 
agora  dê  a  íúa  nomina  ao  Senhor  Biípo  de 
Lans  ,  ficando  refervada  a  de  Portugal  pa- 
ra a  primeira  promoção.  Se  afliín  for,  bem 
fe  poderia  confprmar  com  efta  compofiçaõ 
o  Senhor  Duque  de  Aveiro.  O  que  fobre 
tildo  dezejOjhe  a  perfeita  faude  deV.  Ex- 
cellencia,  cuja  Excellentiflima  Peffoa  Deos 
guarde  muitos  annos ,  como  Portugal ,  e  os 
creados  de  V.  Excellencia  havemos  mifter. 
Roríia  IX  de  Março  de  1671. 


Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


CAR- 


m 


C  AR  TA  S 

CARTA  CVIII. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor  :  Se 
os  Médicos  de  Madrid  naÕ  faõ  mais 
feguros  que  os  danoíTa  terra,  pou- 
co me  confola  dizer-meV.  Excellenciaquc 
cofti  a  mayor  vizinhança  do  Sol  fe  hàde 
entregar  V*  Excellencia  em  fuás  mãos  3  mas 
efta  mefma  defconfiança  me  obriga ,  como  â 
menor I  C^apellaõ  deT.  Excellencia ,  a  appli-^ 
car  toda  a  força  do  meo  facrificio  delde  o 
primeiro  de  Abril  por  diante  a  efte  requeri- 
mento. 

Todas  as  cartas  de  Flandes,  e  Alemanha 
líippoem  a  liga  deíTa  Corte  com  Olandaque 
jà  começa  a  fallar  mais  animozamente ,  eí- 
perando  que  com  o  Generalato  do  Prince- 
pe  de  Orange  fiquem  mais  mitigadas  as  in- 
fluencias de  Inglaterra. 

Hontem  fahio  eftampada  referindole  i 
impreíTaÕ  de  Paris,  a  lifta  dos  exércitos  del- 
Rey  de  França ,  na  qual  fe  numeraõ  féte  mil 

Por-* 


DO  P.  ÍNTÕNÍÒ  YÍEYRA.       375 

Portuguczes :  a  faber  três  mil  infantes  e  qua- 
tro mil  Dragoens.  Naõ  cuidey  que  havia 
tanta  peçonha  na  noíTa  terra  ,  nem  tanta 
induftria  cm  a  lançar  fóra  ,•  e  bem  feraõ  ne- 
ceffarias  aos  Olandezes  todas  as  pedras  ba- 
zares, que  trazem  da  índia. 

E,íperafe  com  grande  cuidado  o  correyo 
extraordinário  da  Corte  fobre  a  promoção 
dos  três  Cardeaes.  ElRey  de  França  naõdeo 
as  graças  pelo  de  Toloza  ,  antes  fe  dis  elF- 
crevera  com  diííabor,  temendo- fe  de  Hef- 
panha  algum  igual ,  ou  mayor.  O  Cardeal 
Cravina  aceitou  finalmente.  Foraõ  taô  eíE- 
cazes  as  razoens  do  Senhor  Cardeal  Patrão, 
que  naõ  foy  neceííario  preceito,  como  fe  di- 
zia a  S.  Santidade  (  fallo  pela  boca  do  vul- 
go) que  naõ  tenho  regateir^s  taõ  praticas, 
€omo  aquella  de  V.  ExccUencia. 
-  Todos  meperguntaõ  que  fazemos  com 
a  índia,  e  quando  réfpondo^que  cfte  anno 
vaõ  três  nãos ,  rimfe  de  mim ,  e  eu  porque 
naõ  fey  rir ,  nem  poíTo  chorar ,  encomendo 
a  Deos  aquelles ,  a  quem  V.  Excellencia  pro- 
põem ,  e  informa.  O  mefmo  Senhor  guar- 
de a  V.  Excellencia  muitos  annos ,  como  o 
Reyno  ,  e  os  creados   de  V.  Excellencia 

ha-' 


'li 


37a  C  A  R  T  AS 

havemos  mi.fter,    Roma  i6  de  Març®  df 

4 

Creado  ae  V.  Excellencia, 
António   Vieyra. 


laajís 


CARTA  CIXi 

yío  Marques  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor  :  As 
novas  da  faude  de  Vi  Excellencía 
fao  as  que  me  diftinguem ,  e  medem 
os  tempos  ^  e  em  quanto  ellas  me  na5  di- 
zem que  V.  Excellencia  tem  experimenta-» 
do  nos  remédios  tudo  o  que  promettem  os 
Médicos,  ainda  que  os  dias  vaõ  tao  creci-' 
dos  ,  náõ  creyo  que  he  chegada  a  prima< 
vera.  '        ,/      ^  :  'z^-    . 

Também  neíTa  Gorte  fe  retarda  as  das 
campanhas,  e  Te  da  cada 'dia  mayorjmate-? 
ria  aos  juízos, Romanos  para  promettereníi 

cada 


DO  P.  ANTÓNIO  VÍEYRA.     577 

cada  hum  conforme  feo  afFedò  diíFerehte& 
fucceflbs  à  guerra,  nao  fendo  poucos  os  que 
ainda  preíiimem  queanaõ  hade  haver,  cou- 
za  que  feria  mais  maravilhòfa  e  ridicula 
que  o  parto  dos  montes.  Muitos  efperaã 
que  também  faremos  figura  nefte  theatro : 
e  outros  entendem  que  íeria  mais  feguro  ef- 
tar  ao  panno  ,  e  fe  fe  inovem  de  vagar  os 
Gigantes  que  levao  ás  coftas  taõ  grande  pe- 
zo :  muito  mais  íe  confidera  que  o  faraõ  os 
que  faõ  de  meya  eftatura.  V.  Excellencia 
eftâ  fem  cuidado  ^  porque  confidera  que  os 
Pilotos  do  Tejofaberaõ  pôr  abarcaemfal- 
vo  no  meyodeftatormepta.^  e  eu  tenho  pa- 
ra mim  que  aíTim  fera ,  fe  elles  quizerem  fe- 
guir  os  roteiros  de  quem  eftâ  mais  perto 
dos  de  Mançanares. 

•  Aqui  chegou  o  Embaixador  de  França 
que  efteve  detido  alguns  dias  por  achaque 
-de  S.  Santidade  (  verdadeiro  e  naÕ  fiippo- 
fto  )  e  já  antehontem  fes  a  primeira  entra- 
da com  grande  aceitação  de  Palácio.  Efpe- 
xa-fe  que  entre  as  duas  Pafcoas  fahiráo  do 
peito  os  dous  Capellos. 

As  Chuvas  promettem  melhores  novi- 
dades ,  na5  fendo  pequena   a  que  admirou 

^om,  L  Bbb  Sicilia 


jrS  C  A  R  T  A  S 

Sicília  quando  vio  entrar  por  feos  portos 
na©s  de  Lisboa  carregadas  de  trigo.  Deos 
guarde  a  V.  Excellencia  muitos  annos  co- 
jno  dezejo  ,  e  os  creados  de  V.  Excellen- 
cia havemos  miíler.  Roma  9  de  Abril  de 
1671. 

Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra. 


■t  f^IríD  OV^^rfi   cjí- 


CARTA  CX. 

jf^o  Marquês  de  Gou^iJ^ç^a^ 

EXCELLENTISSIMO  Senhor  :  Go- 
me-çando  pela  ultima  clauíúla  da  de 
V.  Excellencia  5  verdadeiramente  o 
!^md  ergo  ertt  nohis  ?  he  queftaõ  muy  própria 
do  tempo  ,  e  thema  íbbre  que  eu  pregara 
muy  facilmente  na  nofla  terra ,  fe  nclla  hou- 
vera efperanças  de  fruto.  De  lá  fe  efcreve, 

na© 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  379 
naõ  íey  com  que  fundamento  ,  que  os  Mi- 
niftros  eftaõ  divididos  ,  huns  por  França  ^ 
outros  por  Caftella ;  muito  unidos  osquize- 
ra  eu  entre  íi ,  e  com  ambas  ,  e  contra  quem 
fe  fes  taõ  poderofo  com  o  noíTo  Reyno  , 
que  naõ  fendo  nada,  da  que  entender  a  to- 
do o  mundo.  Pregue  V*  Excellencia,  pois 
eftâ  mais  perto  ,  e  o  pôde  fazer  ,  e  fabe 
eom  melhores  razoens,  e  he  melhor  ouvi- 
do. O  thema  também  pudera  fervir  para 
efta  Corte  ,  e  para  toda  a  Itália.  O  Turco 
eftâ  com  cento  e  oy tenta  mil  combatentes  a- 
meaçando  a  Ungria ,  e  a  Croácia,  em  que  te- 
rá o  paflb  aberto  fe  lho  naõ  fecharem  ,•  e 
naõ  ley  fe  o  faraõ  as  chaves  de  S.  Pedro. 
Outros  avizos  nos  da  o  Ceo  de  mais  perto 
na  Romania,  Começando  das  Ribeiras  do 
mar  Adriático,  luccedeo  hum  tal  terremoto, 
que  cauzou  notáveis  ruinas  em  cinco  ou 
féis  cidades,  cahindo  cazas  com  Igrejas,  com 
morte  de  muita  gente ,  porque  foy  na  ho- 
ra em  que  eftavaõ  ao  OíEcio  das  Trevas.  Em 
Meflina  he  taÕ  grande  a  fome ,  que  fe  comem 
athe  oscavallos,  e  o  povo  amotinado  quei- 
mou as  cazas  aos  Jurados ,  e  pofto  que  o  an- 
no  promette  boas  novidades  ,   como  fe  fe- 

Bbb  ij  meou 


380  C  A  R  T  AS 

meou  pouco ,  naõ  fe  efpera  colher  multo  ^ 
e  teme^-fe  grande  careftia,  com  que  as  pa- 
nhotas  de  Roma  baixarão  já  de  oyto  a  íeis. 
,  Tudo  ifto  fe  confola  com  a  liberdade 
de  confciencia  delnglaterra  eOlanda,  que 
he  o  primeiro  fruto  deftes  apparatos  bellicos; 
que  quando  naõ  tenhaõ  outro ,  já  naõíeraõ 
baldados.  O  que  eu  fobre  tudo  dezejo ,  he 
que  a  Primavera  feja  muito  favorável  á  fau-» 
de  de  V.  Excellencia  ,  pois  tanto  depende 
delia  o  bem  noíTo  univerfal  ,  e  aífim  o  pe-í 
ço  a  Deos  que  guarde  a  Excellentiílima  Pef- 
flba  de  V.  Excellencia  como  dezejo  e  os 
creados  de  V.  Excellencia  havemos  miller, 
Roma  23  de  Abril  i d/ 2. 

Cíeado  de  V.  Excellencia, 


António  Vieyra. 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     381 

CARTA  CXI. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor:  Nào 
me  dá  V.  Excellencia  taõ  boas  no- 
vas ,  como  eu  efperava  na  fé  dos  Mé- 
dicos ,  e  auxílios  da  Primavera.  Se  a  de  Ma- 
drid he  como  a  de  Roma ,  ainda  podemos 
confiar  algum  bom  eíFeito  da  mudança  dò 
tempo  ,  o  qual  aqui  fe  defatou  em  taes  di- 
lúvios deagoa,  que  deoyto  dias  a  efta  par- 
te^ hontem  foy  o  primeiro  em  que  vimos 
a  cara  ao  Sol. 

•  Entre  eftcs  nublados  fahiraõ  do  peito  de 
S.  Santidade  os  dous  Capellos  com  applau- 
fo  de  ambos  os  Embaixadores  e  Naçoens  5 
e  pofto  que  o  correyo  que  haverá  paíTado  a 
Portugal,  leva  carta  em  que  fe  nos  perfilha 
efta  graça  ,•  o  certo  he  que  no  extrado  da 
ekiçaõ  que  fe  publicou  pela  eftamparia  A- 
poftolicaj  o  primeiro  fe  chama  Gallus ,  eo 
ÍQguvíào  Hífpanus, 

Corre  hú  avizo  domeftico  de  Turim^  em*4 
^  íe 


38t  CARTAS 

fe  dis  havia  chegado  a  áquella  Corte  hum 
Enviado  Francez,  o  qual  dizia  entre  outras 
couzas ,  que  de  Franca  haviaõ  partido  mui- 
tas nãos  para  a  índia  com  cartas  fechadas 
de  ElRey ,  e  ordem  para  fe  abrirem  em  tan- 
tos de  Março*  As  primeiras  arguem  alguma 
confequencia ,  que  fe  poderá  colligir  melhor 
das  propoíiçoens  que  fizer  em  Lisboa  o  En- 
viado daquelia  Coroa.  Em  grande  fufpenfaõ 
pos  tem  a  fua  refoluçaõ ,  da  qual  me  fazem 
duvidar  algumas  noticias  que  dela  ouvi  ler, 
ç  muito  mais  as  que  V.  Excellencia  mein- 
finua. 

Com  as  chuvas  na5  tem  chegado  athe- 
gora  os  avizos  de  Veneza,  nem  temos  do 
Turco  mais  clareza  que  ©referido  naPofta 
paíTâda.  O  cuidado  em  Alemanha  he  omef- 
mo  ,  e  o  fegredo  da  marca  de  ElRey  de 
França  taõ  mifterioíb ,  que  de  hum  dia  para 
o  outro  fe  naõ  fabe ,-  a  fama  he  formidável , 
e  mais  formidável  o  ruido  da  moeda ,  de  que 
fe  contaÕ  oytenta  carros ,  cada  hum  com 
meyo  milhão  de  livras  ;  mas  aflim  no  Ga- 
rifmo  dos  foldados  ,  como  nas  liftas  do  di- 
nheiro ,  faò  fáceis  de  multiplicar  as  cifras. 
O  fucceííb  moftrarà  fe  fe  offende  ou  fe  agra- 
da 


DO  P.  AN tÓKflÔ  tríÉYR A.     3  83 

da  a  fortuna  defta  pompa ,  e  da  futura  vito- 
ria, jà  cantada  cm  todas  as  lingoas.  Suppo- 
nho  que  jâ  haverá  chegado  às  mãos  de  V. 
Excelíencia  a  fábula  das  Rahs  com  o  Sol , 
elegante  e  difcreta,  fe  naõ  foy  fabula.  Na  nof- 
fa  terra  naõ  fetem  a  bom  agouro  cântaros 
Gallos  antes  de  tempo,-  cmelem.brou  acfte 
propofito  certo  cafo  de  Lisboa,  com  queV. 
Excelíencia  mandou  inquietar  a  vizinhan- 
ça ,  e  madrugou  menos  ao  Paço  naquellc 
dia.  O  que  importa  he  que  V.  Excelíencia 
tenha  a  inteira  faude  que  os  creados  deV. 
Excelíencia  dezejamos  ,  e  havemos  mifter. 
Deos  guarde  aV.  Excelíencia  muitos  annos 
Roma  21  de  Mayo  de  1(^72. 


foi 


Creado  de  V.  Excelíencia 


António  Vieyra. 


CAR- 


1 


384 


CARTAS 


,i 


CARTA  CXm 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor  :  De- 
zejo  que  a  entrada  do  Veraô  feja 
mais  favorável  aos  achaques  de  Vi 
Excellencia ,  do  que  o  tem  fido  à  minha  ve^ 
Ihice,  porque  de  oyto  dias  a  eíla  parte  me 
náõ  deixa  huma  febre  lenta  ,  que  teve  prin-^ 
cipio  em  huma  ar dentiflí ma  éjfimerâ  j  e  que- 
ro antes  hir  paíTando  aílim,  que  entregarí» 
me  aos  Médicos  Romanos  ,  de  cujas  mãos 
faõ  muy  poucos  os  que  efcapaõ ,  e  por  iflb 
fe  uzaõ  aqui  mais  as  prevençoens  que  os 
remédios. 

Continuaõ  os  terremotos  de  Itália,  ejâ 
fe  começa5  a  fentir  em  Roma.  Quarta  fei- 
ra ,  terceira  oytava  dò  Efpirito  Santo ,  fenti 
nefta  minha  cella  que  fe  movia  a  cadeira  em 
que  eftava  aíTentado ,  e  porque  outro  Padre 
que  eftava  em  pè  naõ  fentio  o  mefmo  mo- 
vimento ,  nao  me  quis  dar  por  author  de 
terremotos ;  mas  no  diafeguinte  fe  publica- 

rao 


:'$^âlffiB«aÉaMu», 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  385 
raõ  muitas  teftemunhas  de  o  haver  adver- 
tido aquellamefmahora,  e  fefilofofou  que 
4eyia  fer  correfpondencia  de  algum  mayor 
movimento  íuccedidp  em  outra  parte  ,•  e  aiF- 
íim  foy,  porque  na  mefma  hora  houve  gran-* 
de  trempi:  de  terra  na  Calábria  eRomaaia, 
e  particularmente  em  Aquila ,  Loreto ,  e  ou- 
tros lugares,  entre  osquaes  fe  dis  ficou  to- 
talmente arruinada Matrique, que  he  povo 
mais  de  três  mil  almas  que  ti  ver  ao  tempo 
de  falvar  as  vidas. 

Do  Turco  vem  melhores  novas,  que  ti- 
nha fufpepdido  a  marcha  por  noticias  da  li- 
ga ,  que  fe  efcrcve  eftar  feita  contra  elle  , 
entre  Polónia    e  Mofcovia, 

ElRey  de  França  deixando  íobre  Waf* 
trich  15  mil  homens  em  hum  lugar  toma- 
do por  força  aos  Liegefés ,  e  em  outros  dous 
daquelles  confins,  fe  paílou  aNui«  com  to- 
do o  corpo  do  exercito  :  e  fe  fufpeita  que 
pretende  paíTar  o  lífel  para  entrar  no  cora- 
ção de  Olanda.  As  duas  armadas  de  Ingla- 
terra e  França  efta5  já  unidas,  e  fe  dividem 
em  três  efquadras,  que,  conforme  as  cores 
das  bandeiras  ,  fe  chama  huma  a  Branca  , 
outra  z  Azul ,  outra  a  Vermelha.  A  palma 
Tom.  L  Ccç  qwe 


l%6  C  A  R  T  A  S 

que  he  a  de  verde ,  veremos  a  que  parte  in- 
€\it!í2i,  O  certo  heque  òsOlandezes  porfal* 
ta  de  ventura  ,  ou  diligencia  perdera5  o 
partido  de  pelejar  com  ellas  divididas  ,  ou 
de  as  naõ  deixar  unir ,  lem  primeiro  occií-* 
parem  o  Canal.  NâÕ  íbmos  íb  nos  os  que  tar- 
d^ámos. 

-0:1  De  Lisboa  fe  efcreve  (naõ  amim)  que 
o  povo  efta  com  Caftella  ,  e  os  Miniftros 
com  França  ,>  excepto  hum  Marquês  ,  que 
também  nomeaõ ,  e  dizem  fegue  é  íiiftenta 
avôs  do  povo.  Efta  em  outro  tempo  era  a 
vos  de  Deos,que  guarde  a Excellentiflíma  PeP 
foâ  de  V.  Exceílencia  como  dezejò' ,  e  os 
creados  de  V.  Exceílencia  havemos  mifter. 
Roína  18.  de  Junho,  de  1(^7 2. 

'Creado  de  V.  Exceílencia. 


António  Vieyra. 


, ) 


ít'^  V  í 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     387 

C  A  R  T  A  .QXni. 

mes  de  Goi4h^e4Z^ 

XCELLENTISSIMO  Senhor  :  Do- 
brada pena  he  padecer  os  achaques 
__    _    e  os  remédios ,  de  que  a  continuação 
(como  acontece ,  e  eu  tenho  experimentado) 
vencera  a  refiftencia ,  que  quando  fe  naò  ren- 
de ao  aço  ,  moftr a  verdadeiramente  fer  gran- 
de 5   mas  o  mefmo  género  da  cura  parece 
que  aíTegura  ferem  as  queixas  de  V.  Excel- 
lencia  daquellas,  que  ainda  que   daõ  molc- 
ftiâ,  na5  tra5&em  perigo.  Eftas  faõ  as  con- 
folaçoens  que  bufco  no  difcurfo ,  quando  as 
novas  que  V.  Excellencia  me  da  ,  naõ  faõ 
as  da  inteira  melhoria ,  e  perfeita  faude  que 
a  V.  Excellencia  dezejo  e  a  Deos  peço. 

Aqui  naõ  ha  mais  novidade  que  a  mor- 
te do  Cardeal  Manchini ,  com  que  eftaõ  va- 
gos dous  Capellos ,  que ,  legundo  o  quefe  en- 
tende ,  feraó  dados  brevemente  a  Rofpilho-* 
xi  j  e  Colona/^i:íí^o  ,  ojil? 

-  >0  Inverno  fe  défpedio  dois  dias  depois 

Ccc  ij  do       ^ 


J 


3U  CA  R  T  AS 

do  S.  João  com  hum  rayo  cahido  em  Pa- 
lácio no  quarto  de  S.  Santidade ,  que  depois 
de  levar  a  bandeirola  do  relógio,  entrou  na 
Capella  privada  onde  dis  miíTa  ,  e  fem  fa- 
zer dano  fe  foy  enterrar  no  jardim. 

Cada  dia  chegaõ  novas  dos  grandes  pro- 
greflbs  que  fazem  por  terra  as  armas  d'El- 
Rey  de  França ,  mayores  do  que  fe  imaginou. 
Parece  que  tiaõ  he  igual  o  poder  ,  ou  que 
hc  menor  a  fortuna  •  porque  havendo-fe  da- 
do batalha  aos  7  do  panado  todo  o  dia  e 
parte  da  noyte,  dizem  as  Relaçoens  de  Olanr 
da  e  BrufTelas  ,  que  a  vidoria  ficou  pelos 
Olandezes,  eellês  íenhores  do  mar,  epof- 
to  que  os  Francezes  o  neguem  ,•  e  haverem 
tido  correyo  de  ij  ,  o  na5  moftrârem  do- 
Gumentos  he  argumento,  que  fas  muito íiiP 
peitofa  a  opinião  que  defendem,  íê  bem  a 
authoridade  contraria  naõ  he  de  todo  fem 
fufpeita.  Efperaõ-fe  as  particularidades  no 
correyo  feguinte,  centre  tanto  fefenteque 
efta  Corte  naõ  porá  lutos  pelos  íucceílos  , 
tendo  por  mais  conveniente  para  a  republi- 
ca do  wniverfo  ,  que  fç  levante  por  hunia 
parte  ,  e  fe  abata  por  outra.  Também  fe 
dis  que  o  Governador  de  Flandes  depois  dei- 
ta 


'^■iff^SãSãnwmim, 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     389 

tâ  batalha  aflifte  aos  Olandezes  com  mayor 
promptidaò  e  poder:  e  alguns  efperaÕ  que 
eftès  íbccorros  fejaõ  ainda  nefta  campanha 
mais  declarados ,  fe  o  Império  fe  vir  íeguro 
das  armas  4o  Turco  ,  cujo  exercito  ouef- 
ta  totalmente  parado  ,  ou  marcha  lenta- 
mente, depois  da  confederação  de  Polónia 
com  oMofcovita.  Deos  guarde  aExcellen- 
tiffima  PèlToa  de  V.  Excellencia  como  de- 
zejo  ,  e  os  creados  de  V.  Excellencia  ha- 
vemos mifter.  Roma  28  de  Junho  áe  1672. 


Cireado  de  V.  Excellencia 


•,.«íéi; 


António  Vieyra. 


GÁR-       1  . 


390 


C  AR  T  AS 


tftt 


,  I 


C  A RT A  CXffi 

Ao  Marques  de  Gouvea. 


XCELLENTISSIMO  Senhor  :  Efta 
de  V.  Excellencia  de  4  de  Mayo  me 
chegou  às  mãos  muito  tarde ,  e  me 
cauzou  naõ  pequeno  cuidado  ,  pelo  cjue  ha- 
via lido  na  do  correyo  próximo  ;  e  aflim 
me  fuy  logo  a  bufcar  novas  de  V.  Excel- 
lencia ,  que  medeo  oRefidente,  confirma- 
das com  os  bons  principios  da  primavera, 
€  efperanças  do  defempenho  das  promeflas 
dos  Médicos,  Cofi  fia ,  que  he  a  graça  e  glo- 
ria com  que  aqui  íe  acaba5  os  Sermoens. 

Naõ  tenho  que  dizer  a  V.  Excellencia 
das  caufas  das  attençoens  do  mundo  fobre 
noffas  acçoens  e  refoluçoens  ,  pois  V.  Ex- 
cellencia as  redus  áquelles  dous  contrapon- 
tos ,  do  que  havemos  feito ,  e  do  que  naõ  fa- 
;Kemos.  Verdadeiramente  he  aílim,  e  os  que 
no$  achamos  por  eftas  partes ,  naõ  achamos 
.*  jà 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     391 

jà^qúe  refponder  a  tanto  íilencio.  Naõ  fa- 
tia eu  que  o  nòíToNorte  tinha  hido  de  Le- 
vante. As  eftrellas  que  mudaõ  os  lugares  , 
bem  podem  mudar  ventura. 

Aqui  íc  continua  na  expedaçaõ  defte 
parto  ,  de  que  os  Heípanhoes  fentem  as 
dores,  e  os  Francezcs  ante  tempo  temco-^ 
liíeçado  os  repiques.  Se  os  Olandezes  me- 
terem a  íua  armada  no  Canal  antes  da  uniaõ 
das  outras  duas  ,  teraõ  ventagem  ,  ondeio 
fe  lhes  conhece  partido  igual.  Lembraõ  os 
Italianos  a  repoftá  do  Governador  de  Flan^ 
des  5  a  quem  ElRey  de  França,  com  hum 
Enviado  e  carta  em  que  o  tratava  de  Mon 
6(?í^;/ 5  mandou  pedir  faculdade  para  os  feos 
exércitos  marcharem  per  algumas  terras  da- 
quelles  Paizes.  Elle  refpondeo  que  íòbre  a 
matéria  naõ  tinha  ordem  alguma  do  feo 
Rey  :  que  expediria  logo  hum  correyo  a 
Madrid ,  e  que  no  entretanto  fizeíTe  S.  Ma-r 
geftâde  o  que  lhe  pareceffe ,  reprefentando 
fomente  os  tratados  que  Hefpanha  tinha 
com  os  Eftados  de  Olanda.  O  tudo  eona^ 
da  da  fignifieaçaÒ  deftas  palavras  ,  heoqu^ 
aqui  fe  devia  eftimar,  pela  femelhança que 
fêtò  com  as  repoftas  RoHíanas*  -íIí 


1 


J 


39^  C  A  R  T  A  S  ^  0(1 

-  O  Turco,fegutido  os  últimos  avízos,  pá* 
rece  efpera  ver  empenhadas  as  armas  Cnrii 
ftans  para  declarar  as  íuas ,  e  no  entretan- 
to as  tem  divididas  em  dous troços,  amea- 
çando com  hum  a  Polónia ,  e  coni  o  outro 
a  Ungria.  De  Alemanha  feeícreve,  que  vin- 
do o  Émperador  de  Luxemburg  de  yifitajr 
4  Emperatriz  Leonora ,  hum  Ungaro  no  ca- 
minho lhe  dera  huma  carta ,  cm  que  o  aviy 
zava5,  que  eftiveffe  advertido,  porque  em 
efpaço  de  féis  femanas  naõ  eftaria  feguro 
em  Viena.  Temos  por  Governador  de  Cân- 
dia hum  Português  Baxá  chamado  Franc 
Maemet,  que  fas  grandes  favores  aos  Chri- 
Aãos;  e  dizem  os  Italianos,  que  ainda  ha-» 
vera  em  Portugal  com  que  prover  outras 
praças. 

O  terremoto  de  Rimíni  ,  e  mais  Cir- 
dades  da  Romagna  íè  comunicou  por  de 
baixo  do  mar  com  as  Ilhas  do  Archipelor 
go,  porque  na  m^lmahora  cahiraõ  muitos 
edifícios,  athè  em  Chipre ,  e  fe  foverteo,  com 
mais  de  70  mil  almas,  a  celebrada  Ilha  de 
Côs  ,  pátria  de  Hippocrates  e  Apellcs* 
•Deos  guarde  a  V*  ExccUencia  muitos  an^ 
tíosjcomo  dezejoi  e  os  creâdos,de  V.  Eíj&i 

cellencia 


00  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     393 

cellencia  havemos  mifter.  Roma  4  de  Ju* 
lho  de  lá/!. 

Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


CARTA  CXV. 

^0  Marquês  de  Gouvea^ 

XCELLENTISSIMO  Senhor  :  No 
correyo  paffado  tiaõ  efcrevi ,  impe- 

dido  de  huma  grande  febre ,  querby 

Deos  fervido  defpedir-fe  ao  quinto  dia,  de 
que  ainda  naõ  fico  convalecido  ,  mas  com 
grande  contentamento  de  V.  Excellencia 
me  dizer  vay  tanto  por  diante  a  melhoria, 
que  jà  hoje  efpero  em  Deos  feja  taõ  intei- 
ra faude  como  havemos  mifter. 

As  primeiras  novas  que  a  eíTa  Corte  che- 
garão da  guerra  de  França, que  por  mar  e 
Tom,  L  Ddd  terra 


1. 


f r    r\  rf 


394  .;  r.-m-/A:KlT:Ar.S  .. 
terra,  foraõ  asmeímM  q^.e:tamb;em  aqui  fc, 
receberão  de  Bruffellas  e  Anvpr^;  más  dúr 
rou  pouco  efta  alegria  aosMiniftros  e  par- 
ciaes  xk>s  vizinhos  déy.Excdícneia;^^  por- 
que com  aflbmbro  de  todos  fe  começarão 
a  verificar  os  progreíTos  do  exercito  ,  que 
eftando  já  fêrinor  de  cinto  Províncias,  tem 
reduzido  a  de  Òlanda  à  única  efperança  , 
ou  defefperaçaÕ  de  romper  os  Diques  ,  e 
alagar  as  campanhas, para  ter  tempo  de  pa- 
d:ea¥,  como^jàíè  efçrevé",  fazem.'  Os  que 
difeorriaõ  de  outra  maneira /tem  a  difculpa 
da  razaõ ,  e  exemplos  paíTados  ,•  e  os  Olan- 
dez>es  o  caftigo  que  mereciao.  Dos  outros 
intereíTados  nefta  difgraça  naõ  fe  falla^porque 
tem  o  quò  quizefaÕ. 

.  O  rompimento  entre  Saboya  e  Génova 
vay  continuando  ,  e  hum  dia  deftes  tiveraõ 
hum  encontro  ,  em  que  ficou  de  melhor  par- 
tido a  Republica.  Sua  Santidade  inter- 
põem íua  authoridade  para  o  ajuílamento 
das  diíFerenças ,  o  que  nao  fera  diíBcultofo,  fe 
os  intentos  de  Saboya  naõ  tem  mais  fundas 
raizes,  que  as  de  Turim.  Brevemente  fefa-' 
hera  a  verdade  deftefegredo,  que  já  parece 
vay  rebentando  por  Mantua,  onde  agente 

de 


^gâBBlHitiMttn', 


DO  P.  ANTÓNIO  VÍEYRA.     39J 

de  guerra  daqucllc  Ducado  fe atacou  coma 
de  Miláô ,  e  aizem  que  ft  lhe  meteo  prezi- 
dio  Francez. 

As  couzas  de  Polónia  ( donde  nunca  vem 
nova- que  tenha  eonftancia  )  he  certo  que 
eftaõ  muy  duvidofas  ,  eElRey  com  taõ  pou- 
co partido  ,  que  eftes  dias  íe  diffe  ,  eftava 
tetirado  a  hum  Caftello  ,  e  hoje  corre  que 
lhe  cortarão  a  cabeça.  He  boa  a  occafiaõ 
para  o  Turco  ,  cujo  exercito  eftava  jà  nos 
confins  da  Vallaquia.  Eftas  faõ  as  novas 
x|ue  aqui  fe  Quvem  ,•  e  as  que  a  mim  me  to-? 
eaõ  no  coração,  faõ  capitularem  os  Olan* 
dezes  fobre  a  nofla  índia ,  digo ,  fobre  aqueb 
la  índia  que  foy  noíla  ,  e  poderá  fer  nefta 
occaíiaõ ,  fe  concorrerão  no  theatro  outras 
perfonagens ,  onde  huma  fó  fas  figura.  Deos 
guarde  a  V.  Exceli encia  muitos  annos  co^ 
tno  dezejo,  e  os  creados  de  V.  Excellencia 
havemos  mifter.  Roma  3odeJulho  de  i<^7i* 

Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vicyra. 


Ddd  i> 


CAR-         I  , 


39^ 


CARTAS 


.r 


CARTA  CXVI. 

j^o  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor  :  Co- 
pio V.  Excellencia  me  da  boas  no- 
vas de  fuâ  faude  òu  melhoria ,  tenho 
todas  as  que  dezejo  e  hey  mifter.  Todo  o 
meo  cuidado  eftâ  em  Madrid,  porque  os  fi- 
lencios  de  Lisboa  naò  merecem ,  nem  que- 
rem merecer  cuidados.  Parece  que  a  noíTa 
terra  fe  paíTou  a  outro  mundo  ,  porque  nef- 
te  nem  ella  fe  ouve  ,  nem  hà  quem  fallc 
nella.  Os  italianos  nos  pergunta5  as  cau* 
fas  defte  fiíencio  no  meyo  de  tantos  rumo- 
res j^  e  naÕ  temos  «utra  repoíla  mais  que 
meter-nos  no  efcuro  de  algum  grande  my- 
fterio  ,  cujos  arcanos,  como  naõ  chegaõ  a 
V.  Excellencia,  ao  menos  por  aquella  anti- 
ga regateira,  naõ  fó  fufpeito  ,  mas  conhe- 
ço com  grande  dor  quacs  poffaõ  fer  ,  ou 
naõ  fer. 

Os  progreíTos  das  armas  Francezas  cor- 
rem a  paíTo  mais  lento ,  e  naõ  fó  porque  os 

Olan- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       397 

Olandezes  lhe  deitarão  agoa  na  fervura. 
He  certo  que  depois  que  os  preíidios  Hef- 
panhôes  entrarão  nas  praças  ,  começarão 
ellas  a  fer  fortes  ,  cuftando  tempo  efangue. 
AíEm  como  a  morte  de  Longavilla  foy  o 
íbflego  de  Polónia,  aflím  querem  que  a  fe- 
rida do  Conde  foíle  reparo  de  Olanda.  To- 
dos os  avizos  de  Alemanha  concordaõ  na 
uniaõ  de  hum  gra.nde  exercito  pago  por  três 
mezes  ,  que  eftará  em  Egra  aos  15  de  Agofto, 
compofto  de  to  mil  foldados  do  Empera- 
dor  ,  e  vinte  e  cinco  mil  do  Marques  de 
Brandemburg  ,  e  outras  tropas  de  outros 
Princepes  ,  em  numero  de  fetenta  mil  com- 
batentes ,  fendo  o  General  de  tudo  Monte- 
cuculi. 

Hontem  correo  por  hum  Extraordiná- 
rio chegado  do  campo  aTurim  ,  queElRey 
de  França  fe  recolhia  a  Pariz ,  onde  feriaô 
juntos  aos  8  de  Agofto  os  Cõmillarios  de 
Olanda  e  Inglaterra  para  a  compofiçaÕ  da 
guerra  ,  e  ajuftamento  das  còndíçoens.  El- 
tou  vendo  nefta  concórdia  perdida  c  defpe- 
daçada  aquella ,  a  que  chamamos  nofla  índia 

As  hôftil idades  de  Saboya  e  Génova  con- 
tinuaõ  com  reciprocos  danos ,  em  que  cada 
«s  huma 


CARTA  S        ^  ^ 

numa.  das  partes  fe  attribue  a  ventagení. 
Crefcem  as  levas  de  ambos  os  partidos  ,  e 
crefce  o  receyo  de  que  a  campanha  de  Olan- 
da  fe  paíle  a  Itália  ,  pnde  os  Lirios  tomem 
raizes.  O  Pontifice  tem  interpofto  fua  au- 
thoridade  para  apagar  eftas  faifcas  dequè 
fe  prevê  o  incêndio ;  mas  naõ  tendo  eíFeito 
da  primeira  vez  ,  o  mefmo  fe  prefume  da 
fegunda.  A  Canicula  vay  furiofa  ,  e  di^ 
zem  os  Aftrologos  Romanos  quenellahade 
morrer  hum  grande  Togatò.  Deos  guarde 
a  Excellentiílima  PeíToa  de  V,  Excellencia 
muitos  annos  como  dezejo  ,  e  os  creados 
de  V.  Excellencia  havemos  mifter.  Roma 
13  de  Agofto  de  1671. 


Creado  de  V.  Excellencia. 


m 


António  Vieyra. 


.í 


CAR* 


DO  P.  2^NTONIO  VIEYRA.      399 


CARTA  CXVII. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 


XCELLENTISSIMO  Senhor:  Me- 
rece o  meo  aíFeí^o  a  V.  Excellencia 
o  cuidado  que  V.  Excellericia  por 
fua  grandeza  me  fas  mercê  íignificar  da  mi- 
nha faude.  O  eftio  fe  vay  djefpedindo  ,  c 
com  ameaçar  o  inverno,  foyelle  taõ  rigo- 
fofo  ,  que  quafi  o  fas  dezejar  ,•  mas  tudo  íè- 
rá  tolerável ,  com  que  V.  Excelkncia  paíTe 
íem  queixa,  e  com  a  inteira  faude  que  ha- 
vemos mifter. 

:  Também  nao  repito  as  novas  do  Nor-^ 
te  5  porque  neíía  Corte  fe  fabem  igualmente , 
©u  fe  ignoraõ  ,  comonefta,  onde  nao  fóos 
difcuríbs  faõ  diverfos  ,  como  os  dezejos  , 
mas  também  os  aíFeâ:os  fe  dividem  emopi- 
nioens.  As  do  exercito  de  Alemanha,  de  que 
parece  depende  tudo,  naõ  íàõ  intelligiveis; 
o  certo  lie  que  tarda,  naõ  fó  porque  k  ti- 
^■-^  pêra. 


■ 


if 


.r 


400  CARTAS 

pêra ,  mas  porque  Moatecuculi  fe  move  com 
ospaflbs  da  gota  e  da  velhice.  Cuida-feque 
na5  fó  Suécia  he  a  remora  ,  mas  também 
alguns  Pritieepes  do  mefrao  Império  ,  que 
naõ  querem  gente  armada  nosfeos  Eftados. 
Doreskenko  General  dos  CoíTacos  rebeldes, 
ajudado  de  Tártaros  e  Turcos ,  deo  huma 
grande  rota  aos  de  Polónia  ,  com  que  di- 
zem fe  acha  o  Reyrio  em  igual  confterna- 
çaô>  e  com  o  exercito  do  Turco  afledian- 
do  a  mais  forte  praça  das  fuás  fronteiras. 

Tem  feito  grande  ruido  neíla  Corte  hu- 
ma nova  mandada  deíTa  pela  Núncio ,  e  ou- 
tras peíToas  de  authoridade,  em  que  fe  re- 
fere que  no  noíTo  Reyno  hà  grandes  fedi- 
çoens  e  motins ,  por  naõ  fey  que  propoftas 
do  Miniftro  de  França,  em  que  fe  falia  em 
guerra  contra  Hefpanha  ,  e  reftituiçaõ  de 
ElRey  D.  Affonfo.  Efperamos  com  ancião 
çorreyo  de  Lisboa,  que  nos  tire  defte  cuida- 
do ,  que  íbbre  tantos  outros  na5  he  peque- 
no. Lembre-fe  Deos  da  índia  ,  do  Brazil,  e 
de  tudo ,  e  a  V.  Excellencia  guarde  muitos 
ánnos  como  dezejo ,  e  havemos  mifter.  Ro* 
ma  10  de  Setembro  de  1671.  j 


No 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  401 
No  correyo  paíTado  pedi  a  V.  Excel- 
lência  favor  para  a  preterição  de  certo  Mi- 
niftro  de  Nápoles ;  mas  he  tal  a  íiitileza  Ita- 
liana ,  que  me  advertio  a  peíToa  intcreíTada, 
que  a  diligencia  do  mayor  Miniftro  de  ou« 
tra  Coroa,  fefoíTe  conkecida,  podia  fazer 
mal  ao  negocio.  Reprezento  a  V.  Excel- 
lencia  efte  efcrupulo  ^  por  iffb  mefmo  efti- 
marey  mais  o  bomeffeito,  que  torno  a  pe- 
dir a  V.  Excellencia  com  o  mefmò  enca- 
recimento. 


Crcado  de  V.  Excellencia. 


António  Vieyra. 


Tom,  /. 


Eee 


ÊAR- 


40^ 


CÁ  R  T  A  S 


^il 


CARTA  CXVIII. 

Âo  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor :  Nao 
me  diz  V.  ExcellencU  quanto  tenha 
ajudado  o  Veraõ  os  medicamentos: 
e  defte  filencio  de  queixas  infiro  ,  e  inter- 
preto a  grande  melhoria  ou  inteira  faude 
que  dezejo,  e  de  que  dou  aV.  Excellencia 
o  parabém. 

Efte  cprreyo  nos  livrou  do  cuidado  em 
que  nos  tinhaôpofto  as  novas  da  noíTa  Cor- 
te, que  deíTa  fe  efpalhaõ ,  as  quaes  eufem- 
pre  tive  por  falfas  ou  muito  duvidofas,  ad- 
vertindo, que  nem  na  carta  doRefidente  , 
nem  ná  minha  fazia  V.  Excellencia  menção 
de  tal  couza ,  com  que  a  Secretaria  de  V. 
Excellencia  naõ  aquiftou  pouco  credito  com 
os  primeiros  Miniftros ,  que  avizados  do  feo , 
quizeraõ  informar  de  nos. 

Emfim ;  p'arece  que  o  exercito  de  Alema- 
nha vay  defenganando  os  que  onaôcria5, 
ou  moftravaõ  defprezallo,  e  fócom  fe  avi- 
zinhar 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     403 

zmhar  às  fronteiras,  tem  feito  levantar  os 
citios  de  Groeninguen  e  Maftrich,  ficando  ef- 
te  fomente  bloqueado,  e  liavendo-fe  paíTa- 
do  Turena  ao  Rheno  com  íuas  tropas ,  pa- 
ra que  juntas  com  as  de  Munfter ,  e  Coló- 
nia efperem  os  defignios  das  Impefiaes,  e 
lhe  façâõ  oppofiçaõ  :  entre  tanto  Orange 
fe  eftabelece  ,  e  os  povos  o  ajudaõ  a  def- 
fazer  a  Republica  e   nome  de  Eftados. 

Se  V.  Excellencia  ouvir  dizer  que  o  Pa- 
dre Vieyra  pregou  em  Roma  em  lingoa  Ita- 
liana ,  naÕ  condene  V.  Excellencia  a  teme- 
ridade ,  porque  elle  a  teve  por  tal  ,•  refillio 
fempre  ,  naÕfó  a  os  empenhos  de  grandes 
Senhores  deita  Corte,  mas  aodezejo,  ein- 
ftancias  do  feo  Geral ,  o  qual ,  por  ultima  re- 
foluçaq,,  lhe  pôs  obediência  que  prègaíTe  , 
refpondendo  a  todas  as  íuas  objecçoens  : 
que  lhe  mandava,  que  fe  deshonraíTe  a  fi, 
o  deshonrafle  a  elle ,  e  deshonraíTe  a  Compa- 
nhia^ eaffim  ofis*  Deos  guarde  aExcellen- 
tiflima  Peflba  de  V.  Excellencia  ,  tomo  o 
noflb  Rcyno  ,  eoscreados  deV.  Excellen^ 
cia  havemos  mifter.  Roma  24.  de  Serem-»- 
bíQ.   de  \6yx. 


Eee  ij 


Di- 


CA  R  TAS 
Dizem  as  Gazetas  impreíías  ,  que  de 
Portugal  vem  dous  mil  infantes  em  foccor- 
ro  de  Saboya  j  de  que  creyo  o  que  devo. 

Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


j 


CARTA  CIX. 

Ao  Marques  de  G  ouve  a. 

o  defenfâdo  delia  ultima  cartada 
V.  Excellencia  vejo ,  que  ou  a  quei- 

xa  dos  achaques  tem  totalmente 

cançado,  ou  da  baftantes  tregoas  á  guerra 
taõ  porfiada  e  importuna.  Eu  recebi  a  di- 
ta carta  na  meíma  hora  em  que  entrava  a 
fazer  os  exercicios  ,  que  hontem  fe  termi- 
narão com  as  veíperas  de  S.  Francifco  ^  e 
bem  neceflarios  me  eráõ  oyto  dias  de  me- 
ditação para  me  naõ  defvanecerem  os  fa- 
vores ,  ou  verdadeiramente  graças ,  com  que 

V. 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      40^ 

V.  Excellcncia  me  honra.  Vá  pordiante  a 
faude^que  he  o  que  nos  importa,  e  êu  de- 
sejo ,  e  a  mim  me  b afta  defte  mundo  ter 
fempre  feguro  o  meo  lugar  aos  pês  de  V. 
Excellencia. 

p'^'  Mais  cuidad®  me  deraõ  os  avifos  do  Con- 
de de  Umanes  j  fe  lhe  naõ  tiveraõ  taõ  di- 
minuida  a  fé  as  experiências  dos  paííados  ^ 
com  tudo  hà  carta  em  Roma  em  que  avi- 
faõ  de  Paris ,  que  Chumberg  paila  a  Portu- 
gal ,  e  que  já  tem  partido,  mas  também  os 
Evangelhos  daquella  Corte  naõ  faõ  canó- 
nicos. 

O  termo  da  fufpenfaõ  das  armas  entre 
Saboya  e  Génova  fe  acabou  hontem,  epo- 
fto  que  de  huma  ,  e  outra  parte  efta5  no- 
jneados  Cõmiífarios  para  o  tratado  de  paz , 
e  que  o  lugar  do  congreíTo  feja  o  Cafal  , 
duvida-fe  muito  da  conclufaõ ,  pela  muita 
gente  de  França  que  fe  vay  juntando  ení 
Afti  ,  e  Penharola  :  e  intelligencias  fecre- 
tas,  que  feaíErma,  ter  aquelle  Rey  com  ò 
Duqtie  de  Mântua.  O  certo  he  que  os  Ge- 
novezes  fena5fia5,  evaõ  crefcendo  asíuas 
tropas,  para  governo  das  quaes  fe  chamàràÕ 
os  noíTos  dous  foldados  Pefingá,  e  Vaniehel- 


J 


406  CARTAS 

li,  a  hum  dosquaes  deraõ  aluperiíitenden- 
cia  da  Ribeira  do  Poente ,  ao  outro  adeLe* 
vante. 

Na  mefma  Génova  feachâra5  eftasdias 
D.  Francifco  de  Lima ,  que  paliará  alli  o  In- 
verno ,  e  com  a  Primavera  o  teremos  em 
Roma :  e  o  Conde  de  Meíquitella,  que  fe  naõ 
fabe  por  onde  veyo,  e  ao  prefente  fica  ná 
Corte  do  Graõ  Duque.  Sò  falta  nefta  Sce-» 
na  a  alma  do  Marques  deSande  para  fe  in- 
teirar a  Tragedia. 

Os  dous  exércitos  naõ  querem  acabar 
de  aviftar-fe,  como  nem  Polónia  de  unirfej 
antes  fe  efcreve  nefta  Pofta,  que  com  as  no- 
vas de  exércitos  fe  começa  a  por  em  campo , 
e  a  parcialidade  contraria  na5  íe  receyade 
guerras  civis.  O  Turco  mandou  cOrtar  a  ca- 
beça ao  General  que  levantou  o  aíTedio  de 
Leopólis,  e  fe  entende  quer  invernar  fora  de 
cafa 

Ante-hontem  vindo  cm  carroça  o  Pâr 
triarca,  naõ  íey  fe  de  Jcrufalem,fe  de  Alexan- 
dria ,  lhe  atirarão  quatro  arcabufadas  de  que 
ficou  mal  ferido.  Tinha  efte  Prelado  o  go- 
verno decerto  Recolhimento  de  Senhoras  ^ 
huma  das  quês  por  fer  herdeira  de  Gram  ca- 
fa. 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     407 

fa,  entre  ella  fe  reparte  afufpeita  defteca- 
fo ,  que  em  Roma  he  inaudito ,  e  de  perniciò- 
íiflimo  exemplo. 

O  Cardeal  Urfino  eftâ  muy  contente 
com  lhe  hav^erem  chegado  de  Portugal  as 
íiias  penfoens.  He  Proteótor  de  França,  e  de 
Polónia ,  e  noflb :  e  tem  capacidade  para  tu- 
do ^fe  os  intereíTes  de  tantas  Coroas  a  tive- 
rem para  fenaõ  encontrarem.  Deos  guar- 
de a  V.  Exceli encia  dcc.  Roma  3  de  Outu- 
bro de  1671, 


Creado  de  V.  Excellencia. 


António  Vieyra. 


CAR. 


■■^* 


4o8 


CARTA  S 


/ 


CARTA  CXX. 

Aq  Marquês  de  Gouveãr 

XCELLENTISSIMO  Senhor :  Dou 
a  V.  Excellencia  as  grafas  pelas  re^ 
laçoens  Ultramarinas  ,  de  que  yeyo 
acompanhada  efta  ultima  de  V.  Excellen-* 
cia ,  íe  bem  a  melhor  de  todas ,  é  para  mim 
de  mayor  eftimaçaõ,  he  lograr  V.  Excellen- 
cia a  faude  que  lhe  dezejo^  ^^^^  cuidado  em 
que  nos  pôs  o  Inverno  paíiado. 

Verdadeiramente  naÕ  íbu  dos  mais  or-% 
gulhozos  no  dezejo  dos  fins  ,  pofto  que  le 
reprefentem  muito  úteis :  e  fó  finto  que  na 
noíTa  terra  íe  nâ5  trate  taõ  promptamente 
dos  meios,  como  pede  a  ncceflidade  :  nem 
fou  taõ  amigo  de  companhia ,  que  em  mui- 
tas matérias^  naõ  teuna  por  mais  verdadei- 
ra máxima.  Antes  fó^  que  hem  a  companha* 
do,  Ifto  he  o  que  lempre  me  doe,  e  grito 
quanto  poffo  contra  os  que  nos  querem  li- 
gados contra  a  índia,  onde  he  melhor  ter 

hum 


DO  P.  ANTÓNIO  VíEYRA.  409 
huir)  inimigo ,  que  três  todos  defiguaes  na 
fè,  e  mayores  no  poder. 

Se  eu  naÕ  conhecera  os  arcanos  de  Por- 
tugal ,  e  athe  onde  chegaõ  as  chaves  do  feo 
fegredo  ,  confolarame  com  as  confiderações 
defte  ,•  mas  todos  os  noíTos  pen (amentos  fa- 
bem-fe  primeiro  no  mundo  que  nos  Confe- 
lhos  de  Eftado  ^  e  ainda  que  eíles  fahira5 
muito  acertados  como  eu  prefumo ,  e  foíTem 
muito  íecretos  ,  as  rafoens  na5  fa5  as  que 
íiiftentaôos  Eílados  ,  fenaõ  as  execuçoens  ; 
e  eftas  nem  as  hâ ,  nem  as  pôde  haver  fem 
meyos.  De  boa  vontade  trocara  eu  todos  os 
noííTos  fegredos  e  confelhos  com*  que  fefou- 
beíTe  em  França ,  Inglaterra  ,  e  Caftella ,  que 
tinhamos  no  Tejo  huma  muito  poderoía  ar- 
mada,  e  muito  dinheiro  com  que  armar  ou- 
tras ,  e  grandes  exércitos,  quando  nos  foí^ 
rfem  neceíTarios  5  porque  fó  ifto  caufa  refpei- 
to  nos  inimigos ,  e  mantém  o  amor ,  ou  cor- 
refpondencia  dos  amigos.  Fora  o  eu  de  to- 
dos 5  e  cuidara  de  todos  que  podem  naõ  a 
fer  j  e  fiarame  fó  do  meo ,  com  tal  defcon^ 
fiança,  que  femprc  o  fora  accrefcentando, 
c  fazendo  mais  feguro.  Se  ifto  he  murmu- 
ração,  ifto  he  o  que  murmura  o  meo  amor, 
Tom.I.  FfF 


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410  CARTAS 

tendo  por  companheiros  todos  aquelles  que 
com  amor  ou  lem  elle  olhaÕ  para  as  nof- 
fas  couzas. 

Morreo  o  Cardeal  d'Efte  ,  com  que  efta5 
vagos  três  Capellos  ,  que  feraÕ  provavel- 
mente de  Colona^  Rofpilhofi ,  eCrecencio. 
A  guerra  de  Itália  cre-fe  que  fem  duvida 
fe  porá  em  paz  brevemente.  A  de  Hollan- 
da  depende  dos  dous  exércitos  que  diftavaõ 
fó  huma  jornada.  Segredo  dizem  os  últimos 
avizos.  Corre  por  certo  que  o  Turco  tem 
tomado  Maminies  ,  chave  de  Polónia  ,  e  que 
a  Ungria  com  alguns  foccorros  do  mefmo 
Turco  fe  começava  a  folevar^  tendo  já  toma- 
do alguma  Cidade ,  e  obrigado  a  fe  retirarem 
alguns  prefidios  do  Império  ,  que  por  oc- 
cafiaô  do  exercito  fe  haviao  diminuido.  Deos 
guarde  a  Exceli entiíTimaPeííoa  deV.  Excel- 
lêciamuitosannoS;,comooscreadosdeV.ExcJ 
havemos  mifter.Roma  8  de  Outubro  de  1671. 

Creado  de  V.  Excellencia. 
António  Vieyra. 

CAR^ 


v^- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      41Í 

CARTA  CXXI. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  SenhoriGran- 
de  fuílo  me  cauzou  efta  carta  de  V. 

_  Excellencia  com  as  primeiras  regras, 
lembrado  da  erifipola  de  Lisboa. Como  Deos 
foy  fervido  que  V.  Excellencia  livraíle  ta5 
brevemente  ,  poílo  que  com  a  penfaõ  de  féis 
fangrias  ,  que  neíTa  terra  he  hum  numero 
inaudito ,  dou  ao  mefmo  Senhor  as  graças,  e 
a  V.  Excellencia  o  parabém,  fendo  circun-* 
ftancia  para  mim  de  grande  eftimaçaõ  ,  q  hu- 
ma  e  outra  nova  pudeíTem  vir  juntas  no  mef- 
jno  correyo,  que  he  a  única  conveniência, 
ou  defconto ,  com  que  alguma  ves  fe  fabo- 
ceao  as  penfoens  da  auzencia  ,  fabendo-fe 
os  males  depois  de  paliados. 

Beijo  mil  vezes  a  maõ  a  V.  Excellencia 
pelo  extremo  do  favor  com  que  ,  fem  embar-* 
go  do  achaque ,  na  mefma  manhãa  foy  fer-^ 
vido  tomar  tanto  de  bayxo  de  fua  protec- 
ção o  requerimento  oudefpacho  domeore-* 

Fffij  comendado^' 


411  CARTAS 

c5mendado.  Nem  podia  nefta  Corte  e  cafa 
haver  para  mim  mayor  credito  que  faber-fe 
nella,  me  fas  V.  Excellencia  taÒ  particular 
mercê.  Os  efcrupulos  de  que  íís  avizoaV. 
Excellencia  na  fegunda  inílancia ,  fe  conver- 
terão agora  em  dobradas  eíperanças,  e  as  pef- 
foas  empenhadas  fe  promettem  o  que  per- 
tendem  com  tanta  fcgur anca,  como  fe  j  á  o  ti- 
veraÕ  alcançado,  de  que  eu  naõ  duvido,  e 
o  torno  a  fupplicar  a  V.  Excellencia  com  to- 
do o  encarecimento  ;  porque  cada  dia  cref- 
cem  mais  as  obrigaçoens  que  devo  ao  Irmaõ 
do  pertendente.  V.  Excellencia  fe  na5  quis 
vingar  de  mim ,  e  eu  o  faço  com  o  Sermão 
inclufo ,  que  taÕ  pouco  merece  os  portes, 
Mandou-me  o  Padre  Geral  que  prègaííe  em 
Italiano  ,  e  naõ  baftaraõ  as  minhas  ta5  jufti- 
ficadas  reíiílencias  para  que  menaÕ  puzeíle 
obediência^  e  o  peyor  he^que  fendo  efte  o  pri- 
meiro ,  naõ  querem  os  Eminentiílimos  que 
feja  o  ultimo  ,  e  jà  me  tem  intimado  duas 
Capellas ,  em  que  fe  ajunta  o  Sagrado  Col- 
legio  ,  podendo  ter  por  agouro  quererem  ou- 
vir huma  lingua  barbara. 

Polónia  eftâ  quafi  occupada  pelo  Turco_^ 
c  a  bom  livrar,  ficará  efte  com  duasProvin- 
%  cias 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     415 
das  de  Polónia  e  Ucrânia,  confinantes  por 
liuma  parte  com  os  feos  Eftados ,  e  pelas  ou- 
tras três  com  a  mefma  Polónia ,  Alemanha , 
e  Ungria  ^  e  dahi  com  paíTo  aberto  para  Itá- 
lia.  Começa  efta  vizinhança   a  dar  grande 
cuidado  em  Roma  ,  c  fe  fizer aõ  jâ  varias  con- 
gregaçoens  deEftado,  em  que  mais  fe  reco- 
nhece o  perigo ,  do  que  fe  acha  o  remédio. 
Falla-fe  em  Bulia  da  Cruzada,  quehemeyo 
fobre  pouco  eíFedivo,  geralmente  mal  acei- 
to.  Alguma  peíToabem  grande  fey  eu  ,  que 
põem  os  olhos  na  retirada  de  Portugal,  eme 
comunicou  eíle  penfamento ,  naÕ  de  zomba- 
ria. Se  he  o  primeiro  que  o  dis  ,  naõ  fera  o  pri- 
meiro que  oprediíTe.  O  certo  hequeefteac- 
cidente  fará  mudar  a  fcena  a  toda  a  Europa. 
Deos  guarde  aExcellentiíTima  PeíToa  de  V. 
Excellencia  como  eu  e  os  creados  deV.Excel- 
lencia  havemos  mifter.  Roma  22  de  Outu- 
bro de  1671* 


Creado  de  V.  Excellencia 

António  Vieyra. 


CAR-i 


414 


CARTAS 


v^ 


GARTA  CXXII. 

Ao  Marques  de  Gouvea. 

XCELLENTÍSSIMO  Senhor:  Com 
toda  a  alma  íinto  as  queixas  que  nef* 
ta  ultima  leyo  da  pouca  melhoria  de 
Vi  Excellencia.  Queira  o  Senhor  da  faude  e 
dos  tempos ,  que  efte  Inverno  nosfeja  mais 
favorável  aos  achaques  de  V.  Excellencia 
que  o  paíTado  ,  e  que  V.  Excellencia  poíTa 
trocar  o  merecimento  da  paciência  com  o 
da  acçaÕ  de  graças  que  faõ  as  que  eudeze- 
jo  poder  dar  ao  mefmo  Senhor ,  totalmen- 
te livre  defte  cuidado.  Hoje  chegou  avizo 
da  íufpenfaõ  de  armas  entre  Saboya  e  Gé- 
nova ,  com  duas  viólorias  ultimas  dos  Saboy- 
ardos.  Parece  que  fe  pôs  a  balança  da  repu- 
tação em  equilíbrio ,  e  pendendo  para  aquel-* 
la  parte  a  inclinação  delRey  de  França  ,  en- 
tende Itália  íe  fará  a  paz  com  as  condições 
do  feo  refpeito,  fem  fe  attender  aos  ápices  da 
<a« 

Huma  efquadra  Franceza  de  fete  ou  oy to 

navios 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      41T 

navios  fe  começou  a  empenhar  na  alturadeLe- 
orne,  a  entrar  dentro  no  porto  para  queimar 
algumas  nãos  Olandezas  que  alli  fe  achavaõ 
deíarmadas  -,  mas  fendo  avizado  o  Graõ  Du- 
que ,  venceo  com  razaõ  ecortezia  o  que  pa- 
recia principio  de  mayor  rompimento:  efe 
cõfervou  aimmunidade  daquelle  porto,o  qual 
com  tudo  fe  fechou  e  reforçou  de  armas , 
e  vio-ilancia ,  e  affim  fe  continua. 

As  mas  novas  de  Polónia  continuaò  com 
a  certeza  de  fer  tomada  Leopolis ,  e  d'ElRey, 
je  Rainha  (de  cuja  retirada  fe  falia)  naõ  há 
couza  conftante  ;  e  iílo  he  tudo  o  que  fe  ou- 
ve por  eftas  partes  ,  deixando  o  novo  cami- 
nho dos  dous  exércitos  pleiteantes  ,  e  a  nova 
marcha  do  Princepe  de  Conde  a  Lorena  , 
de  que  V.  Excellencia  terá  mais  vizinhos  e 
certos  avizos.  Guarde  Deos  a  V.  Excellencia 
muitos  annos  con*  a  inteira  faudeque  a  Sua 
Divina  Mageftade  peço  em  todos  meos  facri- 
^"ficios.  Roma  5  de  Novembro  de  1671. 

Creado  de  V.  Exc. 
António  Vieyra. 


Ci;m 


CAR^^ 


4i<J 


CARTAS 


CARTA  CXXIII. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor :  Na5 
quero  cjue  V.  Excellencia  me  mande 
encobrir  a  noticia  de  feos  achaques  , 
porque  a  quem  ama  edezeja  tanto  a  inteira 
íaude  de  V.  Excellencia  mais  o  afflige  a  íiií* 
penfaÕ  e  cuidado ,  que  as  mefmas  noticias» 
Sirva-fe  V.  Excellencia  de  interpretar  o  fer- 
viço  de  S.  A.  e  zelo  da  Pátria ,  mais  a  favor 
da  mefma  Pátria  e  do  mefmo  Princepe.  Se  os 
ares  de  Lisboa  prometterem  ,  como  parece, 
maisfaude  que  os  de  Madrid  ,  reftituafenos 
V.  Excellencia  àquella  Corte ,  pois  íerá  mais 
útil  5  ainda  ao  bem  publieo ,  viver  V.  Excel- 
lencia mais  livre  de  queixas  nella ,  que  pa-« 
decer  tanto  neíTa  ,•  e  aífim  creyo  que  o  de- 
vemos reprefentar  a  V.  Ejçcellencia ,  eque** 
rer  todos  os  que  fomos  creados  de  V.  Ex- 
cellencia. Os  dous  exércitos  de  Alemanha 
e  França,  parece,  que  fe  naõ  querem  aviftar, 
nem  que  faiba  o  mundo  feos  intentos ,  cora 

tudo 


^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  417 
tudo  fe  tem  por  mais  provável  ,  que  o  de 
Alemanha  fe  encaminha  à  Lorena  ,  para  on- 
de partio  o  Princepe  de  Conde.  Se  o  acci- 
dente  de  Cadiz  (  como  fe  aviza  de  Génova  ) 
he  verdadeiro ,  nao  poderá  deixar  de  dar  no- 
vos motivos  ao  rompimento  que  aqui  fe  te- 
me edezeja  variamente. 

As  armas  de  Saboya  e  Génova  eftaÕ  fuf- 
penfas  ,  e  a  Paz  no  arbitrio  de  França ,  a 
qual  começa  a  eftar  mais  bem  viíla  nefta 
Corte  ,  porque  promette  introduzir  nas  con- 
diçoens  a  vidoria  de  dous  pleitos ,  que  a  Re- 
publica tinha  com  a  Igreja  fobre  o  Inqui- 
íidor  e  Arcebifpo. 

As  couzas  de  Polónia  promettem  alguma 
melhoria  j  os  ComiíTarios  daquelle  Reyno  ti- 
nha5  ajuftado  com  o  Turco  deixarlhe  Ka- 
minies  ,  e  as  duas  Provincias  de  Ucrânia, 
remido  jà  o  fitio  de  Leopolis  com  certa 
fuma  de  dinheiro-mas  na5  quis  aNobreza  Po- 
laca ratificar  o  tratado,  e querem  profcguir 
a  guerra  com  juramento  de  uniaõ  e  fideli- 
dade a  ElRey ,  e  cominação  de  perda  de  of- 
ficio  e  eftados  a  todos  os  que  contravierem 
a  efta  refoluçaõ  ,  havendo-fe  logo  cortado 
a  cabeça  a  hum  que  a  quis  refiftir  5  comtu^ 
.    T<>m.  L  Ggg  dq 


4i8  CARTAS 

do  feguiaõ  ainda  o  partido  contrario,  mais 
de  quarenta  cabeças  ,  com  que  fe  temem  no- 
vos tumultos.  Os  últimos  a^izos  dizem  cue 
o  Turco  fe  paílava  a  ajudar  os  rebeldes  .de 
Ungria  ,  e  haverá  mais  que  recear  defta 
parte. 

Os  noííos  novos  Prefidentes  fó  faÕ  aquel- 
les  que  logrará  a  paz  ,  e  poderáÕ  quietamen- 
te adminiftrar  juftiça  5  fe  bem  me  efcreve 
algum  grande  Miniftro,  queandavaõ  entre 
mãos  embrioens  de  tal  expedaçaõ ,  que  fe 
chegarem  a  fahir  a  luz  ,  também  faremos 
papel  notheatro  do  mundo.  O  certo  he  que 
nos  dá  baftantes  cabellos  a  occafiaÕ  ,  fe  fou- 
bermos  tecer  as  tranças.  Deos  guarde  a 
Excellentiffima  PeíToá  de  V.  Excellencia,co- 
m.o  o  Reyno  ,  e  os  creados  de  V.  Excel- 
lencia  havemos  mifter.  Roma  19  de  No- 
vembro dé  1671, 

Creado  de  V.  Excellencia. 


António  Vieyra. 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       419 


CARTA  CXXIV. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 


XCELLENTISSIMO  Senhor :  Mui- 
tos dias  há  que  naõ  recebi  carta  de 
__^_^  _  V.  Excellencia  ,  que  totalmente  me 
alliviaíTe  o  cuidado ,  como  a  defta  Pofta.  Dou 
infinitas  graças  a  Deos  ,  que  parece  quer  con- 
feíTemos  fó  a  elle  a  divida  da  faude  de  V. 
Excellencia,  e  na5  ao  tempo,  de  cujo  be- 
neficio a  efperavamos  ,  e  aífim  fera  mais  fe- 
gura. 

Aqui  naõ  ha  novidade  fenaõ  he  eílar 
S.  Santidade  muito  bem  difpofto  ,  havendo 
oytenta  e  três  annos  :  fegunda  feira  fes  con- 
fiftorio  em  que  fe  efperava  o  provimento  dos 
três  Capellos  vagos  -,  mas  entende-fe  ,  que 
efpera  que  fejaõ  mais  ,  e  que  o  na5  enga- 
nará a  efperança. 

Hontem  à  noyte  deixey  ungido  o  Con- 
;de  de  Mefquitella  fem  nenhuma  efperança 

Gggij  à^ 


4io  CARTAS 

de  vida,  perdidos  os  fentidos  e  movimen- 
to muitas  horas,  mas  hoje  amanheceo ref- 
titiiido  a  tudo  ,  e  com  grandes  indicios  de 
vida ,  pofto  que  os  médicos,  hum  dos  quaes 
he  Miguel  Lopes,  a  naõ  feguraõ  de  todo. 
Veyo  da  índia  por  terra  athe  Alexandria , 
d'alli  a  Malta ,  e  de  Malta  a  Marçelha ,  don- 
de encaminhou  a  Génova,  e  tendo  paflado 
por  Florença  chegou  aqui  com  febre  dia  da 
Conceição  ,  e  da  cama  le  tratava  hontem  de 
o  levarem  á  fepultura ,  que  elle  naõ  quis  no- 
mear, nem  fazer  teílamento  ,  porque  naõ 
tem  de  que.  O  Refidente  o  aíTifte  com  gran- 
de cuidado ,  e  todos  os  Portuguezes  fazem 
o  mefmo ,  exceptos  os  mais  ricos. 

De  Portugal  feefcreve  com  grande  aíle- 
veraçaõ  aliga  comeíTa  Coroa ,  e  com  Olan- 
da  ,  mas  como  V.  Excellencia  no  correyo 
antecedente  ao  paflado  me  difle  o  naõ  fabia , 
nem  queria  faber ,  pofto  que  fe  referem  faõ 
inuy  aceitáveis ,  em  nada  lhe  dou  credito.  O 
certo  he  que  as  couzas  de  França  fe  vaÕ  pon- 
do em  taÕ  diíFerente  eftado,  que  podem  ani- 
mar feos  oppofitores,  que  he  nova  razaõ 
de  eu  os  naõ  confiderar  taõ  liberaes  ,•  mas 
os  empenhos  faõ  taõ  grandes  ,  e  a  fortuna 

tao 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     42Í 

tâo  varia  ,  que  fempre  aceitará  quem  pu- 
zer  em  feguro  o  feo  partido.  O  que  eufo- 
bre  tudo  dezejo  ,  he  que  as  influencias  do 
inverno,  pois  faõ  taó  benéficas,  fejaõ  mui- 
to confiantes  ,  e  que  V.  Exceílencia  ouça 
os  vilhancicos  de  Madrid  com  o  inteiro  gof- 
to  e  faudc  que  a  V.  Exceílencia  dezejo. 
Deos  guarde  a  Excellentiflima  Peffoa  deV. 
Exceílencia  como  os  creados  de  V.  Exceí- 
lencia havemos  mifter.  Roma  X7  de  De- 
zembro de  167  z. 


Creado  de  V.  Exceílencia, 


António  Vieyra. 


CAR- 


42i 


CA  R  T  A  S 


CARTA  CXXV. 

Ao  Marques  de  G  ouve  a. 

XCEL lentíssimo  Senhor  :  Tar- 
dou efte  correyo  cinco  dias  mais  do 
_____  que  coftuma ,  e  melhor  fora  naÕ  ha- 
ver chegado,  pois  me  havia  de  tirar  o  gran- 
de contentamento  ,  que  com  as  novas  do 
paíTado  tinha  recebido.  Emfim  ,  Senhor  , 
èu  as  naõ  efpero  já  feguras  de  Madrid  ,  e 
nenhuma  couzâ  tanto  dezejo ,  como  ver  reP 
tituido  a  V.  Excellencia  á  noíTa  Corte ,  es- 
perando da  fegunda  natureza  dos  feos  ares 
o  que  a  primeira  deíTes  nos  promettia.  Vi- 
ver he  o  que  importa  a  V.  Excellencia  ,  a 
feos  creados  ,  e  à  Pátria  ,  cuj-os  intereíTes 
com  eíTa  Coroa ,  e  com  nenhuma  outra  po- 
dem pezar  tanto  como  efte.  Aceyte  V.  Ex- 
cellencia efta  propofta  como  de  hum  taõ 
antigo  »reado  da  cafa  de  V.  Excellencia ,  e 
de  hum  coração  taõ  obrigado  ,  e  taõ  fiél ,  e 
porque  naõ  há  couza  nova  defta  banda  de 
que  poder  avizar  ,  íirva-fe  V.  Exççllencia 
V        .  de 


"^âSSifiÉlHatt» 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  413 
<3e  receber  eftas  regras  como  memorial  ,  e 
dcfpachallo  como  peço,  pois  tanto  impor- 
ta. Deos  guarde  aExcellentiíTima  Peffoade 
V.  Excellencia  muitos  annos  como  dezejoy 
e  os  creados  de  V.  Excellencia  havemos  mif- 
tir,  Roma  ultimo  de  Dezembro  de  1.671.  ' 

Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


CARTA  CXXVI. 

y^o  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO    Senhor  :    A 
carta  que  recebi  nefta  Pofta  ^  pare- 
_  cerepofta  daqueefcrevi  na  paííada, 

em  que  inftantemente  pedia  e  proteílava  à 
V.  Excellencia  a  mudança  do  clima ^  mas 
como  elle  tempera  o  rigor  com  que  athe- 
gora  tem  tratado  a faude  de  V.  Excellencia, 
naõ  me  fica  lugar  ,  fenaõ  de  pedir  a  Deos 
^  a  con- 


CARTAS 

a  continuação  da  melhoria,  e  admirar  o  ex- 
ceíTivo  e  generoíiííimo  zelo  com  q  a  magna- 
nimidade de  V.  Excellenciafacrificaaobem 
da  Pátria,  eferviço  do  Princepe,  o  que  ncfta 
vida  excede  todo  o  preço  ,  e  naò  pôde  ter 
outra  remuneração  no  mundo  que  a  gloria 
de  obrar  aíTim. 

O  modo  da  morte  do  Marques  de  Ma- 
rialva me  laíliitiou  mais  ,  que  a  mefma  mor- 
te. Aqui  o  lemos  m.uitas  vezes  nas  gazetas 
de  Génova  e  Ancona  paílado  a  Caílella  , 
fegundo  de  lá  efcreviaõ  ,  por  defgoftado.  Se 
aííim  fbííe  na5  feria  a  primeira  ves ,  que  a 
força  defte  toxico  produziíTe  femelhantes 
efFeiros  ^  mas  o  Medico  Miguel  Lopes ,  que 
hoje  eftâ  em  Roma,  me  diíTe  ,  que  o  cu- 
rara em  huma  ultima  enfermidade  de  que 
lhe  prognofticára  femelhante  acidente  , 
fe  naõ  fe  preveniíTe  com  outros  remédios. 

O  primeiro  dia  defte  anno  amanheceo 
da  mefma  forte  morto  o  Cardeal  Gualtieri, 
e  em  menos  de  dous  annos  fe  contaõ  féis 
Cardeaes  mortos  por  eftemodo,  efaõ  jades 
os  que  S.  Santidade  tem  enterrado ,  cuidan- 
do todo  o  Conclave  quando  o  elegeo,  que  fe- 
ria elle  o  primeiro. 

Corre 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA      42; 
Cerre  que  Babilónia  eftâ  tomada  do  Períia- 
nof  mas  também  fe  imagina  que  hc  fama 
eípalhada  pelo  Graõ  Vizir ,  como  coftuma, 
para  defcuidar  os  Princepes  Chriftaõs.  Tam- 
bém fediíle  eftes  dias,  que  Charleroy  efta- 
va  tomada  pelo  Princepe  de  Orange  ,  aju- 
dado com  íoccorros  e  artelharia  de  Flan- 
des  í  mas  as  cartas  de  BruíTellas  que  chega- 
rão hontem  ,  defafrontaraõ    os  Franeezes 
defte  íucceffo  ,   e  mortificarão  naõ  pouco 
aos  Caftelhanos  ,  que  cantavaõ  a  viétoria 
como  íiia. 

Hontem  me  avifáraõ  de  Florença ,  efta- 
va  renovada  em  Portugal  a  antiga  liga  com 
França ,  que  eu  naÕ  poíTo  crer  ,•  mas  fe  eftes 
faõ  os  embrioens  em  que  fe  me  fallava ,  bem 
podem  temer-fe  monftros.  Deos  guarde  a 
Excellentiflima  Peflba  de  V.  Excellencia,  co- 
íno  os  creados  deV.  Excellencia  havemos 
mifter.  Roma  14  de  Janeiro  de  1671. 


Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra. 


Tom»  /. 


Hhh 


CAR- 


:Í> 


4i6 


CARTAS 


^0  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor :  NaÔ 
he  novo  em  V.  Excellencia  honrar- 
me  em  tudo ,  nem  as  minhas  cartas 
podem  receber  mayor honra,  quedizer-me 
V.  Excellencia  lhe  faõ  de  allivio.  O  certo 
be ,  que  fe  como  nellas  fe  treílada  a  alma , 
fe  pudera  com  ellas  infundir  afaude,  jáV. 
Excellencia  a  naõ  veria  de  longe ,  que  he  o 
que  eu  fobre  tudo  finto. 

Aqui  fepaíTa  tremendo,  os  frios  fa5ri- 
gorofiílimos  ,  e  os  remédios  ,  ainda  que  na5 
faltaõ  ,  também  faõ  danofos  ,  a  quem  os 
naõ  hacoílumado.  A  paz  de  Génova  fetem 
por  concluida  ,  mas  ainda  naõ  eftâ  firma- 
da ,  e  os  Genovezes  no  mefmo  tempo  vaõ 
alliftando  Efguifaros  ,  e  Grifoens  ,  e  licenci- 
ando todos  osfoldados  Francezes,  que  mi- 
Htavaõ  em  feo  ferviço. 

Jà  avifey  a  V.  Excellencia  ,  que  aqui  cor- 

reo 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  427 
reó^qua  Gharleroyeftava  tomada  pelo  Prin- 
cepc  de  Orange  com  foccorro  dâs  tropas  de 
Flandeá ,  governadas  por  Mareim  ,•  nova  que 
também  Te  teve  por  certa  em  Paris  ,  com 
notável  confternaçaõ  daqueila  Corte  ,  co- 
mo de  lá  efcrevem  os  mefmos  Francezes. 
TriunfavaÕ  em  Roma  os  vizinhos  de  V. 
Exceliencia ,  mas  depois  que  fe  foube  a  ver- 
dade do  fucccflo  ,  elles  choraÕ  ,  e  os  Gall-os 
cantaÔ. 

Agora  fe  diz  ,  mandou  ElRey  de  França 
huma  refoluta  embaixada  à  Rainha  Catho- 
lica,  com  declaração  de  guerra ,  no  cafo  em 
que  o  Governador  de  Flandes  haja  dado  o 
dito  foccorro  por  ordem  fua  j  e  quando  naõ, 
o  dito  Governador  feja  logo  removido  do 
pofto  c^m  as  mais  demonítraçoens,  que  pe~ 
de  a  temeridade  do  cafo,  que  affim  lhe  cha- 
maÕ. 

Os  Alemaens  eftaõ  aquartelados  ,  as 
pontes  fobre  o  Rheno  e  rios  vizinhos  ro- 
ías,  e  o  dinheiro  de  Caftella  e  Olanda  , 
como  dizem  os  Italianos,  bebido.  As  cou- 
zas  de  Polónia  peyor  que  nunca  ,  porque  as 
diíTenfoens  interiores  tem  chegado  a  rom- 
pimento com  fangue  de  ambas  as  partes  , 

Hhh  ij  e  o 


4^8  CARTAS 

e  o  partido  de  EiRey  antes  diminue  ,  que 
crefce.  Os  Suecos/e  entende,efta6  com  Fran- 
ça e  Brandenburg  obrigados  a  acodir  ás  fron- 
teiras ,  e  defemparar  outras  partes  do  feo 
Eftado  ,  onde  os  Bifpo  de  Muníler  lhe  há 
occupado  proximamente  alguns  lugares. 

Ifto  he  tudo  o  que  fe  paíTa  cm  Roma,  pe- 
los avizos  mais  authenticos.  Deos  guarde 
a  Excellentiflima  Peffoa  de  V.  Excellencia, 
como  o  noílo  Reyno  ,  e  os  creados  de  V. 
Excellencia  havemos  mifter.  Roma  28  de 
Janeiro  de  1(^73. 


Crcado  de  V.  Excellencia. 


António  Vieyra. 


GAR. 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      419 

CARTA  CXXVni. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor:  Hon- 
tem  chegou  o  correyo,  e  hoje  par- 
te ^  a  demaziada  tardança  fazia  jà 
íuípeitar  que  o  teriaõdeívalijado  alguns  fal- 
teadores  Francezes ,  como  fizeraõ  eftes  dias 
á  outro  deíTa  Corte  ,  que  hia  para  Alema- 
nha j  mas  eu  depois  que  li  a  carta  de  V.  Ex- 
cellencia ,  entendi  que  tardara  ,  porque  me 
trazia  taô  boas  novas.  Eftimo  quanto  na5 
íey,  nem  poíTo  encarecer  ,  que  as  queixas 
de  V.  Excellencia  tenhaõ  ceflado  j  e  ainda 
que  o  tempo  ,  e  os  medicamentos  tenhaõ 
íiia  parte  nos  bons  eíFeitos  dafaude,  eu  dou 
toda  a  gloria ,  e  todas  as  gra:ças  ao  Author 
de  todo  o  bem. 

Os  vizinhos  de  V.  Excellencia  andaõ 
por  eftã  banda  muito  cabiícaidos  ,  pofto 
que  fazem  quanto  podem  pelo  diíTimular  ; 
antevem  e  temem  o  rompimento  ,  e  nefte 
theatro  do  mundo  lhes  dâ  mais  cuidado  a 

reputa- 


4^0  CARTAS 

reputaça5  ,  ainda  que  o  iia5  faibaõ  enten- 
der ,  nem  dizer.  Também  vejo  que  luta  a 
neceflidade  com  a  foberba,  e  que  efta  cof- 
tuma  cahir  ,  e  aquella  nao  pode  vencer. 
Sermos  nos  as  remoras  dos  lèos  impulfos  , 
também  o  exprimentamos  ,  porque  fempre 
fe  doem  defta  parte ,  e  ainda  que  lhe  queira- 
mos fegurar  o  contrario,naò  nos  daõ  credito. 
Em  Roma  fe  vaõ  continuando  as  feftas 
do  Carnaval  com  mais  concuríb  a  ellas  , 
que  às  quarenta  horas.  Eu  preguey  fobrc  efte 
affumpto  nas  de  S.  Lourenço  em  Damafo 
antehontem ,  com  taõ  pouco  fruto  em  Italia- 
no,  como  fera  em  Português  no  Sermão  de 
Cinza ,  que  faço  no  noíTo  S.  António.  Aflif- 
tiraõ  no  de  S.  Lourenço  dezanove  Car- 
deaes  ;  e  para  que  V.  Excellencia  veja  por 
quaÕ  Português  me  reputaõ  os  vizinhos  de 
V.  Excellencia,  notou-fe,  que  faltarão  os  da 
facçaô  Hefpanhola  ,  podendo  mais  com  o 
Eminentiílímo  Nidardo  as  razoens  do  pre- 
fente  Minifterio  ,  que  as  da  antiga  irman- 
dade. Naõ  he  efta  a  primeira  ves ,  que  con- 
feíTo  a  V.  Excellencia  os  meos  efcrupulos, 
ainda  que  he  hum  peccado  refervado  ,  eque 
ío  fio  do  figillo  de  V.  Excellencia  j  e  V.  Ex- 
cellencia 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      431 

çeilencia  mç  dará  a  abfolviçaõ.  Deos  guar- 
de a  Exçeílentiffima  Pefloa  de  V.  Excellen- 
da  muitos  annos  ,  como  Portugal  ,  e  os 
creados  de  V.  Excellencia  havemos  miíler. 
Roma  1 1  de  Fevereiro  de  1673. 

Creado  de  V.  Excellencia. 


António  Vieyra. 


CARTA  CXXIX. 

j4o  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO  Senhor :  Dou 
a  V.  Excellencia  o  parabém  da  no- 
mina  do  Senhor  Duque  Inquifidor 
<jeral ,  a  qual  naÕ  deixará  de  fer  confirma- 
da em  Roma  por  falta  de  Capellos  vagos, 
pois  fao  jâ  três  nefte  anno  os  que  fe  acreA 
centaraõ  ,  e  em  menos  de  cincoenta  dias^ít 
outros  dous  que  eftavaÕ  por  prover  ,  e  fe- 
-  gundo 


43^  CARTAS 

gundo  as  poucas  elperanças,  com  que  algutis 
Eminentiílimos  fe  achaõ,  de  longa  vida ,  na5 

Earece  que  fe  contentara  a  morte  de  aca- 
ar  oannofem  tornar  a  avizar  o  Sacro  Col- 
legio.  Eu  ainda  que  naõ  prego  efte  annoo 
Mandato  ,  tenho  algumas  duvidas  fobre  o 
Cum  dílexijfet  fuos ,  pofto  que  a  faude ,  e  ro- 
bufta  difpoíiçaõ  do  Pontifice  promettem  que 
.naõ  ÍQYZoInflnem y  ante dtem  feflumP af chie. 
Com  tudo  antes  de  termos  efta  nova  de  Lis- 
boa ^  me  diíTe  o  noflo  Reíidcnte  ,  que  Iheti- 
nhaÕ  dado,  oupromeflas,  oufeguras  efpç- 
peranças.  As  defta  terra  na5  merece  tanta  fé, 
como  a  ííia  fe  períuade.  Os  Princepes  dos 
arcanos  o  fabera5  melhor  ,  que  eu  fó  fallo 
pela  boca  do  vulgo ,  e  fem  ter  rcgateira  na 
praça  Navona. 

Naõ  fey  em  que  fe  fundarão  os  temores 
de  eftar  Amfterdàm  rendida  ,  porque  faõ 
muito  diíFer entes  as  novas  ,  e  íiippoíiçoens 
com  que  daquelk  banda ,  e  da  meíma  Fran-  j 
ça  fe  efcreve.  O  certo  parece  que  he ,  ha-  * 
verem  os  Francezes  roto  a  guerra  na  índia 
com  os  Olandezes  ,  e  occupado  hum  Caf- 
tello  e  porto  na  Ilha  de  Ceilaõ ,  tendo  nos 
primeiro  adoçado  efta  irrupção  das  noílas 

Con- 


DO  P:  ANTÓNIO  VIEYRA.      433 

cenquiftas  com  a  falfa  nova  de  havermos 
recuperado  Cocliim. 

A  efte  ponto  chega  acarta  de  Génova,  em 
que  fe  dis  por  mayor  haverem  alli  chegado 
avizos  do  Norte  pouco  favoráveis  ás  armas 
de  França ,  e  naõ  fe  oflerece  de  prcfente  ma- 
téria a  que  fe  applicar  eíla  noticia ,  fenaõ 
ao  exercito  de  Turena  ,  que  fabemos  fer 
partido  em  foccorro  de  Munfter  fobre  hu- 
ma  Praça  citiada  pelo  Marques  de  Brandem- 
burg.  Eu  fico  muito  atrazado  na  faude,  e 
com  poucas  efperanças  de  a  recuperar  nefte 
clima,  porque  ha  muitos  dias,  que  o  efta- 
mago  me  naõ  logra  alimento  porexceflbde 
friojmas  em  quanto  durar  a  vida,eftou  fempre 
ao  ferviço  de  V.  Excellencia  com  o  mefmo 
coração.  Deos  guarde  aExcellentifliinaPeP' 
foa  de  V.  Excellencia  muitos  annos,  como 
Portugal  ,  e  os  creados  de  V.  Excallencia 
havemos  mifter.  Roma  25  de  Fevereiro  de 
1(573. 

Creado  de  V.  Excellencia. 
António  Vieyra, 


Tom.  L 


lii 


CAR- 


434 


CARTA  S 


CARTA  CXXX. 

jáo  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSIMO Senhor: Já  os 
correyos  com  afua  menor  tardança 
nos  trazem  melhores  novas  das  ne^ 
vcs,  que  por  eílas  bandas  em  algumas  par- 
tes chegarão  a  igualar  as  ruas  com  os  telha- 
dos ,  com  tudo  as  naõ  vimos  nefta  Corte  , 
como  neíTa  onde  o  frio,  ou  a  frieza  hema^ 
yor. 

A  difpofiça5  que  os  Médicos  chama5 
neutra ,  quizera  eu  antes  para  a  convalecen- 
ça  do  noíTo  Reyno  que  para  a  faude  de  V. 
Excelência.  Naõ  fó  o  Conde  de  Humanes 
pela  fua  parte  ,  mas  também  os^Miniftros 
Francezes  pela  fua ,  ouço  que  nos  receitaõ 
inftantemente  o  contrario  ,  mas  as  conje- 
duras  prefentes  nos  promettem  pás  com  to- 
dorsos  que  perfuadem  a  guerra  a  quem  tem 
taõ  pouco  com  que  a  fuftentar. 

A  14  do  mes  paíTado  entrou  Inglaterra 
em  Parlamento,  taõ  folicitada  da  amizade 

dos 


DO  P.  ANTÓNIO  VlEYRA.      435 

dos  Olandezes,  como  de  mutua  Religião; 
e  fe  entende  que  por  eftes  dous  intereífes, 
alem  do  geral,  naõ  vira  aquelle  Reynoem 
dar  o  dinheiro  neceflario  para  as  deípezas 
da  nova  Armada ,  naõ  eftando  França  em  ef- 
tado  deoííipprir,-  com  que  osdousReys  ou 
daraõ ,  ou  aceitarão  as  condiçoens  à  que  os 
obrigar  a  neceíTidade. 

Polónia  íe  vay  difpohdp  à  unia5  e  defe- 
za ,  mas  vagarofamente :  e  o  Turco ,  fegun- 
do  referem  os  avizos  de  Veneza,  fabrica 
em  toda  a  parte  o  mayor  poder  naval ,  com 
que  jà  mais  as  íuas  armas  fe  viraõ  no  mar. 
Teme-fe muito  áSicilia,  que  também  com- 
íigo  naõ  eftâ  pacifica.  De  alguma  das  nof- 
fas  Ilhas  ckegaõpor  câ  novas,  que  querem 
indiciar  o  mefmo  ;  mas  com  a  mudança,que 
dizem  ,  de  Confeííbr  e  Medico  fe  fararà  tudo 
em  corpo  e  alma.  Envejo  aV.  Excellencia 
a  quarefma  de  Madrid  ,  porque  aqui  fe  ou- 
ve todos  os  quarenta  dias  o  mefmo  Prega- 
dor.   Tireme  Deos  a  paz   e  falvo  de  hum 
SeraÕm  Italiano  que  heyde  fazer  a  femana 
que  vem ,  à  Rainha  de  Suécia ,  ctijò  extraor- 
dinário efublime  génio  fefatisfáz  mal ,  ain- 
da do  que  naõ  he  ordinário.   Deos  guarde 

lii  ij  a  Ex- 


43(í  C  A  R  T  AS 

a  Excellentiflima  PelToa  de  V.  Excellencia 
como  dezejo,  e  os  creados  de  V.  Excellen- 
cia havemos  mifter.  Roma  ii  de  Março  de 
1^73-  f  -  ^ 

Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 

CARTA  CXXXI. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 


EXCELLENTISSIMO  Senhor :  Com 
grande  diíEculdade  poífo  fazer  eftas 
breves  regras ,  pela  pouca  faude  com 
c]ue  fico  ,•  mas  naõ  he  bem  que  falte  eu  á 
minha  obrigação  ,  em  quanto  de  todo  me 
naõ  falta  a  yida, 

*      Sobre  o  negocio  do  recommendado  de 
V.  Excellencia  falley  logo  ao  Refidente  , 

que 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     437 

que  me  difle  eftava  pofto  em  via  ,  e  en- 
tendi o  tinha  tomado  tanto  à  fua  conta  , 
que  naõ  quer  tenha  outrem  o  merecimento 
em  fervir  í*o  gofto  de  V.  Excellencta.  Nif- 
to  lhe  acho  muita  razão ,  e  eu  também  fi- 
zera o  mefmo  ,  fe  com  os  documentos  da 
matéria  o  pudera  folieitar  ;  mas  fem  elles 
nao  fey  que  faça  mais  que  ratificar  de  no- 
vo aos  pès  deV.  Excellencia  queeftoufem- 
pre  a  elles  para  obedecer  ,  e  feguir  as  or- 
dens de  V.  Excellencia  em  tudo  o  que  V. 
Excellencia  for  fervido  mandar-me  j  e  ifto 
fem  nenhum  efcrupulo  ,  porque  fey  que  o 
aíFedo  eTheologia  de  V.  Excellencia  fe  a- 
cofta  fempre  às  opinioens  mais  prováveis. 
Da  faude  e  vida  da  Senhora  Rainha  de 
Inglaterra  li  hontem  em  huns  avizos  da- 
quella  banda  muito  ruins  novas  5  mas  naõ 
devem  ter  fundamento  ,  pois  mas  naõ  dà 
Duarte  Ribeiro.  As  de  Polónia  faõ  fó  dos 
preliminares  dauniaõ,  àque  fempre  accrc- 
fcem  dificuldades.  O  Turco  aífifte  aos  re- 
beldes de  Ungria  ,  e  os  Aftrologos  Italia- 
nos naõ  aíTeguraõ  delle  efta  fua  terra  j  e 
também  parece  que  fallaõ  na  noíTa  ,  e  na 
Ilha  Terceira.    As  pazes  de  Génova  com 

Sa- 


438  C  A  R  T  AS 

Saboya  fe  haviaõ  de  publicar  hontem  ce- 
dendo a  Republica  em  alguns  pontos  do  ho^ 
norifico ,  por  confervar  o  de  França.  Deos 
guarde  a  V.  Excellencia  muitos  annos  co- 
mo dezejo,  e  os  creados  de  V.  Excellencia 
havemos  mifter.  Roma  ij  de  Março  de 
1(573. 

Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra. 

CARTA  CXXXn 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO Senhor:  Bem 
creyo  da  falta  de  carta  minha  no 
correyo  paíTado ,  inferiria  V.  Excel- 
lencia ficar  eu  em  eftado  que  o  nao  pode- 
ria efcrever^  eaffimfoy,  porque  ainda  hoje 
faço  eftas  regras  na  cama, para  onde  me  trou- 
xeraõ  em  braços  hà  dezoito  dias ,  ferido  na 

cabeça. 


DO  p.  ANTÓNIO  VíEYRA.      439 

cabeça,  e  eftropeado  de  huma  perna,  por 
haver  cabido  de  noyte  por  huma  efcada  de 
pedra,  com  grande  perigo  da  vida^por  fer 
defcendo  e  de  rofto,com  todo  o  pezo  do  cor- 
po ,  e  dos  meos  annos.  Mas  a  Deos  graças,- 
depois  dos  coftumados  martyrios ,  jà  me  co- 
meço a  levantar  fobrebumas  muletas.  Ago- 
ra me  receitaõ  os  ares  de  Albano ,  donde 
me  recolherey  em  quanto,  ou  quando  naã 
permittirem  mais  auzencia  e  mais  allivio 
as  mutaçoens  de  Roma. 

A  morte  de  Pedro  Fernandes  Monteiro 
fenti ,  porque  o  merecia  o  feo  zelo  ,  e  tam- 
bém o  que  falta  em  muitos.  Os  finaes  de 
predeftinaçaÕ  com  que  acabou,  naÕ  baftaráõ 
contra  as  lingoas  dos  que  invejaõ  a  heran- 
ça de  feos  filhos  ,  a  quem  fe  prognofticaÒ 
euftofos  pleitos  com  a  Fazenda  Real.  Ao 
Conde  de  Caftello-melhor  avizaõ,  que  na 
hora  da  morte  fizera  huma  folemne  decla- 
ração e  proteftaçaÕ  de  liia  innocencia  por 
meyo  do  Padre  ConfeíTor.  Naõ  fey  fe  baila- 
ra efte  teftemunho  para  o  tirar  de  Turim , 
onde  feacha  bemvifto,  mas  faudofo  deíiia 
Cafa.  Os  dias  paílados  efcrevi  a  V.  Excel- 
lencia  que  no  antecedente  fe  publicara  a  pás 

de 


44^  CARTAS 

de  Génova  com  Saboya;  mas  na5  foy  aflGim  ^ 
porque  fe  dilatou  athe  fabbado  ij  do  cor- 
rente. Elles  naõ  eftaõ  fatisfeitos  por  alguns 
pontos  de  reputação ,  nos  quaes  julgarão  de- 
viao  fatisfázer  mais  a  ElRey  de  França  , 
que  ao  Duque.  Na  pás  de  Olanda  fe  falia 
muito,  e  fe  cre  a  dezeja5  todos  os  interef- 
fados ,  e  naÕ  menos  os  vitoriofos.  Só  os  po- 
bres Catholicos  de  Inglaterra  tem  jà  a  guer- 
ra declarada  c  nomeadamente  os  Jefuitas. 
Polónia  eftâ  quieta,  e  ElRey  reconhecido  , 
mas  naõ  parece  que  em  termos  de  fahir  efte 
anno  em  campanha  contra  o  Turco ,  de  cu- 
jas armas  efcrevem  grandes  apparatos  os  Ve- 
nezianos ,  e  no  refto  da  Itália  he  mayor  o 
receyo,  que  a  prevenção.  Eftimarey  que  efte 
correyo  nos  traga  muito  melhoradas  Jnovas 
de  faude  de  V.  Excellencia ,  que  he  o  que  fó 
me  dá  cuidado  d'alèm  dos  Pirineos.  E  Deos 
nos  guarde  a  V.  Excellencia  muitos  annos 
como  o  Reyno,  e  os  creados  de  V.  Excel- 
lencia havemos  mifter.  Roma  27  de  Abril 
de  167^. 

Creado  de  V.  Excellencia. 

António  Vieyra. 

CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.      441 


CARTA  CXXXIII. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 


OM  grande  cuidado  e  alvoroço  eA 
pêro  efte  correyo,  entendendo  que 
jà  me  poderá  trazer  a  dezejada  no- 
va dos  bons  efFeitos  que  os  Médicos  prome- 
tiaõ  á  inteira  faude  de  V.  Excellencia  na 
cura  da  Primavera ,  que  porefta  banda  tem 
fido  mais  quente  que  frefca. 

Com  o  ultimo  Extraordinário  dcfta  Cor-^ 
te  fe  tem  accrefcentado  a  confufaõ ,  e  naõ 
vencido  as  difficuldades,  que  cada  dia  faÕ  , 
ou  fe  fazem  mayorcs  contra  a  breve  expe- 
dição ,  ou  declaração  dos  dous  Capellos. 
Garregaõ-fe  as  defculpas  fobre  o  Marques 
de  Aftorga ,  e  também  fe  affirmaõ  occultas 
influencias  de  muitos  poderofos  Miniftros  de 
Hefpanha.  Prefume-fe  que  ifto  fe  quer  dila-^ 
tár.athe  que  haja  cinco  Càpellos  vagos,  com 
que  juntamente  fefatisfaçaõ  as  cbrigaçoens 
Tom,  /,  Kkk  da 


44i  CARTAS 

da  Cafa  Rofpilhofi ,  e  as  do  novo  parenta- 
do  da  Cafa  Colona,  a  quem  eftá  prometti^ 
do,  e  os  ferviços  e  merecimentos  de  Mon- 
fenhor  Crefcenti  Meftre  de  Camera  de  Sua 
Santidade,  que geralm,ente  fe efp era  fera feo 
fucceíTor.  Ós  Embaixadores  de  Hefpanhae 
França,  como  taõ  intereííados  nefta  promo- 
ça5,fe  unem  fortiíTimamente  no  requerimen- 
to delia  ,  e  fe  vifitaõ  frequentemente  com 
larg  as  conferencias. 

Publicada  em  França  e  Inglaterra  a 
Guerra  contra  Olanda ,  vay-fe  paliando  aqui 
e  paíTar-fe-hà  todo  o  Mayo  em  difcurfos  e 
prognofticos  doííicceiro,  que  nem  todos  af- 
leguraõ  aosauthores.  Tem-íe  por  certo  que 
lhe  nao  faraó  embaraço  as  armas  do  Empera- 
dor ,  e  qu;e  eftas  tcraõ  aíTás  que  fazer  na  reíií- 
tencia  do  Turco,  cujos  defignios  fe  naô  co- 
nhecem athegora  com  certeza, porque  as  dif- 
fenfoens  de  Polónia  parece  que  o  convidaô 
áquella  parte  ,  e  as  obrigaçoens  e  intelligen- 
cias  daUngria  e  Croácia ,  parece ,  o  naõ  cha- 
maõ  menos  a  efta.  Os  avizos  de  Veneza 
€oncorda5  em  que  tem  feito  ponte  fobreo 
Danúbio ,  e  que  vay  marchando  para  Bel- 
grado com  oytenta  mil  Cavallos  e  fetenta 

mil 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     443 

mil  Infantes,  a  quem  feguirà^  Graõ  Viíir 
com  o  reftante  do  exercito  qtie  fe  forma^ 
em  Andrinopoli. 

Suppoem  os  Italianos  que  aproveitan- 
dofe Portugal  da  occafiaõ^recuperará  a  índia, 
mas  quando  ouvem  que  partirão  para  làfó 
três  Nãos ,  e  que  naõ  ha  dinheiro ,  dizem 
o  que  nao  refiro  por  naõ  moleftar  mais  a 
V.  Excellencia.  Eícrevem  de  Lisboa  que  te- 
mos lá  facçoens  de  Cabelleiras ,  e  Golilhas. 
Deos  nos  conferve  na  pàs  que  nos  deo  e  a 
V.  Excellencia  guarde  Deos  muitos  annos, 
Roma  7  de  Mayo  de  167^. 

Crcado  de  V.  Excellencia. 


António  Vieyra, 


Kkk  ij 


GAR- 


;^*i'^.^.>i>í'  'fry  ^■ ' 


444 


e  A  R  T  A  S 


CARTA  CXXXIV.; 

y^o  Marquês  de  Gouvea. 

XCELLENTISSÍMO  Senhor:  Eal- 
tey  com  carta  afemana  pafladapor 
_____  eftar  fora  de  Roma  em  lugar  oade 
naõ  tive  por  quem  a  pudeííe  remetter.  Era 
eíte  Albano,  muy  accr editado  pela  bondade 
de  feos  ares  ,  e  onde  a  mayor  e  melhor  par- 
te da  Corte  vay  lograr  eftè  beneficio  nos 
dias  da  Primavera,  mas  para  mim  na5  hà 
mudança  em  que  experimente  melhoria  , 
porque  fempre  me  levo  comigo. 

Efta  mefma  experiência  me  eníina  o  re- 
putar por  menos  eíEcâs  a  mudança  de  Ma- 
drid a  Lisboa,  que  eu  tinha  por  único  re- 
médio àfaude  de  V.  Excellen  cia.  Sinto  que 
o  achaque  teime  tanto  a  repetir  ,  qwe  naõ 
baftem  tantos  auxilios  da  medicina  ao  ven- 
cer, e  feja  V.  Excellencia  obrigado  atirar 
fangue ;  e  fó  me  confola ,  que  nos  princí- 
pios da  Primavera  o  que  he  remédio ,  pode 
íer  juntamente  prevenção. 

Em 


"^^^ 


/  DO  P.  ÂNTrONIO  VIEYRA.  4^3 
"  Em  Roma  naõ  há  noTidade  5  teméo-íè 
grande, a  femana  palTada.,  porque  S.  Santi- 
dade fe  achou  mal,  de  modo  ^  que  naõ  pode 
dar  a  bençaõ  em  dia  da  Afcençaõ ,  masho- 
jà  e  amanhãa  aíTiftirà  já  a  todas  as  funções 
defta  Solemnidade. 

Para  a  nomeação  de  Gapellos  fe  efpera- 
va  foffem  mais  que  os  cinco ,  e  fe  temefe- 
J2L  o  primeiro  o  do  Cardeal  Brancacio,  que 
ÍBca  fobre  81  annos  doente,  e  recahido. 
^  De  Polónia  naõ  ha  mais  que  a  perfever 
rança  da  uniaõ  5  mas  duvida- fe  queeftean- 
no  poflaõ  fahir  em  campanha.  Trinta  mil 
combatentes  com  que  o  Mofcovita  os  man- 
dava aíTiftir ,  dizem  for  aõ  desfeitos  pelo  Tár- 
taro, e  que  o  Turco  vay  reforçando  as  fuás 
tropas.  No  poder  naval  naõ  fe  falia  ,  e  fe 
alliviaõ  os  receyos  com  a  máxima  daquelle 
Império  em  naõ  emprender  duas  guerras  no 
mefmo  tempo.  Em  Alemanha  fe  armaõ  to- 
dos osPrincepes;  naõfefabem  os  intentos; 
fervem  as  negoeiaçoens.  Tem-fe  por  certo 
o  cazamentodoEmperador  com  a  Princefa 
Infpruch  ,  e  que  fará  a  viagem  com  gran- 
de rodeyo  por  naõ  paflarpell as  terras  de  ou- 
tro Princepe. 

ElRey 


'if  «I 


44<í  CARTAS 

ElRey  de  França  já  fica  em  campanliít 
e  o  Princepe  de  Conde  em  Utrecht.  Tem- 
fe  por  mais  provável  que  fera  atacada  al- 
guma praça  deFlandes,  e  tanto  mais  fe  cre^ 
quanto  dizem  aqui  os  Gaftelhanos  que  em 
Cádis  fe  fazia  reprezalia  em  toda  a  prata  da 
frota  pertencente  a  mercantes  Francezes. 
Também  ouço  que  os  dous  Reys  fazem  no- 
vas inftancias  na  noíTa  Corte  pelo  rompi- 
mento com  Caftella.  O  certo  he;  que  algum 
de  feos  Miniftros  deo  hum  memorial  ao  Pa- 
pa fobre  o  provimento  do  Bifpado  de  Ceu- 
ta ,  em  que  nos  tratava  ta5  indecentemen- 
te, e  com  tais  íiippoíiçoens  na  linceridade 
da  pás  ,  que  naõ  fera  muito  de  eftranhar 
termola  por  fofpeitofa  ,  e  tratarmos  os  vi- 
zinhos como  declarados  inimigos  ,•  mas  ni 
to  naõ  nos  dizem  nada  de  novo.  Deos  guar- 
de a  ExcellentiíTima  Peffoa  de  V.  Excellen- 
cia  muitos  annos ,  como  dezejo ,  e  o  noíTo 
Reyno,  e  os  creados  de  V.  Exccllencia  ha- 
vemos mifter.  Roma  IO  de  Mayo  de  1^73. 

Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


CAR- 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.     447 


CARTA  CXXXV. 

Ao  Marques  de  Gouvea. 


EXCELLENTISSIMO  Senhor :  Na5 
quizera  que  a  faude  de  V.Excellencia 
fofle  neutra ;  defte  género ,  e  por  efte 
meyo  fe  pafla  ao  fim  que  tanto  dezejamos 
e  havemos  mifter.  Supra  Deos  o  que  athe- 
gora  naõ  pode  a  medicina,  pois  o  merece 
a  finezq,  com  que  V.  Excellencia  eftima 
mais  o  bem  d^a  Pátria  que  ô  du  faude ,  e  quer 
antes  a  paciência,  ,  que  a  mudança.  Ouço 
que  fe  acoafeiha  êfta  aV.  Excellencia  com 
todo  ò  amor  e  eficácia  ,  ífíâS  eu  me  naõ 
quero  retratar  de  fer  mayor  generofidade 
fèrvir  aos  Frincepes  qíie  obedecer  aos  Pays, 
pofto  que  he  o  diótame  da  Senhora  Mar- 
queza  que  eftâ  em  Lisboa  ,  c  do  mais  fiel 
creado  que  V.  Excellencia  tem  \tm  Ro- 
ma. 

Aqui  fe  fes  agora  promoça5  de  quatro 

Cardcaes 


448  CA  IV^T  A  S 

Cardeaes,  Nerli,  Florentino,que  eftava  Nún- 
cio em  França,  Caftaldi,  Genovês, Thezou- 
reiro  da  Camera  Apoftolica ,  Cafanati, Na- 
politano Secretario  da  Congregação  de  Bif- 
pos  e  Regulares ,  Bafadoni,  Veneziano,  Pro- 
curador de  S.  íylarcos  ,  que  foy  Embaixador 
nella  Corte,  nefta,  e  na  de  Inglaterra,-  to- 
dos alfim  Italianos  ^  ficando  o  quinto  Ca- 
pello  m  peElore ,  e  naõ  fendo ,  neni  haven- 
do fer  para  Portugal,  pofto  que  os  preten- 
dentes daquelle  Reyno  fe  deixarão  facil- 
mente enganar  na  crença,  ou  cfperàn^ado 
contrario.  :^}f'^  '      -•-       > 

Sentemos  Callelhanos  por  cà, que  em 
Madrid  fe  feguiíTem  votos  de  paz  ,  que  os 
Francezes  igualmente  eftimaõ  e  celebraõ, 
promettendo-fe  a  ultima  vidoria  de  Olan- 
da,  que  fera  o  principio  da  fua  guerra.  Peyor 
he  fó ,  que  bem  ou  mal  acompanhado.  De 
Polónia  e  do  Turco  ainda  naõ  hà  couza 
certa  ,  mais  que  os  ruins  vaticinios  >  que 
coftwma  pronietter  a  pouca  uniaõ  e  pouco 
dinheiro.  Deos  proveja  deftes  dousfòcorro^ 
ao  noflío  Reyno,  donde  feefcrevem  muitas 
couzas  em  contrario  ,  e  a  V.  Excellencia 
guarde,  como  dezejo,  e  o  mefmoReyno,  e 

os 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  44S^ 
os  creados  de  V.  Excellencia  havemos  mif- 
rer.  Roma  17  de  Junho  de  1673. 

Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra. 


CARTA  CXXXVI. 

^0  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor :  Mui- 
tos dias  hà  me  naõ  alegrarão  tan- 
to as  cartas  de  que  V.  Excellencia 
me  fas  mercê,  como  efte  efcritinho  de  31 
de  Mayo ,  todo  de  dentro  e  fora  da  maõ  de 
V.  Excellencia ,  que  parece  hum  grande  re- 
greflb  da  inteira  íaude  ,  e  de  V.  Excellencia 
eftar  reftituido  áquella  antiga  diligencia, 
e  robuftêz  ,  com  que  depois  de  haver  vifi- 
tado  todo  o  hofpital ,  às  oyto  horas  da  man- 
hãa  em  menores  dias  que  os  d'agora  ,  tinha 
V.  Excellencia  defpachado  por  maõ  pro- 
Tom.  L  LU  pria 


41o:  CARTAS 

pTÍa    a  fnayor  parte    do   correyo.     ijiy  :^i 

Neíle  foube  que  mandara  Y.  Excdlcn-^ 
cia  requerer  a  graça  do  Chantrado  de  Évo- 
ra para  hum  filho  da  Senhora  CondeíTa  de 
Santa  Cruz :  e  também  V.  Excellencia  ha- 
verá fabido  as  grandes  diligencias  e  em- 
penhos ,  que  ainda  defta  Corte  fe  fazem  pe- 
lo mefmo  beneficio.  V.  Excellencia  fem- 
pre  obrou  com  menos  trabalho  ,  e  mayor 
eíFeito ,  porque  applica ,  e  fe  ferve  dos  inA 
trumeoíos  mais  proporcionados  ,  como  V". 
Excellencia  fez  neíla  occafiaÕ ,  em  que  ef- 
pero  prevaleça  o  refpeito  de  V.  Excellen- 
cia a  todas  as  outras  negocia-çoens  :  as  que 
cõubèraÕ  na  minha  esfera ,  foraõ ,  apontar  as 
razões  da  preferencia^e  incomparável  excello 
delia  y  com  tudo  o  mais ,  na5  fendo  neceflaria 
muita  eloquécia  para  o  períuadir,  e  o  d  go  pa- 
ra que  feja  prefente  a  V.  Exc.  que  naõ  falto  à 
minha  obrigação  ,  nem  me  he  neceíTario  nas 
matérias  do  ferviço  de  V.  Excellencia  outro 
arvizo  ,  que  a  noticia  deíle. 

Aqui  começa5  a  chegar  as  primeiras 
flores  da  Campanha,  que  querendofe  co- 
lher em  Sans  de  Gante  ,  por  fe  haverem  def- 
cuberto  certas  intelligencias  ,  íe  paíTou  o 

exercito 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYR A.  4f^ 
exercito  d^ElRey  Chriftianiffimo  a  Maflrich 
menos  bem  prefidiado  efte  anno  ,  que  o 
paffado  ,  e  com  manifefto  rifco  ,  fe  neíía 
Corte  ,  e  na  de  Viena  fe  naó  derretem  os 
gelos  da  frialdade  Alemaa 

Das   Armadas  navaes    fabemos    que  fe 
combaterão  em  Oftende   aos  fete  do  paíTa- 
4o  ,   e  que  durou  aquella  batalha  deíde  o 
meyo   dia  athè  às  oyto  ,   em  que  fe  viraó 
arder,  e  voar  alguns  Navios  ,  porque  o  ven- 
to os  hia  amparando;  efe  entende,  que  nó 
<lia  feguinte  tornariaõ  a  provar  ,  ou  conti- 
nuar fortuna.  Dentro  em  quatro  dias  fe  ef- 
pera  aqui   hum  Embayxador  de  Mofcovia. 
De  Polónia  e  Turco   naõ   ha  mais  que 
preparaçoens.  Deos  guarde  a  V.  Excellen- 
cia  muitos   annos  ,   como  o  Reyno  ,   e  os 
creados  de  V.  Excellencia  havemos  mifer. 
Roma  o  primeiro  de  Julho  de  i(>73» 

Creado  de  V.  Excellencia. 

> 

António  Viçyra. 


LUij 


CAR- 


4J1 


CARTAS 


CARTA  CXXXVII. 

y^o  Marquês  de  Gouvea. 


XCELLENTISSIMO  Senhor :  NaÕ 
fou  taõ  defvanecido ,  que  cuide,  me- 
[^  rece   a  minha   faude   o  cuidado   de 
V.  Excellencia ,  mas  fou  taõ  experimenta- 
do na  mercê  com  ojue  V.  Excellencia  hon- 
ra a  efte  creado  feo  ,  que  naõ   duvido    to- 
da a  dcmonftraçaõ  que  V.  Exc.  he  fervido 
fignificarme.  Dè  Deos  a  V.  Exc.    a  inteira 
faude  que  eu  dezejo ,   que  tudo   o  mais  im- 
porta pouco.  Nem  o  retiro  de  Albano,  nem 
outros  divertimentos  me  ajudaõ  a  reparar  os 
dous  princípios  da  vida  ,   em  que  fempre 
me  vejo  mais  atrazado,  naõ  podendo  dor- 
mir, nem  lograr  o  comer  ,•  com  que  de  no- 
vo  me  receitaõ   os   ares   de  Nápoles  ,  que 
por  ferem  deíTa  Coroa  ,   naõ  fey  fe  me  fe- 
raõ  mais  favoráveis   •  mas  ainda  naõ  fey  o 
que  fera  em  quanto  eftamos  nos  mezes  em 
que  fe  naõ  pôde  entrar ,  nem  fahir  de  Roma. 

Aqui 


DO  ?•  ANTÓNIO  VIEYRA.     453 

Aqui  fe  ficaõ  dando  batalhas  fobre  o 
Chantrado  de  Évora  ,  cm  que  no  fegundo 
correyo  foy  foccorrido  hum  filho  do  Con- 
de de  Villa  Flor  com  huma  carta,  em  que 
S.  A.  ordena  ao  Refidente  o  peça  para  ellc 
em  feo  nome ,  com  que  fe  fulpendèraõ  to- 
das as  armas  do  noflo  Reyno,  aíTiftidâs  po- 
derofamente  de  quantas  Purpuras  ha  em 
Roma ,  empenhadas  as  mais  delias  por  in- 
tercefTaõ  defla  Corte :  e  ifto  he  tudo  o  que 
poíTo  dizer  a  V.  Excellencia  fobre  efte  ne- 
gocio ,  em  que  o  Refidente  ,  como  já  ef- 
crevi ,  fe  moftrou  taõ  fervidor  de  V.  Excel- 
lencia ,  que  naõ  quiz  deixar  parte  de  me- 
recimento aos  creados  que  V.  Excellencia 
aqui  tem. 

».  Também  ouço  ,  porque  o  naõ  fey  por 
-via  mais  authentica,  que  cedo  hirà  a  S.  A. 
hum  Breve  extraordinário  para  que  íe  coroe  5 
fó  me  havia  dito  o  Refidente  por  vezes  , 
que  S.  Santidade  áq  motu  próprio  lhe  fal- 
lava  niíToj  e  me  declarou  mais  o  dezejo  e 
conveniência  da  cooperação.  E  que  me  di- 
rá V.  Excellencia  a  correr  em  Roma ,  que 
ElRey  Carlos  II.  caza  com  a  Princeza  de 
Portugal ,  allegandofe  exemplos ,  de  que  os 

def- 


4J4  CARTAS 

defpoforios  fe  podem  celebrar  em  taõ. pou- 
cos annos  ?  Eu  naõ  pergunto  a  V.  Excel- 
lencia  eíle  arcano  ,  porque  o  naõ  creyo  ,• 
mas  íè  V.Exc.  mo  perguntar ,  quem  fe  nomea 
^por  author  defta  grande  obra  ,  podello-hey 
dizer  a  V.  Excellencia  ,  e  quando  tenha 
qualquer  fundamento ,  direy  também  o  que 
íinto. 

Se  V.  Excellencia  tem  mais  certas  no- 
ticias do  íiicceíTo  das  três  batalhas  navaes 
que  aqui  chegaõ  por  Flandes,  e  França,  li- 
vrará V.  Excellencia  a  Roma  da  mayor 
confufaõ ,  em  que  íe  viraõ  as  duas  parcia- 
lidades ,•  fe  bem  a  de  França ,  com  as  hof- 
tilidades  contra  Génova,  fempre  vaydimi'* 
nuindo  entre  os  Italianos.  Em  quanto  íe 
naõ  confegue  o  fim  de  lançarem  os  Reali- 
'ftas  gente  em  terra  de  Zelanda  ,  ou  Olan- 
da,  fe  eftaõ  de  melhor  partido  os  Olande- 
xes ,  ainda  que  fe  queimem  Rui  ter  e  Tromp. 
Polónia  mal  armada  como  dantes.  No  Tur- 
co athègora  naõ  fe  falia,  como  o  anno  paf- 
"fado.  As  Galés  de  Malta  tiveraõ  huma  vi- 
doria,  em  que  tomáraõ  quatro  Navios  ,  e 
outros  quatro  muito  ricos.  Agora  me  di- 
zem, que  Schomberg  he  paíTado  a  Ingla- 
terra 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEY RA.      45^ 

tó^ra  F^ara  governar  as  armas  t^rreftresíiem 
Zelanda ,  ou  Olanda ,.  com  qiae  parece  íeef- 
pêra  poderfe  fazer  o  defemb arque. D eos  guar- 
de a  V.Exeellenciâ  muitos  annos, como  deze? 
jo ,  eos  creados  de  V.  Excellencia  havemos 
mifter.  Roma  II.  íq  Julho  de  167^^         'D 

Creado  de  V.  Excellencia 


António  Vieyra. 


CARTA  CXXXVlIlJ 

^0  Marquês  de  Gouvea. 

EXCELLENTISSIMO  Senhor :  Hon- 
rem chegarão  aqui  dousPad  resAr- 
rábidos  ,  dando  de  cordonaços  às: 
mutaçoens  de  Roma ,  que  me  deraõ  muito 
particulares  e  melhoradas  novas  da  faudc 
de  V.  Excellencia,  cora  as  quaes  me  tinhaõv 
aíTaz  fubornado  ,  fe   eu  fora  Miniftro  da 

Con- 


Gongregâçaó ,  aonde  vem  bufcar  taõ  cali- 
ficaràa  juftiça.  Eu  me  oíFereci  afervillos  em 
quanto  por  mim  ,  e  pelos  amigos  preftar  , 
como  farey ,  e  devo  em  tudo  o  que  V.  Ex- 
tellenciâ  for  fervido  ordenarme.  Jà  neíTa 
Corte  íê  crera ,  que  ElRey  de  França  ci- 
tiou,  e  rendeo  Maftrich  em  menos  de  quin- 
ze dias.  Todos  os  Italianos  que  eftavaõ  den- 
tro ,  e  os  Cabos  Hefpanhoes  morrerão  ,  e 
depois  que  ficáraõ  fó  os  foldados  Olande- 
dezes ,  lendo  mais  de  quatro  mil  ,  naõ  po- 
de o  Governador  ,  matando  mais  de  vinte, 
obrigallos  a  que  fizeíTem  cara  ao  inimigo, 
e  aflim  fe  rendeo.  Eftes  faÕ  os  valentes  que 
nos  tem  em  feo  poder  Mina ,  Ceilaõ  ,  Ma- 
laca ,  Côchim ,  e  tudo  o  mais.  Naõ  fey  fe 
baftarà  efte  exemplo  ,  fobre  o  de  Pernam- 
buco e  Angola,  para  que  os  conheçamos  , 
e  nos  conheçamos ,  e  naÕ  queiramos  ,  que 
das  vid:orias  de  França  fejaõ  os  mais  ricos 
defpojos  os  noíTos.  Jà  naÕ  poíTo  refponder 
ás  injurias  que  aqui  fe  dizem  contra  nós  , 
nao  ficando  de  fóra  os  vizinhos  de  V.  Ex- 
cellencia  com  terem  mais  apparente  defcul- 
pa.  Os  Polacos ,  como  fe  aconfelhàra5  com 
numa  terra  que  eu  fey,  naõ  "fazem  nada  na 

fua 


DO  P.  ANTÓNIO  VÍEYR A.  457 
fua.  O  Turco  eftâ  jâ  com  grande  exercito 
em  campanha  ,  efperaõ-fe  as  novas  que  íè 
podem  efperar  •  e  aqui  fe  vive ,  e  bebe  frio 
alegremente  •  eílamos  em  vefpera  de  Santo 
Ignacio ,  dia  muito  occupado  nefta  Caza. 
Deos  guarde  a  V.  Excellencia  ,  como  deze- 
Jo  ,  e  os  creados  de  V.  Exceilencia ,  e  o 
noÁo  Reyno  ha  miíler.  Roma  30.  de  Ju- 
lho de  1^73. 

Creado  de  V.  Exceilencia. 


António  Vieyra. 


CARTA  CXXXIX. 

y^o  Marquês  de  Gouvea. 


\  XCELLENTISSIMO  Senhor  :  Ha 
muitos  dias  me  falta  o  coftumado 
favor  de  novas  de  V.  Exceilencia^. 
«comparando  a  nolTa  Corte  com  adeMa- 
^     Tom,  h  Mmm  drid, 


^58  C  A  R  TA  S 

<âí'íd ,  neíla  diíferença  naõ  lhe  acho  outra  ^ 
que  a  de  fer  Corte  em  Cortes ,  e  por  iíTo  eu 
também  com  advertência  (e  naõ  defcuido) 
me  tenho  abílido  em  alguns  correyos  de  to- 
mar o  tempo  a  V.  Excellencia ,  que  fup- 
ponho  muy  occupado  em  confelhos  ,  pois 
naõ  acabaõ  de  fahir  as  refoluçoens  ,  que  tem 
fufpenfa  a  expedaçaõ  do  mundo. 

Efte  noíTo  goza  felicilTima  paz ,  e  naõ 
fe  fabe  o  nome  a  temor ,  nem  a  guerra , 
mais  que  quando  chegaõ  os  correyos  do 
Norte  5  em  que  athegora  a  tem  embargado 
os  gelos  ,  pofto  que  com  duas  fangrias  ,  hu- 
ma  cm  Borgonha,  outra  no  Palatinado,  de 
que  naõ  correo  muito  fangue. 

A  Génova  fe  pedem  ainda  de  França  os 
Artilheiros  ,  que  conftantemente  fe  negaõ. 
No  Turco  naõfe  falia.  Kaminies  eftà  ci- 
tiada  pelos  Polacos ,  e  apertada  em  tal  for- 
ma ,  que  por  horas  fe  efpcra  a  fua  recupe- 
ração. Neftemez,  éfcrevem,fe  fará  a  elei- 
ção de  Rey  :  e  que  athegora  moftraõ  ter  me- 
lhor partido  o  Duque  de  Lorena^  e  o  filho 
do  Princepe  de  Conde.  A  coroação  (Ie:S. 
A.  fe  efpera  e  dezeja  ,  c  fe  prognoftica^ , 
que  fera  com  aufpicios  de  clemência^   baP 

tándo 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.  459 
tatido  por  caftigo  a  alguns  delinquentes  ha- 
vello  merecido.  Ao  Senhor  Bifpo  Conde  , 
fe  ainda  he  hofpedede  V.Excellencia,  bei- 
jo mil  vezes  a  maó  ,  e  Deos  guarde  a  Va 
Excellencia.  Roma  7.  de  Abril  de  1674. 

Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra, 


CARTA  CXXXX. 

Ao  Marquês  de  Gouvea. 

-W~^  XCELLENTISSIMO  Senhor :  Hu- 
1-^  ma  carta  que  li  defte  correo,  diz  , 
JLv  que  fervçm  neíTa  Corte  os  Confe- 
Ihos  de  Eftado  •  e  efta  occupaça5 ,  junta  com 
a  da  continua  affiftencia  do  Paço ,  creyodô 
a  caufa  de  me  faltarem  ha  tantos  dias  no- 
vas de  V.  Excellencia.  Nunca  tanto  as  he 
z.êjey ,  nem  tanto  as  houve  mifter ,  porque 

Mmm  ij  de^ 


CARTAS  •'  Oa 
depois  que  V.  Excellencia  me  fez  mercê 
dizer ,  achara  Lisboa  convertida  em  Baby- 
lonia,  todas  as  confufoens  que  de  lá  fe  es- 
crevem ,  fe  me  fazem  criveis ;  e  fendo  tan-- 
tas  e  taes  ^  que  excedem  toda  a  fé  ,  bem 
conjeduro  qual  fera  em  todas  as  matérias 
o  voto  de  V.  Excellencia,  mas  temo  mui- 
to, que  naõ  fejafeguido,  pois  todos  os  avi- 
zos  vem  cheyos  de  queixas  ,  e  dilaçoens ,  que 
faõ  melhores  para  temperar  achaques,  que 
para  farar  enfermidades  agudas ,  e  de  fim.p- 
tomas  taõ  perigofos  ,  como  por  cà  fe  pu- 
blicaõ.  Os  que  V.  Excellencia  n' outro  tem- 
po chamava  vizinhos ,  nos  promettem  pou- 
cos mezes  de  vida,  e  os  que  agora  faõ  vi- 
zinhos de  V..  Excellencia  nas  reílricçoeos , 
e  mifterios  com  que  fali  ao ,  parece  que  re- 
ceyaõ  o  mefmo.  Sirvafe  V.  Excellencia  pe- 
k  mercê  que  V.  Excellencia  me  coftuma 
fazer,  naÒ  de  communicarme  os  arcanos 
facrofantos,  mas  de  mandarme  participar 
ó  que  diz  a  regateira  de  V,  Excellencia, 
que  fempre  fera  mais ,  ou  mais  certo ,  do- 
que  moíirao  faber  os  noífos  Míniílros  deJP 
tas  bandas.        '^rul^í  .nr':y  fl:?:  rH  ,V  ?,h  .'^- " 

■     Das  guerras  e  pazes  do  Norte  terá  V» 

\.       :-:^  Ex- 


í!>í 


DO  P.  ANTOMIO  VÍEYRA:      461 

Excellencia  mais  freícas  noticias    das  que 
aqui  chegaõ  todas  as  femanas.   As  de  Le- 
vante faô  fempre  incertas ,  e  affim  fe  diz  de 
novo,  que  o  avizo  de  haver  o  Turco  meti- 
do íoccorro  emKaminies  hefalfo.  D'ElRey 
de  Polónia  naõ  ha  ainda  refoluçaõ.  Accref- 
centa-fe    aos  oppofitores  de  França  e  Lo- 
rena ,  e  Brandeburg  o  filho  do  Moícovita 
com  grandes  partidos,  hum  dos   quaes  he 
fazer-fe  Catholico.  Daqui  foy  algum  dinhey- 
ro  (naõ  muito)  tirado  das  decimas  dos  Ec- 
clefraílicos ,  entrando  também  os  Reguia- 
res ,  que  para  efte  fim  fe  lhes  impuzera5  de 
íiovo.  O  Embayxador  de  Veneza  reclamou 
pela  fua  Republica.   O   de  Génova  eftà  já 
accommodado  com  França  ,   defiftindo  El- 
Rey    da  pretençaõ    dos  bombardeiros  ,  e 
mandando  reftituir  a  gale  a  Marfelha  ,  em 
que   fc  efpcra   triunfante  Monjenhor  Du- 
r^azzo,  Correo  eftes  dias ,  que  D.   Domin- 
gos de  Guzman  fo-ra  morto  em  Bolonha  de 
hum  arcahuzaçoj  agora  fe  começa  a  dizer 
que  fora  fal fo  j  mas  he  coftume  nefta  terra 
matarem  os  homens  nas  Gazetas  ,  e  avifos 
putlicos  ou  fecretos ,  quando  naõ  querem  , 
ou  naõ  podem  vingar- fe  de  outra  maneira. 
A  O 


.1  -    Ç  A  R  TAS 

O  Papa  nao  fó  vive,  mas  eftà  para  viver 
muitos  annos. 

A  Raynha  de  Suécia  eftà  mal  tratada 
de  huma  queda,   e  eu  fou  ta5   defcortès , 
que  nao  fuy  á  fua  antecamera  faber  como 
eftava,  fendo  paliadas  três  ou  quatro  fema- 
nas  ,•  o  que  naò  digo  fem  myfterio ,  por  cer- 
ia  allufaõ   de  huma   carta  que  recebi  nefte 
correyo^  e  folgarey  que   lá  fe  fayba  ,  que 
pofto  que  fiz  todas  as  prégaçoens ,  naõ  acei- 
tey  o  titulo  ,  nem  provifaõ  ,  nem  beijey  a 
maõ  àquella  Mageftade ,  nem  fiz  ado ,  pe- 
lo qual  me  pudèfle  obrigar  ao  reconheci- 
mento do  feo  ferviço  o  mais  efpeculativo 
Jurifconfulto ;  falvo  fe  algum  efperava ,  que 
euUie  déíTe  conta  da  obediência  dos  meos 
Prelados.  Se  à  V.  Excellencia  chegou  algu- 
ma noticia  da  allufa5  que  digo,   e  a  mim 
me  nao  declaraõ ,  eftimarey  muito  faber  o 
fundamento,  porque  eu  Ihanaõ  acho,  nem 
de  fado.  &c.  Deos  guarde  aV.  Excellencia* 
Roma  21,  de  Abril  de  167^. 

CreadodeV.  Exc 
António  Vieyra. 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       4^^ 
A  Senhora  D.  Maria  Henriques  ,  iílo  he, 
Irmãa  do  Torre,  me  mandou  agora  rega- 
hr  com  huns  doces   à  Portugueza  por  eu 
andar  indlfpofto,   acompanhando  o  mimo 
com  hum  efcrito  de  muito  má  letra  ,  -em 
que  me  pede  o  favor  de  V.  Excellencia  fo- 
bre  huma  revida  de  certa  demanda  de  feo 
Irmaõ ,  que  eftà  em  maõ   dos  Dezembarga- 
dores  Joaò  Carvalho  de  Maris  ,   e  Joaõ  de 
Roxas  de  Azevedo.  V.  Excellencia  pela  mer- 
cê que  fempre  me  fez  nefte  Tribunal ,  fe  fir- 
va    ampararme  nefte. foborno ,  defórte  que 
naõ    fique  obrigado  á  reftituiçaõ ,  e   para 
que  V.  Excellencia  incline  ília  piedade  a  fa- 
vorecer a  caufa,  accrefcenta  aíupplicante, 
que  ametade  do  procedido  que  lhe  perten- 
ce, a  tem  dedicado  ao  dote  de  duas  fobri- 
fihas,  que  quer  meter  freiras,  enefta terra 
daõ  melhor   conta  de  fi  ,   que  em  Beja.   E 
íobrc  tudo  me  guarde  Deos  aV.  Excellen- 
cia. Segredo  na  forma  do  memorial,  que  fo- 
bre  três  fentenças    conformes,    efpero   que 
tenha  juftiça. 


CAR- 


¥4 


G  A  R  T  Ã  S 


CARTA  CXXXXI. 


jdo  Mar 


vea. 


XCELLENTÍSSIMO  Senhor  :    Por 
certo  que   naõ  faberey   fignificar    a 
V.  Excellencia  os  eíFeitos  que  cau- 
fou  na  minha  alma  efta  carta  de  que  V.  Exr 
cellencia  me  fez  mercê ,  efcrita  em  14    de 
Abril ,  havendo  tantos  dias  que  fe  tinha  def- 
continuado  efte  favor  ,  nunca  interrompido 
em  quanto  V,  Excellencia  efteve  em  Ma- 
drid. Os  ares  de  Lisboa,   bem  fey  que  me 
naõ  faõ  propicios  ,  mas  também  me  tem  en- 
íinado  a  experiência,  que  a  benignidade  do 
animo  de  V.  Excellencia  na5  fe  muda  com 
os  climas.EaíIím  me  fícafó  lugar  defentir,que 
a  câufa  defta  diíFerença  feja  a  que  V.  Ex-* 
cellencia  tem  padecido  na  faude  :   quererá 
Deos  que  asagoas  de  Afpaâ  com  a^  entrada 
da  Primavera   tenhaõ  obrado  os  milagres 
que  os  Médicos  promettia5   da  fua  taò  ce- 
lebrada virtude  ^  mas  também  tenho  ou- 
vido 


À 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA,      4^5 

vido  que  fóra   da  terra  do  feo   nafcimento 
naõ  coílumaõ  ter  tanta  efficaciar  A   nova 
Raynhâ  de  Polónia,   Franceza  de  Naçaõ  ^ 
tem  tal  propriedade  ,  que  concebendo  na^ 
quelle  Reyno  ,  para  que  fe  lhe  logrem  os  par- 
tos ,  hade  vir  a  parir  á  França.  E  pois  fal- 
Jey  em  Polónia  ,   quero  pagar  á  regateira 
de  V.  Excellencia  de  quem  fempre  naõ  fó  fuy 
devoto,  mas  devotifíimo  às  fuás  frutas  no- 
vas, de  que  V.  Excellencia  foy  fervido  fa- 
zerme  participante  ,  muito   diíFerentes  das 
que  por  cá  fe  vendem, 

.  Eftamanhãa  chegou  Extraordinário  de  Po- 
Ipnm ,  contra  a  efperança  de  todos  os  avi- 
fos,  que  aos  20  de  Mayo  fora  eleito  por 
Rey  o  General  Sobieíchi  com  univerfal  ap- 
plaufo,  vencendo   as  invejas  da  ultima  vi- 
í^oria  que  teve  contra  os  Turcos,  e  os  em- 
penhos  de  todos  os  Preteníores  ,  que  era 
iHim  Irmaõ  d'ElRey  de  Dinamarca  ,  Hum 
filho    do  Eleytor  de  Brandemburg  ,   e  ou- 
tro   do  Princepe  de  Conde  ,  e  com  ma- 
yor  partido  que  todos,  o  Duque  de  Lore- 
na ,  naõ  fatiando  no  de  Parma  ,  em  cuja 
coroação  eftava  muy  empenhada  a  Caza  Bar- 
berina.  A  Irmaa  do  Emperador  que  fe  ef- 
Tom,  L  Nnn  perava 


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í*  í  .iwv  »«j<SíH?wíflSt»*5(fn*''  ■ 


4^^  CARTAS 

perava  cazaffe  neíla  eleição  ,  tornará ,  fe- 
gundo  fe  crè,  para  Viena,  onde  ella  naô 
fera  muito   applaudida  ,   porque  Sobiefchi 
por  aíFedo  e  benefícios,  he  todo  Francês  ; 
mas  cera  Polónia  a  Coroa  na  cabeça   de. 
hum  grande  Toldado  ,   bem  neceflario  con- 
tra os  exércitos  do  Turco ,  que  unido  com 
o  Tártaro  campeava  fem   refiftencia.  El- 
Rey  de  França ,  quando  fe  cuidava  hiria  fo- 
bre  Flandres  ,  enveftio  a  Franche-contè  , 
onde  entrou  nos  primeiros  de  Ma  y-o ,  pon- 
do íitio  a  Befançon ,  que  athegora  fe  defen- 
de galhardamente.   O  Conde  Caprara  por 
carta  que  aqui  efcreveo  a  hum  feo  Irmaõ , 
como  hum  dos  Generaes  do  Império  ,  pro- 
mette  introduzir  foccorro  a  viva  força,  fem 
embargo  da  oppofiçaõ  do  Marifcal  de  Tu- 
rena,  prevenido  por  ElRey  para  lhe  impe^ 
dir  o  paíTo.  De  Flandres  para  onde  partio 
o  Princepe  de  Conde  ,  fe  naõ  ouvem  athego- 
ra mais  que  bravatas.  Vi   carta  de  peífoa 
fidedigna ,   em  que   fe  referia  haver  dito  o 
Conde  de  Aírentar,que  a  Liga  fe  achava  com 
cincoenta  mil  cavallos.Tr5p  c  Ruiter  tinhaò 
partido  a  embarcarfe  na  Armada  ,  que  fobre 
hum  grande  numero  de  Vazos  grandes ,  leva 

mai$ 


^ 


DO  P.  ANTÓNIO  VIEYRA.       4^7 
mais  de  cento   menores  para   o  defembar- 
que.  Naõ  fe  fabe  onde  defcarregará  o  ra- 
yo,  qae  fe  entende. fera  de   pouco   efteito 
em'  qualquer  porto  de  França.   De  Nápo- 
les/Sicilia,  e  Sardenha  partem  as  Galês  a 
aiuntarfe  com   as  do  Duque  de  Torfis  em 
Barcelona,  c  dizem  os  antigos  vizinhos  de 
V.  Excellencia,  que  eftas  com   as  demais, 
em  numero  de  trinta  e  cinco,  encorporadas 
com  a  Armada  de  Cádis ,   e  outros  Navios 
Olandezes  citiarâò  Colibre  por  mar ,   mar- 
chando por  terra  o  Duque  de  S.   German 
com  vinte  e  oyto  mil  infantes  ,  e  oyto  mil 
cavallos.  Se  aífim  hc  ,  bem  terá  que  fazer  o 
Conde,  ou  Duque  deSchomberg,  mas  pa- 
rece a  forma  do  apparato  mayorque  o  no- 
me da  empreza.    O  Papa  eftà  para  abrir  c 
fechar  a  portado  Anno  Santo,  e  ifto  he tu- 
do o  que  poíTo  dizer  a  V.  Excellencia  def- 
tas  partes ,  fendo  muito  mais  as  novas  que 
pudera  dar  de  Lisboa.   O  noífo  Refidente 
dà  a  entender  que  S.  A.  fe  coroa  ,   e  affim 
o  li  em  huma  carta  fua  5  e  com  ferem  eítes 
fegredos  ta5  públicos ,  na5  mereço  fer  par- 
ticipante delles  :    e   accrefcentava    a   dita 
carta,  fera  fem  duvida,  ainda  que  nenhuma 

Nnn  ij  outra 


así8  CARTAS 

mera  o  diíTeffe,  e  antes  o  contrario.  Ao 
Senhor  Bifpo  Gonie  ,:meo  Senhor ,  beijo  mil 
vezes  a  maõ  ,  e  me  alegro  de  que  os  achaques 
de  S  niuftrilíma  fejaõ  os  que  mais  aiiegu- 
raõ  ambas  as  raixes  da  vida.  Deos  guarde 
a  V.  Excellencia  muitos  annos  ,  como  elte 
Reyno,  hoje  mais  que  nunca,  e  os  creados 
de  V.  Excellencia.  havemos   mifter.   Roma 

3.  de  Junho  de  tá74' 

Creado  de  V.  Excellencia 
António  Vieyra. 

FIM 

do  PrimeiroTomo. 


iJl- 


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